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Ataques ao
Jornalismo e
ao seu Direito
à Informação
Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito à Informação é uma Supervisão editorial:
publicação da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e do Rogério Christofoletti
Observatório da Ética Jornalística (objETHOS) da Universidade Samuel Pantoja Lima
Federal de Santa Catarina, produzido como marco ao Dia Mundial Maria José Braga
da Liberdade de Imprensa, celebrado em 3 de maio de 2022.
Pesquisa, entrevistas e redação:
O dossiê é de distribuição gratuita, dirigido a todos os públicos, e Alisson Coelho
está sob licença Creative Commons CC BY-NC, que permite que se Janara Nicoletti
distribua, altere e modifique o conteúdo para uso não-comercial, Rogério Christofoletti
desde que as fontes – FENAJ e objETHOS – sejam citadas. Samuel Pantoja Lima
Ilustrações:
Frank Maia
E-book (PDF)
ISBN 978-85-8328-089-7
CDU: 070.13
Ataques ao
Jornalismo e
ao seu Direito
à Informação
2022
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Uma parceria pelo jornalismo e para a sociedade..... 6
INTRODUÇÃO
Seus direitos estão em perigo .................................... 8
1
Por trás dos números, pessoas reais ........................ 10
Uma profissão que está se tornando de risco 12
Por que o jornalismo está sob ataque? 13
Quem agride os jornalistas? 14
Quem são as vítimas? 15
2
Precarização, uma violência diária e invisível.......... 16
Normalização de abusos e assédios 17
Efeitos muito além da redação 19
Um problema estrutural 20
3
Como a violência contra jornalistas atinge você ...... 22
Direito de saber 22
Formas de enfrentamento 25
O jornalismo é um bem público 27
Violência ajuda a desinformação 28
Estudo aponta falhas na proteção 29
4
Para deter as agressões, a bem da sociedade .......... 32
Protocolo Nacional de Segurança 33
Federalização dos crimes 34
Protocolo da FENAJ prevê a adoção de medidas protetivas 35
Recomendações 36
APRESENTAÇÃO
Uma parceria pelo jornalismo e para a sociedade
Maria José Braga* mente pode se efetivar com o exercício da cidadania. E
cidadania constitui-se de cidadãos e cidadãs que agem
O
* Presidenta da jornalismo é uma atividade profissional pre- em sociedade depois de formarem seus juízos acerca dos
Federação Nacional sente no cotidiano da maioria das mulheres e fatos e dos debates, a partir de informações confiáveis.
dos Jornalistas (FENAJ)
homens que habitam o planeta Terra. O que Também não é coisa nova os ataques ao jornalismo
pode parecer um exagero – e não há um dado e a quem o exerce. Justamente pela relevância social do
científico para comprovar essa assertiva – é, jornalismo, pessoas, grupos e até mesmo instituições
na verdade, uma constatação empírica: as informações que não partilham dos valores democráticos querem
jornalísticas revelam a realidade imediata, pautam o de- enfraquecê-lo ou instrumentalizá-lo, o que é sinônimo
bate na esfera pública e influenciam a tomada de deci- de destruí-lo. E como não existe jornalismo sem jornalis-
sões, em especial, as que afetam as vidas de uma comu- tas, os trabalhadores e trabalhadoras da notícia são as
nidade específica, de várias delas ou da maioria. vítimas diretas dos ataques ao jornalismo, sofrendo no
Houve uma época, no passado recente, que era rela- corpo e na alma agressões variadas.
tivamente comum falarmos do jornalismo como o Contraditoriamente, até mesmo atores sociais que
“quarto poder”, atuando em conjunto (e muitas vezes ri- reconhecem a importância do jornalismo, muitas vezes
valizando) com os poderes Executivo, Legislativo e Judi- não identificam nos ataques à liberdade de imprensa e
ciário, constitutivos da República. Não é novidade, por- nas agressões diretas aos/às jornalistas, violações ao di-
tanto, que com um pouco de intuição e muito de percep- reito à informação, à constituição da cidadania e à de-
ção dos fatos, as sociedades democráticas reconheçam o mocracia. É um desafio, portanto, revelar ao conjunto
jornalismo como um dos pilares da democracia, que so- da sociedade a relação direta entre a violência contra
os/as jornalistas e a fragilização dos valores, das práticas
e das instituições democráticas.
“O ataque ao A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e o Ob-
servatório da Ética Jornalística (objETHOS) encaram esse
jornalismo é desafio de formas diferentes no cotidiano. A FENAJ bus-
também uma ca identificar as agressões e denunciá-las publicamente,
além de apoiar as vítimas e cobrar das autoridades com-
forma de corrosão petentes apuração dos crimes e responsabilização dos
culpados. O objETHOS defende e reforça a importância
da democracia e do jornalismo ao analisar sua prática e também seus re-
ferenciais teóricos e éticos.
das conquistas Aqui, os esforços da FENAJ e do objETHOS se cru-
civilizatórias” zam. O dossiê “Ataques ao Jornalismo e ao seu Direito
à Informação” traz uma análise detalhada do “Relató-
Maria José Braga
rio de Violência contra Jornalistas e Liberdade de Im-
David Leitão Aguiar
O
s números não mentem e os casos são bem Documentos como os relatórios da FENAJ denun-
conhecidos. Ser jornalista no Brasil é uma ciam as muitas agressões, mas também ajudam a me-
atividade perigosa, que pode render ofen- dir a temperatura para o exercício profissional no
sas, agressões físicas, perseguições e ata- país. Não é difícil perceber que o ambiente vem se
ques online. Documentos de diversas orga- deteriorando muito rapidamente desde o impeach-
nizações nacionais e internacionais mostram como ment de Dilma Rousseff, a hesitante gestão de Michel
está em curso uma escalada da violência contra os pro- Temer e o violento governo Jair Bolsonaro. Segundo
fissionais da informação. O relatório de 2021 da Fede- levantamento da Federação, o presidente da Repúbli-
ração Nacional dos Jornalistas (FENAJ) sobre violência ca foi o principal agressor dos jornalistas em 2021,
contra esses profissionais e liberdade de imprensa re- respondendo por mais de um terço dos ataques na
gistrou um trágico recorde com 430 casos. Comparados forma de ofensas verbais ou falas para deslegitimar a
a cinco anos atrás, por exemplo, os ataques aumenta- imprensa. Nos dois anos anteriores, ele já havia tam-
ram 425,7%, algo nunca visto desde que a entidade bém se destacado negativamente com humilhações,
passou a fazer levantamentos em 1998.
428 430
“A impunidade 208
181
é combustível 161
129 137 135
para a violência” 99
81
Maria José Braga, presidenta da FENAJ 62
39
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
Fonte: Relatórios anuais de violência contra jornalistas da FENAJ
E
sta é a frase que abre um áudio de mais de 2019. Uma delas, A nova pirataria francesa, recebeu o
17 minutos gravado por Magnólia de Olivei- Prêmio de Jornalismo do Ministério Público do Mara-
ra. Ao lado do francês François-Xavier Pelleti- nhão (MPMA). Graças ao esforço investigativo de Araú-
er, Magnólia foi denunciada em uma reporta- jo, uma série de escavações já programadas pelo casal
gem por violação de sítios arqueológicos em foi interrompida. Xavier-Pelletier fugiu da região e
comunidades quilombolas do município de Bacuri, parte do material retirado das escavações ilegais foi re-
no litoral do Maranhão. Sem qualquer formação em cuperado pela polícia.
Patrícia Campos Mello (d) ao receber o prêmio do Committee to Protect Journalists, em 2019 CPJ Ed Wilson Araújo edwilsonaraujo.com
UMA PROFISSÃO QUE ESTÁ SE preocupa bastante, porque os jornalistas estão sendo
TORNANDO DE RISCO atacados cotidianamente. São 430 agressões, mais de
uma por dia”, reforça.
Os números e as histórias mostram uma profissão Uma violência que é cotidiana e, por vezes, norma-
de risco. O crescimento constante dos casos de violên- lizada pelos profissionais. Muitos sequer notificam as
cia, que apresentamos na introdução deste dossiê, autoridades e entidades de classe quanto aos assédios
aponta que os perigos têm aumentado à medida que que sofrem. Esse é um dado confirmado tanto pela pre-
o tempo passa e não há indicativo de sua redução a sidência da FENAJ quanto pela Associação Brasileira de
curto prazo. Pelo contrário. Projeções de entidades Jornalismo Investigativo (Abraji), que também monitora
como a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e a dados de agressões a jornalistas. “Existe uma contrapo-
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo sição entre uma violência que é cotidiana e outra que é
(Abraji) apontam para um ano ainda mais tenso, espe- pontual. Essa violência que entra na rotina acaba não
cialmente em função das eleições. Presidente da FE- sendo denunciada”, comenta a consultora jurídica da
NAJ, Maria José Braga reforça o caráter arriscado da Abraji, Letícia Kleim.
profissão. “Há uma situação de insegurança para o O jornalista Leandro Demori sente essa insegurança
exercício da profissão de jornalista no Brasil que nos diariamente. Desde que assumiu o cargo de editor-exe-
Os cinco 26
6,05%
principais 33
7,67%
tipos de 140
ataques 58
13,49%
32,56%
Censura
Descredibilização
Agressões verbais/
Ataques virtuais
131
Ameaças/Intimidações 30,46%
Agressões físicas
Fonte: FENAJ Eric Drooker / drooker.com
Apresentador de Rádio 8
Jornalista independente 8
■
2 Precarização, uma
violência diária e invisível
Janara Nicoletti* dia 8 de março de 2022. Segundo ela, ao menos outros
dois profissionais perderam seus empregos devido à
A
* Jornalista e s condições de trabalho dos jornalistas bra- atuação na página de denúncia criada para expor os
pesquisadora
sileiros podem ser consideradas como es- atrasos financeiros. Dias depois de sua demissão, o per-
associada do
objETHOS truturalmente precárias. Trata-se de uma fil foi fechado. “Eles falaram que foi por isso. Deu uma
profissão marcada pelo acúmulo de fun- sensação de bode expiatório. Realmente engajei muito
ções, excesso de carga de trabalho, jornada [a página] e teve uma menina que só seguiu, apenas
ampliada, falta de folgas, vínculos instáveis por meio seguiu, e também foi demitida”.
da informalidade ou pejotização, assédio moral, bai- Durante todo o período em que trabalhou no jor-
xos salários, instabilidade de carreira, falta de segu- nal, a repórter conviveu com a incerteza de quando re-
rança e de suporte em casos de violência, feminiza- ceberia seu próximo salário e quanto entraria em sua
ção e juvenilização. A desestruturação do mercado la- conta bancária. Situação que afetou sua saúde mental,
boral e a falta de proteção trabalhista geram um qua- gerou crises de ansiedade e momentos de depressão.
dro de desrespeito ao emprego digno. Ela conseguiu sobreviver graças à ajuda da família.
Nos últimos anos se multiplicaram situações de ca- “Bendita seja minha mãe. Colegas meus que já não ti-
lote ou atraso de pagamentos nham os pais ou que já eram eles próprios os pais, ca-
a jornalistas. É o caso do Diá- sados [tinham dificuldade para sobreviver]. Tinha gen-
rio de Pernambuco que, des- te que o homem trabalhava no jornal, a esposa não tra-
de 2019, passa por uma crise balhava, ficava em casa, e o jornal era a única fonte de
financeira que resultou em renda da família. Eles tiveram conta atrasada, luz corta-
congelamento de contas por da, todo tipo de humilhação que alguém pode ter, sa-
via judicial, atraso de salários, bendo que não tinham dinheiro, mas deveriam ter por-
denúncias ao Ministério Pú- que [um deles] estava trabalhando. Eu vivia mal, sem-
blico do Trabalho e paralisa- pre tendo que pedir dinheiro pra minha mãe, como
ção dos profissionais. Uma ainda estou”, conta a jornalista, que continuava sem re-
página em uma rede social foi ceber os salários atrasados e a rescisão contratual à
criada para denunciar o pro- época da entrevista.
blema à sociedade. De acordo com o Perfil dos Jornalistas Brasileiros
Lara Tôrres de Almeida co- 2021, a precarização do trabalho no jornalismo aumen-
meçou a trabalhar no jornal tou entre 2012 e 2021. De 3.100 participantes do estu-
em maio de 2021 e, desde do representativo da categoria no Brasil, 24% possuem
que soube da conta online, vínculos considerados precários, como pessoa jurídica,
passou a interagir de forma MEI (microempreendedor individual), freelancer e pres-
ativa na sua divulgação. Por tação de serviços sem contrato. Para 42,2%, a carga ho-
causa disso, foi demitida no rária de trabalho superava oito horas diárias.
para os “efeitos nocivos” à saúde dos trabalhadores da no- Mundial da Saúde, o problema ocupacional tem como
tícia trazidos pela “deterioração das condições de traba- principal característica o estresse crônico ocasionado
lho”. O estudo aponta para um quadro preocupante de pelo trabalho. Inclui sintomas como exaustão e eficácia
sobrecarga, assédio moral e adoecimento mental. Do to- profissional reduzida.
tal de participantes da pesquisa, 66,2% afirmaram que se No começo daquele ano, Marília passou a ter crises
sentem estressados no trabalho, enquanto 34,1% recebe- de ansiedade que se tornaram diárias. “Toda vez que eu
ram diagnóstico médico de estresse. Outros 20,1% infor- dizia meu nome pra alguém, que eu falava o nome de
maram terem desenvolvido algum tipo de transtorno qual veículo estava trabalhando, me sentia muito mal,
mental devido à ocupação profissional e 31,4% recebe- tinha crises de choro. Achava que isso era só estafa, can-
ram prescrição médica para tomar antidepressivos. Pro- saço por estar vivendo uma pandemia, por estar traba-
blemas ocupacionais, como Lesão por Esforço Repetitivo lhando e não ter mais horário, por ter tido uma redução
e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, na equipe quando começou a crise sanitária e o traba-
foram assinalados por 19,9%. lho dobrou. Eu achava que precisaria só de um descan-
Cansaço, estresse, poucas horas de sono, ansiedade so, mas foi se acumulando”.
extrema e a sensação de nunca estar fazendo o sufici- Marília lembra que, desde o início do trabalho em
ente pareciam “apenas” sintomas cotidianos de uma home office, era difícil desligar. “Da hora em que eu acor-
jornalista que trabalhava em regime de home office du- dava à hora que ia dormir eu estava atenta ao Whatsapp,
rante a pandemia. Marília (nome fictício a pedido da às demandas que chegavam. Todo esse ambiente de en-
fonte) levou vários meses para conseguir identificar trar e sair do trabalho não existia mais a partir do mo-
que algo não estava bem. Em 2021, ela foi diagnostica- mento em que comecei a trabalhar home office. Minha
da com síndrome de burnout. Segundo a Organização casa virou a extensão do trabalho a ponto de não saber
Mulheres também são minoria em cargos de gestão, da, tem esses componentes mi-
mesmo representando 58% do perfil profissional. Em sóginos, sexuais. São posições
comparação aos homens, possuem remuneração mé- em que, muitas vezes, as traba-
dia menor e sobrecarga de trabalho e pressão. lhadoras e as jornalistas tam-
A violência laboral contra as mulheres afeta o mer- bém se submetem, passando
cado de trabalho brasileiro como um todo. Segundo a por um processo de autocensu-
pesquisa Percepções sobre a violência e o assédio contra ra”. Sanematsu pondera que é
mulheres no trabalho, realizada em 2020 pelos institu- preciso “ter um olhar transver-
tos Patrícia Galvão e Locomotiva, 76% das trabalhadoras sal porque alguns grupos são
brasileiras já sofreram algum tipo de violação laboral. muito mais impactados pela
Entre elas, estão gritos ou xingamentos, discriminação violência. São grupos mais vulneráveis, que, às vezes,
devido à aparência, raça ou orientação sexual, elogios e estão em situações mais precárias, dependem muito
comentários constrangedores por parte de colegas ho- mais daquele emprego e se submetem mais. E aí, a gen-
mens, assédio sexual. Além disso, trabalho supervisiona- te vê episódios de racismo, de ter que ouvir piadas so-
do excessivamente, opiniões ou pontos de vista não le- bre orientação sexual…”.
vados em consideração, humilhação, críticas ou piadas O aumento da precariedade laboral e a redução de
referentes à vida pessoal, tarefas impossíveis de cumprir direitos trabalhistas amplificam a vulnerabilidade de
nos prazos estipulados e ameaças verbais são exemplos todos os trabalhadores “a se submeterem calados à vi-
de violência laboral muitas vezes naturalizadas. olência”, segundo Marisa Sanematsu. “É um fator
A diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão, complicado, mas é como a gente está falando, a neces-
Marisa Sanematsu, destaca que isto também se aplica sidade da sobrevivência acaba tornando a situação
ao mercado jornalístico. “Quando a jornalista é ataca- muito mais difícil”. ■
Dossiê FENAJ / objETHOS – 21
3 Como a violência contra
jornalistas atinge você
Rogério Christofoletti* isso acontece simplesmente porque alguém viu seus in-
teresses contrariados e decidiu interromper o fluxo in-
E
* Professor da m novembro de 2020, uma repórter foi cercada formativo, usando seu poder ou influência para isso.
Universidade Federal e agredida por populares numa praia de Floria- No Brasil, a violência contra jornalistas assumiu pro-
de Santa Catarina e
pesquisador do CNPq. nópolis apenas por mostrar o descumprimento porções alarmantes nos últimos anos, mas é apenas par-
de normas sanitárias exigidas durante a pande- te da verdade dizer que essas agressões atingem só
mia de Covid-19. Em junho de 2021, o presiden- quem vive de dar notícias. O prejuízo social é muito
te da República se negou a responder à pergunta de ou- mais amplo porque pode afetar mais pessoas em diver-
tra jornalista em Guaratinguetá, e, aos berros, mandou sos aspectos das suas vidas, inclusive seus direitos. Ape-
que ela calasse a boca. Em fevereiro deste ano, uma sar de ser uma queixa frequente nas redações, a socie-
equipe de televisão foi impedida de cobrir os protestos dade sempre perde quando alguém impede um jorna-
de policiais e agentes de segurança em Belo Horizonte. lista de trabalhar.
Em todas essas situa-
ções, trabalhadores do jor- DIREITO DE SABER
nalismo foram impedidos
de exercer sua profissão e Quando se ataca um repórter em pleno exercício
sofreram ataques físicos, profissional, um importante elemento da democracia
ofensas ou ameaças. Além também sofre: a liberdade de imprensa. Este tipo de li-
disso, seus relatos ficaram berdade garante que jornalistas e meios de comunica-
incompletos e o público ção possam buscar, apurar e publicar massivamente in-
deixou de saber mais dos formações que sejam de interesse da coletividade. Per-
fatos que estavam sendo mite também que o jornalismo investigue, critique,
cobertos. Nesses casos e em faça as perguntas mais incômodas (e necessárias) e fis-
tantos outros, a violência, a calize os poderes. A liberdade de imprensa funciona,
força bruta e os interesses portanto, como um tipo específico de garantia que aju-
particulares venceram, im- da a impulsionar o trabalho dos jornalistas e das orga-
pondo silêncio e impedindo nizações de notícia. Os envolvidos com o jornalismo se
que informações de interes- beneficiam disso, mas não só.
se público viessem à tona Para o coordenador do Observatório de Liberdade
de forma completa e para de Imprensa do Conselho Federal da Ordem dos Advo-
todos. Esta é a parte mais gados do Brasil, Pierpaolo Cruz Bottini, intimidação de
visível dos danos causados jornalistas, incitação ao ódio e aceitação de atitudes
pela violência contra jorna- agressivas são formas de limitar a circulação de ideias,
listas: deixamos de saber de essencial para a construção da cidadania. “Sem informa-
alguma coisa importante. E ções, não é possível conhecer e reivindicar direitos, per-
ataques podem piorar a níveis que a gente nem conse- so a dados incompletos, descontextualizados, desatua-
gue prever. Pensar na proteção dos jornalistas é ainda lizados ou simplesmente fabricados artificialmente
mais importante e pode ter um impacto maior para a por estruturas paralelas. É a velha manipulação das in-
democracia do que em outros tempos”, conclui Firbida. formações para distorcer os fatos e moldar a realidade
As variadas formas de intimidação ao jornalismo conforme a conveniência dos dominadores. A violên-
afetam direitos humanos e contribuem para outro gra- cia contra os jornalistas não é uma preocupação ape-
ve problema social, a desinformação. Ao enfraquecer nas da categoria profissional porque ela resulta em vi-
os meios de comunicação, os poderosos atingem em olações de direitos e alimenta as máquinas de desin-
cheio a dieta informativa da população, que tem aces- formação e mentiras. ■
A
cena acima está registrada no relatório Vio- Kokay acrescenta que “estamos vivenciando um re-
lência contra Jornalistas e Liberdade de Im- trocesso muito profundo, construído nas entranhas do
prensa no Brasil, da Federação Nacional dos próprio Estado e da sociedade. Nesse sentido, a Comis-
Jornalistas (FENAJ), lançado em 27 de janeiro são não apenas combate as violações ou as expressões
de 2022, com dados que consolidam uma es- dessa violência contra a liberdade de imprensa e a li-
calada que, não obstante a dificuldade de obtenção do berdade de expressão, como também através do Ob-
registro das ocorrências, já ultrapassa as quatro cente- servatório [Parlamentar da Revisão Periódica Universal
nas de casos de violência das mais diversas espécies. É da ONU] que elaborou o mais profundo diagnóstico,
um quadro de violência cada vez mais acentuado, no- penso eu, sobre o conjunto de 242 recomendações”.
tadamente nos últimos cinco anos. Uma questão: o Na visão de Ricardo Pedreira, diretor executivo da As-
que fazer para estancar essa espiral de violência que sociação Nacional dos Jornais (ANJ), ante a escalada da
Engin Akyurt/pixabay.com
RECOMENDAÇÕES
Com base nas entrevistas realizadas para este dossiê, além de
relatórios e outros documentos, resumimos aqui algumas propostas
para mitigar o problema da violência contra jornalistas no Brasil.
Jornalistas
CA...
CALA A BOO É
A GLOB ERDA, ✔ Comunicar casos de agressões ao
DE M
IMPRENSASA PODRE
Sindicato de Jornalistas e à Federação
IMPREN Nacional dos Jornalistas, de modo a
contribuir para a documentação do
fenômeno.
✔ Quando vítima de violência, comunicar
imediatamente à empresa empregadora
e ao Sindicato de Jornalistas.
✔ Solicitar assistência jurídica à empresa
empregadora. Em caso de recusa da
empresa ou se é um profissional sem
contrato formal de trabalho, solicitar