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JAN/MAR 2022
Doutrina:

Relação de Consumo e Arbitragem


10
JAN/MAR 2022
Vol. 03 Nº 10
Flávio Tartuce e Pedro Bragatto

Da (In)Aplicabilidade do Disposto no Art. 39, Inciso IX, do Código de Defesa do Consumidor Colaboradores
aos Serviços Prestados por Profissionais Liberais Internacionais:
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo
Coordenadores
Análise da Súmula nº 609 do STJ à Luz da Teoria Comportamental da Análise Econômica do
Direito e da Boa-Fé Objetiva Flávio Tartuce Andrea Signorino Barbat
Jordano Soares Azevedo Uruguai
Pablo Malheiros da Cunha Frota

Revista Brasileira de Direito Contratual


Impugnação da Sentença Arbitral e seus Efeitos Conselho Editorial Andrés Mariño López
Alvaro Lima Sardinha e Eveline Denardi Uruguai
Anderson Schreiber
Dos Prazos Decadenciais de Garantia dos Vícios Redibitórios de Difícil Constatação nos Angélica Carlini Andrés Varizat
Contratos Civis e Empresariais
Ronaldo Guaranha Merighi
Carlos Nelson Konder Revista Brasileira de Argentina

Direito
Carlos Roberto Gonçalves
Angelo Viglianisi Ferraro
Da Abusividade da Cláusula Compromissória de Mediação nos Contratos de Adesão Cláudia Lima Marques
Fernando Baldez de Souza
Itália
Ênio Santarelli Zuliani

Contratual
Contratos Eletrônicos na Lei Geral de Proteção de Dados Eroulths Cortiano Jr. Arturo Caumont
Hélio Maia da Silva Everilda Brandão Uruguai
Giselda Maria F. Novaes Hironaka
O Dever de Renegociar Ante a Quebra da Base Objetiva em Razão dos Impactos da Covid-19 Cristián Banfi Del Río
Gustavo Andrade
Pedro Spiry Maffini Chile
Gustavo Tepedino
Da Violação Positiva dos Contratos Heloisa Helena Barboza Enrique Varsi
Ana Kelly de Lima Matos Natali
Jones Figueirêdo Alves Peru
A Interpretação dos Contratos à Luz do Duty to Mitigate the Loss em Tempos de Pandemia José Fernando Simão
Natália de Sá Cordeiro Braz Fernando Araújo
José Luiz Gavião de Almeida
Portugal
Luis Felipe Salomão
Maria Helena Diniz Gabriel Jayme Vivas Diez
Marília Pedroso Xavier Colômbia
Maurício Bunazar
Paula Vaz Freire
Nestor Duarte
Portugal
Paulo Dias Moura Ribeiro
Paulo Lôbo Roger Vidal
Silmara Juny de Abreu Chinellato Peru

JAN/MAR 2022
ISSN 2674-967X
Sílvio de Salvo Venosa
Zeno Veloso (in memorian)

10
ISSN 2674-967X

Revista Brasileira de
Direito Contratual
Ano III – Nº 10
Jan-Mar 2022

Coordenadores
Flávio Tartuce – Pablo Malheiros da Cunha Frota

Conselho Editorial
Anderson Schreiber – Angélica Carlini – Carlos Nelson Konder
Carlos Roberto Gonçalves – Cláudia Lima Marques – Ênio Santarelli Zuliani
Eroulths Cortiano Jr. – Everilda Brandão – Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka
Gustavo Andrade – Gustavo Tepedino – Heloisa Helena Barboza
Jones Figueirêdo Alves – José Fernando Simão – José Luiz Gavião de Almeida
Luis Felipe Salomão – Maria Helena Diniz – Marília Pedroso Xavier
Maurício Bunazar – Nestor Duarte – Paulo Dias Moura Ribeiro – Paulo Lôbo
Silmara Juny de Abreu Chinellato – Sílvio de Salvo Venosa – Zeno Veloso (in memorian)
Andrea Signorino Barbat (Uruguai) – Andrés Mariño López (Uruguai)
Andrés Varizat (Argentina) – Angelo Viglianisi Ferraro (Itália)
Arturo Caumont (Uruguai) – Cristián Banfi Del Río (Chile)
Enrique Varsi (Peru) – Fernando Araújo (Portugal)
Gabriel Jayme Vivas Diez (Colômbia) – Paula Vaz Freire (Portugal) – Roger Vidal (Peru)

Colaboradores deste Volume


Alvaro Lima Sardinha – Ana Kelly de Lima Matos Natali – Eveline Denardi
Fernando Baldez de Souza – Flávio Tartuce – Hélio Maia da Silva
João Cesar de Oliveira Rocha Filho – Jordano Soares Azevedo
Natália de Sá Cordeiro Braz – Pedro Bragatto
Pedro Spiry Maffini – Ronaldo Guaranha Merighi
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo
Revista Brasileira de Direito Contratual
Publicação trimestral da Editora Magister à qual se reservam todos os direitos, sendo vedada
a reprodução total ou parcial sem a citação expressa da fonte.

A responsabilidade quanto aos conceitos emitidos nos artigos publicados é de seus autores.

Artigos podem ser encaminhados para o e-mail: editorial@editoramagister.com.br. Não


devolvemos os originais recebidos, publicados ou não.

As íntegras dos acórdãos aqui publicadas correspondem aos seus originais, obtidos junto ao
órgão competente do respectivo Tribunal.

Esta publicação conta com distribuição em todo o território nacional.

A editoração eletrônica foi realizada pela Editora Magister, para uma tiragem de 5.000 exemplares.

Revista Brasileira de Direito Contratual


v. 1 (out./dez. 2019)-.– Porto Alegre: Magister, 2019.
Trimestral.
v. 10 (jan./mar. 2022)
Coordenadores: Flávio Tartuce e Pablo Malheiros da Cunha Frota

ISSN 2674-967X

1. Direito Contratual – Periódico.

CDU 347.4(05)

Ficha catalográfica: Leandro Augusto dos Santos Lima – CRB 10/1273


Capa: Editora Magister

Editora Magister
Diretor: Fábio Paixão

Alameda Coelho Neto, 20


Boa Vista – Porto Alegre – RS – 91340-340
Apresentação

Apresento o décimo número da nossa Revista Brasileira de Direito Con-


tratual (jan./mar. 2022) com dez artigos e um comentário de julgado, com
instigantes temas abaixo referenciados.
Flávio Tartuce e Pedro Bragatto tratam de um tema que chama à reflexão
quem estuda e trabalha com o Direito do Consumidor no país, qual seja a
possibilidade da arbitragem de consumo no ordenamento jurídico brasileiro.
Os autores analisam criticamente os fundamentos favoráveis e contrários à
reforma da Lei nº 9.307/96, cuja mudança pretende admitir a arbitragem de
consumo no Brasil.
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo trata da inaplicabilidade do art. 39,
IX, do CDC aos serviços prestados pelos profissionais liberais, haja vista
a distinção que deve ser realizada entre o(a) fornecedor(a) pessoa coletiva
e o(a) fornecedor(a) profissional liberal em relação “ao dever de contratar
compulsoriamente quando o consumidor se dispõe a pagar à vista pelo pro-
duto ou serviço, investigando a hipótese da dignidade humana do fornecedor
prestar-se a um tratamento diferenciado a este componente da relação jurídica
de consumo”.
Jordano Soares Azevedo estuda o Enunciado nº 609 da Súmula do STJ
à luz da teoria comportamental da análise econômica do direito e da boa-fé
objetiva preocupando-se com a aplicação do citado enunciado pelo Poder
Judiciário sem a necessária verificação do contexto econômico que envolve
cada caso concreto.
Alvaro Lima Sardinha e Eveline Denardi aludem para a impugnação da
sentença arbitral e seus efeitos a partir da discussão acerca da natureza jurídica
e da taxatividade (ou não) do rol do art. 32 da Lei nº 9.307/96.
Ronaldo Guaranha Merighi reflete sobre “os prazos decadenciais de
garantia contra os vícios redibitórios de difícil constatação, previstos no § 1º
do art. 445 do Código Civil, em correlação com o caput da mesma norma,
com o objetivo de afastar eventual contradição entre a regulação dos vícios
ocultos comuns e os de difícil constatação, “bem como aquela aparentemente
verificável entre os prazos previstos para os bens móveis e imóveis”.
Fernando Baldez de Souza lida com a abusividade da cláusula compromis-
sória de mediação nos contratos de adesão, “tendo em vista que nesses tipos de
contratos há a limitação do poder do contratante em manifestar sua vontade,
o que poderá, por vezes, abrir possibilidades para abusos, notadamente nas
relações de consumo, considerando o desequilíbrio inerente a essas relações,
acarretando, em consequência, na violação da proteção do consumidor pre-
vista constitucionalmente no art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal”.
Hélio Maia da Silva trata dos contratos eletrônicos visualizados a partir
da LGPD focando nas mudanças inseridas por esta legislação nos mencio-
nados contratos.
Pedro Spiry Maffini trata de do dever de renegociar ante a quebra da base
objetiva em razão dos impactos da Covid-19, temática, indubitavelmente
atual e relevante para os momentos pandêmicos que vivemos hoje e que se
projetam no porvir.
Ana Kelly de Lima Matos Natali cuida das configurações jurídicas da
violação positiva do contrato e sua aplicação no Brasil.
Natália de Sá Cordeiro Braz estuda o duty to mitigate the loss em tempos de
pandemia e como os contratos devem ser interpretados.
João Cesar de Oliveira Rocha Filho comenta a aplicação da arbitragem
aos conflitos individuais laborais com base no Agravo de Petição nº 1000671-
57.2020.5.02.0411 proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
Como se percebe, o presente número da Revista mantém a vocação
de congregar as reflexões de acadêmicos e profissionais sem separar teoria e
prática, o que, na atual quadra da Teoria do Direito, não é possível se fazer.
Boa leitura e reflexão.

Pablo Malheiros da Cunha Frota


Coordenador da Revista Brasileira de Direito Contratual
Sumário
Doutrina
1. Relação de Consumo e Arbitragem
Flávio Tartuce e Pedro Bragatto................................................................................... 7

2. Da (In)Aplicabilidade do Disposto no Art. 39, Inciso IX, do Código de


Defesa do Consumidor aos Serviços Prestados por Profissionais Liberais
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo....................................................................... 31

3. Análise da Súmula nº 609 do STJ à Luz da Teoria Comportamental da


Análise Econômica do Direito e da Boa-Fé Objetiva
Jordano Soares Azevedo............................................................................................ 48

4. Impugnação da Sentença Arbitral e seus Efeitos


Alvaro Lima Sardinha e Eveline Denardi................................................................. 68

5. Dos Prazos Decadenciais de Garantia dos Vícios Redibitórios de Difícil


Constatação nos Contratos Civis e Empresariais
Ronaldo Guaranha Merighi...................................................................................... 89

6. Da Abusividade da Cláusula Compromissória de Mediação nos


Contratos de Adesão
Fernando Baldez de Souza..................................................................................... 102

7. Contratos Eletrônicos na Lei Geral de Proteção de Dados


Hélio Maia da Silva............................................................................................... 112

8. O Dever de Renegociar Ante a Quebra da Base Objetiva em Razão dos


Impactos da Covid-19
Pedro Spiry Maffini................................................................................................ 125

9. Da Violação Positiva dos Contratos


Ana Kelly de Lima Matos Natali............................................................................ 151

10. A Interpretação dos Contratos à Luz do Duty to Mitigate the Loss em


Tempos de Pandemia
Natália de Sá Cordeiro Braz.................................................................................. 177
Jurisprudência Comentada
1. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – Sentença Arbitral. Titulo
Executivo Judicial. Arbitragem. Cláusula Compromissória. Direitos
Patrimoniais Disponíveis. Direitos de Indisponibilidade Apenas
Relativa. Princípio da Adequação Setorial Negociada. Flexibilização
das Leis Trabalhistas. Formas Extrajudiciais de Resolução de Conflitos.
Autonomia de Vontade. Vício de Consentimento
Relª Desª Maria Elizabeth Mostardo Nunes............................................................ 185
Comentários ao Agravo de Petição nº 1000671-57.2020.5.02.0411 proferido
pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região: a Aplicação da Arbitragem
aos Conflitos Individuais Trabalhistas
João Cesar de Oliveira Rocha Filho......................................................................... 189
Doutrina

A Interpretação dos Contratos à Luz do Duty


to Mitigate the Loss em Tempos de Pandemia

Natália de Sá Cordeiro Braz


Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade
Regional do Cariri (URCA); Pós-Graduada em LLM em
Direito dos Contratos pela UniBF; Graduada em Direito
pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP);
Advogada; Professora Universitária das Disciplinas de
Obrigações e Contratos; e-mail: braz.natalia@hotmail.com.

RESUMO: A preocupação básica deste estudo é refletir a respeito do alcance


das consequências do coronavírus na seara contratualista. Este artigo tem como
objetivo apresentar um estudo a respeito do impacto da Pandemia da Covid-19
nos contratos. Analisou-se o reflexo da crise econômica nos contratos causando
incertezas e impossibilidade de cumprimento das obrigações pactuadas em
detrimento da impossibilidade de manutenção do sinalagma contratual diante
do desequilíbrio na balança dos contratos. Entendeu-se que o caso fortuito e
a força maior que a pandemia apresenta não deverão ser utilizados como fatos
autorizadores de uma imposição que leve automaticamente a uma revisão, ou
sequer extinção contratual como forma de solucionar as dificuldades apre-
sentadas nesse momento caótico. A boa-fé como regra de ouro nos negócios
jurídicos deverá ser primada, apresentando-se como instrumento de releitura
do contrato, consideração à nova situação fática e permitindo-se a exigência do
dever de renegociar do credor, no intuito de mitigar o seu próprio prejuízo,
alcançando-se, por meio do princípio da conservação dos negócios jurídicos,
a manutenção dessas relações contratuais, de maneira a diminuir os prejuízos
sofridos pelas partes da avença.

PALAVRAS-CHAVE: Pandemia. Contratos. Princípios. Boa-Fé. Renegociar.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A Interpretação dos Contratos à Luz do Duty to


Mitigate the Loss em Tempos de Pandemia. 3 Considerações Finais. 4 Referências.

1 Introdução
O presente trabalho tem como tema a interpretação dos contratos à
luz do duty to mitigate the loss em tempos de pandemia, buscando uma releitura
contratual nesse momento de crise. Almeja-se reconhecer a importância de
interpretar o contrato de acordo com o meio no qual está inserido, respeitando
a pacta sunt servanda sem deixar de enxergar as partes contratuais como categorias
de sujeitos, no intuito de evitar a imposição da revisão ou extinção das avenças.
Revista Brasileira de Direito Contratual Nº 10 – Jan-Mar/2022 – Doutrina
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Nessa perspectiva, as questões que nortearam este estudo repousam


na necessidade interpretação dos contratos, nesse momento de pandemia,
de maneira isolada. Visto que, taxar a impossibilidade de cumprimento das
prestações, em virtude da situação caótica que a Covid-19 implementou, como
caso fortuito, força maior ou como acontecimento imprevisível, é prejudicial
à manutenção desses contratos, já que o próprio código civil autoriza a revisão
e extinção contratual nessas situações.
O estudo dos contratos implica perante o seu conceito a materialização
decorrente de uma visão macro dos pactos a serem realizados. Revelando a
importância da análise do caso concreto diante do fato que dificulta a execução
contratual. Na busca de identificar o contexto no qual o contrato está inserido,
quem são as partes e que posição econômica ocupam no trato estabelecido, e
até onde concorreram para o inadimplemento deste.
A pandemia se apresenta sobremaneira atípica e ocasiona um verda-
deiro terremoto na balança dos contratos. Situação que leva à inadimplência
contratual, já tratada no sistema normativo jurídico, e que revela cautela no
tocante à aplicação das suas regras de maneira geral, já que determinada solução
isolada nem sempre se aplica a todos os casos.
Nesse contexto, o objetivo primordial deste estudo é, pois, investigar
como deve ser a postura do credor e do devedor frente aos obstáculos decor-
rentes dessa situação pandêmica no direito contratual.
Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso meto-
dológico a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada
de materiais já publicados na doutrina e artigos científicos divulgados no
meio eletrônico.
O estudo realizou-se por meio de uma pesquisa teórica, com o intuito
de aprofundar o tema sob o enfoque dos dispositivos legais que estão relacio-
nados a ele, e, ainda, se aprofundar na bibliografia que trata do Código Civil
como instrumento para a solução dos problemas apresentados, com intuito
de contribuir com a elucidação prática sobre o tema.

2 A Interpretação dos Contratos à Luz do Duty to Mitigate the Loss


em Tempos de Pandemia
Os contratos, como bem define Roppo (2009), são a veste jurídico-formal
das operações econômicas. Sendo assim, é indissociável a relação estabelecida
entre contrato e sociedade, visto que a última é a base fundamental do referido
negócio jurídico. Como se traduz na prática da autonomia privada, está ele
impregnado do exercício de suas liberdades, de contratar e contratual, liberdade
essa que permite uma extensa gama de contratos realizados no cotidiano.
Destarte, ao exercer sua função precípua no movimento da economia,
visto que contratamos a todo momento para manter nossas necessidades de
Doutrina – Revista Brasileira de Direito Contratual Nº 10 – Jan-Mar/2022 179

alimentação, vestuário, educação, saúde, lazer, etc., somos forçados a reco-


nhecer que nem mesmo uma epidemia mundial seria capaz de interromper
todos os serviços que se apresentam como objeto dos contratos.
Pois por maior que seja o impacto causado à população, pelo distancia-
mento social e limitações impostas pelo Poder Público, iniciadas na decretação
do estado de calamidade pública (Decreto Legislativo nº 6, de 2020), não teria
ele o condão de interromper todos os serviços, principalmente os essenciais
que prescindem autorização para que sejam oferecidos.
Dito isso, não há como se desvencilhar da execução dos contratos, de
maneira geral, nem mesmo nesse cenário pandêmico. Enfatizar as lições da
boa doutrina civilista no que diz respeito à forma normal de extinção dos
contratos, nunca se fez tão importante, pois todo contrato nasce na intenção
de ser cumprido.
Conforme Stolze e Pamplona (2020, p. 729):
“Sob a denominação ‘extinção natural do contrato’, reunimos todas as
situações fáticas em que a relação contratual se dissolve pela verificação
de uma circunstância prevista pelas partes e tida como razoavelmente
esperada. A exemplificação mais óbvia é, indubitavelmente, a do regular
cumprimento do contrato (...)”

No entanto, nem sempre a execução do contrato se dá da maneira ima-


ginada pelas partes, ocasionando intempéries contratuais que vão depender
da interpretação contratual sob a égide do princípio da boa-fé, no que diz
respeito não só a sua função interpretativa, mas também integrativa dessa que
é a regra de ouro na interpretação deste instituto jurídico.
A ética é uma cláusula geral a ser preenchida, pelo aplicador de Direito
no caso concreto, ela consagra a necessidade das partes manterem, em todas
as fases contratuais, conduta de probidade e lealdade, ela busca a equidade, a
razoabilidade e a cooperação, e a sua fundamentação repousa na cláusula geral
da tutela da pessoa humana.
Esses deveres, que a doutrina chama de anexos, revestidos pelo com-
portamento probo das partes, devem estar presentes em todas as situações
que podem surgir ao arrepio do contrato, sejam elas na pandemia ou não.
Assim, importa dizer que o isolamento social e a interrupção de serviços
que movimentam a economia desembocam em dificuldades extremas para a
execução de determinados contratos, mas a conduta das partes frente a esses
obstáculos deve permanecer pautada na boa-fé.
Pela sua magnitude, a boa-fé não foi abarcada com completude pelo
ordenamento jurídico brasileiro, sendo preciso a adoção de conceitos parce-
lares da boa-fé, oriundos do Direito Comparado, para preencher as lacunas
legislativas nos casos concretos. O duty to mitigate the loss, que significa o dever
Revista Brasileira de Direito Contratual Nº 10 – Jan-Mar/2022 – Doutrina
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do credor de mitigar o seu próprio prejuízo é um desses conceitos que neces-


sitam de maior atenção nos vínculos contratuais prejudicados pela pandemia.
Sobre ele, diz Tartuce (2020, p. 934):
“Trata-se do dever imposto ao credor de mitigar suas perdas, ou seja, o
próprio prejuízo. (...) aprovado o Enunciado nº 169 do CJF/STJ (...) ‘o
princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento
do próprio prejuízo’. A proposta, elaborada por Vera Maria Jacob de Fra-
dera, professora da UFRGS, representa muito bem a natureza do dever
de colaboração, presente em todas as fases contratuais e que decorre do
princípio da boa-fé objetiva e daquilo que consta do art. 422 do CC. (...)
o Enunciado nº 169 do CJF/STJ está inspirado no art. 77 da Convenção
de Viena de 1980 (...) ‘a parte que invoca a quebra do contrato deve to-
mar as medidas razoáveis (...) Se ela negligencia em tomar tais medidas, a
parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em proporção igual
ao montante da perda que poderia ter sido diminuída’. Para a autora da
proposta de enunciado, há uma relação direta com o princípio da boa-fé
objetiva, uma vez que a mitigação do próprio prejuízo constituiria um dever
de natureza acessória, um dever anexo, derivado da boa conduta que deve
existir entre os negociantes.”

Essa impossibilidade de execução da base do contrato pode ocasionar


resolução ou atípica revisão em decorrência não só da pandemia, mas também
por comportamento do devedor ou pelo próprio risco inserido no contrato.
Quando a excepcionalidade surge no contrato, às partes é permitido modificar
as cláusulas primeiras, esse é o fundamento da liberdade econômica, prevista
no parágrafo único do art. 421 da Lei Civil, inserido pela Lei de Liberdade
Econômica (Lei nº 13.874/2019).
Para Pianovski (2020), reclamar uma prestação originalmente acordada
pode ser interpretado como comportamento oportunista, já que se deu perante
mudança repentina de circunstâncias com efeitos inesperados e extraordi-
nários no contrato. Desvirtuando a função econômica da prestação, já que a
renegociação imposta pela boa-fé não será respeitada.
Tal comportamento do credor pode se configurar abuso do direito,
como reza o art. 187 do Códex Civil. As regras do Regime Jurídico Emergen-
cial e Transitório, juntamente com as dispostas na lei civil quanto ao abuso
do direito, a revisão e a resolução, não podem ser instrumentos do abuso de
direito. Se para uma das partes existe extrema vantagem, deve-se coibir o
comportamento oportunista e priorizar o comportamento cooperativo, que
faz parte da probidade que deve imperar no contrato.
O que parece é que existe a imposição de revisão contratual imposta pela
sociedade. A pandemia se tornou fonte autorizadora de descumprimento dos
pactos contratuais. A sociedade abraçou a situação de atipicidade social como
justificativa para inadimplemento. E assim, os pais não honram as mensalidades
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de escolares ou das faculdades de seus filhos, por mais que a continuidade


da prestação de serviços educacionais esteja se dando de maneira remota. Os
alugueres precisam ter o valor reduzido, pois os inquilinos acreditam que a
crise econômica lhes autoriza tal imposição, entre outras situações que nascem
no cotidiano caótico.
Como caracteriza Resedá (2020):
“Parece que se instalou (...) em matéria contratual, um estado de ‘pânico’.
(...) relações contratuais ganharam uma fisionomia de algo tenebroso que
devem ser questionadas, de todas as formas, por conta da pandemia (...).
Os contratos são, (...), vistos como entraves (...) Todos querem apertar o
botão vermelho para se ejetar da avença, mas a pergunta que se faz é: todos
têm esse direito?”

No dizer de Simão (2020), nesses tempos de Covid-19, reanalisar as


categorias jurídicas é necessário. É mister que o ordenamento jurídico sirva de
base para acautelar as situações que a pandemia afetou, já que com ela surgiu
um verdadeiro caos jurídico. Em meio a chuva de opiniões e decisões, a dou-
trina, na ânsia por oferecer alternativas, provocou dúvidas quanto à natureza
dos acontecimentos causados pela pandemia, classificada como força maior,
caso fortuito e até de acontecimento imprevisível. E ele reforça:
“A pandemia é uma hipótese de força maior (art. 393 do CC)? A pandemia
é uma hipótese de alteração de circunstâncias (arts. 317 e 478 do CC)? Há
hipóteses em que a força maior resulta da pandemia? Há e são relacionadas
à prestação de fazer. A empreitada não pode prosseguir pela pandemia.
Não se podem reunir os pedreiros e demais funcionários em tempo de
quarentena. (...) Nessas hipóteses, o contrato se resolve e as partes voltam
ao estado anterior, sem se falar em perdas e danos. (...). Sendo possível o
trabalho remoto (e muitas vezes o é), não há que se alegar impossibilidade
da prestação porque o devedor não pode sair de casa.”

É preciso lembrar da segurança jurídica que é intrínseca a todos os


contratos celebrados, mesmo nessa crise, o princípio da força obrigatória
dos contratos ainda vigora, princípio esse pautado na confiança e no valor a
promessa realizada no trato contratual. Sendo assim, a pacta sunt servanda ainda
é regra nos contratos, e para que seja excepcionada, é necessária uma análise
minuciosa da natureza do inadimplemento da prestação contratual.
Segundo Pianovski (2020), intervir na força obrigatória da qual é revesti-
da o contrato deve ser sempre uma medida subsidiária ao dever de renegociar,
mesmo em uma grave crise como a que se apresenta, o não cumprimento desse
preceito, poderá desencadear repercussões na própria intervenção judicial,
violando a eticidade, já que não serão atendidas as pretensões das partes no
tocante às modificações dos contratos. Ele justifica:
Revista Brasileira de Direito Contratual Nº 10 – Jan-Mar/2022 – Doutrina
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“O dever de renegociar, derivado da boa-fé, é consonante com o valor da


liberdade contratual – que se fundamenta, em última instância, na própria
livre-iniciativa. A aposta constitucional na liberdade dos agentes privados
não é eliminada, mesmo em momentos de grave crise. Daí a necessidade de
se refletir sobre o sentido e os limites da intervenção estatal nos contratos,
tanto no grave contexto presente, quanto no momento pós-crise.”

É importante ressaltar que se pode utilizar meios genéricos para aferir


o descumprimento contratual, mesmo nos casos de pandemia a análise do
caso concreto é imprescindível para que se chegue ao cerne da inadimplência
contratual. Nesse diapasão, chama atenção Tepedino (2021, p. 251):
“Em tal perspectiva, não parece contribuição positiva o disposto no art. 7º
do Regime Jurídico Emergencial e Transitório – Lei nº 14.010/2020 (RJET),
que assevera, de forma geral, que não se consideram fatos imprevisíveis
o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substi-
tuição do padrão monetário. O dispositivo foi originalmente vetado, sob
o argumento de que o ordenamento já dispõe de mecanismos adequados
para a modulação das obrigações contratuais em situações excepcionais.
Entretanto, o veto presidencial foi derrubado pelo Congresso Nacional.”

A diversidade de efeitos que a pandemia desencadeou em vários tipos


de contrato alerta para a inadequação da generalização do tratamento dado a
estes diante do caráter de imprevisibilidade da pandemia. Como também, a
necessidade do intérprete averiguar caso a caso, a fim de aplicar onerosidade
excessiva imprevisível e de seus desdobramentos levando em consideração o
impacto da pandemia na economia interna daquele negócio específico.
Para Schreiber (2020), ainda que haja onerosidade excessiva ou impos-
sibilidade de cumprimento da prestação, há de se comprovar que a pandemia
é sozinha fato gerador que afeta o contrato. Não se deve esquecer que, na
maioria dos casos, esse impacto nas avenças é ocasionado pelas restrições
impostas pela própria Administração Pública, sendo o fato do príncipe, o res-
ponsável por esses prejuízos.
Por isso a importância de se considerar a influência dessas restrições
nos contratos de maneira individual, a depender do caso concreto. Nesse
sentido, os contratos economicamente afetados pela pandemia devem buscar
a obrigação de renegociar, pautado no caráter objetivo da boa-fé, antes de
optarem pela revisão, as soluções alternativas preservam o cumprimento do
contrato, evitam acionar o judiciário, e dão vazão à cooperação, à lealdade e à
solidariedade social, consagradas no art. 421 das normas civilistas e na Carta
Magna, em seu art. 3º.
Por fim, os contratos devem ser entendidos como negócios jurídicos
únicos, que deverão considerar o exercício da ética, por seus sujeitos, antes
mesmo da análise do contexto no qual surge a impossibilidade de seu cum-
Doutrina – Revista Brasileira de Direito Contratual Nº 10 – Jan-Mar/2022 183

primento, visando, assim, a manutenção da avença, em nome do princípio da


conservação dos contratos e da primada justiça contratual.

3 Considerações Finais
Diante do exposto, concluiu-se que os reflexos da pandemia do co-
ronavírus, na seara do direito contratual, não podem ser enfrentados como
requisitos autorizadores da inadimplência, nem, muito menos, aplicados de
forma geral e sem justificativa plausível.
É preciso que haja a análise, primeiramente, da base objetiva do contrato
e sua possível continuidade, e, em um segundo momento, do nexo causal
entre o comportamento das partes e a impossibilidade de cumprimento da
prestação. No intuito de evitar imposição de revisão ou extinção contratual
de maneira abstrata.
A liberdade contratual, embora permita a modificação das regras con-
tratuais ao arrepio do contrato, a depender dos obstáculos que surjam durante
a sua execução, deve vir acompanhada dos princípios da eticidade e da força
obrigatória dos contratos. Só assim haverá preservação da tutela de confian-
ça depositada pelas partes, como também da segurança jurídica do negócio
jurídico em questão.
Dessa forma, constatou-se que os pactos afetados pelas limitações tra-
zidas em virtude da Covid-19 devem ser interpretados à luz do princípio da
boa-fé, especialmente em seu conceito parcelar que prega o dever do credor
de mitigar o seu próprio prejuízo, duty to mitigate the loss.
Nesse ínterim, cabe às partes contratuais exercitarem o dever de renego-
ciar, buscando reestabelecer a equidade, a conservação dos negócios jurídicos
e a justiça contratual, utilizando-se dos diplomas normativos anteriores e
posteriores à situação de calamidade pública com bastante cautela.
Só assim serão evitadas interpretações errôneas sobre a natureza do
inadimplemento que surge na situação pandêmica, e poderemos alcançar
a consolidação das decisões dos tribunais em virtude dos casos isolados da
pandemia, no sentido de primar pela segurança legislativa e resguardar o
surgimento de precedentes judiciais pós-crise.

TITLE: The interpretation of contracts in light of the duty to mitigate the loss in times of pandemic.

ABSTRACT: The basic concern of this study is to reflect on the scope of the consequences of the corona-
virus in the contractual field. This article aims to present a study of the impact of the Covid-19 pandemic
on contracts. The reflection of the economic crisis in contracts was analyzed, causing uncertainties and the
impossibility of fulfilling the obligations agreed upon to the detriment of the impossibility of maintaining
the contractual synalagma in face of the unbalance in the balance of contracts. It was understood that the
fortuitous case and force majeure that the pandemic presents should not be used as authorizing facts of
an imposition that automatically leads to a revision, or even contractual termination as a way to solve the
Revista Brasileira de Direito Contratual Nº 10 – Jan-Mar/2022 – Doutrina
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difficulties presented in this chaotic moment. Good faith as the golden rule in legal business should be
prioritized, presenting itself as an instrument for re-reading the contract, considering the new factual situ-
ation and allowing the requirement of the creditor’s duty to renegotiate, in order to mitigate its own loss,
achieving, through the principle of conservation of legal business, the maintenance of these contractual
relations, in order to reduce the losses suffered by the parties of the agreement.

KEYWORDS: Pandemic. Contracts. Principles. Good Faith. Renegotiate.

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Recebido em: 25.11.2021


Aprovado em: 08.03.2022

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