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A Água do Cunene (a salvação da seca severa)

Neloy Pedro1
O Presidente da República, João Lourenço, inaugurou, no dia da Paz e Reconciliação
Nacional em Angola, isto no passado dia 04 de Abril de 2022, o projecto CAFU, que
visa levar uma corrente de água às regiões fortemente atingidas pela seca, na província
do Cunene, num súbtil cumprimento de um desejo desenhado e manifestado há mais de
um século, quando em 1886 o coronel Artur de Paiva, então quadro administrativo
Português nas actuais províncias de Benguela, Namibe e Huíla, escreveu um
importantíssimo texto sobre a “exploração do rio Cunene”.

O principal argumento apresentado no interessante texto pode ser resumido na ideia de


o Cunene ser o grande rio do Sul que despeja milhões de metros cúbicos de água ao
mar, sem que sirvam, antes, às populações ribeirinhas.

Como forma de acabar com o “desperdício”, Artur de Paiva propunha naquele secular
ano a construção de barragens e açudes em todo o curso do rio Cunene para dar de
beber as populações e ao gado e servir também à agricultura. Na época dizia-se, de
acordo com os registos históricos, que a Huíla e parte do Huambo podiam ser os
celeiros do mundo, caso a água do Rio Cunene não fosse para o mar, sem qualquer
proveito. Ou seja, são ideias explanadas por um homem que chegou a “intendente” do
quadro administrativo do então governo geral de Angola ao serviço de Portugal, no já
secular ano de 1886.

Passados 136 anos desde a publicação do documento de Artur Paiva e 47 de Angola


Independente, o Presidente João Lourenço, em 2022, foi ao Cunene e inaugurou, no dia
da Paz e Reconciliação Nacional, o canal que leva a água do rio para as populações,
animais e pastagens flageladas pelas secas, cada vez mais frequentes. Finalmente, a
água que corre na província deixa de se perder para o mar, sem antes gerar algum
benefício directo à vida humana local e à economia do país.

Há anos que existe o aproveitamento da água do Cunene, sobretudo nas províncias do


Huambo e Huíla, mas agora chegou à vez da província mais desertificada ser
beneficiada. Esta inauguração patrocinada pelo Presidente João Lourenço representa um
momento histórico que devia merecer mais atenção das forças políticas e, sobretudo da
sociedade civil. Aliás, são várias as vozes que se vêm levantando diante das reiteradas
afirmações de incapacidade do Executivo em enfrentar o problema da seca no Cunene,
razão pela qual entendemos que este histórico acto se afigura como resposta aos quase
eternos clamores para solução do problema.

O canal de Cafu, agora inaugurado, faz parte do Sistema de Transferência de Água do


Rio Cunene e que servirá as regiões de Ombala yo Mungo, Ndombendola e
Namacunde, para que o Leste e Sul da província fiquem com o problema da água

1
Comunicólogo. Licenciado pela UAN
resolvido. Ansiamos que não seja mera rotina. Não um simples cortar de fita na
fotografia para o Inglês ver, mas um momento realmente histórico com grande impacto
social e económico nas populações daquelas regiões do sul do país.

O que nos deixou perplexo sobre o assunto é o facto de apesar de inegavelmente ser
uma acção muito importante por, entre outros, salvar vidas, ter sido praticamente
ignorado pela media nacional e internacional, não obstante o valor milionário investido
na empreitada. Será pelo facto de a sua inauguração ter ocorrido no dia em que o país
comemorou 20 anos desde o alcance da paz efectiva? A ser afirmativa a resposta à
nossa pergunta hipotética, temos de repensar o nosso conceito de paz. Se levar água, por
meio de um canal construído, às regiões onde surgem relatos de mortes por causa da
seca, não merece festejos de paz e da paz, então precisamos rever o nosso entendimento
sobre o que é a Paz.

Por ocasião do 4 de Abril, o Comité Permanente da Comissão Política da UNITA


informou que a paz alcançada em 2002, era um objectivo programático primordial do
seu fundador Jonas Savimbi, consolidado pela XVI Conferência Anual daquela força
politica, em Março de 2001.

Na luta pela paz em Angola, o país perdeu muitos dos seus filhos, inclusive o próprio
Jonas Savimbi, cuja morte, em 2002, representou o fim da guerra e o consequente
surgimento da paz efectiva no país.

Nas vestes de futuro cabeça-de-lista do MPLA às próximas eleições, João Lourenço,


disse no Cunene que o seu partido vai derrotar a Oposição por “KO” técnico. Ninguém
vai aguentar-se de pé. Todos ao tapete!..

O facto de se ter inaugurado o projecto de canal que leva água corrente às regiões onde
a seca dizima famílias e todo ser que dela depende para manter-se, devia, em nosso
entender, ser um acto suficientemente mediatizado, com parecer de todas as forças vivas
da nação, e deixa ser um simples, entretanto, politizado. Afinal, e em verdade, é vidas
humanas em causa e imagem do país o centro.

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