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Art. 56
O que hoje delimitamos como bem cultural era expresso nos debates como obras de arte, monumentos históricos ou mesmo instituições
dedicadas às artes, à religião, à ciência, em conjunto com bens de outros ramos do conhecimento, entre os quais os relacionados à
educação e aos serviços humanitários. O escopo da proteção em caso de guerra estava relacionado, em termos gerais, às discussões
diplomáticas e de especialistas que se faziam representar em grandes assembleias, o que reuniu parte dos países dos três continentes da
Europa, das Américas e da Ásia, a fim de que fossem debatidos os artigos específicos a serem ratificados pelos participantes dos grandes
encontros internacionais. Os representantes das nações, quando necessário, apresentavam listagens de bens ou se comprometiam a
entregá-las antes dos conflitos armados para as nações beligerantes, além de marcar os bens com sinais facilmente distinguíveis e visíveis
já previamente definidos para que os itens sinalizados não fossem bombardeados e destruídos, recurso recomendado pelas primeiras
Convenções de Haia. Importante frisar que as listagens de cada país participante eram resultado da realidade específica e dos interesses
de cada sociedade e de seus governos, que se identificavam com determinadas expressões culturais, muitas vezes chamados de tesouros
das nações durante esses grandes encontros internacionais. Ficou evidente, durante os conflitos armados, principalmente nas grandes
guerras, que essa maneira de tentar proteger os bens com sinais de identificação não funcionou na prática, a exemplo dos inúmeros bens
perdido durante as guerras da primeira metade do século XX.
Se a guerra trouxe o debate do que proteger em caso de conflito armado pela terra e pelo mar no século XIX, em termos coletivos, ou
seja, envolvendo vários países, no século XX o “como preservar” tornou-se institucionalizado em muitas nações, ainda que com formatos
diferenciados. Alguns países antecederam esse calendário, como o caso da França, que já apresentava discussões sobre o patrimônio
desde o século XVIII. Em relação ao nosso tema, as primeiras convenções de Haia podem ser caracterizadas pela busca e restrição aos
meios e métodos danosos de combate nos territórios invadidos pelos beligerantes, dando os primeiros passos para o que veio a ser
chamado mais tarde de bem cultural. Dessa forma, as convenções estabeleceram o reconhecimento dos bens culturais das mais diversas
nações que compactuavam com uma forma de proteção de seus bens em tempos de guerra.
Durante a Primeira Guerra Mundial, a proteção de bens públicos e privados ficou sob a legislação da Convenção Haia (1907), tanto as
instituições quanto os objetos, mas não se obteve o resultado esperado. A busca pela definição e a forma de proteção de objetos públicos
e privados em caso de guerras deu início a um debate que se corporifica e ganha peso ao longo dos séculos XIX e XX, resultando, em 1954,
em uma convenção do pós-guerra específica para tratar da temática:
Artigo 1.º Definição de bens culturais. Para fins da presente Convenção são considerados como bens culturais,
qualquer que seja a sua origem ou o seu proprietário: a) Os bens, móveis ou imóveis, que apresentem uma
grande importância para o patrimônio cultural dos povos, tais como os monumentos de arquitetura, de arte ou
de história, religiosos ou laicos, ou sítios arqueológicos, os conjuntos de construções que apresentem um
interesse histórico ou artístico, as obras de arte, os manuscritos, livros e outros objetos de interesse artístico,
histórico ou arqueológico, assim como as coleções científicas e as importantes coleções de livros, de arquivos ou
de reprodução dos bens acima definidos; b) Os edifícios cujo objetivo principal e efetivo seja de conservar ou de
expor os bens culturais móveis definidos na alínea (a), como são os museus, as grandes bibliotecas, os depósitos
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de arquivos e ainda os refúgios destinados a abrigar os bens culturais móveis definidos na alínea (a) em caso de
conflito armado; c) Os centros que compreendam um número considerável de bens culturais que são definidos
nas alíneas (a) e (b), os chamados “centros monumentais” (ICRC, 2016).
Nesse sentido dado pelas Convenções Internacionais, o bem cultural é entendido como aquele bem que deve ser protegido, em virtude de
seu valor e de sua representatividade para determinada sociedade. Convém lembrar que qualquer bem cultural pode ser elevado a uma
determinada categoria de proteção legal, de acordo com uma determinada atribuição de valor, que passa então a fazer parte da lista dos
bens culturais protegidos, tanto em escala nacional, quanto, em alguns casos, em escala mundial, dependendo de sua excepcionalidade,
em diferentes categorias.
A “Convenção Relativa às Medidas a Adoptar para Proibir e Impedir a Importação, a Exportação e a Transferência Ilícitas da Propriedade
de Bens Culturais”, adotada em Paris na 16.ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, em 14 de Novembro de 1970, trata de um tipo de
proteção diferente da reconhecida em 1954, pois remete, principalmente, aos tempos de paz e redefine o termo bem cultural, já que
responde a uma expectativa de restringir a importação, exportação e a transferência ilícita de bens culturais, bem como o retorno ou a
repatriação de obras levadas de seus países de origem. Portanto, a referida Convenção define os bens culturais de forma mais ampla do
que a de 1954, englobando-os em mais de dez categorias:
ARTIGO 1.º Para os efeitos da presente Convenção, são considerados bens culturais os bens que, por razões
religiosas ou profanas, são considerados por cada Estado como tendo importância arqueológica, pré-histórica,
histórica, literária, artística ou científica e que pertencem às categorias seguintes: a) Colecções e exemplares
raros de zoologia, botânica, mineralogia e anatomia; objectos de interesse paleontológico; b) Bens relacionados
com a história, incluindo a história das ciências e das técnicas, a história militar e social, e com a vida dos
governantes, pensadores, sábios e artistas nacionais ou ainda com os acontecimentos de importância nacional;
c) O produto de escavações (tanto as autorizadas como as clandestinas) ou de descobertas arqueológicas; d) Os
elementos provenientes do desmembramento de monumentos artísticos ou históricos e de lugares de interesse
arqueológico; e) Antiguidades que tenham mais de 100 anos, tais como inscrições, moedas e selos gravados; f)
Material etnológico; g) Bens de interesse artístico, tais como: i) Quadros, pinturas e desenhos feitos
inteiramente à mão, sobre qualquer suporte e em qualquer material (com exclusão dos desenhos industriais e
dos artigos manufacturados decorados à mão); ii) Produções originais de estatuária e de escultura em qualquer
material; iii) Gravuras, estampas e litografias originais; iv) Conjuntos e montagens artísticas originais, em
qualquer material; h) Manuscritos raros e incunábulos, livros, documentos e publicações antigas de interesse
especial (histórico, artístico, científico, literário, etc.), separados ou em colecções; i) Selos de correio, selos
fiscais e análogos, separados ou em colecções; j) Arquivos, incluindo os fonográficos, fotográficos e
cinematográficos; k) Objectos de mobiliário que tenham mais de 100 anos e instrumentos de música antigos
(UNESCO, 1970).
O documento citado não especifica se os bens culturais são protegidos por leis em seus países de origem, mas define claramente, em
vastas categorias, o que deve ser compreendido por bem cultural. Além disso, incentiva que esses bens passem a ser protegidos e
regulamentados por leis nacionais que objetivem protegê-los e preservá-los. Também abrange a urgência de muitos países que, não mais
em guerra, se ressentem de objetos levados durante conflitos. Em outros casos, remete-se aos países que conquistaram a independência,
livres da relação de colonizado e colonizador e que, independentes, requeiram o direito de ter de volta o que lhes foi levado em outros
contextos, entre muitos outros casos, considerando seus bens inalienáveis. O Brasil participou diretamente desses conclaves desde a
Convenção de Haia de 1907, Haia IV, enviando embaixadores e especialistas nos assuntos a serem tratados, constituindo, juntamente com
outros assuntos, a Agenda Internacional do Ministério das Relações Exteriores (MRE), que contava com a cooperação de outros órgãos
especializados.
No Brasil, a terminologia bem cultural, quando aplicada aos bens protegidos, também apresentou suas variantes, uma vez que o conceito
igualmente passou por transformações na área do patrimônio. Até os anos setenta, o termo bem cultural, se utilizado no sentido de bem
protegido, estava mais próximo da ideia de patrimônio vinculado às primeiras décadas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN), de acordo com o qual os bens são vistos como aqueles associados a “fatos memoráveis da história do Brasil, quer pelo
seu excepcional valor arqueológico quer pelos valores etnográfico, bibliográfico ou artístico”, incluindo os monumentos naturais, os sítios
e as paisagens, delimitação das primeiras décadas de atuação da instituição, citados do Decreto-lei n.25 de 1937. O conceito, portanto,
passa a ter sua reelaboração no exercício das práticas de preservação a partir da proposta apresentada por Aloísio Magalhães e sua equipe
na década de setenta, que inseriu a cultura no âmbito das políticas sociais (ANASTASSAKIS, 2007, p.37). Aloísio Magalhães, designer,
advogado e artista plástico, assumiu a direção do IPHAN em 1979, e integrou a este Instituto dois novos organismos: o Centro Nacional de
Referência Cultural (CNRC) e o Programa das Cidades Históricas (PCH). Antes de sua incorporação ao IPHAN, e desde 1975, Aloísio
Magalhaes realizou inúmeras experiência na área de pesquisa pelo CNRC, com base em uma perspectiva mais próxima da concepção
antropológica (ANASTASSAKIS, 2007, p. 39). Nesse sentido, afirma Fonseca (1997, p. 163) que “o interesse que movia o grupo era, em
princípio bastante próximo das preocupações dos modernistas de 1922”. No decorrer do trabalho do CNRC, ainda segundo Fonseca:
As referências que o CNRC se propunha a apreender eram as da cultura em sua dinâmica (produção, circulação e
consumo) e na sua relação com os contextos socioeconômicos. Ou seja, um projeto bastante complexo e
ambicioso, e que visava exatamente àqueles bens que o IPHAN considerava fora de sua escala de valores. E,
gradualmente, a preocupação com os ‘novos patrimônios’ passou a incluir os sujeitos a que se referiam esses
patrimônios, primeiro com a ideia de “devolução” dos resultados das pesquisas às populações interessadas e,
posteriormente, com sua participação enquanto parceiros [...] (FONSECA, 2000, p. 66).
Em seu livro “E triunfo?”, Aloísio Magalhães faz uma crítica à terminologia bem cultural associada às primeiras décadas institucionais, e
explicita seus objetivos em relação às atividades na área da cultura:
Ocorre, entretanto, que o conceito de bem cultural no Brasil continua restrito aos bens móveis e imóveis,
contendo ou não valor criativo próprio, impregnados de valor histórico (essencialmente voltados para o
passado), ou aos bens de criação individual espontânea, obras que constituem o nosso acervo artístico (música,
literatura, cinema artes plásticas, arquitetura, teatro), quase sempre de apreciação elitista (MAGALHÃES, 1985,
p. 52).
A noção de referência cultural, e as inúmeras experiências que, em seu nome, foram realizadas, serviram de
base associadas à releitura das posições de Mário de Andrade no seu anteprojeto para um Serviço do Patrimônio
Artístico Nacional e na sua atuação no Departamento de Cultura para a definição de patrimônio cultural
expressa no artigo 216 da Constituição Federal de 1988, que alarga o conceito ao falar de “bens culturais de
natureza material e imaterial” (ênfase do autor) (FONSECA, 2000, p. 112).
A partir da Constituição de 1988 houve o reconhecimento por meio do Estado dos bens de natureza imaterial, que foram definidos no
artigo 216:
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Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou
em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as
criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988).
Depois do estudo e discussões realizados pelo Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial, foi apresentada a proposta técnica nº 3.551, em
2000, conforme explanação do site do IPHAN, Instrumentos de Salvaguarda, “que criou o registro de bens culturais de natureza imaterial
e o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial”, utilizando a metodologia do Inventário Nacional de Referência Cultural (INRC) (IPHAN,
2016). Vários outros instrumentos de salvaguarda estão associados ao próprio tombamento instituído pelo Decreto-lei nº 25 em 1937, além
da Valoração do Patrimônio Cultural Ferroviário (2007) e a Chancela da Paisagem Cultural (2009). Podemos, então, afirmar que, hoje, o
conceito de bem cultural foi bastante ampliado pela Constituição de 1988, sendo resultado de um longo processo de ressignificação que
inclui as inúmeras áreas do conhecimento. É preciso, pois, ter sempre em vista que se trata de uma concepção em processo, e que
envolve perspectiva multidisciplinar, considerando que cada período da história está voltado para determinados interesses que vão, de
alguma forma, alterar e interferir no significado que podemos dar ao termo bem cultural.
Fontes Consultadas:
ANASTASSAKIS, Zoy. Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Brasil: Aloísio Magalhães e o Centro
Nacional de Referência Cultural. 2007. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de
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Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-%C3%A0-Cultura-e-a-Liberdade-de-Associa%C3%A7%C3%A3o-de-
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Como citar: GUEDES, Maria Tarcila Ferreira; MAIO, Luciana Mourão. Bem cultural. In: GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON,
Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2016.
(verbete). ISBN 978-85-7334-299-4.
Enviado por
Ficha Técnica
Maria Tarcila Ferreira Guedes Graduada em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Sociologia pela
mesma universidade e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP). Técnica do IPHAN e professora do
Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural (IPHAN).
Luciana Mourão Maio Graduada em Letras com habilitação em Português e Latim na Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em
Estudos de Linguagem com ênfase em Língua Latina e Retórica pela UFF e professora de Língua Latina da UFRJ.
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Patrimônio Material (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/276)
Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (http://portal.iphan.gov.br//pagina/detalhes/761)
Requerimento da SPU/MP - Bens Registrados (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1168)
Política de Patrimônio Material (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1837)
Promoart (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/223)
Saída de Bens Culturais do Brasil (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/881)
Programa Nacional do Patrimônio Cultural (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/412)
Pronac (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/622)
SEI! Consulte seu processo (https://www.gov.br/iphan/pt-br/servicos/sei/sei-consulte-seu-processo)
Bens Tombados (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/126)
Prêmios (https://www.gov.br/iphan/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/premios)
Conjuntos Urbanos Tombados (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/123)
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Fortificações Brasileiras (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1609)
Prêmio Luiz de Castro Faria (https://www.gov.br/iphan/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/premios/premio-luiz-de-castro-faria-1)
Patrimônio Ferroviário (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/127)
Concurso Sílvio Romero (https://www.gov.br/iphan/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/premios/concurso-silvio-romero-1)
Patrimônio Arqueológico (https://www.gov.br/iphan/pt-br/patrimonio-cultural/patrimonio-arqueologico)
Prêmio Honra ao Mérito Arte e Patrimônio (https://www.gov.br/iphan/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/premios/premio-honra-ao-merito-arte-e-
Patrimônio Imaterial (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/234)
Preservação de bens afrodescendentes - GTMAF (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1311)
Instrumentos de Salvaguarda (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/418)
Acervos e Publicações (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/617)
E-mail: sic@iphan.gov.br
(https://www.gov.br/iphan/pt-
br/acesso-a- (http://www.brasil.gov.br)
(http://www.turismo.gov.br/)
informacao/servico-de-
informacao-ao-cidadao)
portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/79/bem-cultural 4/4