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DOSSIÊ

Ataques ao
Jornalismo e
ao seu Direito
à Informação
Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação é uma Supervisão editorial:
publicação da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e do Rogério Christofoletti
Observatório da Ética Jornalística (objETHOS) da Universidade Samuel Pantoja Lima
Federal de Santa Catarina, produzido como marco ao Dia Mundial Maria José Braga
da Liberdade de Imprensa, celebrado em 3 de maio de 2022.
Pesquisa, entrevistas e redação:
O dossiê é de distribuição gratuita, dirigido a todos os públicos, e Alisson Coelho
está sob licença Creative Commons CC BY-NC, que permite que se Janara Nicoletti
distribua, altere e modifique o conteúdo para uso não-comercial, Rogério Christofoletti
desde que as fontes – FENAJ e objETHOS – sejam citadas. Samuel Pantoja Lima

Revisão e apoio de produção:


Dairan Mathias Paul
Mariane Nava
Raphaelle Batista

Projeto gráfico e diagramação:


Cesar Valente

Ilustrações:
Frank Maia

Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária


da Universidade Federal de Santa Catarina

D724 Dossiê FENAJ-objETHOS [recurso eletrônico] : ataques ao jornalismo e ao


seu direito à informação / Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ),
Observatório da Ética Jornalística (objETHOS) da Universidade Federal
de Santa Catarina. – Florianópolis : UFSC, 2022.
41 p. : il.

E-book (PDF)

ISBN 978-85-8328-089-7

1. Jornalistas – Crimes contra. 2. Liberdade de imprensa. 3. Violência


no ambiente de trabalho. 4. Assédio no ambiente de trabalho. 5. Direito à
informação. 6. Ética jornalística. I. Federação Nacional dos Jornalistas
(Brasil). II. Universidade Federal de Santa Catarina. Observatório da Ética
Jornalística.

CDU: 070.13

Elaborada pelo bibliotecário


Fabrício Silva Assumpção – CRB 14/1673
DOSSIÊ

Ataques ao
Jornalismo e
ao seu Direito
à Informação

2022
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Uma parceria pelo jornalismo e para a sociedade..... 6
INTRODUÇÃO
Seus direitos estão em perigo .................................... 8
1
Por trás dos números, pessoas reais ........................ 10
Uma profissão que está se tornando de risco 12
Por que o jornalismo está sob ataque? 13
Quem agride os jornalistas? 14
Quem são as vítimas? 15

2
Precarização, uma violência diária e invisível.......... 16
Normalização de abusos e assédios 17
Efeitos muito além da redação 19
Um problema estrutural 20

3
Como a violência contra jornalistas atinge você ...... 22
Direito de saber 22
Formas de enfrentamento 25
O jornalismo é um bem público 27
Violência ajuda a desinformação 28
Estudo aponta falhas na proteção 29

4
Para deter as agressões, a bem da sociedade .......... 32
Protocolo Nacional de Segurança 33
Federalização dos crimes 34
Protocolo da FENAJ prevê a adoção de medidas protetivas 35
Recomendações 36
APRESENTAÇÃO
Uma parceria pelo jornalismo e para a sociedade
Maria José Braga* mente pode se efetivar com o exercício da cidadania. E
cidadania constitui-se de cidadãos e cidadãs que agem

O
* Presidenta da jornalismo é uma atividade profissional pre- em sociedade depois de formarem seus juízos acerca dos
Federação Nacional sente no cotidiano da maioria das mulheres e fatos e dos debates, a partir de informações confiáveis.
dos Jornalistas (FENAJ)
homens que habitam o planeta Terra. O que Também não é coisa nova os ataques ao jornalismo
pode parecer um exagero – e não há um dado e a quem o exerce. Justamente pela relevância social do
científico para comprovar essa assertiva – é, jornalismo, pessoas, grupos e até mesmo instituições
na verdade, uma constatação empírica: as informações que não partilham dos valores democráticos querem
jornalísticas revelam a realidade imediata, pautam o de- enfraquecê-lo ou instrumentalizá-lo, o que é sinônimo
bate na esfera pública e influenciam a tomada de deci- de destruí-lo. E como não existe jornalismo sem jornalis-
sões, em especial, as que afetam as vidas de uma comu- tas, os trabalhadores e trabalhadoras da notícia são as
nidade específica, de várias delas ou da maioria. vítimas diretas dos ataques ao jornalismo, sofrendo no
Houve uma época, no passado recente, que era rela- corpo e na alma agressões variadas.
tivamente comum falarmos do jornalismo como o Contraditoriamente, até mesmo atores sociais que
“quarto poder”, atuando em conjunto (e muitas vezes ri- reconhecem a importância do jornalismo, muitas vezes
valizando) com os poderes Executivo, Legislativo e Judi- não identificam nos ataques à liberdade de imprensa e
ciário, constitutivos da República. Não é novidade, por- nas agressões diretas aos/às jornalistas, violações ao di-
tanto, que com um pouco de intuição e muito de percep- reito à informação, à constituição da cidadania e à de-
ção dos fatos, as sociedades democráticas reconheçam o mocracia. É um desafio, portanto, revelar ao conjunto
jornalismo como um dos pilares da democracia, que so- da sociedade a relação direta entre a violência contra
os/as jornalistas e a fragilização dos valores, das práticas
e das instituições democráticas.
“O ataque ao A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e o Ob-
servatório da Ética Jornalística (objETHOS) encaram esse
jornalismo é desafio de formas diferentes no cotidiano. A FENAJ bus-
também uma ca identificar as agressões e denunciá-las publicamente,
além de apoiar as vítimas e cobrar das autoridades com-
forma de corrosão petentes apuração dos crimes e responsabilização dos
culpados. O objETHOS defende e reforça a importância
da democracia e do jornalismo ao analisar sua prática e também seus re-
ferenciais teóricos e éticos.
das conquistas Aqui, os esforços da FENAJ e do objETHOS se cru-
civilizatórias” zam. O dossiê “Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito
à Informação” traz uma análise detalhada do “Relató-
Maria José Braga
rio de Violência contra Jornalistas e Liberdade de Im-
David Leitão Aguiar

6 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


prensa 2021”, que é produzido pela Federação dos Jor-
nalistas. As análises, feitas a partir dos números do re-
latório e enriquecidas com entrevistas, vão conduzir
leitores e leitoras à reflexão e, certamente, vão contri-
buir para que mais e mais cidadãos e cidadãs com-
preendam a importância do jornalismo e respeitem o
trabalho dos/das jornalistas.
Essa parceria entre uma entidade sindical e outra
acadêmica revela, ainda, o quanto o diálogo é impor-
tante para a prevalência do respeito à pluralidade e di-
versidade de ideias e o quanto o trabalho conjunto gera
bons resultados. Neste caso, gerou uma publicação
acessível a todos os públicos e que vem contribuir para
o fortalecimento do jornalismo.
Queremos ampliar o debate público sobre os direi-
tos humanos, entre eles o direito às liberdades de ex-
pressão e de imprensa. Queremos deixar ainda mais cla-
ro para o conjunto da sociedade que o jornalismo cons-
tituiu-se como uma atividade humana instrumental
para o acesso a esses direitos e, nesse sentido, os/as jor-
nalistas estão entre os/as defensores dos direitos huma-
nos e, como tantos outros, são vítimas de violência pelo
trabalho que realizam.
O dossiê que apresentamos vai além dos dados e es-
tatísticas para estabelecer contextos mais amplos e pro-
fundos, permitindo que a sociedade brasileira com-
preenda que o ataque ao jornalismo é também uma
forma de corrosão da democracia e das conquistas civi-
lizatórias que acumulamos ao longo da história.
O seu lançamento no Dia Mundial da Liberdade de
Imprensa, celebrado em 3 de maio, é uma forma de con-
tribuir com o debate público sobre a consolidação de di-
reitos no país, o respeito mútuo, a dignidade profissio-
nal e sobre o jornalismo como atividade essencial a toda
Capa do Relatório de Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa 2021
sociedade que deseja ser efetivamente democrática. ■

Dossiê FENAJ / objETHOS – 7


INTRODUÇÃO
Seus direitos estão em perigo

O
s números não mentem e os casos são bem Documentos como os relatórios da FENAJ denun-
conhecidos. Ser jornalista no Brasil é uma ciam as muitas agressões, mas também ajudam a me-
atividade perigosa, que pode render ofen- dir a temperatura para o exercício profissional no
sas, agressões físicas, perseguições e ata- país. Não é difícil perceber que o ambiente vem se
ques online. Documentos de diversas orga- deteriorando muito rapidamente desde o impeach-
nizações nacionais e internacionais mostram como ment de Dilma Rousseff, a hesitante gestão de Michel
está em curso uma escalada da violência contra os pro- Temer e o violento governo Jair Bolsonaro. Segundo
fissionais da informação. O relatório de 2021 da Fede- levantamento da Federação, o presidente da Repúbli-
ração Nacional dos Jornalistas (FENAJ) sobre violência ca foi o principal agressor dos jornalistas em 2021,
contra esses profissionais e liberdade de imprensa re- respondendo por mais de um terço dos ataques na
gistrou um trágico recorde com 430 casos. Comparados forma de ofensas verbais ou falas para deslegitimar a
a cinco anos atrás, por exemplo, os ataques aumenta- imprensa. Nos dois anos anteriores, ele já havia tam-
ram 425,7%, algo nunca visto desde que a entidade bém se destacado negativamente com humilhações,
passou a fazer levantamentos em 1998.

428 430

Evolução dos casos

“A impunidade 208
181
é combustível 161
129 137 135
para a violência” 99
81
Maria José Braga, presidenta da FENAJ 62
39
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
Fonte: Relatórios anuais de violência contra jornalistas da FENAJ

8 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


Ameaças à liberdade de
imprensa atingem não
apenas os meios de
xingamentos, gritos e descomposturas em situações comunicação e seus
públicas com jornalistas.
A perseguição aos profissionais de imprensa se ins- profissionais, mas
titucionalizou no Brasil de Bolsonaro: houve mais
agressões nos três anos de seu governo do que as acu- afetam toda a sociedade
muladas em quase uma década, entre 2010 e 2018. Fo-
ram 1.066 ataques entre 2019 e 2021 contra 1.024 nos
nove anos anteriores.
As estatísticas acendem o alerta e não há sinais de
que a situação possa melhorar. Jornalistas estão sendo mas afetam toda a sociedade pois violam direitos, e o
atacados e nada acontece para impedir esta perseguição. mais imediato deles é o direito à informação.
“A impunidade nos preocupa”, afirma a presidente da Este é um debate importante e urgente para o Bra-
FENAJ, Maria José Braga. “Quando as pessoas agridem, sil. Nas próximas páginas, analisaremos os dados mais
atacam e não são punidas, elas entendem que podem recentes da violência contra jornalistas no país. Além
continuar fazendo isso. A impunidade é combustível disso, mostraremos como a precarização no jornalis-
para a violência. O presidente ataca, ataca, ataca e, infe- mo afeta a qualidade das notícias e como a fragiliza-
lizmente, as demais instituições não estão funcionando ção profissional é também outra forma de violência
como deveriam e não acontece nada com o presidente”. contra quem atua na imprensa. Apontaremos ainda
Há mais uma preocupação: parte da sociedade como um ambiente hostil para o jornalismo compro-
considera que a violência contra os jornalistas interes- mete direitos humanos essenciais para o desenvolvi-
sa apenas à categoria profissional. Com isso, as pessoas mento das pessoas e das populações. Ao final, trare-
não se sensibilizam com as agressões, tampouco rea- mos recomendações para que governos, instituições
gem a elas defendendo os trabalhadores da imprensa. políticas, organizações de mídia, profissionais e outros
Não podemos ignorar: toda violência contra jornalis- atores sociais trabalhem juntos a fim de fortalecer o
tas é também uma violência contra o jornalismo, con- jornalismo como um instrumento que priorize o inte-
tra o serviço que tem por função fornecer informações resse público e adote as melhores práticas no setor.
confiáveis à sociedade. Por isso, quando uma repórter Esta publicação é dirigida a todas as pessoas que
é intimidada, agredida ou impedida de trabalhar, por acreditam que o jornalismo pode combater a desinfor-
exemplo, o direito à informação do público está sendo mação e que, para isso, é necessário preservar e prote-
violado. Ataques a jornalistas são as formas mais co- ger jornalistas e canais de informação. Esta é uma ini-
muns de não deixar que as pessoas saibam o que se ciativa da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)
passa na sua cidade, estado ou país. e do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS/
Ameaças à liberdade de imprensa atingem não UFSC) para contribuir com o debate público sobre di-
apenas os meios de comunicação e seus profissionais, reitos, liberdades, democracia e cidadania. ■

Dossiê FENAJ / objETHOS – 9


1 Por trás dos números,
pessoas reais
Alisson Coelho* arqueologia, o casal fez escavações ilegais, retirou e
transportou vários objetos de antigas fazendas do
* Professor de “Isso é um direito de resposta ao período colonial, atualmente localizadas nos territó-
jornalismo da rios quilombolas.
Universidade Feevale e cretino, vagabundo, canalha desse
pós-doutorando em O responsável pela reportagem foi o jornalista in-
Comunicação na UnB.
fake criminoso, chamado... isso nem dependente e professor da Universidade Federal do
deveria ter nome, chamado Ed Wilson.” Maranhão (UFMA), Ed Wilson Araújo. O caso foi conta-
do em duas reportagens publicadas em fevereiro de

E
sta é a frase que abre um áudio de mais de 2019. Uma delas, A nova pirataria francesa, recebeu o
17 minutos gravado por Magnólia de Olivei- Prêmio de Jornalismo do Ministério Público do Mara-
ra. Ao lado do francês François-Xavier Pelleti- nhão (MPMA). Graças ao esforço investigativo de Araú-
er, Magnólia foi denunciada em uma reporta- jo, uma série de escavações já programadas pelo casal
gem por violação de sítios arqueológicos em foi interrompida. Xavier-Pelletier fugiu da região e
comunidades quilombolas do município de Bacuri, parte do material retirado das escavações ilegais foi re-
no litoral do Maranhão. Sem qualquer formação em cuperado pela polícia.

Patrícia Campos Mello (d) ao receber o prêmio do Committee to Protect Journalists, em 2019 CPJ Ed Wilson Araújo edwilsonaraujo.com

10 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


A reportagem de Ed Wilson Araújo teve repercussão
nacional e lhe rendeu um prêmio. Os holofotes, no en- “Existe uma contraposição
tanto, trouxeram consigo muito ódio. Depois da denún-
cia, o jornalista passou a ser alvo de uma campanha di- entre uma violência que é
famatória iniciada nas mídias digitais e impulsionada
por um site apócrifo destinado a publicar mentiras so- cotidiana e outra que é
bre o trabalho de Araújo. O áudio, com o qual abrimos
esse texto, é mais uma peça de difamação mobilizada pontual. Essa violência que
pelo casal apontado na reportagem.
A onda de ataques afetou não apenas Araújo, mas entra na rotina acaba não
também sua esposa, Marizélia Ribeiro, que esteve junto
do marido durante a produção das reportagens. A viru- sendo denunciada”
lência das mensagens e a onda de calúnias fragilizaram
o jornalista. “Fiquei especialmente afetado com a busca Letícia Kleim, consultora jurídica da Abraji
no Google. Quando eu digitava meu nome para fazer

alguma pesquisa apareciam os textos do site apócrifo.


Aí fiquei cogitando... se algum aluno meu fizer uma
busca interessado em uma publicação jornalística ou
acadêmica, pode acabar sendo direcionado para os tex-
tos agressivos”, lembra.
A história de Ed Wilson Araújo na abertura desta se-
ção foi escolhida para dizer algo óbvio, mas por vezes
esquecido. Cada um dos 430 casos de ataques e violên-
cias contra jornalistas reportados pelo relatório da FE-
NAJ em 2021 afeta pessoas reais. A frieza dos números
pode esconder o fato de que seres humanos estão tendo
sua atividade profissional afetada, muitos com sequelas
psicológicas sérias. As agressões fragilizam os jornalistas
e, em muitos casos, os fazem temer pela sua segurança
e pela segurança de suas famílias.
As agressões têm nomes, têm rostos.
Leandro Demori The Intercept

Dossiê FENAJ / objETHOS – 11


1
Por trás dos números, pessoas reais

UMA PROFISSÃO QUE ESTÁ SE preocupa bastante, porque os jornalistas estão sendo
TORNANDO DE RISCO atacados cotidianamente. São 430 agressões, mais de
uma por dia”, reforça.
Os números e as histórias mostram uma profissão Uma violência que é cotidiana e, por vezes, norma-
de risco. O crescimento constante dos casos de violên- lizada pelos profissionais. Muitos sequer notificam as
cia, que apresentamos na introdução deste dossiê, autoridades e entidades de classe quanto aos assédios
aponta que os perigos têm aumentado à medida que que sofrem. Esse é um dado confirmado tanto pela pre-
o tempo passa e não há indicativo de sua redução a sidência da FENAJ quanto pela Associação Brasileira de
curto prazo. Pelo contrário. Projeções de entidades Jornalismo Investigativo (Abraji), que também monitora
como a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e a dados de agressões a jornalistas. “Existe uma contrapo-
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo sição entre uma violência que é cotidiana e outra que é
(Abraji) apontam para um ano ainda mais tenso, espe- pontual. Essa violência que entra na rotina acaba não
cialmente em função das eleições. Presidente da FE- sendo denunciada”, comenta a consultora jurídica da
NAJ, Maria José Braga reforça o caráter arriscado da Abraji, Letícia Kleim.
profissão. “Há uma situação de insegurança para o O jornalista Leandro Demori sente essa insegurança
exercício da profissão de jornalista no Brasil que nos diariamente. Desde que assumiu o cargo de editor-exe-

Os cinco 26
6,05%
principais 33
7,67%

tipos de 140
ataques 58
13,49%
32,56%

Censura
Descredibilização
Agressões verbais/
Ataques virtuais
131
Ameaças/Intimidações 30,46%
Agressões físicas
Fonte: FENAJ Eric Drooker / drooker.com

12 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


cutivo do The Intercept Brasil, e principalmente após a
série de reportagens conhecida como Vaza-Jato, em
Os cinco principais agressores
que foram expostos os bastidores da operação Lava-Ja-
to, Demori tornou-se um alvo. Convivendo com o peri-
Jair Bolsonaro 147
go constantemente, ele passou a andar acompanhado
de seguranças. Isso não impediu que, em um momento
de lazer em família, fosse intimidado na frente da espo- Dirigentes da EBC 142
sa e do filho, inclusive com uma ameaça velada ao me-
nino. “Esses casos afetam nossa família. Essa violência
tem o potencial de reduzir a vida útil da carreira do jor- Outros políticos/assessores 40
nalista, afeta as relações familiares, o que a gente pen-
sa para o futuro, o que queremos para os nossos filhos”. Manifestantes bolsonaristas 20
O caso estará no próximo relatório da FENAJ, já que
ocorreu em janeiro de 2022, mas acende um alerta: jor-
nalistas não estão seguros nem mesmo fora do trabalho. Agressores online 15
“O jornalismo é uma profissão de risco, sem dúvida, e a Fonte: FENAJ

legislação trabalhista deveria prever adicionais de peri-


culosidade em alguns casos”, afirma Demori.

POR QUE O JORNALISMO


ESTÁ SOB ATAQUE?
Uma análise dos ataques a jornalistas mostra clara-
mente qual é a intenção de quem agride: silenciar. O
bom jornalismo incomoda, principalmente aos pode-
rosos, e apresenta à sociedade aquilo que, para muitos,
deveria ficar escondido. São muitos os casos de pessoas
denunciadas em reportagens por cometerem algum
tipo de crime que veem na agressão, na intimidação e
até no assassinato, uma alternativa para evitar a expo-
sição. Em dois, registrados no relatório da FENAJ de
2021, a busca pelo silenciamento do jornalismo resul-
tou na morte de jornalistas.
De forma geral, no entanto, quem quer manter sua
má conduta fora dos holofotes, ou daqueles a quem

Dossiê FENAJ / objETHOS – 13


Os 10 perfis de profissionais
mais atacados
Repórter de TV/Vídeo 41
Repórter de site/portal 28
Repórter de Jornal/Revista 25
Repórteres cinematográficos 23
Repórter fotográfico 16
Colunista 13
Apresentador de TV 13

Apresentador de Rádio 8

Jornalista independente 8

Jornalista em mídias digitais 7


Fonte: FENAJ
pixabay.com


2 Precarização, uma
violência diária e invisível
Janara Nicoletti* dia 8 de março de 2022. Segundo ela, ao menos outros
dois profissionais perderam seus empregos devido à

A
* Jornalista e s condições de trabalho dos jornalistas bra- atuação na página de denúncia criada para expor os
pesquisadora
sileiros podem ser consideradas como es- atrasos financeiros. Dias depois de sua demissão, o per-
associada do
objETHOS truturalmente precárias. Trata-se de uma fil foi fechado. “Eles falaram que foi por isso. Deu uma
profissão marcada pelo acúmulo de fun- sensação de bode expiatório. Realmente engajei muito
ções, excesso de carga de trabalho, jornada [a página] e teve uma menina que só seguiu, apenas
ampliada, falta de folgas, vínculos instáveis por meio seguiu, e também foi demitida”.
da informalidade ou pejotização, assédio moral, bai- Durante todo o período em que trabalhou no jor-
xos salários, instabilidade de carreira, falta de segu- nal, a repórter conviveu com a incerteza de quando re-
rança e de suporte em casos de violência, feminiza- ceberia seu próximo salário e quanto entraria em sua
ção e juvenilização. A desestruturação do mercado la- conta bancária. Situação que afetou sua saúde mental,
boral e a falta de proteção trabalhista geram um qua- gerou crises de ansiedade e momentos de depressão.
dro de desrespeito ao emprego digno. Ela conseguiu sobreviver graças à ajuda da família.
Nos últimos anos se multiplicaram situações de ca- “Bendita seja minha mãe. Colegas meus que já não ti-
lote ou atraso de pagamentos nham os pais ou que já eram eles próprios os pais, ca-
a jornalistas. É o caso do Diá- sados [tinham dificuldade para sobreviver]. Tinha gen-
rio de Pernambuco que, des- te que o homem trabalhava no jornal, a esposa não tra-
de 2019, passa por uma crise balhava, ficava em casa, e o jornal era a única fonte de
financeira que resultou em renda da família. Eles tiveram conta atrasada, luz corta-
congelamento de contas por da, todo tipo de humilhação que alguém pode ter, sa-
via judicial, atraso de salários, bendo que não tinham dinheiro, mas deveriam ter por-
denúncias ao Ministério Pú- que [um deles] estava trabalhando. Eu vivia mal, sem-
blico do Trabalho e paralisa- pre tendo que pedir dinheiro pra minha mãe, como
ção dos profissionais. Uma ainda estou”, conta a jornalista, que continuava sem re-
página em uma rede social foi ceber os salários atrasados e a rescisão contratual à
criada para denunciar o pro- época da entrevista.
blema à sociedade. De acordo com o Perfil dos Jornalistas Brasileiros
Lara Tôrres de Almeida co- 2021, a precarização do trabalho no jornalismo aumen-
meçou a trabalhar no jornal tou entre 2012 e 2021. De 3.100 participantes do estu-
em maio de 2021 e, desde do representativo da categoria no Brasil, 24% possuem
que soube da conta online, vínculos considerados precários, como pessoa jurídica,
passou a interagir de forma MEI (microempreendedor individual), freelancer e pres-
ativa na sua divulgação. Por tação de serviços sem contrato. Para 42,2%, a carga ho-
causa disso, foi demitida no rária de trabalho superava oito horas diárias.

16 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


“A precarização não
incide apenas na
Samira de Castro Cunha, segunda vice-presidenta Vários desses indicadores trabalhadora e no
da FENAJ, explica que as relações de trabalho do jorna- são violados no mercado jorna-
lismo acompanham um cenário mais amplo, marcado lístico brasileiro e afetam direi-
trabalhador, mas na
pelo ultraliberalismo e pela flexibilização dos direitos tos dos jornalistas. Estudos da sociedade. Não é
trabalhistas. Com a Reforma Trabalhista de 2017, área apontam que os profissio-
“houve um enfraquecimento do poder dos sindicatos nais são mal remunerados, es- possível fazer um bom
no Brasil”, afirma, o que dificultou reações contra jor- tão expostos a riscos de violên-
nadas irregulares e demais violações aos profissionais cia online e offline, trabalham
trabalho sem condições
da imprensa. em ambientes inseguros e se para isso se o jornalista
O quadro, já bastante fragilizado, não melhorou sentem exaustos. Os relatos
com a eclosão da pandemia de Covid-19. Pelo contrá- pessoais são parte de uma vul- não tem tempo para
rio: um estudo do Centro de Pesquisa em Comunicação nerabilidade coletiva da cate-
e Trabalho (CPCT), da Universidade de São Paulo, verifi- goria, que tende à instabilida-
atuar, se está adoecido,
cou sobrecarga de trabalho e aumento da pressão so- de econômica, informalidade inconformado”
bre os comunicadores brasileiros. no emprego e baixa perspecti-
Segundo a coordenadora do CPCT, Roseli Figaro, a re- va de futuro. Roseli Figaro, coordenadora do CPCT da USP
organização e a intensificação do trabalho durante a “A precarização não incide
emergência sanitária aprofundou a precarização do se- apenas na trabalhadora e no
tor. “A desestruturação das equipes no local de trabalho trabalhador, mas na sociedade.
forçou o jornalista a reconstruir suas rotinas, e isso de- Não é possível fazer um bom
manda um esforço maior. Na pandemia nós demos um trabalho sem condições para isso se o jornalista não
salto em que se rompeu o que já estava muito tênue, o tem tempo para atuar, se está adoecido, inconforma-
tempo do trabalho e o tempo do não trabalho – higiene, do”, analisa Figaro. A pesquisadora considera que a
compras, fazer comida, cuidar do filho, cuidar da casa”. profissão de jornalista é perigosa. “Tem um índice de
periculosidade que não está só no repórter da linha de
NORMALIZAÇÃO DE ABUSOS E ASSÉDIOS frente cobrindo polícia ou guerra. É uma periculosida-
de generalizada”.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) esta- Em Violence at Work (Violência no Trabalho, em
belece que toda pessoa deve ter direito ao trabalho de- tradução literal), Duncan Chappell e Vittorio Di Marti-
cente, o que seria assegurado por condições de liberda- no descrevem que o risco do desemprego e o aumento
de, equidade, segurança e dignidade humana. Caracte- do número de pessoas empregadas de forma precária
rísticas do trabalho decente incluem oportunidades de são violências laborais que podem ampliar a vitimiza-
emprego, remuneração e jornada adequadas, estabili- ção delas. Segundo os autores, a lista de comporta-
dade, segurança física, equilíbrio com a vida familiar e mentos e táticas violentas no ambiente de trabalho in-
proteção social. clui ações físicas, verbais e psicológicas, como amea-

Dossiê FENAJ / objETHOS – 17


2
Precarização, uma violência diária e invisível

ças, bullying, assédio moral e sexual e discriminação


racial, entre outros.
Violências como essas podem ser perpetradas por
colegas, chefes ou pessoas sem relação direta com o
ambiente de trabalho. No Perfil do Jornalista Brasileiro
de 2021, 40,6% dos respondentes afirmam já terem so-
frido assédio moral, enquanto 11,1% foram vítimas de
assédio sexual.
São casos nem sempre visíveis ou que passam des-
percebidos no local de trabalho. “As pessoas naturali-
zam no sentido de achar que o sistema funciona assim
e faz parte de um ambiente competitivo, de mais agres-
sividade, o que compromete a qualidade daquele espa-
ço”, explica Marisa Sanematsu diretora de conteúdo do
Instituto Patrícia Galvão que realizou um estudo sobre
violência laboral contra mulheres brasileiras em 2020.
“As vítimas se sentem sempre muito sozinhas. Até por-
que, muitas vezes, não contam com a solidariedade dos
colegas porque eles também estão nesse ambiente tóxi-
co, sob ameaça, vulneráveis”.
Em junho de 2019, a OIT aprovou a Convenção 190
de combate à violência e assédio no mundo do trabalho.
São “comportamentos e práticas inaceitáveis”, “de ocor-
rência única ou repetida”, que causem “dano físico, psi-
cológico, sexual ou econômico”, incluindo “a violência e
o assédio com base no gênero”. A convenção também re-
conhece que tais violações afetam a qualidade dos servi-
ços, colocam em risco a dignidade humana, ameaçam a
igualdade de oportunidades e impedem a progressão na
carreira, especialmente para as mulheres.
Até abril de 2022 somente 12 países haviam ratifi-
cado o documento. O Brasil estava fora da lista. Para
estimular que mais governos adotem as medidas ge-
rais estabelecidas na Convenção, e para que elas sejam
aplicadas especificamente no setor de mídia, a Federa-

18 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


ção Internacional dos Jornalistas (FIJ, à qual a FENAJ é
filiada) iniciou uma campanha em 2021.

EFEITOS MUITO ALÉM DA REDAÇÃO


Condições de trabalho precárias podem afetar a vida
pessoal, a perspectiva de futuro e a saúde. Entre seus efei-
tos estão problemas para dormir, estresse, adoecimento
físico e psicológico – como doenças por esforço repetitivo,
inflamações, síndrome do pânico, depressão e ansiedade
–, autocensura, erros jornalísticos, perda do emprego e
problemas na vida familiar.
Os pesquisadores Samuel Lima e Jacques Mick fazem
um alerta na síntese do Perfil do Jornalista Brasileiro 2021 Wes Hicks/Unsplash.com

para os “efeitos nocivos” à saúde dos trabalhadores da no- Mundial da Saúde, o problema ocupacional tem como
tícia trazidos pela “deterioração das condições de traba- principal característica o estresse crônico ocasionado
lho”. O estudo aponta para um quadro preocupante de pelo trabalho. Inclui sintomas como exaustão e eficácia
sobrecarga, assédio moral e adoecimento mental. Do to- profissional reduzida.
tal de participantes da pesquisa, 66,2% afirmaram que se No começo daquele ano, Marília passou a ter crises
sentem estressados no trabalho, enquanto 34,1% recebe- de ansiedade que se tornaram diárias. “Toda vez que eu
ram diagnóstico médico de estresse. Outros 20,1% infor- dizia meu nome pra alguém, que eu falava o nome de
maram terem desenvolvido algum tipo de transtorno qual veículo estava trabalhando, me sentia muito mal,
mental devido à ocupação profissional e 31,4% recebe- tinha crises de choro. Achava que isso era só estafa, can-
ram prescrição médica para tomar antidepressivos. Pro- saço por estar vivendo uma pandemia, por estar traba-
blemas ocupacionais, como Lesão por Esforço Repetitivo lhando e não ter mais horário, por ter tido uma redução
e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, na equipe quando começou a crise sanitária e o traba-
foram assinalados por 19,9%. lho dobrou. Eu achava que precisaria só de um descan-
Cansaço, estresse, poucas horas de sono, ansiedade so, mas foi se acumulando”.
extrema e a sensação de nunca estar fazendo o sufici- Marília lembra que, desde o início do trabalho em
ente pareciam “apenas” sintomas cotidianos de uma home office, era difícil desligar. “Da hora em que eu acor-
jornalista que trabalhava em regime de home office du- dava à hora que ia dormir eu estava atenta ao Whatsapp,
rante a pandemia. Marília (nome fictício a pedido da às demandas que chegavam. Todo esse ambiente de en-
fonte) levou vários meses para conseguir identificar trar e sair do trabalho não existia mais a partir do mo-
que algo não estava bem. Em 2021, ela foi diagnostica- mento em que comecei a trabalhar home office. Minha
da com síndrome de burnout. Segundo a Organização casa virou a extensão do trabalho a ponto de não saber

Dossiê FENAJ / objETHOS – 19


2
Precarização, uma violência diária e invisível

mais se eu estava trabalhando de casa ou morando no go da graduação, no começo do mercado de trabalho.


trabalho”, relata. Uma captura neoliberal, mesmo. Um sentimento muito
No período de férias, Marília desconfiou ainda mais. ligado a esse lugar do trabalho como norteador da vida”.
“Eu tinha muita descrença de que poderia estar num
processo de adoecimento. Achei que era uma fraqueza UM PROBLEMA ESTRUTURAL
minha, que não conseguia
lidar com o que todo Misoginia, racismo e desigualdade social são proble-
mundo lidava e que era mas estruturais da sociedade brasileira que se refletem
mais do que normal ser no mercado jornalístico. Revelam-se na forte presença
jornalista no meio de uma da violência de gênero e na expressiva desigualdade en-
pandemia e estar cansa- tre negros e brancos no setor. “É muito feio ser racista
da, exausta, sofrendo por no Brasil”, comenta Flavio Carrança, integrante da Co-
não dar conta”. Após o di- missão dos Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), do
agnóstico de burnout, Ma- Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. “Normalmente,
rília teve dificuldade para a coisa acontece sem ser dita. É velada. O sujeito não
aceitar a necessidade de evolui na empresa, mas ninguém fala ‘não vou te pro-
parar e cuidar de si. Du- mover porque você é preto’. Não é assim que a coisa
rante dois meses, conti- toca. É uma questão que já está introjetada e se mani-
nuou trabalhando sem festa no cotidiano do trabalho”.
contar sua situação de Os 98% de jornalistas entrevistados para o Perfil Ra-
saúde para colegas e su- cial da Imprensa Brasileira, estudo de 2021, relataram
periores por medo de ser maior dificuldade para progredir na carreira em com-
demitida. Quando desa- paração aos colegas brancos. Outros 57% identificaram
bafou, teve o suporte dos marcas de discriminação ao longo da vida profissional.
colegas de redação. “Esta- “Os lugares de poder e de decisão no interior das em-
va muito infeliz, em níveis presas jornalísticas continuam hegemonicamente bran-
que nunca tinha sentido”. cos. As pessoas negras, principalmente mulheres, ga-
Durante o tratamento, nham menos para exercer a mesma função. Negras e
Marília ressignificou sua negros têm maior dificuldade para ter mobilidade no
percepção sobre o que é interior das empresas e acabam ocupando os postos de
ser jornalista. “Acho que existiu toda uma criação de um base. A presença negra é inversamente proporcional à
ethos do jornalista como esse profissional que está dis- altura do cargo na hierarquia da empresa: quanto mais
ponível e atento o tempo todo. Entender que isso estava alto, mais branco; quanto mais baixo, mais preto. Isso
me adoecendo foi um caminho de desconstruir a ima- acaba sendo a regra”, pondera Carrança.
gem errônea que eu construí sobre o jornalismo, ao lon-

20 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


Pixabay.com

Mulheres também são minoria em cargos de gestão, da, tem esses componentes mi-
mesmo representando 58% do perfil profissional. Em sóginos, sexuais. São posições
comparação aos homens, possuem remuneração mé- em que, muitas vezes, as traba-
dia menor e sobrecarga de trabalho e pressão. lhadoras e as jornalistas tam-
A violência laboral contra as mulheres afeta o mer- bém se submetem, passando
cado de trabalho brasileiro como um todo. Segundo a por um processo de autocensu-
pesquisa Percepções sobre a violência e o assédio contra ra”. Sanematsu pondera que é
mulheres no trabalho, realizada em 2020 pelos institu- preciso “ter um olhar transver-
tos Patrícia Galvão e Locomotiva, 76% das trabalhadoras sal porque alguns grupos são
brasileiras já sofreram algum tipo de violação laboral. muito mais impactados pela
Entre elas, estão gritos ou xingamentos, discriminação violência. São grupos mais vulneráveis, que, às vezes,
devido à aparência, raça ou orientação sexual, elogios e estão em situações mais precárias, dependem muito
comentários constrangedores por parte de colegas ho- mais daquele emprego e se submetem mais. E aí, a gen-
mens, assédio sexual. Além disso, trabalho supervisiona- te vê episódios de racismo, de ter que ouvir piadas so-
do excessivamente, opiniões ou pontos de vista não le- bre orientação sexual…”.
vados em consideração, humilhação, críticas ou piadas O aumento da precariedade laboral e a redução de
referentes à vida pessoal, tarefas impossíveis de cumprir direitos trabalhistas amplificam a vulnerabilidade de
nos prazos estipulados e ameaças verbais são exemplos todos os trabalhadores “a se submeterem calados à vi-
de violência laboral muitas vezes naturalizadas. olência”, segundo Marisa Sanematsu. “É um fator
A diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão, complicado, mas é como a gente está falando, a neces-
Marisa Sanematsu, destaca que isto também se aplica sidade da sobrevivência acaba tornando a situação
ao mercado jornalístico. “Quando a jornalista é ataca- muito mais difícil”. ■
Dossiê FENAJ / objETHOS – 21
3 Como a violência contra
jornalistas atinge você
Rogério Christofoletti* isso acontece simplesmente porque alguém viu seus in-
teresses contrariados e decidiu interromper o fluxo in-

E
* Professor da m novembro de 2020, uma repórter foi cercada formativo, usando seu poder ou influência para isso.
Universidade Federal e agredida por populares numa praia de Floria- No Brasil, a violência contra jornalistas assumiu pro-
de Santa Catarina e
pesquisador do CNPq. nópolis apenas por mostrar o descumprimento porções alarmantes nos últimos anos, mas é apenas par-
de normas sanitárias exigidas durante a pande- te da verdade dizer que essas agressões atingem só
mia de Covid-19. Em junho de 2021, o presiden- quem vive de dar notícias. O prejuízo social é muito
te da República se negou a responder à pergunta de ou- mais amplo porque pode afetar mais pessoas em diver-
tra jornalista em Guaratinguetá, e, aos berros, mandou sos aspectos das suas vidas, inclusive seus direitos. Ape-
que ela calasse a boca. Em fevereiro deste ano, uma sar de ser uma queixa frequente nas redações, a socie-
equipe de televisão foi impedida de cobrir os protestos dade sempre perde quando alguém impede um jorna-
de policiais e agentes de segurança em Belo Horizonte. lista de trabalhar.
Em todas essas situa-
ções, trabalhadores do jor- DIREITO DE SABER
nalismo foram impedidos
de exercer sua profissão e Quando se ataca um repórter em pleno exercício
sofreram ataques físicos, profissional, um importante elemento da democracia
ofensas ou ameaças. Além também sofre: a liberdade de imprensa. Este tipo de li-
disso, seus relatos ficaram berdade garante que jornalistas e meios de comunica-
incompletos e o público ção possam buscar, apurar e publicar massivamente in-
deixou de saber mais dos formações que sejam de interesse da coletividade. Per-
fatos que estavam sendo mite também que o jornalismo investigue, critique,
cobertos. Nesses casos e em faça as perguntas mais incômodas (e necessárias) e fis-
tantos outros, a violência, a calize os poderes. A liberdade de imprensa funciona,
força bruta e os interesses portanto, como um tipo específico de garantia que aju-
particulares venceram, im- da a impulsionar o trabalho dos jornalistas e das orga-
pondo silêncio e impedindo nizações de notícia. Os envolvidos com o jornalismo se
que informações de interes- beneficiam disso, mas não só.
se público viessem à tona Para o coordenador do Observatório de Liberdade
de forma completa e para de Imprensa do Conselho Federal da Ordem dos Advo-
todos. Esta é a parte mais gados do Brasil, Pierpaolo Cruz Bottini, intimidação de
visível dos danos causados jornalistas, incitação ao ódio e aceitação de atitudes
pela violência contra jorna- agressivas são formas de limitar a circulação de ideias,
listas: deixamos de saber de essencial para a construção da cidadania. “Sem informa-
alguma coisa importante. E ções, não é possível conhecer e reivindicar direitos, per-

22 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


ceber abusos, denunciar ilegalidades. A escuridão infor- No Brasil, a liberdade de expressão é uma das ga-
mativa é o ambiente preferido por aqueles que fazem rantias fundamentais dos cidadãos, conforme o artigo
da arbitrariedade seu modo de vida”, resume o também 5º da Constituição Federal. Assim, cada indivíduo tem
professor de Direito na Universidade de São Paulo (USP). assegurados a livre manifestação do pensamento e de
A liberdade de imprensa é uma condição para que sua consciência, o direito de resposta (proporcional ao
as democracias funcionem. Sem ela, não chegam aos dano), a expressão artística, científica, de ideias e de co-
cidadãos e cidadãs informações sobre os atos dos pode- municação, entre outros. Há, inclusive, um capítulo de-
rosos. Sem a liberdade de imprensa, não circulam rela- dicado à comunicação social na Carta Magna, que afas-
tos críticos, contextualizados e aprofundados do que ta de imediato qualquer tipo de censura política, artísti-
acontece nos gabinetes fechados e nos ambientes onde ca ou ideológica, e reafirma que nenhuma outra lei tra-
se decidem os rumos da sociedade. Sem ela, a liberda- rá “embaraço à plena liberdade de informação jorna-
de de expressão – que se estende a todas as pessoas – lística em qualquer veículo de comunicação social” (ar-
também é prejudicada. Assim, a liberdade de imprensa tigo 220). A Constituição Federal ainda aponta regras
ajuda o jornalismo a cumprir um dever – informar – para distribuição de concessão de canais de rádio e te-
para satisfazer um direito humano – o de ser informa- levisão, indica preferência de finalidades educativas, ar-
do. O raciocínio é relativamente simples: as pessoas tísticas, culturais e informativas nesses meios, incentiva
têm direito a saber do que se passa em sociedade por- a promoção das culturas regionais e nacional, e estimu-
que elas compõem esta mesma sociedade e ajudam a la a produção independente. A maior lei do país ainda
sustentá-la, política e financeiramente, inclusive. determina que não haja
O direito à informação está previsto em leis brasilei- oligopólio ou monopólio
ras e protocolos internacionais, e isso ajuda a consagrá- no setor da comunicação.
lo como uma condição essencial para o desenvolvimen- Outras leis nacionais
to individual e a vida coletiva. Na Declaração Universal reforçam a comunicação
dos Direitos Humanos, de 1948, o direito à informação como um direito, e uma
está previsto no artigo 19: “Todo ser humano tem direi- das mais evidentes é a Lei
to à liberdade de opinião e expressão; esse direito in- de Acesso à Informação
clui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de (LAI). Criada em 2011, a
procurar, receber e transmitir informações e ideias por Lei nº 12.527 passou a vi-
quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. gorar para valer em maio
Este direito se repete em outros documentos, como no do ano seguinte, apon-
artigo 13 da Convenção Americana dos Direitos Huma- tando um novo pacto en-
nos, que surgiu em 1969 e foi assinada pelo Brasil em tre governos, autoridades
1992. É, portanto, o reconhecimento de que as pessoas e cidadãos: a transparên-
têm direito de se expressar, informar-se e participar do cia é quem dá as cartas, e
processo comunicativo. o sigilo é exceção na vida

Dossiê FENAJ / objETHOS – 23


3
Como a violência contra jornalistas atinge você

pública. Com isso, a LAI se coloca como um importante


instrumento social que permite que todas as pessoas
que precisa receber informação, como por jornalistas
e comunicadores que precisam assegurar o direito de
(não só jornalistas) peçam dados a órgãos públicos so- produzir e distribuí-las”.
bre temas de seu interesse. Acessar informações que Segundo Thiago Firbida, coordenador para Segu-
afetem a sociedade passou a ser uma atividade prote- rança e Proteção dos Jornalistas da Artigo 19 no Brasil
gida e incentivada por lei. e América Latina, agressões a jornalistas sempre têm
“O direito de acesso à in- efeito duplo: violam o direito individual das vítimas e
formação é um direito funda- o direito da sociedade de se informar. Conforme expli-
mental por si só, mas também ca, toda estrutura democrática se sustenta sobre o es-
é um direito meio para que sencial direito de informar e ser informado. “Quando
outros direitos possam ser se corta o fluxo informativo, impede-se que as pessoas
exercidos. Ele está na base e tenham condições de tomar certas decisões por falta
não é à toa que seja uma das de dados. Isso impacta no direito à participação social
primeiras garantias a ser ata- e política, no direito de acesso à justiça, no de associa-
cadas”, explica Bia Barbosa, ção, e afeta o direito ao protesto”, afirma, apontando
pesquisadora de liberdade de para o fato de que a liberdade de expressão assume a
expressão e representante do função de instrumento para o exercício de outros direi-
Terceiro Setor no Comitê Ges- tos. “Se há restrição de maneira abusiva da liberdade
tor da Internet (CGI). Para Bar- de expressão, também ficam limitadas a plena luta
bosa, com um setor midiático pelo direito à saúde, à educação, à moradia, porque,
economicamente concentra- para que se lute pela garantia desses direitos, é funda-
do, controlado pelo Estado, e mental contarmos com a estrutura propiciada pela li-
sem diversidade e pluralida- berdade de expressão e informação. A corrosão demo-
de, a sociedade vai sofrer con- crática sempre começa por ataques à liberdade de ex-
sequências da falta do direito pressão e a violência contra a imprensa”.
de acesso no exercício de ou- A jornalista Cecília Olliveira, que atua na cobertura
tros direitos. Num contexto de segurança pública, em especial do tráfico de drogas
de pandemia, por exemplo, o e de armas, lembra de outro ingrediente constante
direito à saúde pode ser dire- nos ataques ao jornalismo brasileiro: as mulheres são
tamente afetado se informa- agredidas de modo particular. “O apelo ao gênero e à
ções sobre tratamentos ou vacinação não forem garan- sexualidade não é incidental: em sociedades com va-
tidas. Num ano eleitoral como 2022, o direito de votar lores conservadores, esse tipo de ataque é uma forma
de forma livre pode ser prejudicado se o direito à in- de minar a credibilidade do jornalismo profissional e
formação também não for mantido. É uma mão-du- de desviar a atenção do conteúdo da notícia”, afirma.
pla: “A informação é um pilar de qualquer democracia Direitos ligados à condição feminina e à igualdade de
e este direito deve ser exercido tanto pela sociedade, gênero também são violados quando, por exemplo,

24 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


uma jornalista é interrompida, cerceada, agredida ou de informação não está sendo bem feito, se há lacunas
intimidada em seu trabalho. ou falhas, os caminhos não podem ser os ataques a
Também diretora da Associação Brasileira de Jorna- quem está trabalhando”, completa.
lismo Investigativo (Abraji), Cecília Olliveira avalia que Para a diretora da Abraji, Cecília Olliveira, o clima
essa violência tem características distintas, conforme as hostil foi reforçado por Jair Bolsonaro antes mesmo de
vítimas e os tipos de agressão. Grandes organizações de se tornar presidente da República. “Ele já estimulava
notícia, por exemplo, conseguem dar proteção jurídica seus seguidores a atacarem jorna-
a seus repórteres, enquanto que jornalistas indepen- listas e, na sua posse, uma série
dentes e freelancers ficam desamparados diante do as- de dificuldades foram criadas
sédio judicial. Esta disparidade dificulta um enfrenta- para quem cobria, limitando a lo-
mento mais consistente do problema. comoção entre os diferentes pré-
Estudo recente da Abraji apontou que 95% dos auto- dios públicos de Brasília”, lem-
res identificáveis em episódios de violência eram ho- bra. No primeiro ano de gestão,
mens. Mais de dois terços desses casos (68%) começa- Bolsonaro pediu boicote de publi-
ram online e 60% das ocorrências estavam relacionadas cações críticas, incitou agressões
à cobertura política. Na prática, esses números signifi- pela internet e fez vista grossa
cam que jornalistas foram impedidos de circular por para mentiras, com o objetivo de
certos ambientes ou de se credenciar para cobrir alguns descredibilizar a imprensa.“É um
eventos. De janeiro de 2019 a agosto de 2021, 70% dos problema maior e que foi tardia-
ministérios do governo Bolsonaro reduziram suas res- mente levado em consideração
postas a pedidos de jornalistas feitos com base na Lei pelas entidades de classe e veícu-
de Acesso à Informação (LAI), lembra a diretora da los”, critica a jornalista, referindo-
Abraji. Ao mesmo tempo em que o governo negava da- se à rotina de ofensas e humilha-
dos, também passou a classificar documentos como si- ções que sofriam os profissionais
gilosos de forma atípica e pouco transparente. “Essas que se aglomeravam na entrada
medidas impedem a imprensa de fiscalizar o serviço do Palácio da Alvorada. Espremi-
público, e de verificar indicativos de má gestão e cor- dos entre apoiadores bolsonaris-
rupção. Isso fragiliza a democracia”. tas e seguranças, repórteres fo-
ram diariamente atacados até que grandes empresas de
FORMAS DE ENFRENTAMENTO notícia decidiram abandonar a cobertura diária para
resguardar seus funcionários.
“É preciso trabalhar com toda a sociedade para supe- Para a coordenadora do Fórum Nacional pela Demo-
rarmos a cultura de violência que está imposta”, afirma cratização da Comunicação (FNDC), Beth Costa, o gover-
Maria José Braga, presidente da Federação Nacional dos no federal escolheu imprensa, cultura e educação como
Jornalistas (FENAJ). “É claro que o jornalismo é passível alvos preferenciais. “Inimigos, não os adversários”, frisa.
de crítica, mas isso não justifica a violência. Se o trabalho “A perseguição aos jornalistas é parte do projeto de po-

Dossiê FENAJ / objETHOS – 25


3
Como a violência contra jornalistas atinge você

der desse governo autoritário. A


escalada dessa violência cresce a
lançaram uma cartilha sobre direitos desses profissionais
e organizaram seminários e mesas de discussão sobre o
cada dia em que a corrupção, a tema. Em breve, pretendem criar um prêmio que reco-
perda da soberania nacional, a en- nheça boas práticas sobre liberdade de expressão.
trega de nossas riquezas e a dilapi- Não é nada confortável a situação do Brasil na vitri-
dação do patrimônio cultural e ar- ne internacional da liberdade de expressão. O país ocu-
tístico são denunciadas”. pa a 94ª posição entre 161 países no Relatório Global
Pierpaolo Cruz Bottini, do Ob- 2020, produzido pela Artigo 19. O maior país da região
servatório de Liberdade de Im- fica no mesmo patamar de nações com liberdades res-
prensa do Conselho Federal da tritas. Em uma década, foi a maior queda de pontuação
OAB, estende o problema para no estudo. No ranking dos Repórteres Sem Fronteiras, o
além dos profissionais da impren- Brasil está no 111º lugar, pior classificação desde o iní-
sa. “Artistas, advogados e até mes- cio do acompanhamento em 2013. Parte considerável
mo representantes de certas religi- deste resultado está atrelada à chegada de Jair Bolsona-
ões têm sido afetados por essas ro ao Palácio do Planalto. Em julho do ano passado, o
práticas antidemocráticas. Aos poucos, as pessoas vêm presidente da República passou a figurar entre os pre-
se dando conta da gravidade do problema. A sociedade dadores mundiais da liberdade de imprensa. A lista dos
civil vem se engajando na luta pela liberdade de comu- Repórteres Sem Fronteiras tem 37 chefes de Estado e de
nicação e de expressão”, avalia, mais otimista. Para fazer governo que sistematicamente reprimem, censuram,
frente ao aumento das arbitrariedades, OAB e Abraji as- prendem jornalistas e incitam a violência contra eles.
sinaram convênio para orientação jurídica a jornalistas, Em julho de 2021, um levantamento de 13 organi-
zações latino-americanas mostrou que os alertas contra
violações à liberdade de imprensa, à liberdade de ex-
pressão e ao acesso à informação cresceram 222% no
Brasil de 2019 para 2020.
Uma das formas mais utilizadas para chamar a aten-
ção da sociedade é o lançamento de relatórios que reú-
nem e sistematizam os casos de agressão. Entidades de
classe como FENAJ, Abert e Abraji, e organizações não-
governamentais, como Artigo 19 e Repórteres Sem Fron-
teiras, produzem esses informes com frequência, ado-
tando metodologias de trabalho distintas. Segundo a jor-
nalista e pesquisadora Bia Barbosa, este é um processo
fundamental para atualizar a população e mostrar como
o jornalismo exerce um papel essencial nas sociedades
democráticas.

26 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


O jornalismo é um bem público
Organismos internacionais também estão preocupados A Unesco estima que 85% da população mundial tem
com o aumento da temperatura política que acirra a perse- experimentado algum declínio na liberdade de imprensa no
guição a jornalistas em diferentes geografias. O Relatório seu país. Este retrocesso está diretamente ligado ao aumen-
Global da Unesco 2021/2022 sobre tendências mundiais to de ataques aos jornalistas e às organizações de notícia.
para liberdade de expressão e desenvolvimento da comuni- Segundo o Observatório de Jornalistas Assassinados da
cação enumera três desafios para garantir o direito de aces- Unesco, de 2016 a 2020, cerca de 400 profissionais foram
so à informação: proteger jornalistas, defender as liberda- mortos por causa do seu trabalho ou enquanto exerciam
des de imprensa e de informação no meio digital, e assegu- sua profissão. Embora os assassinatos tenham diminuído
rar a independência econômica dos meios de comunicação. nos últimos cinco anos, prisões e detenções atingiram um
nível recorde. Não bastasse a insegurança, há também a
impunidade diante da perseguição: nos últimos 15 anos,
De 2016 a 2020, cerca de 400 profissionais 87% dos homicídios continuam por resolver ou a serem
denunciados às autoridades.
foram mortos no mundo por causa do seu
O segundo desafio apontado pela Unesco acompanha
trabalho ou enquanto exerciam sua profissão. as evoluções tecnológicas e culturais. O relatório aponta
que governos de todo o mundo tentam interromper o aces-
so a informações ou mesmo silenciar pessoas na internet.
Nos últimos cinco anos, duplicaram os pedidos de autorida-
des políticas para remoção de conteúdo das principais pla-
taformas digitais. Há também casos de mandados judiciais
para interromper provedores de serviço e tramitam nos par-
lamentos diversos projetos de lei que tentam cercear as vo-
zes em sites e redes sociais. Como defender a liberdade de
expressão e o direito à informação e ainda contribuir para
estabelecer regras de regulação na internet? Transparência
algorítmica, combate a discursos de ódio e enfrentamento à
desinformação são tarefas inadiáveis, menciona o relatório.
No documento, a Unesco considera o jornalismo como
um bem público, capaz de atuar de forma decisiva e positi-
va. Para isso, é fundamental que os meios de comunicação
tenham independência editorial, o que só é possível se hou-
ver também autonomia financeira. A organização reconhe-
ce que a pandemia da Covid-19 acelerou o declínio da crise
econômica no setor. Daí ser fundamental encontrar saídas
para empresas, coletivos e jornalistas. “Sem viabilidade, a
liberdade de imprensa é oca, a independência pode ser fa-
cilmente comprometida e o pluralismo torna-se uma som-
bra do que deveria ser”, adverte a organização.

Dossiê FENAJ / objETHOS – 27


3
Como a violência contra jornalistas atinge você

Repórteres Sem Fronteiras lista


37 chefes de Estado e de governo,
“Mas a gente sabe que isso não basta. É preciso tam- pessoa de circulação para garantir sua integridade físi-
que sistematicamente reprimem, bém responsabilizar aqueles que agridem, intimidam, ca. No caso dos jornalistas e comunicadores, o Estado
censuram, prendem jornalistas e censuram e cerceiam a liberdade de imprensa e de ex- precisa assegurar que continuem trabalhando, produ-
incitam a violência contra eles.
pressão no país. Temos que garantir também que o Mi- zindo informação, exercendo suas atividades”, explica,
nistério Público possa fazer seus inquéritos e que a Polí- mostrando a complexidade do caso.
cia investigue as ameaças”, adiciona. Os desafios são imensos para organizações de notí-
Para desinflamar a atmosfera, reduzir pressões sobre cia, profissionais da área, governos e sociedade. Denun-
o jornalismo e ampliar o acesso da sociedade às infor- ciar os ataques é importante, mas prevenir a violência
mações, Bia Barbosa aponta outras duas necessidades: também. Quando não se consegue evitar agressões, é
adotar uma lógica de prevenção à violência e instituir necessário reforçar a proteção. E nos casos de violação,
políticas públicas de proteção para jornalistas e comuni- responsabilizar os agressores.
cadores. Ela frisa que padrões internacionais mostram o
quanto o discurso das autoridades é fundamental para VIOLÊNCIA AJUDA A DESINFORMAÇÃO
construir um ambiente de valorização e reconhecimen-
to do trabalho da imprensa. O clima hostil para o jornalismo torna dramática a
No Brasil, acontece justamente o contrário, reforça situação para os profissionais do setor. O coordenador
a pesquisadora. Relatorias de liberdade de expressão para Segurança e Proteção dos Jornalistas da Artigo 19,
de órgãos como a ONU e a Organização dos Estados Thiago Firbida, ainda alimenta esperanças de que a vi-
Americanos (OEA) já se pronunciaram que, em países olência diminua. Entretanto, os dados colhidos em es-
sistematicamente violentos, o Estado tem o dever de cala global por sua organização não são animadores.
desenvolver formas institucionais de proteção. “Não é Nos últimos dois anos, o Brasil foi o país no mundo que
proteção como a de testemunhas, em que você tira a teve a sua estrutura de liberdade de expressão mais for-

28 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


Estudo aponta
falhas na proteção
A ONG Repórteres Sem Fronteiras lançou recentemente um estudo
em que compara os programas de proteção de jornalistas no Brasil,
México, Honduras e Colômbia. “Sob Risco” identifica falhas estruturais
nessas políticas públicas, e recomenda ações para superar esses limites.
A jornalista e pesquisadora de liberdade de expressão Bia Barbosa
coordenou a investigação e destaca três aspectos do documento:

⬥ “Muitas vezes, os países criam políticas de proteção achando que


o problema da violência contra comunicadores estará resolvido. É
necessário, entretanto, que a engrenagem do Estado funcione de
maneira bem coordenada para que os ataques deixem de acontecer
ou seus perpetradores sejam responsabilizados. Não se pode des-
cuidar de outros vetores e fatores que influenciam nesse ambiente
de violência. No estudo, me surpreendeu um pouco a falta de arti-
culação institucional dessas políticas na maior parte dos países”.

⬥ “Alguns desses programas pouco consideram as especificidades da


atividade jornalística. Isso porque foram criados para proteger de-
fensores de direitos humanos. Jornalista também é, mas o seu exer-
cício profissional tem características próprias, que vão do local às
condições de trabalho. Se o repórter estiver com escolta, por exem-
plo, o sigilo prometido à fonte pode ser prejudicado. Há especifici-
dades da reportagem no meio digital e há preocupações também
com as profissionais mulheres que não são consideradas de manei-
ra nenhuma pela absoluta maioria dos programas de proteção”.

⬥ “Nos países pesquisados, há um discurso favorável à proteção do


jornalismo, o que não é o caso do Brasil. Mas muito raramente
isso se transforma em prática por meio da concessão de orçamen-
tos suficientes, permanentes e robustos para que as medidas pos-
sam ser implementadas. São muito limitados os recursos e as
equipes de análise de risco e monitoramento dos planos de prote-
ção. A exceção é a Colômbia, que dispõe de verba muito grande
para a Unidade Nacional de Proteção, que protege não só jornalis-
tas mas outros quinze públicos-alvo”.

Dossiê FENAJ / objETHOS – 29


3
Como a violência contra jornalistas atinge você

temente deteriorada. Existem nações com si-


tuações muito precárias, reconhece, mas pro-
porcionalmente à posição em que estava, o
Brasil teve a maior queda nos índices de liber-
dade de expressão, levando-se em conta 25
indicadores em 165 países.
Para comparar as diferentes realidades, são
levados em consideração aspectos como segu-
rança dos comunicadores, liber-
dade de expressão em meio digi-
Quando tal, liberdade para a sociedade
se organizar no espaço cívico,
não se transparência de dados e acesso
às informações públicas, entre
consegue outros. “Sempre tivemos proble-
mas sérios de liberdade de ex-
evitar as pressão, principalmente quanto
à violência. Nos governos demo-
agressões, cráticos, houve avanços na trans-
parência, por exemplo, com a
é necessário criação da LAI, o Marco Civil da
Internet e a Lei Geral de Proteção de Da- Com larga experiência no acompanhamento do
reforçar a dos. Mas esta evolução parou e, nos últi-
mos dois anos, houve graves retrocessos”,
tema e em condições de comparar realidades distintas,
Thiago Firbida não hesita em enxergar no governo de
proteção pondera.
Thiago Firbida cita ainda o aumento
Jair Bolsonaro a piora da situação. “O atual governo
tem um projeto sistemático de desestruturação da li-
vertiginoso de processos na justiça contra berdade de expressão. Nunca antes tivemos uma ação
jornalistas, de modo a intimidar os profis- coordenada das mais altas autoridades para atacar a
sionais e comprometer economicamente pequenos e imprensa. A chegada de Bolsonaro à presidência repre-
médios veículos de comunicação. Em casos mais con- senta uma mudança quantitativa e qualitativa na vio-
tundentes, essas organizações de notícia ficam inviabili- lência contra jornalistas”, enfatiza.
zadas diante da pressão dos tribunais. Discursos agressi- Como 2022 é um ano de eleições, o maior receio está
vos de autoridades políticas para descredibilizar a im- justamente nos próximos meses, aponta o especialista
prensa alimentam a atmosfera de hostilidade e incenti- que se acostumou a relacionar períodos eleitorais ao au-
vam o assédio judicial. No contexto geral, o ar fica irres- mento da violência contra jornalistas. “As próximas elei-
pirável para os jornalistas brasileiros. ções serão diferentes. Dependendo dos resultados, os

30 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


Nesta página e na anterior,
materiais de divugação
distribuídos pela Unesco, em
2021, como parte de uma
campanha contra os ataques
online que jornalistas mulheres
vinham sofrendo. “Atacar uma
mulher jornalista é atacar
nosso direito de saber”, diz o
post em francês. Em espanhol,
uma mensagem ameaça: “Cala
a boca, ou eu te calo”.

ataques podem piorar a níveis que a gente nem conse- so a dados incompletos, descontextualizados, desatua-
gue prever. Pensar na proteção dos jornalistas é ainda lizados ou simplesmente fabricados artificialmente
mais importante e pode ter um impacto maior para a por estruturas paralelas. É a velha manipulação das in-
democracia do que em outros tempos”, conclui Firbida. formações para distorcer os fatos e moldar a realidade
As variadas formas de intimidação ao jornalismo conforme a conveniência dos dominadores. A violên-
afetam direitos humanos e contribuem para outro gra- cia contra os jornalistas não é uma preocupação ape-
ve problema social, a desinformação. Ao enfraquecer nas da categoria profissional porque ela resulta em vi-
os meios de comunicação, os poderosos atingem em olações de direitos e alimenta as máquinas de desin-
cheio a dieta informativa da população, que tem aces- formação e mentiras. ■

Dossiê FENAJ / objETHOS – 31


4 Para deter as agressões,
a bem da sociedade
Samuel Pantoja Lima* atinge as liberdades de imprensa, de expressão e os
profissionais envolvidos tanto no mainstream como no
* Presidente da Manaus, 7 de setembro de 2021. Os jornalismo independente?
Associação Brasileira de A complexidade do problema exige uma solução
Pesquisadores em jornalistas Luiz Henrique Almeida e
igualmente complexa. A verdade é que essa realidade
Jornalismo (SBPJOR) e Lázaro dos Santos Wanderley Filho, não é necessariamente nova; apenas ganhou escala
professor da
Universidade Federal de respectivamente repórter e repórter nos últimos cinco anos. Em 2017, tivemos 99 casos re-
Santa Catarina.
cinematográfico da Band Amazonas, gistrados; já em 2021 foram 232, número quase 2,4 ve-
foram agredidos por apoiadores zes maior. O relatório Sob Risco, da ONG Repórteres
Sem Fronteiras, dá uma pista sobre a dimensão: “ape-
do presidente Jair Bolsonaro,
sar de já enfrentar um contexto de violência contra co-
durante manifestação pública municadores, quando o Estado brasileiro lançou o
realizada na praia de Ponta Programa de Proteção a Defensoras e Defensores de
Negra, na capital amazonense. As Direitos Humanos (PPDDH), em 2004, com base na re-
agressões começaram com solução 14 do então Conselho de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana, a população jornalística não rece-
xingamentos, passando a
beu atenção especial”.
arremesso de latas de cervejas nos Para a deputada federal Érika Kokay (PT/DF), vice-
Band Amazonas/FENAJ jornalistas e golpes com o mastro presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minori-
de uma bandeira. A ação foi presenciada as da Câmara dos Deputados, no atual cenário, “é mui-
por membros da Polícia Militar do to importante que nós tenhamos uma concepção que
há uma corrosão do Estado no que diz respeito à sua
Amazonas que não intercederam para
lógica de proteção social, à sua lógica de favorecimento
fazer cessar as agressões. da dignidade humana e uma tentativa de naturalizar
os ataques às liberdades de imprensa e de expressão”.

A
cena acima está registrada no relatório Vio- Kokay acrescenta que “estamos vivenciando um re-
lência contra Jornalistas e Liberdade de Im- trocesso muito profundo, construído nas entranhas do
prensa no Brasil, da Federação Nacional dos próprio Estado e da sociedade. Nesse sentido, a Comis-
Jornalistas (FENAJ), lançado em 27 de janeiro são não apenas combate as violações ou as expressões
de 2022, com dados que consolidam uma es- dessa violência contra a liberdade de imprensa e a li-
calada que, não obstante a dificuldade de obtenção do berdade de expressão, como também através do Ob-
registro das ocorrências, já ultrapassa as quatro cente- servatório [Parlamentar da Revisão Periódica Universal
nas de casos de violência das mais diversas espécies. É da ONU] que elaborou o mais profundo diagnóstico,
um quadro de violência cada vez mais acentuado, no- penso eu, sobre o conjunto de 242 recomendações”.
tadamente nos últimos cinco anos. Uma questão: o Na visão de Ricardo Pedreira, diretor executivo da As-
que fazer para estancar essa espiral de violência que sociação Nacional dos Jornais (ANJ), ante a escalada da

32 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


violência, “as empresas de jornalismo de-
vem tomar todos os cuidados para preser-
var a integridade física de seus profissio-
nais. Mesmo buscando sempre cumprir
sua missão de informar a população sobre
tudo o que lhe é de interesse, as empresas
devem avaliar, em cada caso, a conveniên-
cia de enviar seus profissionais a áreas ou
situações de risco”.
Indagado sobre o que as organiza- Números
ções empresariais têm feito para prote-
ger a integridade física e a saúde de seus da violência
profissionais, Pedreira resumiu: “A ANJ
orienta seus associados a tomarem to- por estado Fonte: Violência contra
dos os cuidados para proteger seus pro- Jornalistas e Liberdade
fissionais. Ao mesmo tempo, a associa- de Imprensa no Brasil,
Relatório 2021. FENAJ.
ção está em permanente vigilância fren-
te aos atos de violência contra jornalis-
tas, protestando e cobrando providên-
cias das autoridades”. Lembrando episódios recorren- conversas com as plataformas no sentido de criar ca-
tes de violência contra jornalistas, o dirigente obser- nais que pudessem buscar uma forma de conter essa
vou: “Nas grandes manifestações públicas ocorridas no enxurrada [de violência]. Temos conversas frequentes
Brasil nos últimos anos, por exemplo, a ANJ participou com o Twitter. Se a gente os marca [nos casos de agres-
de iniciativas junto ao Ministério da Justiça com vistas são que ocorrem na plataforma] pelo perfil da Abraji,
a orientar as polícias militares a se comportarem de eles tendem a atender mais rapidamente”.
modo a proteger os jornalistas das violências cometi-
das por manifestantes, assim como a evitar que os in- PROTOCOLO NACIONAL DE SEGURANÇA
tegrantes das corporações militares usassem da violên-
cia contra jornalistas”. Desde 2019, a Federação Nacional dos Jornalistas
O ponto de vista da Associação Brasileira de Jorna- (FENAJ) tem se empenhado em debater publicamente
lismo Investigativo (Abraji) converge em relação à ne- com entidades empresariais e órgãos federais, como o
cessidade da adoção de medidas protetivas aos jorna- Ministério da Justiça, a questão da segurança dos jorna-
listas no exercício da profissão. Katia Brembatti, vice- listas. Às empresas de comunicação tem sido proposta,
presidente da Abraji, relata uma iniciativa direta da en- anualmente, a adoção de um documento chamado Pro-
tidade junto às plataformas digitais: “além do monito- tocolo Nacional de Segurança e Melhoria das Condições
ramento dos casos, temos em paralelo estabelecido de Trabalho dos Jornalistas. Com o Ministério da Justiça

Dossiê FENAJ / objETHOS – 33


4
Para deter as agressões, a bem da sociedade

foi iniciada a discussão de um protocolo de proteção,


mas nenhum avanço concreto foi registrado nas reuni-
al de risco de violência, a empresa deve fornecer equi-
pamentos e as instruções necessárias para a proteção
ões e, enquanto isso, o problema se agrava ano após ano. de seus profissionais”. Pedreira dá como exemplo a sus-
Na percepção da deputada Érika Kokay, “um proto- pensão da cobertura no chamado “cercadinho do Alvo-
colo é absolutamente fundamental para que você pos- rada”, quando empresas jornalísticas retiraram profis-
sa estabelecer parâmetros de proteção não só ao exer- sionais que cobriam a entrada do Palácio e sofriam
cício individual dos profissionais de im- ameaças verbais e físicas por manifestantes favoráveis
prensa, mas também à liberdade de ex- ao governo de Jair Bolsonaro.
pressão e à liberdade de imprensa para A jornalista Katia Brembatti registra que a “Abraji é
Como princípio o diálogo com o conjunto da sociedade. a favor de protocolos de segurança, tendo em vista que
Tão logo seja retomado o funcionamen- a situação dos ânimos acirrados leva a um descontrole
básico e geral, um to das Comissões, cabe uma audiência dos praticantes dessas agressões e pensando que este é
profissional de pública com a proposta da FENAJ sobre um ano eleitoral, difícil para a cobertura jornalística”.
os protocolos para construir leis que es-
jornalismo tem o tabeleçam limites aos ataques que pro- FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES
fissionais de imprensa têm sofrido”. A
direito de declinar parlamentar reforça uma saída via Con- Numa outra perspectiva atua o deputado federal
determinada gresso Nacional: “cabe uma proposição Vicentinho (PT/SP), responsável pelo Projeto de Lei
legislativa com os princípios do Protoco- 191/15, que “autoriza a Polícia Federal (PF) a participar
cobertura jornalística lo e, ao mesmo tempo, com os princípios de investigação de crimes contra a atividade jornalísti-
do que significa a liberdade de impren- ca e contra autoridades dos poderes Executivo, Legisla-
que considere sa. O que acontece é que não dá mais tivo e Judiciário quando houver omissão ou ineficiên-
perigosa para sua para ficar do jeito que está. Não dá mais cia das esferas competentes nos estados e municípios
para que você tenha esse nível de ata- após 90 dias de investigações”. O parlamentar explica:
integridade física que, esse nível de ataque verbal, esse ní- “a proposta aumenta as ferramentas disponíveis à Jus-
vel de açoite, porque a verdade está no tiça na consecução da total eficiência da investigação
pelourinho neste governo”. policial, que, por vezes, é posta à prova pela suspeita
Mesmo ressalvando que a ANJ não é uma entidade de influências escusas nos diversos processos regionais
sindical, Pedreira, diretor executivo da associação, re- espalhados pelo país. Como ator isolado no plano fede-
gistra que ela entende que “cada empresa, no âmbito ral, a Polícia Federal é opção de grande valia em inves-
de sua cidade e região, deve ter a independência para tigações estaduais e municipais que venham a se apre-
definir as medidas protetivas de seus profissionais. sentar omissas ou ineficientes” . O PL 191/15 está sendo
Como princípio básico e geral, um profissional de jor- analisado em “caráter conclusivo”, o que significa que
nalismo tem o direito de declinar determinada cober- irá passar tão somente pelas Comissões de Segurança
tura jornalística que considere perigosa para sua inte- Pública e Combate ao Crime Organizado, e de Consti-
gridade física, e que no caso de cobertura com potenci- tuição e Justiça e de Cidadania, sem ir ao plenário. ■

34 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


Protocolo da FENAJ
prevê a adoção de
medidas protetivas
“O aumento dos crimes e a crescente c) As empresas garantirão aos seus jor-
violência contra jornalistas em todo terri- nalistas equipamentos de segurança
tório nacional” é a justificativa da FENAJ de eficácia garantida por órgãos de
para propor às empresas jornalísticas a certificação e também suporte operaci-
implementação de um Protocolo Nacional onal, de acordo com as orientações
de Segurança e Melhoria das Condições das Comissões de Segurança.
de Trabalho dos Jornalistas. A federação
dos trabalhadores chama as empresas d) A FENAJ, ABERT, ANER e ANJ pro-
empregadoras e suas entidades repre- moverão cursos de treinamentos para
sentativas a assumir o compromisso de os jornalistas a partir de demandas
“construir uma cultura de segurança e a das Comissões de Segurança.
implementar as seguintes práticas”:
e) As organizações signatárias deste Pro-
“a) Criação, nos locais de trabalho, de tocolo apoiam a criação de uma lei que
Comissão de Segurança para avalia- federalize as investigações de crimes
ção dos possíveis riscos de violência contra jornalistas.
nas coberturas jornalísticas e defi-
nição de medidas mitigatórias des- f) As organizações signatárias deste Pro-
ses riscos. tocolo apoiam a criação de um Obser-
vatório Nacional de Crimes Contra Jor-
b) As empresas garantirão aos seus jor- nalistas, de caráter público com a par-
nalistas seguro de vida especial ticipação dos diversos segmentos e do
quando em viagem e/ou em trabalho governo brasileiro.”
caracterizado pela Comissão de Se-
gurança como sendo de risco.

Engin Akyurt/pixabay.com

Dossiê FENAJ / objETHOS – 35


4
Para deter as agressões, a bem da sociedade

RECOMENDAÇÕES
Com base nas entrevistas realizadas para este dossiê, além de
relatórios e outros documentos, resumimos aqui algumas propostas
para mitigar o problema da violência contra jornalistas no Brasil.

Congresso Nacional ✔ Senadores sensíveis ao tema podem


compor uma bancada pluripartidária em
✔ Agilizar na Câmara dos Deputados a defesa dos direitos humanos, dos
tramitação do Projeto de Lei 191/15, jornalistas e comunicadores.
“que autoriza a Polícia Federal (PF) a ✔ Senado e Câmara podem produzir,
participar de investigação de crimes lançar e distribuir publicações de alerta
contra a atividade jornalística”. O PL está e esclarecimento da situação,
em tramitação de “caráter conclusivo”, o contribuindo para a popularização do
que torna mais célere sua aprovação. tema e o aperfeiçoamento do debate.
✔ Ainda na Câmara Federal, a Comissão de
Direitos Humanos e Minorias deve Governo Federal
promover audiências públicas para
discutir o protocolo de segurança ✔ Autoridades federais devem seguir as
proposto pela FENAJ, além de outras recomendações do Alto Comissariado da
medidas semelhantes. Organização das Nações Unidas (ONU)
✔ A Câmara pode aumentar a participação para a área de direitos humanos e atuar
social no Observatório Parlamentar da para o cumprimento da Constituição
Revisão Periódica Universal da ONU, Congresso Nacional pixabay.com
Federal no que diz respeito à liberdade
permitindo a atuação de trabalhadores, debate sobre a necessidade de combate de imprensa e à liberdade de expressão
empresários e outros atores. O a agressões aos jornalistas, e estudar dos jornalistas e da sociedade.
Observatório pode ajudar a elaborar com a Câmara dos Deputados caminhos ✔ O Gabinete de Segurança Institucional e
diagnósticos mais fecundos e verticais legislativos que possam aumentar a a Casa Civil devem dialogar com as
sobre os direitos humanos e a violência salvaguarda desses profissionais, organizações das empresas noticiosas e
contra a imprensa e os jornalistas. inclusive na forma de leis ordinárias ou dos profissionais jornalistas para buscar
✔ O Senado Federal pode promover ainda propostas de emenda condições dignas e seguras para a
audiências públicas para amplificar o constitucional.

36 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


José Cruz/Ag. Brasil Fábio R. Pozzebom/Ag. Brasil.
Palácio do Planalto Supremo Tribunal Federal

cobertura jornalística nas dependências Poder Judiciário Ministério Público


dos palácios do Planalto e Alvorada.
✔ O Governo Federal deve elaborar um ✔ Atuar preventivamente para coibir as ✔ Denunciar à Justiça crimes contra a
protocolo interno de relacionamento ações judiciais contra jornalistas segurança dos jornalistas em seu
com a imprensa e jornalistas, de modo a impetradas por integrantes do Poder exercício profissional.
orientar os funcionários dos ministérios, Judiciário e do Ministério Público. ✔ Propor ações civis públicas em defesa
secretarias e demais órgãos a tratar ✔ Agilizar processos e decisões no âmbito das liberdades de expressão e de
respeitosamente os jornalistas. da justiça nas mais diversas instâncias imprensa.
✔ Ministério da Justiça e Segurança Pública para coibir e enfrentar a violência contra ✔ Promover campanhas de esclarecimento
deve instituir o Observatório da jornalistas. popular sobre a necessidade de garantia
Violência contra Jornalistas, para ✔ Alertar operadores do direito para a das liberdades de imprensa e de
monitorar os casos de ataques à gravidade de crimes e ameaças às expressão para manutenção da
categoria e acompanhar as investigações liberdades de expressão e imprensa. democracia.
dos crimes cometidos para identificação ✔ Promover campanhas educativas sobre ✔ Dialogar com entidades representativas
e responsabilização dos agressores. direitos humanos. da categoria dos jornalistas e outros
mobilizar os órgãos competentes para ✔ Atuar contrariamente às ações judiciais segmentos da sociedade sensíveis ao
coibir as agressões e responsabilizar os contra jornalistas e empresas noticiosas, tema para a busca de soluções de
agressores. que buscam a intimidação e o enfrentamento aos ataques contra
✔ Ministério dos Direitos Humanos, da cerceamento da livre circulação da jornalistas.
Mulher e da Família deve aperfeiçoar o informação jornalística.
Programa de Proteção aos Defensores de ✔ Dialogar com organismos judiciários
Direitos Humanos, para garantir a internacionais para absorver e
segurança dos que estiverem sob ameaça, implementar boas práticas de combate à
inclusive com deslocamentos das vítimas violência contra jornalistas adotadas em
e de suas famílias. outros países.

Dossiê FENAJ / objETHOS – 37


4
Para deter as agressões, a bem da sociedade

Empresas jornalísticas Condições de Trabalho, notadamente o apoiando a formalização de denúncias, o


Item 3 (Segurança dos Jornalistas). acompanhamento das investigações e os
✔ Adotar a recomendação da ANJ de que ✔ Abrir canais de diálogo com os poderes desdobramentos das ações judiciais.
“empresas de jornalismo devem tomar Legislativo e Executivo federal para ✔ Dar suporte psicológico aos profissionais
todos os cuidados para preservar a assegurar condições de segurança que sofrem violências físicas, ameaças,
integridade física de seus profissionais. efetiva para a cobertura jornalística ofensas e intimidações, incluindo as
Mesmo buscando sempre cumprir sua nesses âmbitos. feitas online.
missão de informar a população sobre ✔ Fornecer equipamentos de proteção ✔ Manter os contratos de trabalho e a
tudo o que lhe é de interesse, as individual aos jornalistas e oferecer renda de seus empregados que
empresas devem avaliar, em cada caso, a cursos periódicos de segurança pessoal. precisarem se afastar do trabalho e/ou
conveniência de enviar seus profissionais ✔ Manter equipes para as coberturas se deslocarem, em razão de ameaças.
a áreas ou situações de risco”. jornalísticas, evitando a atuação ✔ Noticiar a violência contra jornalistas de
✔ Dialogar com a FENAJ e incentivar que individual dos profissionais, e modo a revelar à sociedade as agressões
seus representantes sindicais dialoguem disponibilizar agentes de segurança para aos profissionais e o desrespeito ao
com os sindicatos de jornalistas, por equipes de reportagem, quando direito à informação.
ocasião dos Acordos e Convenções identificada uma situação de risco. ✔ No ambiente de trabalho, promover
Coletiva, sobre os termos do Protocolo ✔ Oferecer assistência jurídica aos debates permanentes para a troca de
Nacional de Segurança e Melhoria das jornalistas vítimas de violência, experiências e difusão de uma cultura de
segurança coletiva.

Jornalistas
CA...
CALA A BOO É
A GLOB ERDA, ✔ Comunicar casos de agressões ao
DE M
IMPRENSASA PODRE
Sindicato de Jornalistas e à Federação
IMPREN Nacional dos Jornalistas, de modo a
contribuir para a documentação do
fenômeno.
✔ Quando vítima de violência, comunicar
imediatamente à empresa empregadora
e ao Sindicato de Jornalistas.
✔ Solicitar assistência jurídica à empresa
empregadora. Em caso de recusa da
empresa ou se é um profissional sem
contrato formal de trabalho, solicitar

38 – Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação


assistência jurídica ao Sindicato dos
Jornalistas de seu Estado.
✔ Mover ações judiciais contra agressores,
preferencialmente assistido por
advogados da empresa empregadora ou
indicados pelo Sindicato dos Jornalistas.
✔ Cobrar agilidade nas investigações
policiais dos crimes contra jornalistas e
acompanhar o andamento dos casos
junto ao Poder Judiciário, de modo a
reduzir a margem de impunidade.
✔ Denunciar publicamente a violência
contra jornalistas e organizações
noticiosas.
✔ Denunciar aos Sindicatos de Jornalistas
quando empregadores não ofertarem
Equipamentos de Proteção Individual.
✔ Participar das reivindicações coletivas,
como a criação da Comissões de
Segurança e oferta de cursos de
proteção pessoal.

Organizações da Sociedade Civil


Arte sobre foto de Alex Ribeiro
✔ Firmar parcerias para coletar, analisar e
compartilhar estudos com dados sobre a
violência contra jornalistas no Brasil, ✔ Garantir que profissionais estejam ✔ Participar de debates públicos que
contribuindo para encontrar soluções ao devidamente equipados e preparados difundem uma cultura de paz, de justiça
problema. para exercer seu ofício com segurança. social e de respeito aos direitos
✔ Apoiar a regulação das plataformas ✔ Apoiar as denúncias de crimes contra humanos.
digitais (Twitter, Facebook, WhatsApp, jornalistas, cobrando investigações. ✔ Apoiar jornalistas vítimas de violência.
Telegram, Instagram), contemplando ✔ Ajudar a denunciar casos de violação de ✔ Ajudar a cobrar das autoridades policiais e
soluções efetivas para os casos de direitos humanos e de violência contra judiciárias a investigação de crimes contra
violência online contra jornalistas. jornalistas. jornalistas e a punição dos agressores. ■

Dossiê FENAJ / objETHOS – 39


O Observatório da Ética Jornalística (objETHOS) está vinculado ao Depar-
tamento de Jornalismo e ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPG-
JOR) da Universidade Federal de Santa Catarina. Surgiu em 2009, e é uma ini- DIRETORIA-EXECUTIVA DEPARTAMENTO DE
ciativa de pesquisa, acompanhamento e monitoramento da ética praticada Presidenta: Maria José Braga – Goiás CULTURA E EVENTOS
por jornalistas e meios de informação. A equipe é formada por pesquisadores 1ª Vice-Presidente: Paulo Zocchi – São Paulo Luiz Carlos de Oliveira – Piauí
de cinco reconhecidas universidades brasileiras (UFSC, UFF, Feevale, UFPel e 2ª Vice-Presidente: Samira de Castro – Ceará Márcio Garoni – São Paulo
UFBA), e por pesquisadores em nível de doutorado, mestrado e graduação. Secretária Geral: Beth Costa – Rio de Janeiro Marjorie Moura – Bahia
O objETHOS desenvolve investigações para teses, dissertações e estudos 1ª Secretária: Alessandra Mello – Minas Gerais DEPARTAMENTO DE MOBILIZAÇÃO
específicos sobre ética jornalística, crítica de mídia, identidade profissional, 1º Tesoureiro: Antônio Paulo Santos – Amazonas EM ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO
liberdade de imprensa, riscos ao jornalismo, novos modelos de negócio e de 2ª Tesoureira: Valci Zuculoto – Santa Catarina Douglas Dantas – Espírito Santo
produção jornalística, mídia independente, e novas configurações do ecossis- Suplente: Valdice Gomes da Silva – Alagoas Leonor Costa – Distrito Federal
tema informativo. Rose Dayanne – Tocantins
É membro da Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (Renoi), Rede VICES-PRESIDÊNCIAS REGIONAIS DEPARTAMENTO DE
Lusófona pela Qualidade da Informação (RLQI), Fórum de Direito de Acesso a Vice Regional Centro-Oeste: RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Informações Públicas, Coalizão Direitos na Rede (CDR) e Rede Nacional de Com- Gésio Passos – Distrito Federal Ayoub Hanna Ayoub – Londrina
bate à Desinformação (RNCD). Mantém parcerias e convênios de cooperação Vice Regional Sul: Celso Augusto Schröder – Rio Grande do Sul
com a Red Ética Segura (Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano, Colôm- José Nunes – Rio Grande do Sul Suzana Tatagiba – Espírito Santo
bia), Ceis20 (Universidade de Coimbra, Portugal), Universidad Autónoma de Bu- Vice Regional Sudeste: DEPARTAMENTO DE MOBILIZAÇÃO DOS
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Dossiê FENAJ / objETHOS – 41

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