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Debora Diniz
FIOCRUZ
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do 5 7 2
M l l ~ e ude Arqueologia e Etnologia
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Todos os direiros reservados à Editora LetrasLivres e à Edirora Fiocruz
Q Debora Diniz e Ana Terra
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A leitora submissa
René Magritte, 1928
O Photothèque R. Magritre, Magritte, RenélLiceiiciado por AUTVIS. Brasil, 2013.
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Diniz, Debora
Plágio : palavras escondidas 1 Dehora Diniz, Aiia Terra. - Brasilia : LetrasLivres ; Rio de Janeiro : Editora Fiocruz, 2014.
196 p.
ISBN 978-85-98070-36-0
1. Plágio. 2. Propriedade intelectual. 3. Traballio acadêmico. I. Terra, Ana. 11. Titulo
CDD 342.28
C D U 347.78
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Arroclaçáo Brasileira
das Edltoras Universltárlas
"Numa palavra, nunca lhe aconteceu ler levantando a
cabeça?" - uma suspeita de Roland Barthes sobre as leituras
apaixonadas (2004, p. 26, grifo no original).
A leitora submissa de René Magritte espanta-se
com o que lê - uma leitura erótica, arriscaram
A leitora
críticos da tela. Mas náo há correspondência
rbmissa
entre a imagem e o título. Desafiando a ,lené Magritte,
imagem da tela pelas palavras, suspende-se 1928
também a ansiedade de quem busca o real na
imagem. Texto e imagem sáo representaçóes.
Vemos uma mulher espantada, mas lemos
uma mulher submissa. Entre o espanto e a submissáo a um texto
é onde nós, leitores, nos localizamos. As leituras nos movem por
diferentes descobertas e emoçóes.
...papéis
O plágio é uma preocupaçáo de estudantes, professores,
pesquisadores, autores, revisores e editores. Há uma sobreposiçáo
entre essas figuras na divisáo do trabalho acadêmico: é como se
um mesmo ator assumisse diferentes papéis em uma única peça -
professor, pesquisador, autor, revisor e editor compóem o teatro da
comunicaçáo acadêmica. O papel de estudante é o único vivido
por todos nós em algum momento da carreira acadêmica, por isso
uma reflexáo sobre o plágio deve ser condiçáo para a iniciaçáo
ao posto de neófito pesquisador. H á uma falsa crença de que os
interditos sobre o plágio sáo devidamente conhecidos por todos
aqueles que ingressam no ambiente acadêmico. Esse nos parece
um triste equívoco - é preciso que o plágio saia do esconderijo da
vergonha e assuma a cena. Talvez só assim possamos conhecer as
desmotivaçóes dos plagiadores para a criaçáo acadêmica.
VUDRRIIAI.
seria um sujeito fraco e inautêntico, porém como é o caso dos livros de Machado de Assis, e mesmo assim
P,,eim edicno , I,,,*, mid.i E ambicioso; alguém em busca do sucesso se reclamar o plágio em caso de cópia indevida. Uma obra passa
de Dom Quixote literário sem esforço (Marsh, 2007b). a ser considerada de domínio público setenta anos após a morte
de Ia M a n c h a C . Há, por fim, um pseudodiagnóstico em de seu autor (Brasil, 1998).' O sentido de cópia para uma obra
Juan de Ia e
,
Cuesta, 1605
uma abordagem medicalizante do plágio: em domínio público é um pouco diferente: o livro pode ser
criptomaníaco de textos, um servo da própria
A L
impresso e distribuído por diferentes vias sem necessidade de
OOYPntvILmeIo,
pulsáo pelas palavras alheias. Alguém como autorizaçáo ou remuneraçáo, pois o prazo de proteçáo aos direitos
#W AiJDiI0 hiun&ban,
Pierre Menard, personagem borgiano que se patrimoniais já expirou. A autoria da obra, no entanto, jamais se
propôs escrever Dom Quixote, desejoso de altera: Machado de Assis será sempre o autor de O alienista, náo
.
"[. .] produzir páginas que coincidissem - palavra por palavra importa por qual meio a obra for divulgada. O direito moral de
e linha por linha - com as de Miguel de Cervantes" (Borges, ser reconhecido como autor náo muda com o domínio público
197% p. 51-52). de uma obra. Assim, uma cópia de O alienista por um escritor
I contemporâneo poderá ser avaliada como plágio, mesmo a obra
'I' Esses sáo caminhos interpretativos concorrentes e estando em domínio público. A obra em domínio público tem
alternativos à rota que seguiremos neste livro. Nossa escolha livre circulaçáo, mas náo há um direito de desapropriaçáo de
é circunscrever o rema do seus persoiiagrns e siias práticas sua autoria.
no caiiipo da :rica e da integridade acadêmicas. Há sobreposicóes
pcrrrianeiites aos sabcres jurídicas e sociopsíquicos, inas essas Entender o plágio como violaçáo da propriedade privada
interfaces srráo apenas brevcniciirc exploradas. O caiiipo jriridico parece ter sido a escolha da Coordenaçáo de Aperfeiçoamento
está eiii çoiistaiiie mutaçiio e abre iiin ariiplo Icque de acordos c de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgáo para a promoçáo,
dissensris sobre o pligio: o entcndjinetito comum o circuiiscievc à consolidaçáo e avaliaçáo dos programas de pós-gaduaçáo no
ordein cnpitalisra da propriedade privada e resolve as çoiitrovCrsias Brasil, ao fazer mençáo à propriedade intelectual no primeiro
pela razão ccoii6mica do capital gerado pela produ@o iiialecrual documento público sobre o tema. As orientaçóes divulgadas
(Posner, 2007). Ourras inccrpretaçcícs susceiitam a inexistêiicia pela Capes (Brasil, 2011) endossam as recomendaçóes de
de propriedade privada violada pelo pldgio, pois náo Iiavrria uma proposiçáo anterior do Conselho Federal da Ordem
inveiqiio geiiiiilin iio campo das ideias. iil;~ssempre recriaqáo a dos Advogados do Brasil (2010), que visava estimular a
parrir de aproprhçSes (Howard, 1995): a inspiraqáo nasceria "dos conscientizaçáo sobre a propriedade intelectual e coibir o
ombros dos gigantes", uma metifora para a cri;q~oincelecrual
cterilizada por Isaac Ncwtot~. ' O prazo de proteçáo patrirnonial varia internacionalmente. A Convençáo de Berna, da
qual o Brasil é signatário, estabeleceu um período mínimo de cinquenta anos após a morte
do autor (Brasil, 1975).
plágio entre estudantes e pesquisadores, além de problematizar a integridade acadêmica sejam pouco comuns. A maioria dos
o comércio de trabalhos prontos. Como forma de controle das pesquisadores acredita nos princípios éticos de uma boa prática
infraçóes digitais de estudantes, tanto a Capes quanto a OAB acadêmica e, voluntariamente, submete-se a eles. Entre os que
sugerem a adoçáo de softwdres caça-plágios em instituiçóes de cometem desacertos, há muitos que o fazem por desconhecer as
ensino e comissóes para examinar os resulrados mostrados pelas regras. Ingenuamente se supóe que as normas de funcionamento
máquinas. Nas instituições públicas de pesquisa no Brasil, órgãos e os princípios éticos da atividade acadêmica sejam autoevidentes.
já instituídos por decretos e leis sáo responsiveis pelo julgamento O resultado sáo rumores que animam seu principal interdito,
das denúncias de plágio ou outras infraçóes éticas - comissóes o plágio - em termos profanos, uma prática também descrita
disciplinares permanentes e comissóes de ética (Brasil, 1990, como "pecado náo originaln (Clark, 1983, s.p.).
1994, 1998, 1999,2007, 2008).
A Sociedade Brasileira de Química defendeu o periódico, partes dela, rompe um longo circuito de criaçáo autoral. Uma
informando que a varredura do artigo contra plágio ainda publicaçáo acadêmica é resultado de uma trajetória que tem
náo era uma prática de r ~ t i n a .Hoje,
~ o softwdre caça-plágio início na escritura de um projeto de pesquisa e náo se encerra
é como um clínico generalista para um artigo: seu papel é em um único texto. O crédito de uma obra acadêmica náo
oferecer um diagnóstico de sobrevivência do texto aos eventuais expressa apenas o reconhecimento da criaçáo, mas a delegaçáo
alertas de duplicaçáo. de responsabilidade pelo que é apresentado sob a rubrica de
pesquisa científica. Essa responsabilidade se estende no tempo:
Em nossa definiçáo de plágio, mencionamos a apropriaçáo
passado e futuro do autor estáo envolvidos em cada texto.
da criaçáo literária. Mas como definir uma criaçáo literária
Diferentemente dos escritores de ficçáo, os acadêmicos não sáo
se nos inspiramos em leituras comuns, em vozes e estilos de
livres para inventar fatos, dados ou resultados em seus textos - a
outros autores? "Criativo", "inédito", "original" ou "novo" sáo
história de um personagem náo é fruto da criatividade do escritor,
adjetivos que qualificam as fronteiras tênues da expressáo literária
mas de documentos e acontecimentos que fundamentam a tese
acadêmica. Poucos de nós seremos "fundadores da discursividade",
sustentada pelo historiador. Isso náo quer dizer que a narrativa
como Michel Foucault descreveu figuras como Sigmund Freud
acadêmica seja única ou definitiva: ela é sempre transitória,
e Karl Marx (2006, p. 280). Se náo somos "fundadoras da
passível de contestaçáo e revisáo - por isso, autoral.
discursividade", o que permite nos apresentarmos como autoras
deste livro sobre plágio, um tema sobre o qual já se publicou Todo autor acadêmico sustenta teses em seus textos.
vastamente? A verdade é que náo sáo os autores que respondem a Assim, quando falamos em direito de atribuiçáo de crédito,
essa pergunta, mas os leitores. Seremos descobertas como autoras náo se trata apenas das honrarias conquistadas pela autoria de
verdadeiras por aqueles que nos lerem. Dependemos de nossos uma peça acadêmica, mas também das responsabilidades pelo
leitores para ascender ao rebanho dos autores acadêmicos: sáo eles que é dito em nome da ciência. O estudo sobre o controle de
que diráo se nossa obra tem algo de criativo, inédito, original ou qualidade da cachaça tem repercussóes para a comercializaçáo e o
novo. Ou, simplesmente, se vale a pena lê-la. consumo da bebida. Os autores propuseram um novo método e
o chancelaram em nome da ciência com a publicaçáo acadêmica,
O plágio viola o direito de atribuiçáo de crédito quando
por isso podem ser responsabilizados caso o método se mostre
um texto é indevidamente duplicado por um pseudoautor.
ineficaz. Publicar é arriscar-se, expor-se publicamente à crítica e à
Apresentar-se falsamente como autor de uma obra, ou de
contestaçáo. As comunidades acadêmicas têm suas próprias regras
Foi plagiado também um segundo artigo, pelos mesmos pseudoautores e no mesmo sobre o que consideram boa prática argumentativa, exigindo dos
periódico. Na época, a Sociedade Brasileira de Química divulgou boletim em que declarou
autores um árduo percurso de aprendizado e disciplinamento.
que "fatos desta ordem são deploráveis e ferem a credibilidade do sistema de pesquisa e de
seus meios de publicaçáo" (2009, s.p.). Em carta ao periódico, reproduzida no boletim, a O plagiador viola mais do que essas regras de reconhecimento
Sociedade solicitou providências contra os plagiadores e conclamou a conscientizaçáo da do crédito como honraria e responsabilidade; viola modos de
comunidade científica. Além disso, solidarizou-se com a revista: "acreditamos também que
a editoria da Revista Analytica [onde foram publicados os plágios] foi vítima desta fraude,
socializaçáo compartilhados em que o respeito ao crédito
na medida em que desconhecia a originalidade dos artigos que já haviam sido publicados da autoria é aprendido.
em Quimica Nova, caracterizando crime editorial grave" (2009, s.p.).
PALAVFGIS
ESCONDIDAS
No leitor, o plágio provoca uma desilusáo. Ele perturba a era aquela "sem cera". Sincera, portanto, era uma escultura cujas
confiança no texto acadêmico, na legitimidade da ciência como falhas não haviam sido encobertas com cera pelo escultor. Mas
discurso sobre a verdade ou sobre as melhores soluçóes para as esse é um exemplo de pseudoetimologia; outra versáo sobre a
inquietaçóes da vida. Há uma expectativa de sinceridade que diacronia da palavra explica que sua origem remonta ao adjetivo
é rompida quando um leitor se descobre diante de um texto latino sincerus e seu substantivo correspondente, sinceritas: puro,
plagiado. O leitor se inquieta com a descompostura textual - intacto, sem mistura, íntegro (Faria,
texto e pseudoautor passam a sobreviver sob suspeiçáo. Richard 2003). Independente do testemunho
Posner diz que o plágio engana o leitor quanto à "identidade arqueológico, o plágio consiste em
Cerbmica
autoral" (2007, s . ~ . )Posner
.~ está preocupado em pensar o plágio uma prática textual insincera - as siciliand
no universo jiiridico, ein parricular no texto de juizes, e nas falhas de criaçáo do pseudoautor sáo autoria
sobreposiçócs entre o plágio e a propriedade intelectual. Há tanto preenchidas com a cera da criação desconhecida,
uma identidade civil na autoria quanto unia singularidade criativa textual de outro autor. Assim como
no texto, ou seja, uma ideiitidnde de estilo, em particular para os ocorria na escultura romana, é
autores forres. Se, por uin lado, identidade remete à personalidade possível que olhares desavisados Y
jurídica de uin aiitor concreto, por outro, rhiceridadr pressupóe náo percebam o truque, mas
o compromisso ético que todo autor deve assumir para se postular basta um bom admirador da arte para que a cera se revele do
como confiável na comunicaçáo acadsniica. É o pressuposto mármore. Com a cera, irá o encanto pela obra; com o plágio,
da sinceridade que faz com que os leitores se apropriem de irá o respeito pelo pseudoautor acadêmico.
um texto acadêmico como uma verdade, prova, evidência ou,
simplesmente, como um bom argumento para as questóes que os Mesmo instável, o texto plagiado percorre as próprias rotas
inquietam. na comunicaçáo acadêmica. Se for lido, o plágio será descoberto
e a máscara do pseudoautor cairá. O plágio sobrevive à sombra
As palavras ganham sentidos ao serem apropriadas pela do mutismo do plagiador - é importante que ele seja um sujeito
história e pelos contextos, por isso as origens etimológicas insignificante para a troca acadêmica, pois, se suas ideias forem
podem náo explicar seus usos contemporâneos. Além disso, nem consideradas seriamente, a farsa será fatalmente revelada. Isso
sempre a alegada genealogia de um termo reverbera o seu mito torna o plagiador um personagem curioso: é a fragilidade de sua
de origem. No caso de "sinceridade", a ecimologia popular nos capacidade criativa que o faz adulterar a assinatura de um texto,
rende uma lúdica descriçáo da desilusáo que o plágio provoca mas ele náo pode ter a expectativa de ser reconhecido como autor,
nos leitores: conta-se que na escultura romana unia prática de pois um bom leitor descortinará o engano. Os pseudoautores do
encobrimento de imperfeiçóes era utilizar cera - uma obra pura artigo sobre a cachay copiaram um texto de uma década anterior,
mas em poucos meses foram desmascarados publicamente. Por
Em tom dramático, Marcel LaFollette também relaciona o crédito por um trabalho isso, o plágio é sempre um jogo arriscado de sobrevivência para
à identidade do pesquisador e escritor: "roube minhas palavras e assim roubará minha
autoria. Roube minha ideia e assim roubará minha identidade como cientista' (2000, o plagiador - a cada leitura, aumentam as chances de a duplicaçáo
p. 212, traduçáo nossa). ser descoberta.