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abr./2017 04
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Exemplar de assinante. Venda proibida.
Thaís Boia Marçal Direito administrativo Gina Copola Novo tipo de ato de
pág. 40 sancionador versus direito pág. 44 improbidade
administrativo dialógico administrativa
ASSINE
À frente dos grandes Harada, Luiz Flávio Borges D’Urso, Luiz Otavio de O. Amaral, Otavio
Brito Lopes, Palhares Moreira Reis, Sérgio Habib, Wálteno Marques
Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Ivo Dantas, Jessé Torres Pereira
772526
Redação e Correspondência
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6 Capa
uma vez que os prefeitos não só adminis-
tram as contas de governo como também
exercem a função de ordenadores de des-
pesas. Confira!
4 Corromper e delatar:
o melhor negócio
Especial – Ivan Barbosa Rigolin
19
As licitações nas empresas estatais
pela Lei nº 13.303/2016
28 Construção de um
projeto de nação
Direito Eleitoral – Leonardo Sarmento
30
Teria sido constitucional
a decisão do TSE sobre a
chapa Dilma-Temer?
34 O mundo em gradual
recuperação
Enfoque – Eduardo Luiz Santos Cabette
40
Direito Administrativo
sancionador versus Direito
Política Educacional – Arnaldo Niskier
43
Administrativo dialógico Educação e trabalho
44
Novo tipo de ato de
improbidade administrativa
48 Cadastro Ambiental Rural
e áreas indígenas
PRIMEIRA PÁGINA
ARQUIVO PESSOAL
Amadeu Roberto Garrido de Paula
Corromper e delatar:
o melhor negócio
H
á crimes que se pode praticar só: matar, roubar, furtar etc. Não há
como delatar outros e sair sorrindo, devolver apenas parte de coisa, da
“res furtiva” e ficar com o lucro. Já no crime de corrupção há dois polos
do ato criminoso, um ativo, o corruptor, e outro passivo, o corrompido.
Corrompidos são agentes e servidores públicos, políticos em geral, segundo as
últimas e tristes notícias que consomem os noticiários brasileiros. Corruptor pode
4 ano I - nº 04 - abril/2017
Conceito
Conceito Jurídico
Jurídico
Administrativo e Político
Administrativo e Político
ser qualquer um, até mesmo mediante um bombom. Mas as corrupções mínimas
não estremecem o Brasil, embora sejam eticamente reprováveis. O que fez de
nossa sociedade uma baixada pantanosa e desesperadora foi a corrupção alta,
de grandes valores, milionários e bilionários, que extraíram, como o faz qualquer
ladrão, dinheiro da saúde, da educação, da justiça, do desenvolvimento que gera
postos de trabalho. Nosso superior problema, embora não o único – perdoem-me
os donos das miraculosas soluções teóricas, econômicas e sociais – é a corrupção
altíssima e devastadora. Daí nosso estado atual.
Sob miragem da operação “Mãos Limpas” da Itália, que, ao fim e ao cabo,
redundou num retumbante fracasso, com a volta dos Berlusconi da vida, com a
corrupção, inclusive, entremeada com o Banco do Vaticano, o Brasil promulgou
uma lei que deve ser profundamente rediscutida: a que premia delatores, a pior
espécie dos caráteres humanos, os traidores de seus antigos parceiros, sejam da
legalidade ou da ilegalidade. Não há no mundo paradigmas mais repugnantes do
que Judas Iscariotes ou Joaquim Silvério dos Reis.
Há delinquentes que são, pelo menos, homens que se dispõem a pagar por
seus crimes, com coragem, até o final de suas vidas. Há até mesmo os que, em
determinado momento da vida delitiva, desejam ser apenados. Testemunhamos
fatos dessa natureza em mais de 40 anos de exercício ininterrupto da advocacia.
Pois bem, apenas para exemplificar, a Lei nº 12.850/2013 permite que uma orga-
nização criminosa como a JBS, em atuação no Brasil, por seus diretores máximos,
embalados em conluio com um governo sem um mínimo brio, que todos desejamos
esquecer e riscar do mapa político, pratique crimes de corrupção na ordem de R$
10 bilhões, o que significa que sangraram os cofres públicos em cerca do décuplo.
Ademais, no acordo celebrado com a chefia do Ministério Público e homologado,
só nas suas formalidades externas, pelo Supremo Tribunal Federal, tenham reem-
bolsado os cofres públicos em meros trezentos milhões, uma gorjeta diante da
magnitude do crime.
Indaga-se: haverá melhor negócio? Corrompo. Se descoberta a manobra repug-
nante, delato. Nem sequer sou denunciado, como não o foram os diretores da J&F,
principais autores dos crimes. Quer isso dizer que nem sequer serei processado,
apenas se for pilhado numa mentira demonstrável por si mesma, por uma contra-
dição íntima. Voarei como um passarinho, depois de haver lesionado gravemente
meus compatriotas, até pousar numa régia cobertura na Quinta Avenida.
Ah, é um meio de prova. Talvez, dependente de corroboração e de impunidade.
Só uma das partes delinquentes é punida, o corrompido. Em se tratando de altas
autoridades políticas, no torvelinho de múltiplas marchas e contramarchas. Na
verdade, a delação premiada é a confissão da inépcia da polícia, confortada na con-
fissão de um delator. O Brasil, hoje, é o país que mais recorre à delação premiada no
mundo. Há países em que ela causa nojo e asco, e o delator é convidado à morte.
AMADEU ROBERTO GARRIDO DE PAULA é advogado e sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.
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DIVULGAÇÃO
CAPA
Julgamento de
contas dos prefeitos
ordenadores de despesas
Flaviano dos Santos Veras
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Administrativo e Político
O
Supremo Tribunal Federal, por meio dos REs 848826 e 729744, fixou
a tese de que a Câmara Municipal é responsável pelo julgamento das
contas de governo e de gestão de prefeito. Apesar de as decisões servi-
rem de parâmetro, elas não se prestaram a pôr fim à polêmica em vir-
tude de se tratar de matéria assaz complexa e envolver, inclusive, aparente confli-
to entre normas constitucionais. A tese vencedora, no caso do RE 848826, foi a de
Ricardo Lewandowski, que abriu a divergência e entendeu mais acertado atribuir
às Câmaras Municipais a função de julgar as contas de prefeito sob o argumen-
to de que, por serem os membros das Casas Legislativas municipais eleitos pelo
povo, o julgamento deveria levar em conta o aspecto democrático embutido na
ideia de representação popular.
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CAPA
Tribunal de Contas da União não é órgão auxiliar do Parlamento Nacional, naquele sentido
de inferioridade hierárquica ou subalternidade funcional. Como salta à evidência, é preciso
medir com a trena da Constituição a estatura de certos órgãos públicos para se saber até
que ponto eles se põem como instituições autônomas e o fato é que o TCU desfruta desse
altaneiro status normativo da autonomia. Donde o acréscimo de idéia que estou a fazer:
quando a Constituição diz que o Congresso Nacional exercerá o controle externo “com
o auxílio do Tribunal de Contas da União” (art. 71), tenho como certo que está a falar de
“auxílio” do mesmo modo como a Constituição fala do Ministério Público perante o Poder
Judiciário. Quero dizer: não se pode exercer a jurisdição senão com a participação do Mi-
nistério Público. Senão com a obrigatória participação ou o compulsório auxílio do Minis-
tério Público. Uma só função (a jurisdicional), com dois diferenciados órgãos a servi-la. Sem
que se possa falar de superioridade de um perante o outro. (BRITTO, 2001, p. 3).
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Conceito Jurídico
Administrativo e Político
Outro importante ponto é saber se as decisões dos TCs possuem caráter judi-
cante ou meramente administrativo. Decisão judicante é a que tem o condão
de dizer definitivamente o direito. Assim, se as decisões destes tribunais fossem
judicantes haveria “definitividade”, não sendo possível questioná-las, ao menos
em tese. Obviamente, no Brasil não se adotou o modelo chamado de conten-
cioso administrativo. As decisões dos tribunais de contas sempre estarão sujeitas
a controle judicial. Mas por que a Constituição Federal atribuiu aos TCs a função
de julgar as contas dos ordenadores de despesas se estes órgãos não fazem parte
do Poder Judiciário?
O julgamento previsto no art. 71, II da CF representa um ato administrativo
que poderá ser objeto de controle judicial com base no que dispõe o art. 5º, XXXV
da CF. No Brasil, como se sabe, se adotou o sistema de jurisdição una. Assim, as
decisões dos TCs são, na verdade, administrativas.
Contudo, vale lembrar que a decisão dos TCs, a despeito de serem meramente
administrativas, acabam por vincular a Administração pública, uma vez que deverá
obedecê-las ou, caso discorde delas, interpor os recursos cabíveis junto aos tri-
bunais de contas ou mesmo ingressar no Poder Judiciário com as ações cabíveis.
Desta forma, pode-se dizer que as decisões dos TCs prevalecem enquanto não
forem invalidadas ou superadas. Neste ponto, importa trazer à baila a lição de
Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Pode-se afirmar que a decisão do Tribunal de Contas, se não se iguala à decisão jurisdicio-
nal, porque está também sujeita ao controle pelo Poder Judiciário, também não se iden-
tifica com a função puramente administrativa. Ela se coloca a meio caminho entre uma e
outra. Ela tem fundamento constitucional e se sobrepõe à decisão das autoridades admi-
nistrativas, qualquer que seja o nível em que se insiram na hierarquia da Administração
Pública, mesmo no nível máximo da chefia do Poder Executivo. (DI PIETRO, 1996, p. 23).
Apesar de a decisão dos TCs ser administrativa ou entendida como ato adminis-
trativo, esse fato não permite que o poder público a invalide, já que tais tribunais
estão em situação de permeio entre os Poderes e executam a fiscalização finan-
ceira e orçamentária deles. Assim, em tese, somente por decisão judicial é que se
poderia afastar a decisão tomada no âmbito dos TCs ou, pelo menos, afastar alguns
de seus efeitos, ressalvada, como veremos, a possibilidade de voto qualificado de
membros do Judiciário. Acerca do caráter vinculante da decisão administrativa,
cite-se importante ementa de recurso especial da relatoria do ministro Felix Ficher:
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CAPA
As decisões dos TCs, como visto, têm caráter vinculante para a Administração
pública. Além disso, têm força de título executivo quando delas resultar imputação
de débito ou multa, conforme dispõe o art. 71, § 3º da CF.
Dessa forma, o erário credor terá direito de reaver os valores desviados ou
subtraídos do patrimônio público. A decisão do Tribunal de Contas servirá como
título hábil para a propositura da competente ação de execução, sendo desneces-
sária a inscrição do crédito em dívida ativa. Terá, pois, natureza jurídica de título
executivo extrajudicial, a exemplo da certidão de dívida ativa, prescindindo, deste
modo, da propositura de ação de conhecimento. Neste ponto, vale lembrar que
a ação tendente a operacionalizar o ressarcimento ao erário é imprescritível por
força do que dispõe o art. 37, § 5º da CF.
Como dito, somente o ente administrativo que teve o patrimônio reduzido por
ato de administrador ou responsável por dinheiro público é que poderá propor
a competente ação de execução. Assim, por exemplo, fica afastado do polo ativo
desta ação o Ministério Público, ainda que este seja o órgão responsável por fisca-
lizar o cumprimento da lei. Este foi, inclusive, o entendimento adotado pelo STJ
no AGRESP nº 201500457556 da relatoria do ministro Humberto Martins, publi-
cado no DJE em 02/06/2015.
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Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do
Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante pare-
cer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valo-
res públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades institu-
ídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda,
extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
[...]
No caso do Poder Executivo federal, a própria CF, em seu artigo 84, XXIV, dispõe
ser competência privativa do presidente da República prestar contas anualmente
perante o Congresso Nacional. Ademais, o artigo 49, IX, da CF traz expressamente
esta competência do Congresso Nacional. Contudo, apesar de o artigo 75 da CF
estender esse regramento aos municípios, é importante apontarmos algumas
peculiaridades.
Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, median-
te controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na
forma da lei.
§ 1º. O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de
Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Muni-
cípios, onde houver.
§ 2º. O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve
anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da
Câmara Municipal.
§ 3º. As contas dos Municípios ficarão, durante 60 (sessenta) dias, anualmente, à disposição
de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legi-
timidade, nos termos da lei.
§ 4º. É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais.
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CAPA
Cite-se ainda que este era o entendimento do TSE, conforme podemos extrair
dos julgados abaixo:
[...] Alegação de incompetência do TCU para rejeitar contas municipais: improcedência, por
se tratar de convênio firmado entre o município e o Ministério da Ação Social. (TSE, Rec.
Ord. nº 595. Rel. Ministro Sepúlveda Pertence. Julgado em: 19/09/2002).
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contas de Câmara Municipal, basta o parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado (art.
71, II, da Constituição Federal), sendo despicienda a decisão da Câmara Municipal sobre a
matéria. (TSE. REsp. nº 12.875/CE. Rel. Ministro Eduardo Alckmin. DJU: 05/11/1996).
Observe-se que, apesar de ficar clara a distinção entre as contas globais ou anuais
e as contas de gestão, no próprio julgado é possível observar a ressalva quanto ao
julgamento das contas do chefe do Poder Executivo, o qual receberia tratamento
diferenciado segundo o STF. Neste ponto, o TSE já vem adotando entendimento,
evidenciado no julgamento dos REsp’s 12.645 e 12.694, de que o pronunciamento
dos Tribunais de Contas quando da apreciação das contas do chefe do Poder Exe-
cutivo constitui mero parecer prévio. Esse é, inclusive, o entendimento que pre-
valeceu no STF, no julgamento recente do RE 848826/DF, com repercussão geral
reconhecida:
[...] Para os fins do artigo 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64/1990, a apreciação
das contas de Prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câ-
maras Municipais, com auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio
somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos vereadores. (STF. Plenário.
RE nº 848826/DF. Rel. orig. Ministro Luís Roberto Barroso. Acórdão. Ministro Ricardo Lewa-
ndowski. Julgado em: 10/08/2016. Repercussão Geral reconhecida).
A tese vencedora foi capitaneada pelo ministro Ricardo Lewandowski, que adotou
o entendimento no sentido de que, por força da Constituição, são os vereadores
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CAPA
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Se o Tribunal não pudesse julgar as contas do prefeito, não poderia jamais promover a san-
ção de ressarcimento do dano patrimonial ou impor multa, como permite o art. 71 da CF.
Bastaria ao Prefeito concentrar em si o papel de ordenador de despesas para que ficasse
imune a essas duas sanções. (TENÓRIO, 2014, p. 157).
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CAPA
[...] Parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinati-
va, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais
do chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por de-
curso de prazo. (STF. Plenário. RE 729744/MG. Rel. Ministro Gilmar Mendes. Julgado em:
10/08/2016. Repercussão Geral reconhecida).
[...] a expressão julgar as contas ou, ainda, julgar das contas, deve-se crer que tais expressões
não indicam que o Tribunal de Contas ou o Poder Legislativo passou a exercer atividades
judicantes. Julgar as contas, no caso, vem a ser examiná-las, conferir-lhes a exatidão, ave-
riguar se foram elaboradas de acordo com a lei. Trata-se, na verdade, de um processo ad-
ministrativo de controle, com as fases que lhe são peculiares, mas sem força jurisdicional.
(COSTA, 2014, p. 361).
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[...] os Tribunais de Contas, por disposição constitucional – com a única exceção prevista
no artigo 84, IX –, é o juiz natural para julgar os processos de contas públicas (CF, art. 71, II),
porém não pertencem ao Poder Judiciário, e o processo de contas tem peculiaridades que
o diferenciam do processo judicial comum. Assim, tem-se que as Cortes de Contas exercem
função jurisdicional atípica quando julgam as contas dos administradores públicos. Situa-
ção análoga sucede com o Tribunal do Júri em relação aos crimes dolosos contra a vida (CF,
art. 5º, XXXVIII), com o Poder Legislativo, com referência aos crimes de responsabilidade do
chefe do Executivo (CF, art. 52, I) e com o juiz arbitral, relativamente às questões que lhe são
submetidas (CF, art. 114, § 2º; Lei nº 9.307/96) (FURTADO, 2007, p. 83).
CONCLUSÃO
NOTA
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CAPA
REFERÊNCIAS
FLAVIANO DOS SANTOS VERAS é advogado. Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito do Trabalho e em
Direito Público.
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ESPECIAL
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Conceito Jurídico
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não se sabe por quanto tempo. Lei não é poesia condoreira nem discurso filosófico,
e seja lembrado que também o inferno legislativo está repleto de boas intenções.
Uma tal verdadeira infâmia institucional em matéria de licitações e contratos
– e alvíssaras! – não teve vez na lei das estatais, apenas se anelando que também
a Lei de Licitações, nalgum glorioso momento do porvir, seja convenientemente
desinfetada da alusão à natureza singular dos objetos contratáveis, tanto quanto se
deseja com relação ao mosquito da dengue, à febre amarela ou à praga de plantão
no dia. Parabéns ao legislador, uma vez mais, por aquele momento de elevada
consciência jurídica. Foi singularmente feliz.
Agora, retomando o elenco dos serviços técnicos profissionais especializados
constantes no inc. II do art. 30, a matéria é por demais conhecida em nosso país,
e sobre ela muita tinta já foi gasta em livros e em artigos, e muito dito em cursos,
aulas, congressos, seminários, simpósios e conclaves do gênero.
Cumpre entretanto, aqui novamente, dizer algo sobre aqueles específicos
serviços.
O primeiro a repisar é que na Lei das Estatais não existe a figura da natureza
singular do serviço como requisito à sua contratação direta. Assim, por exemplo,
qualquer treinamento e aperfeiçoamento de pessoal pode ser contratado direta-
mente, desde que somente o contratado seja notoriamente especializado no assunto.
Assim, quaisquer (I) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou exe-
cutivos; quaisquer (II) pareceres, perícias ou avaliações; quaisquer (III) assesso-
rias ou consultorias técnicas, ou auditorias financeiras ou tributárias; quaisquer
(IV) fiscalizações, supervisões ou gerenciamento de obras ou serviços; quaisquer
(V) patrocínios ou defesas de causas administrativas e judiciais; quaisquer (VI)
treinamentos e aperfeiçoamentos de pessoal; e, por fim, quaisquer (VII) restau-
rações de obras de arte ou de bens de valor histórico, repita-se, quaisquer desses
serviços, sejam do porte, da complexidade, do valor, da natureza que for, ou da
particularidade que acaso detenham, todos podem ser contratados diretamente,
observado o exclusivo pressuposto da especialização do prestador, a ser docu-
mentalmente comprovada nos autos do contrato, na forma do § 1º do art. 30 da
Lei nº 13.303/2016.
Observa-se que aqueles serviços da lista do inc. II são velhos conhecidos em nosso
Direito e, na prática, diuturna do serviço público. Estão escritos, exceto os da alínea
“f”, na Lei de Licitações, desde a década de 1980, no art. 12 do Decreto-lei nº 2.300,
de 21 de novembro de 1986, diploma que antecedeu e inspirou a Lei nº 8.666/1993.
Em nosso ordenamento são sobejamente conhecidos, portanto, há mais de
30 anos e, de resto, não encerram mistério algum quanto ao seu conteúdo, pois
não deve existir pessoa, profissional ou não, que ignore o que seja uma auditoria
financeira, um parecer jurídico, uma perícia contábil ou de engenharia, ou um
treinamento ou aperfeiçoamento de pessoal. Saber o que são todos sabem, pois
para a contratação direta cumpre apenas à estatal interessada demonstrar que (I)
o serviço pretendido é um daqueles e (II) que o pretendido prestador detém espe-
cialização objetivamente demonstrável na exata área do objeto – e não apenas em
outra em tudo diversa, já que especialização alguma aproveitável existirá.
Quanto à parte final do inc. II do art. 30, que pretende proibir a alegação de
inexigibilidade de licitação em contratos de publicidade – contratos esses indis-
criminada e infantilmente generalizados como nos arts. 1º, 2º e 25, todos da Lei
de Licitações –, já disséramos em artigo:
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ESPECIAL
Observe-se que a Lei de Licitações contém uma impropriedade clamorosa, logo ao início,
sobre este tema de inexigibilidade: trata em certos momentos da inexigibilidade como se
essa regra fosse uma pessoa que entrasse pela porta, uma entidade material e física que
saísse pelo duto do ar condicionado, com um metro e meio de altura, pesando setenta
quilos, cor pardacento-esverdeada, e não como se fosse uma simples ideia, um conceito,
uma instituição imaterial, puramente convencional como é.
No inc. II, do art. 25, prevê: “vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divul-
gação”. Estaria por acaso a lei proibindo o ingresso da inexigibilidade, ou vedando a sua
presença no respeitável recinto?
Um tão imponderável e imaterial conceito como o de inexigibilidade de licitação poderia
estar dessa forma tratado em alguma lei, ou ao menos em alguma lei cujo autor soubesse
o que está fazendo? Poderia ser tratada como um cão indesejável em certos ambientes
onde cão não entra, como a se dizer “inexigibilidade não entra”?
Que imensa, rematada e plenamente caracterizada besteira, grandíssima impropriedade
vocabular e redacional!
Quando a lei ao início, arts. 1º e 2º, se refere insistente e obsessivamente à publicidade,
para o fim de tentar proibir a alegação de que pode ser contratada diretamente por ine-
xigibilidade de licitação, comete também seguidos desatinos, porque a palavra “publici-
dade” tem inúmeras acepções em Direito e fora do Direito, inúmeros sentidos, que todos
conhecem, independentemente de profissão ou ofício1.
A divulgação na Folha de São Paulo, ou no Estadão, de um edital de licitação em resumo, é
um contrato de publicidade; a contratação da divulgação, por matéria paga, da divulga-
ção extraordinária daquela licitação, é outro contrato, diverso do primeiro e já, portanto,
em outra acepção; a contratação da concepção de uma campanha publicitária, objeto emi-
nentemente artístico e absolutamente subjetivo e imprecisável por excelência é uma ter-
ceira forma ou concepção de contrato de publicidade, e a sua veiculação na mídia constitui
uma quarta. Como pôde, então, a mil vezes desavisada e francamente estúpida a Lei de Li-
citações pretender tratar igualmente todas essas essenciais diferenças materiais, como se
contratar publicidade fosse uma só coisa, ou que fosse o mesmo que comprar um litro de
óleo na venda da esquina?” (cf. artigo Contratações diretas. Dispensa e inexigibilidade de
licitação. In: Boletim de administração pública municipal, ed. Fiorilli, mar/17, assunto 314).
Assim, de fato, nos parece. O legislador, mais uma vez, demonstra ignorar ou
desprezar o pujante e multifário escopo da palavra publicidade, os seus múlti-
plos significados e as inumeráveis formas como a publicidade ocorre, sob as mais
variadas acepções e formas, como uma autêntica necessidade do poder público.
Sim, eis que existem dez ou quinze espécies diferentes de publicidade, e a lei não
pode tentar reduzi-las a apenas uma ideia – e apenas porque existiu nas últimas
décadas em nosso país um imenso oceano de corrupção envolvendo centenas ou
milhares de milionários contratos de publicidade de atos, campanhas, programas
e atividades públicas as mais variadas.
Por mais grave que tenha sido aquele conhecido e muito duradouro aconte-
cimento delitivo, o fato é que o ser humano não pode em dado momento da his-
tória abrir mão de sua inteligência e de seu discernimento a ponto de incluir na
lei absurdos técnicos e de lógica como o de, sic et simpliciter, tentar proibir con-
tratos diretos de publicidade, sem indagar de que espécie de publicidade se cogita.
Se o legislador mereceu aberto elogio por proscrever a figura da “natureza sin-
gular” do objeto desejado pela Administração, neste ponto da publicidade já não
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Conceito Jurídico
Administrativo e Político
Já, entretanto, o mesmo poder não se pode atribuir a uma entidade privada de
auditoria que seja contratada pela estatal para essa função, porque nesse caso nem
se pode cogitar de controle externo oficial, eis que se tratará de mero particular
contratado para auxiliar a diretoria no controle dos negócios da estatal.
Encerrando o artigo, o § 3º reproduz três dos quatro incisos do parágrafo único
do art. 26 da Lei de Licitações. O processo de contratação direta será instruído,
quando e como couber se acaso couber, com (I) caraterização da emergência ou
da calamidade, se se tratar disso; e, sempre, (II) motivação da escolha do prestador
ou fornecedor; e (III) justificativa do preço.
O primeiro inciso contempla um casuísmo – emergência ou calamidade. Estado
ou situação de emergência numa estatal é fácil denotar, e pode ocorrer por infinitas
razões. Porém, calamidade não é situação que pode ocorrer no âmbito interno de
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ESPECIAL
uma estatal, mas algo suscetível de dar-se em toda uma região geográfica maior ou
menor, que pode englobar desde parte de um município até um conjunto deles,
ou mesmo, eventualmente, todo um estado.
Desse modo, a estatal demonstrará necessariamente a emergência, interna ou
mesmo externa, quanto ao objeto que enfrente. Porém, para valer-se de estado
de calamidade, para poder contratar diretamente, não dependerá propriamente
de si, mas de uma decretação governamental externa, relativamente a uma região
que abranja a sua sede.
Quanto à justificativa de preço (inc. III do § 3º) resta evidente que sempre será
exigida nos contratos diretos da estatal, porque jamais, estatal alguma, estará
isenta dessa obrigação com vista aos preços de mercado, nem livre para contratar
diretamente o que quiser a qualquer preço injustificado.
Trata-se da aplicação mais imediata possível, e invariavelmente a mais neces-
sária, do princípio da economicidade dos negócios públicos, figurante no art. 70
da Constituição Federal como obrigação fiscalizatória do Tribunal de Contas da
União, como também do princípio do interesse público só, em si, o da finalidade
e também o da motivação, em geral constantes das Constituições dos Estados,
sendo que na do Estado de São Paulo figuram no seu art. 111 como incontornáveis
limitadores da atuação estatal nos negócios que realiza.
Artigo 31.
Outro longo artigo que, como os até aqui comentados, resultou muito maior
e mais pesado que deveria ser, o que somente aborrece, dificulta e, francamente,
atrapalha a aplicação da lei, quase sempre por via de bisonhos artificialismos que
não fazem falta alguma ao Direito ou às estatais.
O caput homenageia, modificadamente, o art. 3º da Lei de Licitações, nele se
alicerçando e se inspirando. Repete que “licitação” serve para obter a proposta mais
vantajosa para a estatal e ingressa nos detalhes de obrigar a incluir na preocupação
da entidade que licita (a) evitar superfaturamento e sobrepreço, e (b) atentar para
o ciclo de vida do objeto, preocupações relevantes e necessárias sempre
O caput ainda elenca os tradicionais princípios de administração que constam
do art. 3º da Lei de Licitações, assaz conhecidos e decantados pela doutrina, e
também consigna os princípios da obtenção de competitividade e do desenvol-
vimento nacional sustentável. Elogiáveis preocupações em razão de atestarem o
cuidado do legislador com dois dos principais problemas com os quais se defronta
o poder público de todas as esferas e a todo tempo, crescentemente.
A obtenção da competitividade é sempre muito desejável, na medida em que
garante mais que de outro modo que houve disputa e competição entre os inte-
ressados na tentativa de obter o contrato estatal, o que, em tese, favorece preço e
condições. Nem sempre é viável uma grande competição porque existem objetos
muito menos interessantes à iniciativa privada que outros, e nessa medida muito
menos disputados. Mas a lei, neste passo, permite à fiscalização e ao controle das
estatais exigir-lhes a demonstração – se essa já não estiver evidenciada – de que a
licitação favoreceu e induziu a maior competitividade possível no certame, ou ao
menos a competitividade que foi possível induzir entre os interessados, fazendo-o
por quaisquer meios comercialmente aceitáveis.
Quanto ao desenvolvimento sustentável, esse é um cuidado que hoje em dia
não se imagina como descurar. Neste histórico momento de saturação máxima
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Conceito Jurídico
Administrativo e Político
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ESPECIAL
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Conceito Jurídico
Administrativo e Político
E o § 5º, cuja virtude primeira é a de ser o último deste artigo, prescreve que
o autor do projeto a que se refere o § 4º, se participar da licitação e não vencer,
poderá ser ressarcido pela estatal respectiva dos custos que enfrentou, desde que
lhe transfira os direitos autorais daquele projeto.
Observe-se apenas o seguinte: nada disso precisaria estar autorizado em lei
alguma. Jamais foi proibido ao poder público, da administração direta, indireta,
paraestatal ou de quantas mais naturezas acaso existam, a estabelecer um cha-
mamento de projetos particulares sobre qualquer assunto de interesse do ente
público – e o concurso de projetos não é nada muito diverso disso.
Se nesse passo o ente fixar que premiará o projeto escolhido, ou que ressarcirá
os custos de um projeto, licitado ou não, que venha a aproveitar – sempre que o
autor lhe repassar os direitos de autor -, tudo isso jamais lhe foi vedado, mesmo
sem lei alguma que o admitisse de forma expressa.
Existem poderes de administração ou de gestão que são originariamente ínsitos
à própria atividade estatal, e que podem ser utilizados a qualquer tempo desde
pelos instrumentos administrativos adequados que variam de entidade para enti-
dade, como por exemplo são os editais de chamamento público; as convocações
para manifestações de interesse ou apresentação de trabalhos, propostas, projetos
ou programas; os avisos sobre programas ou atividades de recíproco interesse
público e privado, e mais inumeráveis fórmulas de tentar atrair a criatividade da
iniciativa privada, e dos mercados os mais variados, para serviços ou empreendi-
mentos de interesse comum.
Tudo isso, e muito mais semelhante, sempre foi permitido, dado ou facultado
ao poder público – sobretudo se se tratar de empresas estatais, muito mais livres
em sua gestão que os entes da Administração direta e mesmo da autárquica -,
nenhuma lei sendo exigida a ente público algum para o exercício de uma tal dis-
cricionariedade administrativa.
A lei, repita-se outra vez ainda, andou bem no art. 30, ao jamais mencionar a
natureza singular dos serviços técnicos ilicitáveis que repetiu de leis anterioes, e
quanto a isso merece franco e aberto elogio, que se reitera.
Já neste art. 31, entretanto, houve-se não menos que pessimamente, e
perdeu a oportunidade de se restringir às regras do caput, que estaria perfeito
se não houvesse rebaixado o nível técnico do seu texto à degradante menção a
superfaturamento. A seguir do caput, no entanto e desafortunadamente, este
artigo desandou.
NOTAS
1 Nesse sentido nosso artigo Publicidade é contrato que nem sempre pode ser licitado. In: Revista
Forum de contratação e gestão pública, ed. Forum, MG, p. 6.877, e revista L&C, ed. Consulex,
Brasília, abr/06, p. 20.
2 Neste passo a lei lembra de perto um estatuto de gafieira. Omite-se entretanto, no seu eviden-
te afã de prestigiar os neologismos que tanto enriquecem o vernáculo deste popularesco país,
ao não definir eventualidades como pixuleco, jabaculê, mutreta, bufunfa, mão-grande e turbina,
dentre outras práticas fundamente arraigadas à nossa nacionalidade.
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DESTAQUE
José Matias-Pereira
ARQUIVO PESSOAL
Construção de um
projeto de nação
E
m um debate sobre a “construção de um projeto de nação” é preciso
avaliar, preliminarmente, como funciona os sistemas político, econômi-
co e social do país, a solidez das instituições, além de averiguar o grau
de educação, o amadurecimento político e a consciência de cidadania
da população. É a partir dessas avaliações que se torna possível, apoiado num
planejamento consistente de longo prazo, dar início à construção de um projeto
de nação que viabilize as transformações e reformas orientadas para fomentar o
desenvolvimento. Observa-se que, em quase todos esses aspectos, o Brasil pos-
sui deficiências e fragilidades. Diante desse contexto, permito-me analisar, em
especial, quatro indicadores sensíveis, que reputo importantes para estimular o
desenvolvimento brasileiro: a produtividade e competitividade; a solidez das ins-
tituições; boa governança e participação popular.
Os indicadores socioeconômicos do Brasil mostram que a sua produtividade e
a competitividade vêm se reduzindo ao longo do tempo. A produtividade é men-
surada por meio do grau de eficiência com que determinada economia utiliza seus
recursos para produzir bens e serviços de consumo. A produtividade do trabalho,
por exemplo, cresceu apenas 0,4% ao ano, no período de 1996 a 2005, e 2% entre
2006 e 2011. É sabido que o crescimento da produtividade depende também de
inovações diretas, absorção de tecnologia (P&D) e realocação de produção entre
firmas e setores. Consta-se, assim, que o crescimento da economia dependerá cada
28 ano I - nº 04 - abril/2017
Conceito
Conceito Jurídico
Jurídico
Administrativo e Político
Administrativo e Político
JOSÉ MATIAS-PEREIRA é Economista e Advogado, Doutor em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madri,
Espanha, Pós-Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo, Professor de Administração Pública e Pesquisador
associado do programa de Pós-Graduação em Contabilidade da Universidade de Brasília.
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DIVULGAÇÃO
DIREITO ELEITORAL
A
Rede Sustentabilidade recorreu ao Supremo Tribunal Federal com o
pedido de nulidade do julgamento do TSE que absolveu o presidente
Michel Temer da acusação de abuso de poder político e econômico
nas eleições presidenciais de 2014.
A ação tem como pedido principal a realização de um novo julgamento, para
que leve em consideração as provas colhidas em depoimentos prestados pelos
executivos da empreiteira Odebrecht. Requer ainda que o processo do TSE reste
suspenso até que a reclamação seja definitivamente julgada pelo pleno do Supremo
Tribunal Federal.
A ratio essendi recursal sustenta que a decisão do TSE contrariaria entendi-
mento do próprio Supremo trazido pela ADI 1082, quando os ministros rejeitaram
a alegação de que a apreciação pelo juiz eleitoral de fatos supervenientes violaria o
devido processo legal, desde que sejam resguardados os meios necessários à ampla
defesa da parte interessada, como a notificação dos interessados e possibilidade
de oposição de argumentos.
As razões recursais do recorrente assim se expressaram:
30 ano I - nº 04 - abril/2017
Conceito Jurídico
Administrativo e Político
Enquanto prevaleceu no Tribunal Superior Eleitoral uma visão que dramaticamente res-
tringia os poderes instrutórios do juiz sob a alegada necessidade de preservação da “es-
tabilidade político-social dos mandatos”, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em prece-
dente vinculante para todos os Tribunais (inclusive para o TSE), o oposto: como as ações
eleitorais se destinam à garantia da lisura do processo eleitoral, elas tutelam interesses
públicos indisponíveis, avultando a importância que o juiz persiga e reúna os elementos
necessários para a formação da sua convicção, e assim resguarde a eficácia e a qualidade
da sua decisão.
O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos
indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda
que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de
lisura eleitoral.
[o] juiz estará autorizado a formar convicção atendendo a fatos e circunstâncias constantes
do processo, ainda que não arguidos pelas partes, e a considerar fatos públicos e notórios,
indícios e presunções, mesmo que não indicados ou alegados pelos envolvidos no conflito
de interesses.
podendo ser aceitos em qualquer fase do processo, ainda que em nome de uma
imaginável busca pela verdade real.
O Tribunal Superior Eleitoral decidiu, por quatro votos a três, pela impossibi-
lidade de apreciar os fatos relativos aos depoimentos prestados por executivos da
Odebrecht, já que representaria indevida ampliação do objeto da demanda, em
violação aos princípios da congruência, do devido processo legal, da ampla defesa
e do contraditório. Retiraríamos o princípio da congruência por força do art. 23,
mas inseriríamos o princípio da estabilização objetiva do processo cm melhor
fundamento para decisão do TSE.
De fato, a grande questão que possibilitou a absolvição da chapa Dilma-Temer
foi a ausência do necessário contraditório, da ampla defesa sobre os fatos enten-
didos como públicos e notórios, o que processualmente revelou ser a decisão de
direito mais acertada.
Se o Tribunal se encontrava, às claras, politicamente dividido, o lado que desde
o princípio tendia pela absolvição encontrou a barreira necessária para as razões
não prosperarem para a condenação, e mesmo que estivessem extra petita deveriam
ser, sim, aceitas pelo Tribunal, na forma do art. 23 da Lei nº 64/1990. Inobstante
ter passado por cima dos direitos processuais constitucionais que o Constituinte
elencou entre suas cláusulas pétreas, seria aniquilar alguns de seus mais impor-
tantes pilares, ou seja, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.
Quando ficou demonstrado que os fundamentos para a cassação da chapa
revelavam-se porosos, pálidos, inconsistentes, sendo e que a consistência seria
revelada exatamente a partir dos depoimentos da Odebrecht, o Direito Proces-
sual Constitucional passou a figurar como inequívoco impeditivo de direito para
a dação da necessária robustez à tese condenatória.
Assim argumentou o nobre ministro Luiz Fux:
Fatos novos vieram à lume informando que nessa campanha houve cooptação do poder
político pelo poder econômico, que nessa campanha houve financiamento ilícito de cam-
panha, então no momento que vamos proferir a decisão, nós não vamos levar em conta
esses fatos?
32 ano I - nº 04 - abril/2017
Conceito Jurídico
Administrativo e Político
capaz de cassar uma chapa presidencial por abuso de poder político e econômico,
algo que não pode, em qualquer hipótese, demonstrar-se banal.
Assim, por mais que entendamos que a justiça de fato não foi feita, insofis-
mavelmente a Constituição restou respeitada pela decisão do TSE nos lindes dos
fundamentos possíveis de serem enfrentados. Uma decisão com pechas de incons-
titucionalidade revelar-se-ia política e, portanto, indesejável. Aqui, tratamos de
impeachment, com os votos dos senhores legisladores juridicamente leigos e dis-
pensados de fundamentar seus votos. No caso em tela, falamos de um Tribunal
Superior composto por sete ministros de notório saber jurídico e que estão cons-
titucionalmente obrigados a fundamentar suas decisões. A vontade popular, que
é símbolo da mais legítima soberania, deve atender ao pacto social que confere
normatividade e supremacia à Constituição.
No tocante a recorribilidade da decisão do TSE para o STF, em se tratando de
questão constitucional é perfeitamente possível.
Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos
juízes de direito e das juntas eleitorais.
[...]
§ 3º São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as que contrariarem
esta Constituição e as denegatórias de habeas-corpus ou mandado de segurança.
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DIVULGAÇÃO
POLÍTICA ECONÔMICA
O mundo em gradual
recuperação
Armando Castelar
34 ano I - nº 04 - abril/2017
Conceito Jurídico
Administrativo e Político
3,9% em 2018. Se confirmadas essas taxas, esse será o ritmo mais forte de alta do
comércio internacional desde 2011.
Outro indicador positivo é a aceleração da inflação de preços ao consumidor
nas economias avançadas, de 0,8% em 2016 para 2,0% este ano e 1,9% em 2018. Vai
contribuir para isso a forte valorização das commodities. A inflação mais alta vai
ajudar a reduzir o endividamento de famílias e empresas e permitir uma gradual
normalização da política monetária, em especial nos EUA, que está mais avançado
nesse processo. A expectativa é que a taxa de juros no interbancário de Londres
(Libor), em dólar, suba de 1,1% em 2016 para 1,7% este ano e 2,8% em 2018. A
Libor em euro deve permanecer levemente negativa e em iene constante em zero.
Este é um cenário externo bastante favorável à América Latina: PIB mundial
crescendo mais rápido, altas no preço das commodities e no ritmo de expansão
do volume de comércio internacional, juros reais com média negativa nos princi-
pais centros financeiros globais e, de forma geral, uma gradual normalização da
economia mundial, que pode ser reforçada pela vitória de Emmanuel Macron,
na França.
Não obstante, o FMI está mais pessimista com a América Latina e Caribe este
ano, tendo reduzido a projeção de crescimento da região em 0,5 ponto percentual
(pp), para alta de apenas 1,1%; menos de um terço, portanto, do ritmo de expansão
global. Para 2018, o Fundo projeta alta de 2,0%, 0,2 pp a menos que seis meses atrás.
Um pior cenário para o México, por conta da deterioração das relações com os EUA
após a eleição de Donald Trump, explica a maior parte dessa revisão.
O Fundo está mais pessimista que a maioria do mercado financeiro brasileiro
quanto ao nosso PIB tanto neste como no próximo ano: expansão de 0,2% em
2017, acelerando para 1,7% em 2018. O mercado trabalha com taxas de 0,4% e
2,5%, respectivamente. Ainda que os números divirjam, os fundamentos da recu-
peração são os mesmos nos dois casos: queda na incerteza política, relaxamento
monetário e avanço no programa de reformas.
O Fundo enxerga vários riscos para seu cenário, a maioria no sentido de reduzir
o crescimento. Os dois mais importantes, da nossa perspectiva, são um aumento
do protecionismo, liderado pelos países ricos, em especial os EUA, e uma alta
mais pronunciada da curva de juros americanos, que penalizaria os países e as
empresas com maior endividamento externo. O Fundo também vem alertando há
bastante tempo para o risco que representa o crescente endividamento corporativo
na China, que tem sido um instrumento fundamental a que o país tem recorrido
para manter um forte ritmo de crescimento.
Nos últimos anos, o FMI tem errado por se mostrar muito otimista com a recu-
peração da economia mundial, que tem decepcionado seguidamente. Mas há
motivo para mais otimismo desta vez. De um lado, porque a retomada está mais
disseminada entre países e setores. De outro, em razão de o risco político aparente-
mente estar diminuindo, em que pese o acirramento de alguns conflitos militares.
Há bons motivos, portanto, para que estejamos finalmente deixando para trás os
piores momentos da crise internacional iniciada em 2007.
de Economia da UFRJ. Anteriormente, ele trabalhou como analista na Gávea Investimento, pesquisador do IPEA e
chefe do Departamento Econômico do BNDES. Castelar é Ph.D em Economia pela University of California, Berkeley,
Mestre em Administração pela COPPEAD/UFRJ e em Estatística pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA),
e Engenheiro Eletrônico pelo Insituto Teconológico de Aeronáutica (ITA).
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DIVULGAÇÃO
ENFOQUE
O detetive particular e a
hipótese da equiparação
a funcionário público na
investigação criminal
Eduardo Luiz Santos Cabette
36 ano I - nº 04 - abril/2017
Conceito Jurídico
Administrativo e Político
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ENFOQUE
O exercício de uma função pública, ou seja, aquela inerente aos serviços prestados pela
Administração Pública, não pode ser confundido com múnus público, entendido como
encargo ou ônus conferido pela lei e imposto pelo Estado em determinadas situações, a
exemplo do que ocorre com tutores, curadores etc.
38 ano I - nº 04 - abril/2017
Conceito Jurídico
Administrativo e Político
CONCLUSÃO
NOTA
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O detetive particular na Investigação Criminal. In: Revista Conceito
Jurídico, ano I, junho de 2017, n. 06.
COGAN, Arthur. Crimes contra a Administração Pública. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.
FREITAS, Gilberto Passos de, FREITAS, Vladimir Passos de. Abuso de Autoridade. 7. ed. São Paulo:
RT, 1997.
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 10. ed. Niterói: Impetus, 2016.
PRUSSAK, Jucineia. Lei nº 13.432/2017, detetive particular e investigação criminal defensiva. Dis-
ponível em www.jusbrasil.com.br. Acesso em 13 abr. 2017.
ARQUIVO PESSOAL
EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE é delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós-graduado em Direito
Penal e Criminologia, professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual
Penal Especial na graduação e na pós-graduação do Unisal e membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos
Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.
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DIVULGAÇÃO
DIREITO ADMINISTRATIVO
Direito Administrativo
sancionador versus Direito
Administrativo dialógico
Thaís Boia Marçal
D
iversas são as notícias a respeito de penalidades pecuniárias aplica-
das às sociedades empresárias por falhas na prestação de serviço. Em
geral, aquelas que alcançam valores de alta monta conseguem ser re-
duzidas por intervenção do Judiciário, que se vale do argumento da
razoabilidade/proporcionalidade. Aquelas de pouca monta diante de sua reite-
ração impactam sobremaneira o orçamento da instituição.
Sem embargo, não se pode chancelar o descumprimentos de normativas legais
e regulatórias sem a resposta estatal adequada, sob pena de tornar letra morta as
obrigações de qualidade exigidas das prestadoras de serviços.
O que se discute é o (des)acerto na aplicação de penalidades financeiras para
tais falhas. Em resumo, será efetuado o pagamento (seja imediatamente ou após
40 ano I - nº 04 - abril/2017
Conceito Jurídico
Administrativo e Político
“ Investir em regulações
adequada e técnica, bem
como no acompanhamento
de seu cumprimento é hábil
a produzir resultados mais
eficientes do que punir por
falhas que já ocorreram.
Punição e eficiência não
são (e não devem pretender
ser) conceitos imbricados,
enquanto accountability e
compliance parecem ser a
duas facetas da eficiência.
”
extensa discussão judicial) integral (ou reduzido, em caso de intervenção judicial1),
fato este que em nada obriga a melhora efetiva na qualidade do serviço prestado.
Caso haja reiteração da conduta, normalmente aplica-se a acréscimo pecu-
niário e, novamente, o serviço segue sem melhoria. Eventualmente, o Ministério
Público pode ajuizar ação coletiva para pleitear que o Judiciário obrigue a melhora
na prestação do serviço.
Contudo, não seria mais razoável encurtar o caminho? Em vez de aplicar pena-
lidades pecuniárias, não seria mais adequado determinar que a falha individual-
mente identificada fosse coletivamente corrigida? A resposta positiva parece ser
a que melhor atende ao princípio da eficiência. Todavia, ressalte-se que a simples
determinação de a falha ser corrigida já seria decorrência do próprio dever de
cumprimento das normas aplicáveis ao setor.
A fim de tornar eficaz a determinação, parece interessante a determinação da
adoção de um programa de integridade (compliance) pela sociedade empresária,
a fim de: (i) implementar a cultura de conformidade da gestão empresarial com as
determinações legais e regulamentares – muitas vezes complexas e contraditórias;
(ii) gerir o risco de possíveis inconformidades, prevendo meios para eliminá-los; (iii)
capacitar os setores internos para o cumprimento das normativas setoriais atualizadas.
Assim, a existência e a operacionalização efetiva de um programa de compliance
mostram-se mais eficazes para implementar a cultura de governança corporativa
de conformidade do que simplesmente a aplicação de multa pecuniária por falhas
pontuais, que, em verdade, representam falhas sistêmicas.
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DIREITO ADMINISTRATIVO
NOTA
THAÍS BOIA MARÇAL é mestranda em Direito da Cidade pela UERJ. Especialista em Direito Público pela UCAM.
Pós-graduada pela EMERJ. Bacharel em Direito pela UERJ. Advogada Associada no Lobo & Ibeas Advogados.
42 ano I - nº 04 - abril/2017
POLÍTICA EDUCACIONAL
Educação e trabalho
Arnaldo Niskier
O
professor José Pastore pertence aos quadros da Universidade de São Pau-
lo e da Academia Paulista de Letras. Veio ao Rio de Janeiro para falar em
seminário da Academia Brasileira de Letras sobre o tema “Educação e tra-
balho: o futuro da juventude no Brasil”.
Fez muito sucesso. Começou abordando a espantosa velocidade de mudança que
marca os tempos atuais. Segundo ele, as grandes transformações baseiam-se na revo-
lução digital, que vem provocando profundas mudanças na produção e na vida coti-
diana. Atualmente, o Google, o smartphone, o Uber e os gigantescos sites de busca
que se baseiam na inteligência artificial dominam as relações comerciais e pessoais
desconhecidas há 10 anos.
A produção industrial moderna, cada vez mais, tem maior participação no abstrato
do que no concreto. Abstrato é o que se aprende na escola. Em suma, a educação de boa
qualidade virou peça fundamental para acompanhar a evolução tecnológica, para os
processos produtivos e para as pessoas. O mercado de trabalho é cada vez mais exigente.
Muitas entrevistas de emprego são mais difíceis e concorridas do que exames vestibulares.
As empresas modernas procuram recrutar profissionais que dominem a Linguagem, a
Matemática, os Conhecimentos Gerais e a Ética, tanto no trabalho como na profissão.
Os profissionais precisam ser polivalentes, multifuncionais e abertos para novas funções.
Projeções sobre o mercado de trabalho indicam que, em 2050, cerca de 60% das pes-
soas estarão sendo demandadas para exercer profissões desconhecidas, que não existem
nos dias atuais. É preciso preparar as escolas e os jovens para as novas características do
mercado de trabalho, nas quais terão mais chances de se empregar quem pensa bem. A
segurança no emprego depende da capacidade de aprender de modos rápido e contínuo.
Recentemente, a lei brasileira que obriga os pais a matricularem seus filhos na
escola a partir dos quatro anos de idade foi aprovada. Nos Estados Unidos, uma lei
semelhante foi aprovada em 1650! Daí pode-se perceber o atraso do nosso país na
questão educacional.
Um ministro da Índia explica o sucesso daquele país no campo tecnológico com
uma expressão bastante simples: “English, engineering and education!” A educação
está diretamente ligada à produtividade e aos ganhos pessoais se for de boa qualidade.
A História mostra que países que passaram por fortes crises conseguiram se recu-
perar investindo na boa educação. Nos EUA, a depressão de 1929 quebrou mais de
cinco mil bancos. O desemprego disparou e, mesmo com tantos cortes no orçamento,
o governo expandiu as bibliotecas públicas e ainda criou bibliotecas itinerantes para
atender ao interior e zonas rurais.
Aqui no Brasil vivemos uma grave crise, são quase 12 milhões de desempregados,
e pior, sem qualificação adequada, já que apenas 17% dos empregados brasileiros
completou o ensino superior e menos de 50% têm o curso médio completo. Cerca
de 1,7 milhões de jovens estão fora da escola, outros dois milhões não estudam, nem
trabalham. Como resolver essa equação? Com educação, enfatizando o papel da Lin-
guagem. As empresas procuram candidatos com potencial para aprender, que gostem
de estudar, que leiam bastante, que tenham o vírus da curiosidade.
ARQUIVO PESSOAL
ARNALDO NISKIER é Doutor em Educação. Membro da Academia Brasileira de Letras. Presidente do Centro de
Integração Empresa-Escola (CIEE) no Rio de Janeiro.
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DIVULGAÇÃO
PROCESSO ADMINISTRATIVO
A
Lei Complementar nº 157/2016 classificou um novo tipo de ato como
sendo de improbidade administrativa ao inserir o art. 10-A na Lei nº
8.429, de 2 de junho de 1992, que, conforme se observa, foi acrescido
aos três tipos de atos de improbidade administrativa que já existiam, a
saber, enriquecimento ilícito (art. 9º), lesão ao erário (art. 10) e afronta aos prin-
cípios da Administração (art. 11).
44 ano I - nº 04 - abril/2017
Conceito Jurídico
Administrativo e Político
É de império ter presente, desde já, que o novo tipo de ato de improbidade
administrativa somente produzirá efeitos após o decurso do prazo referido no art.
6º, da LC nº 157/16, que é de um ano.
Vejamos o que reza o novel dispositivo da LIA: “Art. 10-A. Constitui ato de
improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou
manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o §
1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.”
O art. 8º-A, da LC nº 116, de 2003, o qual foi incluído pela Lei Complementar
nº 157, de 2016, a seu turno, dispõe que: “Art. 8o-A. A alíquota mínima do Imposto
sobre Serviços de Qualquer Natureza é de 2% (dois por cento)”.
Já o §§ 1o, 2º e 3º do artigo 8-A, também incluídos pela LC nº 157, de 2016,
determinam que:
Tem-se, de tal sorte, que o mais recente tipo de ato de improbidade administrativa
visa punir o administrador municipal ou do Distrito Federal – o imposto citado é de
competência dos municípios e do Distrito Federal apenas – que conceder, aplicar
ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõe a citada Lei.
O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, repita-se, é de competência dos
municípios e do Distrito Federal, e com alíquota mínima de 2% (dois por cento),
tendo como fato gerador a prestação dos serviços previstos de forma expressa no
Anexo da LC nº 116/2003, com a redação que lhe foi dada pela LC nº 157/2016.
Conforme a determinação do § 2º do art. 8º-A da LC nº 116/2003, os municípios
e o Distrito Federal estão obrigados a respeitar a alíquota mínima de 2% (dois por
cento), sob pena de prática de ato de improbidade administrativa.
As penas previstas para o mais recente ato de improbidade administrativa
constam do inc. IV, que foi acrescido ao art. 12 da Lei nº 8.429/1992, e podem ser
as seguintes:
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PROCESSO ADMINISTRATIVO
IV – na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos
políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício
financeiro ou tributário concedido.
Art. 37 [...]
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos,
a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na
forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
O art. 12 da LIA, conforme se lê, prevê a pena de multa civil, sendo que o art.
37, § 4º, da Constituição Federal não prevê tal pena.
Com todo efeito, cabia à Lei nº 8.429/1992 apenas graduar as sanções previstas
pelo art. 37, § 4º, da Constituição Federal, e nada mais que isto, conforme ensina
Mauro Roberto Gomes de Mattos (MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite
da improbidade administrativa, 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 487).
Assim sendo, as penas acima citadas e não previstas na Constituição Federal
restam absolutamente inconstitucionais por extrapolarem o contido no indigitado
dispositivo constitucional.
No mesmo diapasão é a lição de Toshio Mukai, em célebre artigo intitulado
“Fantasmagórica ameaça das ações de improbidade administrativa”, publicado
no Boletim de Direito Administrativo (São Paulo: Editora NDJ, março/00, pp.
191/192), de onde se lê o seguinte excerto: “Em matéria de sanções, a interpre-
tação há de ser restritiva, não cabendo ao legislador criar sanções não previstas
para o caso, na Constituição. Em Direito Público, o que não está autorizado,
está proibido”.
Ademais, também foi incluído um novo parágrafo ao art. 17 da LIA (§ 13),
para introduzir nova pessoa legitimada a propor ação de improbidade adminis-
trativa, “que terá o rito ordinário, dentro de trinta dias da efetivação da medida
cautelar”, que é “o ente tributante que figurar no pólo ativo da obrigação tribu-
tária de que trata o art. 8º-A, da Lei Complementar nº 116/03”, ou seja, agora
têm legitimidade para propor a ação o Distrito Federal e os municípios que
forem prejudicados com as “isenções, incentivos ou benefícios tributários ou
financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou
outorgado, ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente,
em carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima
estabelecida no caput [do art. 8º-A]”.
Por fim, é de império tecer alguns comentários sobre o elemento subjetivo neces-
sário à configuração do tipo mais recente de ato de improbidade administrativa.
Nosso entendimento é que o ato previsto no art. 10-A da LIA só se configura se
existir o elemento subjetivo do dolo.
É o que temos defendido enfaticamente.
Tem-se, conforme reiteradamente dissemos, que a configuração do ato de
improbidade administrativa necessita, obrigatoriamente, da ocorrência do dolo,
46 ano I - nº 04 - abril/2017
Conceito Jurídico
Administrativo e Político
não bastando, portanto, a culpa do agente, sendo que tal posicionamento doutri-
nário e jurisprudencial é o majoritário.
Com todo efeito, sem a figura do dolo é virtualmente impossível a caracterização
de improbidade administrativa, porque o ímprobo é aquele que teve a vontade, a
intenção, ou o animus de causar lesão ou prejuízo ao erário, bem como aos prin-
cípios constitucionais que norteiam a Administração.
Tanto na doutrina quanto, sobretudo, na jurisprudência é majoritário o entendi-
mento segundo o qual nas ações de improbidade administrativa deve ser demons-
trado que o agente público – ou os terceiros que tiverem concorrido para a prática
do ato – utilizou-se de expediente que possa ser caracterizado como sendo de
má-fé, com a nítida intenção de prejudicar o interesse público e o erário e, apenas
assim, portanto, poderá ser alegada a improbidade administrativa.
O elemento subjetivo dos tipos contidos na LIA é o dolo e apenas o dolo, decor-
rente da vontade do agente público causar dano ou prejuízo à Administração
pública. Sim, porque a intenção do ímprobo é alcançar benefício próprio ou de
terceiro, em detrimento do interesse público.
Com efeito, “a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil”, conforme
já decidiu o e. STJ, relator Ministro Garcia Vieira, RESP nº 213994/MG, 1ª T., DJ de
27.09.99, p. 59.
Ninguém, portanto, é ímprobo por acaso, nem desonesto por imperícia, nem
velhaco por imprudência, nem inidôneo se não quiser sê-lo ostensiva e propo-
sitadamente. Com todo efeito, sem o elemento volitivo presente; sem a vontade
de delinquir, de lesar, de tirar ilegítimo proveito, de locupletar-se indevidamente,
de enriquecer ilicitamente, ninguém pode ser inquinado de improbidade, uma
vez que essa pecha somente tem sentido técnico-jurídico, e mesmo lógico, se e
quando imputada ao mal-intencionado, ao desonesto de propósitos, ao golpista,
ao escroque. Quem não se enquadrar n’alguma dessas infames categorias será
tudo no planeta, menos praticante de ato de improbidade.
Improbidade é figura que, nas áreas Penal, Civil ou Administrativa exige a
essencial intencionalidade delitiva, a vontade ativa e efetiva de praticar ato sabi-
damente não admitido pelo Direito. Trata-se da má-fé plenamente caracterizada,
é a má intenção do agente.
De tal sorte, ausente o elemento volitivo, então improbidade alguma jamais
poderá ser imputada a ninguém.
A improbidade não pode ser atribuída a quem apenas esquece de mera for-
malidade, ou comete pequenas irregularidades, sendo que tais atos não têm, nem
poderiam ter, o condão de causar lesão aos cofres públicos ou aos princípios cons-
titucionais que devem reger a Administração, e, por isso, não podem ser reputados
como atos ímprobos.
Tem-se, portanto, e conclusivamente, que o ato de improbidade administrativa
que está previsto no aqui comentado art. 10-A da LIA só se configura se compro-
vado o dolo do agente.
É nosso entendimento.
GINA COPOLA é advogada militante em Direito Administrativo. Pós-graduada em Direito Administrativo pela
ARQUIVO PESSOAL
FMU. Ex-professora de Direito Administrativo na FMU. Autora dos livros “Elementos de Direito Ambiental”; “Deses-
tatização e terceirização”; “A lei dos crimes ambientais, comentada artigo por artigo”; “A improbidade administra-
tiva no Direito Brasileiro”; “Comentários ao Sistema Legal Brasileiro de Licitações e Contratos Administrativos”; e
autora de mais de uma centena de artigos sobre temas de Direitos Administrativo e Ambiental publicados em
periódicos especializados.
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OPINIÃO
ARQUIVO PESSOAL
Cadastro Ambiental Rural
e áreas indígenas
U
m recente levantamento do Serviço Florestal Brasileiro divulgou que
11.569 cadastros ambientais rurais estariam sobrepostos a terras in-
dígenas homologadas de forma “parcial” ou completa. Os dados re-
fletem certa insegurança jurídica na situação.
A notícia trouxe a preocupação de que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) impli-
caria reconhecimento de posse de pessoas declarantes, citando, inclusive, enten-
dimentos judiciais. Entretanto, não indicou a fonte de consulta. Seria o problema
apenas o CAR e o suposto direito de posse dos declarantes?
A primeira correção que se faz resolve-se com o próprio Código Florestal, o qual
determina que “O cadastramento não será considerado título para fins de reconhe-
cimento do direito de propriedade ou posse [...]” (art. 29, § 2º, Lei nº 12.561/2012).
Portanto, o direito de propriedade continuará sendo exercido pelas matrículas
imobiliárias e não pelo CAR, como também o direito de posse será exercido por
meio dos direitos neste sentido (usucapião, usufruto, arrendamento, etc.).
48 ano I - nº 04 - abril/2017
Conceito
Conceito Jurídico
Jurídico
Administrativo e Político
Administrativo e Político
PEDRO PUTTINI MENDES é consultor jurídico no agronegócio, palestrante e professor de Direito do Agronegócio, membro e
representante da UBAU – União Brasileira de Agraristas, membro fundador da UBAA – União Brasileira da Advocacia Ambiental,
ex-presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS, tutor de Legislação Agrária; Políticas Públicas para
o Agronegócio e Responsabilidade Socioambiental no Senar/MS. Coordenador de cursos de extensão em Direito Aplicado
ao Agronegócio. Graduado em Direito, Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil, extensão em Direito Agrário, Licencia-
mento Ambiental e Gestão Rural, Mestrando em Desenvolvimento Local com ênfase em Governança Colaborativa de Políticas
Públicas para o Agronegócio.
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ANIMAIS
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