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1679-0650
MARÇO-ABRIL - N.2 - 2022
HISTÓRIA SOCIAL
ORG. PROFA. DRA. REJANE MEIRELES A. RODRIGUES
LEIA OS LIVROS DAS EDIÇÕES
CIÊNCIAS REVOLUCIONÁRIAS
Editorial - 04
História Social - org.
Profa. Dra. Rejane Meireles A.
Rodrigues - 08
A lógica da sobrevivência entre os
pescadores artesanais de São
Francisco-MG -09
Cassiano Ricardo, Jorge Amado e
as ideias de nação e democracia no
Brasil do Estado Novo. -22
FAZENDA GAMELEIRA: trabalho e
cotidiano - 37
Cotidiano e trabalho: imagens como
construção de memória no Distrito
de Engenheiro Dolabela - 49
EDITORIAL -
PROF. DRA. REJANE MEIRELES A. RODRIGUES
MARÇO-ABRIL DE 2022 - N. 2
04
Desde colonos, meeiros, vaqueiros, boias frias, até os
trabalhadores braçais das empresas localizadas nas cidades
mais populosas da região norte do estado, e pescadores nas
margens do Rio São Francisco, o trabalho ao longo do tempo e
pelo espaço do Norte de Minas teve e tem uma trajetória de
exploração, de não valorização e principalmente de pouco
engajamento por parte de muitos trabalhadores na luta por
seus direitos sociais. Logo, o texto do professor Reinaldo
Pereira vem nos chamar atenção para esta luta dentro da
Industrial Malvina, localizada em Engenheiro Dolabela, no qual
os trabalhadores resistiram em todas as instancias ao
fechamento desta empresa.
No tocante à pesca, também percebemos estes
comportamentos de exploração e pouca relevância social
para esta prática tão antiga, da qual a trajetória de
reconhecimento passou por muita exploração, como
apresentado pelo professor Roberto Mendes em sua tese de
doutorado, cujo recorte tornou-se o texto que ele apresenta
aqui. As relações dos pescadores com o Rio São Francisco, a
existência de uma cooperativa, e mesmo os direitos sociais
adquiridos em tempos de piracema, são questões analisadas
por Mendes.
A exploração, tema que infelizmente se reproduz também no
campo, é o enfoque abordado por Silvana Ferreira no artigo
que ela nos apresenta ao trazer as memórias dos
trabalhadores da Fazenda Gameleira, localizada em Brasília
de Minas. Este artigo é fruto do terceiro capítulo da
dissertação intitulada: “Nós vivia nos tempo do cativêro:
vivências e trajetórias de trabalhadores rurais brasilminenses
(1970 / 90)”, título que também nomeia o artigo aqui
apresentado e foi recortado de uma frase dita por um
trabalhador ao ser entrevistado por Silvana, o que
lamentavelmente reflete as condições de trabalho análogas à
escravidão ocorridas em pleno século XX.
05
Desde colonos, meeiros, vaqueiros, boias frias, até os
trabalhadores braçais das empresas localizadas nas cidades
mais populosas da região norte do estado, e pescadores nas
margens do Rio São Francisco, o trabalho ao longo do tempo e
pelo espaço do Norte de Minas teve e tem uma trajetória de
exploração, de não valorização e principalmente de pouco
engajamento por parte de muitos trabalhadores na luta por
seus direitos sociais. Logo, o texto do professor Reinaldo
Pereira vem nos chamar atenção para esta luta dentro da
Industrial Malvina, localizada em Engenheiro Dolabela, no qual
os trabalhadores resistiram em todas as instancias ao
fechamento desta empresa.
No tocante à pesca, também percebemos estes
comportamentos de exploração e pouca relevância social
para esta prática tão antiga, da qual a trajetória de
reconhecimento passou por muita exploração, como
apresentado pelo professor Roberto Mendes em sua tese de
doutorado, cujo recorte tornou-se o texto que ele apresenta
aqui. As relações dos pescadores com o Rio São Francisco, a
existência de uma cooperativa, e mesmo os direitos sociais
adquiridos em tempos de piracema, são questões analisadas
por Mendes.
A exploração, tema que infelizmente se reproduz também no
campo, é o enfoque abordado por Silvana Ferreira no artigo
que ela nos apresenta ao trazer as memórias dos
trabalhadores da Fazenda Gameleira, localizada em Brasília
de Minas. Este artigo é fruto do terceiro capítulo da
dissertação intitulada: “Nós vivia nos tempo do cativêro:
vivências e trajetórias de trabalhadores rurais brasilminenses
(1970 / 90)”, título que também nomeia o artigo aqui
apresentado e foi recortado de uma frase dita por um
trabalhador ao ser entrevistado por Silvana, o que
lamentavelmente reflete as condições de trabalho análogas à
escravidão ocorridas em pleno século XX.
06
Cristina Dias Malveira pesquisou acerca do estudo de projetos
voltados para a identidade nacional e processos políticos. Ela
discutiu especificamente as militâncias políticas e os projetos
de nação dos literatos Cassiano Ricardo e Jorge Amado nos
espaços da literatura e da imprensa durante o Estado Novo,
alinhavando este dossiê com uma reflexão sobre Democracia,
conceito e prática tão caros nos tempos atuais.
Desta forma, prezados leitores, deixamos aqui o convite para
a leitura, reflexão e debate que, quero crer, os artigos lhes
provocarão.Espero que as inquietações que por ventura esta
leitura provoque tenham encaminhamentos de pesquisa tão
significativos para vocês quanto estes quatro textos têm para
o Norte de Minas, e para o Programa de Pós Graduação em
História da Universidade Estadual de Montes Claros -
Unimontes.
07
História
Social
org.
Profa. Dra. Rejane
Meireles A. Rodrigues
ROBERTO MENDES RAMOS PEREIRA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES
CLAROS - UNIMONTES
A lógica da
sobrevivência entre
os pescadores
artesanais de São
Francisco-MG. 09
Este texto tem o propósito de abordar a questão da
sobrevivência entre os pescadores artesanais da cidade
norte-mineira de São Francisco. É baseado em minha tese de
doutorado em História pela Universidade Federal de
Uberlândia, apresentada e defendida em 2015, intitulada
“Sobre(vivências): modos de vida, trabalho e
institucionalização dos pescadores artesanais de São
Francisco-MG (1960-2014)”. Tratar desse assunto ainda hoje
se mostra como tarefa relevante no meio acadêmico visto que
a lógica da sobrevivência entre os pescadores artesanais,
seja no período de fartura de peixes ou no de escassez, ao
que parece, segue critérios próprios, muitas vezes
negligenciando a continuidade de sua própria pesca ou ainda
a legislação que proíbe a pesca ilegal ou mesmo o ciclo de
reprodução dos peixes, ou seja, nem mesmo questões
ecológicas, ao que tudo indica, quando se trata da própria
sobrevivência, ficam em segundo plano na lista de
prioridades desses pescadores artesanais.
Na referida tese acima, discuti no capítulo 2 como se deram
as experiências dos pescadores artesanais em dois momentos
de suas vidas no rio São Francisco, um tempo passado de
grande fartura, e outro mais atual, de escassez e falta de
peixes. Diversos aspectos foram abordados, tais como a
legislação e os órgãos de fiscalização, principalmente no
período de transição entre fartura e escassez, ou seja,
basicamente nas décadas de 1980 e 1990, ou ainda as
principais razões para a diminuição das espécies no leito do
rio. Aqui não me aterei a esses pontos, mas apenas ao
REVISTA COSMOS PÁG. 10
Tem vez que você limpa um lance de rede aqui, você gasta um mês, dois ali
gastando dinheiro, um cara chega, não ranca um pau e quer apossear daquele
lance de rede. Aí tem existido muito, a confusão é entre eles mesmo. Porque eu
acho direito o seguinte: vamos limpar um lance de rede ali? Vambora, porque
uma andorinha sozinha não faz verão. Nós vamos um grupo aí de 3 barcos, seis
pessoas, aí você faz o lance de rede, ele fica sendo seu, todo ano você vai pra ali,
não vai perturbar ninguém que ta limpando o lance, porque todo mundo tem o
dele, eu tenho o meu 10 .
cujos ensinamentos do ofício são passados de pai para filho, visto que seu pai foi
pescador, sua esposa pescadora e todos os quatro filhos seguiram o mesmo
caminho. Ao informar-me que aprendeu a pescar com o seu pai, e que este só
pescava de anzol, o senhor Higino faz referência às técnicas de pesca que estão
sempre se modificando ao longo do tempo. Ele aponta como foi o seu método de
aprendizado: “aprendi a pescar com pai. Agora... Mas pai nessa época pescava só
de anzol e tudo. Ele não sabia pescar uma tarrafa. Sabia nada e nada. Eu aprendi
a tecer uma rede, uma tarrafa por conta própria, eu agradeço que ninguém me
ensinou”, completa. De todos os pescadores que relataram esse aprendizado
construído no seio familiar, selecionamos algumas falas que revelam a figura do
pai como principal referência para a iniciação no mundo do trabalho:
Eu tenho trinta anos só de carteira. Praticamente quando eu comecei a
entender por gente né? Eu já sabia o que que era água e aprendi a pescar
com meu pai (Manuel, 25/02/2012).
Eu nasci aqui mesmo, não foi em São Francisco, mas foi no município. Desde
a idade de 8 anos que eu pescava mais meu pai. Meu pai era pescador
(Mariano, 05/05/2012)
compensa, seja pelo valor pago pelo contratante (apenas 10%) seja pelos
incidentes ocorridos, como ocorreu com o seu marido que foi multado pela
Polícia Ambiental e teve que arcar com todo o ônus. Esse quadro aponta
para uma hierarquia dentro do próprio grupo de pescadores, revelando que
a noção de trabalho solidário inexiste quando os interesses e as condições
de trabalho de cada um se fazem presentes nas relações entre eles. Assim, a
solidariedade no trabalho existente nos tempos de fartura tem ganhado uma
feição de acordo no qual cada pescador participa da relação de trabalho,
tirando dessa participação uma parcela dos ganhos.
Atualmente, a incerteza no sucesso no trabalho de captura do pescado tem feito o
pescador entender que o tempo da pesca é regido por critérios impostos pelas
próprias condições da pesca, as quais englobam o sucesso (ou não) da pescaria,
diretamente relacionado à presença do peixe em determinado trecho do rio, mas
também aos aspectos das proibições impostos pelas leis da pesca ou mesmo ao
conhecimento e à habilidade que os pescadores possuem na prática pesqueira.
Assim, é errôneo pensar que esses trabalhadores “fazem o seu tempo, já que na
pesca artesanal o controle do tempo se dá por outros vieses.
Ao final, com a captura do peixe, uma questão importante que emerge na vida do
pescador é a destinação deste pescado. Antigamente, a grande quantidade de
peixes disponível no rio favorecia uma destinação que poderia ser tanto para os
poucos frigoríficos existentes na cidade, intermediários na exportação dos peixes,
como para o próprio consumo da família e até de conhecidos. Agora, com o peixe
em pouca quantidade nas mãos, o que fazer com ele? Alimentar-se? Vender? Pra
quem? Como? O que fazer com o dinheiro obtido com essa venda? Para alguns, a
prioridade é a alimentação da própria família. Para outros, o peixe é utilizado
como meio para comprarem outros produtos indispensáveis em casa. Para a
senhora Paulina, “conforme o que você pega, aí você vende”. É nessa condição
imposta pelo trabalho que ela, organizadora do lar, indica a destinação do dinheiro
obtido com a comercialização do que se pesca:
"Você compra um pouco do alimento pra comer, arroz, feijão. Se der pra comprar
carne, tudo bem. Se não der, você compra ali 5 quilos de arroz, 3 de feijão, óleo,
chinelo. Depende do tanto dinheiro que você fazer, uns 100 reais, uns 30 reais. É
conforme o dinheirinho que você fazer pelo peixe. Se você fizer 100 reais, você tira
50 pra despesa, 50 pra o chinelo, e assim a gente vai passando. No outro dia, Deus
abençoa que você pega mais um pouquinho. A vida do pai é pescando. Quando ele
tá no sol quente trabalhando, eu já aviso logo: você não vai pra o sol quente mais
não"
Entendendo que na vida e no trabalho desses pescadores artesanais há um modelo
econômico condicionado pelo sistema composto pelas ações de pescar o peixe,
vender o peixe e comprar o que lhes faltam em casa, percebemos que nesse
processo, tendo como pressuposto as dificuldades vivenciadas no trabalho, já
citadas neste estudo, e também as diversas pressões econômicas existentes, o
trabalho desses pescadores tem como elemento fundamental de organização da
vida a própria condição de se pescar ou não. Portanto, o “SE” [pescar] ganha mais
do que um sentido condicional no seu trabalho, é, na verdade, um elemento
determinante na organização da própria vida no âmbito do lar. A certeza que
permeava o trabalho da pescaria em outros tempos definitivamente desapareceu
dos modos de vida desses pescadores. A certeza de que traria para casa uma
quantidade de peixes que serviria de sustento para a família foi, aos poucos, dando
lugar a um sentimento de insegurança quanto à própria profissão, um drama social
de toda uma categoria de trabalhadores que vive entre a paixão pela pesca e a
necessidade de se enveredar para novas e diferentes formas de ofício. Atualmente,
o pescador olha para o rio e não o reconhece, pois este se apresenta desfigurado.
Olha para si e também não se reconhece, pois, pouco a pouco, sente sua atividade
de pescador sendo minimizada pelas difíceis condições de trabalho. Onde havia
água, hoje as “croas” tomam conta. No lugar da abundância de peixes o que se vê é
REVISTA COSMOS PÁG. 19
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas últimas cinco décadas a vida dos pescadores artesanais do rio São
Francisco, em específico na cidade de mesmo nome, ao Norte de Minas
Gerais, transformou-se consideravelmente. De uma situação de fartura e
abundância, todos eles passaram a vivenciar uma situação de escassez
de peixes em seu trabalho diário. A sobrevivência sua e da família
tornou-se, nesse sentido, desafiadora e dependente de outras atividades
econômicas e de uma postura mais enérgica em busca do pão de cada
dia. No trabalho do pescador, a certeza do peixe a cada momento em que
se dirigia ao rio deu lugar à insegurança por não saber se encontrará
algum pescado para levar para sua família. Assim, ser pescador tem
deixado de ser uma identidade, mas apenas uma dentre tantas outras
possíveis na vida de centenas de homens e mulheres que noutros tempos
viviam exclusivamente do rio.
Pescar e ser vazanteiro, pescar e ser barqueiro, pescar e ser
comerciante, pescar e trabalhar limpando lotes baldios, dentre tantas
outras mostraram-se possibilidades concretas em busca da
sobrevivência.
Em tempos de fartura, essa sobrevivência era certa. Tão certa que, ao ter
o cesto cheio de pescado, muitos desses peixes nas mãos dos
profissionais do rio eram até descartados na orla do rio como lixo.
Atualmente, na carência de peixes no leito do rio, esse “lixo” faz falta em
muitas mesas. O peixe tornou-se escasso, as leis de fiscalização se
tornaram mais rígidas, a concorrência por um “peixinho” que seja tem se
mostrado mais intensa e desleal.
Entre esses dois momentos, de fartura e escassez, algo que pouco se viu
ou se vê é um consenso e uma prática efetiva com um caráter mais
ecológico, de proteção e manutenção do
pescado para tempos futuros. Tanto antes da década de 1980, quando
havia peixes em abundância, quando depois desse tempo, em que a vida
pesqueira se tornou mais árdua, a prática e o discurso de proteção não
se evidenciaram no cotidiano desses pescadores. Se antes esses
pescadores utilizaram de meios rudimentares numa pesca predatória,
atualmente, a partir de conversas com policiais ambientais que atuam
em defesa do rio São Francisco, o que mais ouvimos é que apreenderam
REVISTA COSMOS PÁG. 20
Lair Miguel
Minas Gerais – IEF-MG, a palavra piracema é de PUC Minas, 2003, p. 18.
origem tupi e significa "subida do peixe". Refere-
MINAS GERAIS. IEF. Piracema. Disponível em <
se ao período em que os peixes buscam os locais
mais adequados para desova e alimentação. O
http://www.ief.mg.gov.br/pesca/piracema>;
fenômeno acontece todos os anos, coincidindo acesso em 12 mar 2012.
com o início do período das chuvas, entre os PEREIRA, Roberto Mendes Ramos. Sobre(vivências):
meses de novembro e fevereiro, período, modos de vida, trabalho e institucionalização dos
portanto, proibido à pesca. O diretor de pescadores artesanais de São Francisco-MG (1960-
fiscalização da pesca, Marcelo Coutinho
2014). Tese. Programa de Pós-graduação de
Amarante, explica que as restrições na pesca
durante o período da piracema têm como
História. Universidade Federal de Uberlândia.
objetivo garantir que os peixes nativos da região Uberlândia, 2015
possam procriar em seu período de reprodução.
“O período piracema é fundamental para a
reposição das espécies que vivem nos rios,
barragens e represas do Estado”, afirma. MINAS
GERAIS. IEF. Piracema. Disponível em <
http://www.ief.mg.gov.br/pesca/piracema>;
acesso em 12 mar 2012.
8 Entrevista realizada com o senhor Manuel
Ribeiro Pereira, pescador, 63 anos, no dia 25 de
Fevereiro de 2012, em sua residência no bairro
REVISTA COSMOS PÁG. 21
Ademais, o jornal recorreu a citação de Oliveira Viana, com o seu livro Problemas de
Política Objetiva, para revisar o sentido da palavra democracia. Deste modo, citando o
“ilustre sociólogo patrício”, explicaram que, na visão do mesmo, o regime democrático
não seria aquele em que o indivíduo participa do governo, como indivíduo, mas seria
como um membro de uma classe organizada “ A verdadeira democracia, aquela que
proporciona ao povo ‘maior soma de felicidade’, substituiu os partidos políticos,
meros agrupamentos de interesses e ambições, destituídos de significação humana e
social, pelas classes organizadas” (A Manhã, Rio de Janeiro, 1 de fevereiro de 1942).
Segundo este ponto de vista, defendido pelo jornal, deveria haver a reformulação da
ideia de democracia para evidenciar aqueles que trabalhavam e que realmente
forjavam a estrutura econômica da nacionalidade, pois o corporativismo exigia
melhor orientação das massas. O momento da Segunda Guerra Mundial permitiu ainda
a Cassiano Ricardo reelaborar o conceito de democracia de forma a favorecer a ideia
de democracia social. Já no seu artigo publicado em agosto de 1941, ressaltou ele a
necessidade de repensar a palavra democracia. Para ele, não havia sentido que os
combatentes morressem em defesa de algo que já não mais funcionava. Nos seus
argumentos, alegou que não havia um só tipo de democracia, e se alguém se
dispusesse a morrer pela democracia nos dias em que viviam, deveriam se questionar
por qual democracia estariam fazendo tal sacrifício. Morrer pelo nacional-socialismo
não seria a mesma coisa que morrer pelo social- nacionalismo, dentre tantos
significados para a democracia, liberal, corporativa, igualitária, burguesa, entre
outras, não haveria sentido em morrer por uma democracia que não fosse uma forma,
um estilo de vida, de cultura, de civilização (A Manhã, Rio de Janeiro, 26 de agosto de REVISTA COSMOS PÁG. 27
1941, p.4). Isto posto, Cassiano Ricardo pretendeu convencer o leitor dos benefícios da
sua proposta, estabelecendo uma relação entre o conceito de democracia por ele
articulado, com o que estabelecia o regime. Concluiu, então, que não valeria a pena
morrer por uma simples “ficção jurídica”, mas valeria a pena morrer pela democracia
social, proposta pelo regime Vargas, uma vez que esta reajustou as instituições à
realidade social brasileira, por meio da Constituição de 10 de novembro. Para ele, tal
democracia já havia sido posta em prática pelos bandeirantes. Desta maneira,
defendendo o projeto do governo no jornal A Manhã, colocou em evidência também a
essência da sua própria produção literária, o bandeirante paulista como herói da
nação, que estava, então, presente para além das páginas do seu livro. O literato
conseguiu unir o seu projeto literário com suas expectativas políticas.
JORGE AMADO: DEMOCRACIA,
INTELECTUALIDADE E LIBERDADE
janeiro de 1942, Vargas ter mostrado seu apoio aos Aliados, por causa do
ataque aos Estados Unidos, não estava ainda totalmente comprometido
com o conflito.
O posicionamento brasileiro só se dará
mais tarde, ao longo do ano de 1942 e,
por fim, com a declaração de guerra
em agosto desse referido ano. Com as
notícias que chegavam à Jorge Amado
no exílio em Buenos Aires ele teria se
arriscado a dizer, com toda certeza,
que o Brasil já se encontrava ao lado
das democracias? Ou teria alterado o
romance mais tarde para dar o efeito
de clarividência a Luiz Carlos Prestes
que, à frente da ANL, teria promovido
o processo de conscientização política
do qual falou Jorge Amado? Benedito
Veiga (2012) apontou uma questão
parecida em sua obra sobre Jorge
Amado, na qual explorou a questão do
tenentismo. Segundo Veiga, Jorge
Amado em suas narrativas n’ O
Imparcial criou uma ligação entre o
tenentismo e momento atual do
conflito contra o Sem sugestões “ Jorge
Amado, usando o argumento, talvez
como uma carícia intelectual a Getúlio
Vargas, modifica os ideais basilares do
tenentismo e o coloca com um
movimento democrático já cheio de
inspirações antifascistas” (VEIGA,
2012, p. 31): “ Naquele 5 de julho de 22,
na praia de Copacabana, começou a
ser escrita a História moderna do
Brasil. Dali nasceu a Grande Marcha, a
Revolução de 30, e nasceu também o
espírito antifascista” (O Imparcial,
Salvador, 6 de julho de 1943). Antes
REVISTA COSMOS PÁG. 32
Fontes:
AMADO, Jorge. O cavaleiro da esperança: vida de Luiz Carlos Prestes. Rio de Janeiro: Record, 1981.
RICARDO, Cassiano. Martim Cererê: o Brasil dos meninos, dos poetas e dos heróis. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1983.
________________________________. Marcha para o Oeste: a influência da “Bandeira” na
formação social e política do Brasil. 4 ed . Rio de Janeiro: José Olympio, 1970.
A Manhã, Rio de Janeiro, agosto de 1941 a novembro de 1943.
O Imparcial, Salvador, dezembro de 1942 a dezembro de 1943.
NOTAS:
1 Wilson Lins, além de ter sido o diretor na última fase d’O Imparcial (1940-1947) iniciou uma coluna de
crônicas e críticas ao governo de Getúlio Vargas e ao interventor da Bahia Landulfo Alves (PINHO,
2008, p. 97). Lins trabalhou ainda no Diário de Notícias, Diário da Bahia e A Tarde e foi colaborador do
Jornal da Bahia. Romancista, novelista, cronista e ensaísta, tinha como tema constante em suas obras o
regionalismo, principalmente a região do São Francisco. Utilizou muito o pseudônimo de Rubião Brás.
Disponível em:
https://web.archive.org/web/20140101142120/http://www.al.ba.gov.br/deputados/Deputados-
Interna.php?id=370 acesso fevereiro de 2020. Entre outras obras escreveu: O Médio São Francisco: uma
sociedade de pastores e guerreiros, obra na qual analisa a questão do São Francisco como o “rio da
unidade nacional”, partindo da sua própria experiência e vivência na região.
2 Jackson de Figueredo Martins nasceu em Aracaju, em 1891. Foi bacharel em direito, mas se dedicou à
política e ao jornalismo. Também organizou o movimento católico leigo. Fundador da revista A Ordem
entre 1921 e 1922, combateu nesse espaço o comunismo, o liberalismo e a revolução de um modo geral.
Foi através de sua obra que o pensamento conservador, tradicionalista ou reacionário foi introduzido
no Brasil. Colaborou ainda no Gazeta de Notícias e O jornal, além de ter escrito entre outras obras
Afirmações em 1921, A reação do bom senso em 1922 e A coluna de Fogo em 1925. Disponível em
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/jackson_de_figueiredo. Quando Jorge
Amado escreveu O Cavaleiro da Esperança, esse autor já havia falecido, Amado se referiu a ele como
um precursor do conservadorismo e da literatura de influência integralista.
3 A escritora baiana Jacinta Velloso Passos nasceu no município de Cruz das Almas no Recôncavo
baiano em 1914. Em 1942, quando o Brasil entrou na guerra, Jacinta Passos envolveu-se com os grupos
de esquerda e se dedicou com afinco à poesia e à luta contra o nazifascismo. Tornou-se também
jornalista, publicando em O Imparcial semanalmente a “Página Feminina” que, segundo a biografia feita
por Janaína Amado, ampliou muito os assuntos habitualmente reservados às mulheres, introduzindo
discussões políticas e literárias. Casou-se com o irmão mais novo de Jorge Amado, James Amado em
1943 e em 1945 filiou-se ao PCB. AMADO, Janaína. Biografia de Jacinta Passos: Canção da liberdade. In
AMADO, Janaína (Org.) Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica.
Salvador: EDUFBA-CORRUPIO, 2010.
4 Em sua obra Girardet observou que “todo processo de heroificação implica, em outras palavras, uma
certa adequação entre a personalidade do salvador virtual e as necessidades de uma sociedade em um
dado momento de sua história. O mito tende, assim, a definir-se em relação à função maior que se acha
episodicamente atribuída ao herói, como uma resposta a uma certa forma de expectativa, a um certo
tipo de exigência. ” (GIRARDET, 1987, p. 82).
36
G.
PÁ
OS
SM
CO
Silvana Ferreira Mendes
Licenciada e Mestre em História pela
Universidade Estadual de Montes Claros.
FAZENDA
GAMELEIRA:
TRABALHO E
COTIDIANO
sobre os olhos) pra não ver as coisas que aconteciam aos finais da tarde
com os escravos de Tio (xxxx)." E ainda compara às reportagens veiculadas
na mídia televisiva acerca de casos de trabalho escravo na atualidade -
"Isso num tá longe, não. Já aconteceu em nossa família" - conta-nos que é
este o pensamento que lhe ocorre nos momentos em que assiste a estas
reportagens. Mas se referir aos trabalhadores da fazenda Gameleira como
escravos, já o fora feito por diferente entrevistado num outro contexto.
Por volta de 73 a 74, eu trabalhava
emprestado para (xxxx) por um arrendatário
da fazenda. Era um campo de algodão, nós
tínhamos que limpar tudo; eram uns dezessete
meninos de 11 a 16 anos. Ficamos sabendo que o
tratamento naquela fazenda era de escravos;
como nós fomos emprestados pelo
arrendatário chamado Nato, nós fomos assim
mesmo prestar o serviço. Esperando pelo
almoço, chegou a bacia de cumida, farinha
dura, fava e sebo; então combinamos que se o
café da tarde fosse da mesma forma que foi o
almoço, a gente ia embora, mas um de nós
tinha que dar um assovio para avisar. Quando
chegou o café em uma lata de querosene e uns
copos de lata também e rapadura pra comer.
De repente veio queijo e requeijão
acompanhado de uma garrafa térmica,
inclusive foi a primeira vez que vi uma
garrafa daquele jeito. Mas aquilo tudo não era
pra nós. Como havíamos combinado, um de
nós deu o sinal e todos correram fugindo da
fazenda, mesmo assim (xxxx) correu atrás da
gente perguntando o que tinha acontecido.
Logo mais, a noite (xxxx) procurou o
arrendatário e falou com ele que se o mesmo
tratasse aqueles empregados com boas
comidas nunca iria enricar.7
http://iscapoetica.blogspot.com/2011/10/boia-fria.html
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AQUINO, Leila Cordeiro de. Coronelismo Tardio em
Angicos de Minas / Brasília de Minas -
1950 a 70. Unimontes. São Francisco. 2006. Monografia.
JUNIOR, Afrânio Raul Garcia. Terra de Trabalho: trabalho
familiar de pequenos produtores.
Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1983.
KHOURY, Yara Aun. Historiador, as fontes orais e a escrita
da história. In: MACIEL, Laura
Antunes; ALMEIDA, Paulo Roberto; KHOURY, Yara Aun.
(orgs). Outras Histórias:
memórias e linguagens. Olho D’Água. 2006.
LISTA DE ENTREVISTADOS:
"A"
Antônio Pereira da Silva (vulgo Tone Carreiro). Lavrador
aposentado. 81 anos. Gravado em
15/02/17. Brasília de Minas.
Dalcília Gonçalves de Sousa. Aposentada. 72 anos. Gravado
em 20/11/17. Suas irmãs que estavam presentes não
permitiram que seus nomes fossem divulgados. Brasília de
Minas.
Francisco Ferreira de Queiróz. Lavrador. 59 anos.
Entrevista gravada em 19/05/17. Brasília de Minas
José Alves Ferreira (vulgo Zé Verde), 65 anos; lavrador
aposentado e folião. Gravado em
21/01/2015. Brasília de Minas.
Manoel Mendes, trabalhador rural aposentado, 87 anos.
Entrevista gravada em 30/03/18.
Ponte do Mangaí, atual município de Japonvar / MG.
Pedrelina Gonçalves de Jesus. Aposentada de 87 anos.
Gravado em 22/01/2015. Brasília de Minas
NOTAS
1 Depoimento de José Alves Ferreira (vulgo Zé Verde), 65
anos; lavrador aposentado e folião. Gravado em
21/01/2015. Brasília de Minas.
2 JUNIOR, Afrânio Raul Garcia. Terra e Trabalho: trabalho
familiar de pequenos produtores. Rio de Janeiro. Paz
e Terra. P 117; 103-104.
3 AQUINO, Leila Cordeiro. Coronelismo Tardio em Angicos
de Minas / Brasília de Minas – 1950 / 70. Unimontes. São
Francisco. 2006. Monografia. P 64.
4 Depoimento de Francisco Ferreira de Queiróz. Lavrador.
59 anos. Entrevista gravada em 19/05/17. Brasília de
Minas.
5 O episódio recontado por muitos entrevistados dá conta
de que o Sr. (xxxx) reclamara algo ao João Vaqueiro e
como forma de reforçar abrira a cancela soltando um
bocado do gado preso e o empregado em resposta à
afronta do patrão atirara na lata de leite derramando-o
totalmente. É o único relato que dá conta do fazendeiro
ter sido afrontado por um subalterno, todos os outros é o
inverso.
6 Depoimento de Pedrelina Gonçalves de Jesus.
Aposentada de 87 anos. Gravado em 22-01-2015. Brasília
de Minas.
7 Antonio Jose Mendes (Tone de Valério) em entrevista a
AQUINO, Leila Cordeiro de. Op. Cit. P 68.
8 Depoimento de Dalcília Gonçalves de Sousa. Aposentada.
72 anos. Gravado em 20-11-17. Suas irmãs que estavam
presentes não permitiram que seus nomes fossem
divulgados. Brasília de Minas.
9 Sr. “A.” Op. Cit.
10 Depoimento de Antônio Pereira da Silva (vulgo Tone
Carreiro). Lavrador aposentado. 81 anos. Gravado em 15-
02-17. Brasília de Minas.
11 Sacola confeccionada com tecido grosso e com alças
REVISTA COSMOS PÁG. 48
FRANCESCO MATARAZZO
Desenvolvimento de Engenheiro Dolabela através das fotografias. O
cenário urbano de Engenheiro Dolabela passou por mudanças ao
longo dos tempos, transformações foram ocorrendo à medida que a
indústria se desenvolvia. Uma área até então exclusivamente rural
tomou aspectos de cidade; milhares de trabalhadores se deslocaram
para o local a fim de conseguir serviço na fábrica de açúcar que ali
se instalara. Dessa forma, fica evidente que a implantação da usina
foi o que impulsionou a ocupação urbana daquela região. No
entanto, o local de origem de Engenheiro Dolabela é bastante antigo,
passou pela construção e pela inauguração da estação ferroviária
em 1922, com a chegada da Estrada de Ferro Central do Brasil,
denominada de Estação Jequitaí (VASCONCELLOS, 1934).
NOTAS
2 Destacamos a palavra região em virtude da empresa movimentar a
economia de cidades próximas, como Corinto, Curvelo e Buenópolis,
além de empregar muitas pessoas, sobretudo no período de corte de
cana, e outros trabalhadores que migraram do Nordeste do Brasil e se
instalaram na região.
3 Em se comparando com outros seguimentos de pesquisa
historiográfica tem um volume menor de produções científicas, e no
Brasil, especificamente, essa discussão em torno do tema “fotográfico” é
relativamente recente. (CANABARRO, 2005)
REVISTA COSMOS PÁG. 60
O vaga-lume
encontrou o
dinossauro e ficou
maravilhado com um
bicho tão grande sem
luz própria.
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