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Carta aberta a uma doce atendente.

De uma romântica idiota.

Cara atendente,

De belos olhos castanhos, sorriso de aparelho, cabelo pintado, jeito gentil.

Ou, seria querida atendente?

Já faz dias que não lhe vejo mais trabalhar. Não sei é apenas um mero desencontro de
turnos ou, pior, você foi demitida/se demitiu. Se foi isso mesmo, que merda, mais uma
vez meu coração de despedaçou. Pois você foi para longe e para um lugar para onde não
sei onde te encontrar e te ver.

Desculpe a inconveniência, mas como diz a sabia letra de uma música, o amor não é
para mim. De verdade. Não é fácil, pois me apaixono por tudo que olha no olho, tudo
que sorri bonito, tudo que fala em tom de sedução
Porra… isso acaba comigo.

Cê nem imagina.

Eu lembro que nos vimos pela primeira vez numa quinta-feira. Eu tinha cometido um
engano, fui para um lugar errado onde tinha cabine de cinema. Tomei uma vacina doída
e voltei para casa, mas antes, para melhorar um pouca daquela manhã merda, quis
comprar uma cervejinha na loja de conveniência onde moro perto. Entrei, peguei a
cerveja que gosto e fui pagar.

E lá estava você. 

Agachada, arrumando umas prateleiras. Me olhou por cima do ombro e me perguntou,


com toda a gentileza, se eu queria alguma ajuda. Disse que não, toda atrapalhada.

Não sei se é algum código de conduta dessa loja, mas todos os atendentes são amáveis e
gentis. Eu gosto dessa loja, mesmo ela tendo produtos tão caros. Gosto mais agora,
sabendo que trabalha nela.

Mas, talvez você não trabalhe mais lá, então, não gosto mais tanto assim dessa loja.

Enfim, você foi para o balcão, para passar minha cerveja na registradora (nem sei se
hoje em se fala assim, mas foda-se) e olhou para a minha camisa do Ministério da
Magia Brasileiro. Você sorriu e me perguntou se o filme era bom. E eu – sempre que
vejo alguém que me é atraente – me atrapalhei toda em responder. Disse que o filme já
estava no HBO Max e você apenas assentiu, os olhos verdes arregalados, talvez tímida,
sem jeito, como eu estava.
Paguei minha cerveja e fui embora nas nuvens. Como uma romântica incurável, achei
que estava em um daqueles enredos idiotas de comédias românticas imbecis, em que
topei com o amor da minha vida.

Vou lhe dar uma pausa para recuperar seu medidor de vergonha alheia. Também estou
recarregando o meu.

No dia seguinte, uma sexta-feira, arrumei uma desculpa para ir na loja, só para lhe ver.
Queria comprar uma coca de café, mas não tinha, então peguei uma garrafinha de água
com gás (sim, sou estranha) e lá estava você, no caixa. Mas, como o destino é um
tremendo filho da puta e eu tenho um azar desgraçado, não foi você que me atendeu,
mas uma colega de trabalho sua. Mesmo assim, quando paguei a água e fui me embora,
você sorriu para mim e sorri de volta.

Queria ser cara de pau e ter piscado para você, mas só sorri. E devo ter ficado horrorosa.

Mas fui embora nas nuvens, apaixonadinha, boiola. Meu Deus, você é linda, tem um
sorriso adorável e é gentil. Tem olhos verdes e como tenho fraco por olhos verdes... é
sério...

E, não ia deixar de ser diferente, lá vai eu, imaginando um perfeito conto de fadas, um
roteiro brilhante de comédia romântica, daquelas que o fim faz as românticas
incorrigíveis suspirarem sonhadoras.

Sabe, acredito que esses filmes, os filmes de princesas da Disney e a pornografia são
responsáveis por criar os adultos mais frustrados no amor que conheço. Eu mesma sou
uma infeliz que pertence a esse grupo.

Eu amo ler, sabe, tanto que sou escritora. Mas, eu sei bem que os livros são culpados
por minha falta de habilidade total em relacionamentos. Desde a infância, passando pela
adolescência, sempre esperei a “pessoa certa” para mim cair no meu colo. Eu pensava
que um dia encontraria o “príncipe encantado”, mas quebrei a cara e feio. Os garotos
eram uns ogros idiotas e minha aparência e reserva jamais me fizeram parecer alguém
digna de afeto a esses babacas, afinal, os homens são criaturas muito visuais e
superficiais.

E eles sabem que são verdade, nem vem.

Ter esse pensamento fíxo que a vida amorosa seria como nos filmes, nos livros, mágica
e apaixonante como nas músicas foi a minha ruína. Beijei pela primeira vez numa
balada um cara até que fofo, mas meio evasivo demais. A real, é que eu morri de medo
dele. E o beijo não foi bom, não foi mágico como imaginei, como eu queria.

Patético, eu sei. Isso foi aso 18 anos de idade.


E piora, tá? Perdi a virgindade aos 22 anos. Que merda.

Como pode ver, eu sempre sou atrasada em relação aos outros nessa corrida maluca que
é o amor. Vou lhe poupar dos traumas dos poucos relacionamentos físicos que tive, pois
não cabe aqui e seria desviar muito do assunto.

Me desculpe por falar tanto de mim, mas é que não sei absolutamente nada sobre a sua
pessoa. Nem sei ao menos o seu nome. Pensei ter ouvido além lhe chamar na loja, mas
era o nome de outra atendente, não o seu.

Tudo sobre você é um mistério, até mesmo seu nome. Como prosseguir desse jeito? Eu,
que nem tinha coragem de falar com você diretamente (parte timidez mesmo, parte pelo
medo de atrapalhar você em seu ambiente de trabalho) agora você nem ao mesmo está
lá na loja e sinto que mais uma vez deixei uma oportunidade escapar pelos meus dedos.

Isso me deixa triste pra caralho, praticamente uma depressão. Minha vida não tem sido
boa, mas não vou escrever um testamento sobre minhas desgraças aqui. É outro desvio
de assunto. E, desculpe a grosseria, mas o que você tem haver com isso?

Afinal, seria também muito injusto com você já soltando meus problemas no seu colo.
Alias, acho que minha paixonite por você tem um pouco haver com esse turbilhão de
merda que minha vida está nesse exato momento. Com tudo dando errado, só queria
mesmo um amor tranquilo e lindo, desses de comédia romântica, para dar um pouco
mais cor a minha vida.

Sinto muito o quanto essa carta está cringe, meu bem.

Mas é verdade. Nós vemos como o amor é falho quando ele é visto como uma mera
válvula de escape. Como se uma paixão fosse a resposta para todos os problemas.

Ou pode ser pelos simples fato da gente sempre querer um colo, alguém que nos abrace
e nos beije quando tudo dá errado. As brutas também amam. Também sentem a
necessidade de serem abraçadas numa cama durante a noite. De receber beijos que
param o tempo.

Eu já não creio mais no amor como algo divino e 100% maravilhoso. Amor machuca, é
exigente demais, muita entrega para pouco ou quase nada recebimento. Queria ter
aquele estoicismo dos que não acreditam mais no amor. Queria apenas me contentar
com a coisa pouca, um pouco de sexo, um pouco de amor. Mas pessoas como você
ainda me dão vontade daquele amor dos livros, amor romântico. Aquele amor para toda
vida. O amor das canções que ouço.

O amor está tão desvalorizado hoje, não, doce atendente?

Olha só como são as coisas, não?


Você estava de férias, afinal. Sei disso que porquê meu terapeuta me mandou perguntar
de você na loja. Demorei dois dias reunindo coragem, talhando minha cara de pau para
perguntar para uma de suas colegas sobre você. Tinha que ter visto a cara que ela fez...
aposto que ela deve ter te contado, não?

Que vergonha que eu sai da loja após ter perguntado! Estava vermelha da cabeça aos
pés, mas ao mesmo tempo feliz, pois lhe veria de novo! E, no domingo, lá estava você,
servindo as mesas, me recebendo com esse sorriso que faz meu coração perder um
pouco o compasso...

Ah, você não tem olhos verdes, como pensei (ou delirei) mas olhos bem claros... não se
de fato são verdes ou um castanho muito claro, cor de mel... desculpe, eu sou tímida
demais para ficar te olhando por muito tempo... se eu fosse só um pouco mais corajosa,
eu poderia olhar seu rosto por horas e horas seguidas e queria ser capaz disso.

E hoje... meu Deus...

Não deu para ser atendida por você, mas... vi você indo almoçar... sem a rede e sem o
rabo de cavalo... seus cabelos soltos, belos, perfeitos... pintados nas pontas... essa
imagem se recusa a deixar minha cabeça.

Tão linda... tão desejável... e tão misteriosa!

Eu fantasio com você, lhe monto uma personalidade na minha cabeça. Mas já cansei de
saber que a vida nunca fará questão de atender as minhas expectativas. Se bem conheço
a sacana, você pode ser o extremo oposto do que penso.

Talvez sejamos pessoas completamente diferentes uma outra, com alguns poucos ou
praticamente um gosto em comum. Como Harry Potter, por exemplo. E talvez seja só
isso, apenas isso, em comum. Nada que seja suficiente para sustentar uma relação
estável.

Afinal, eu, sendo potterhead, não suporto outros potterhead.

Ah, doce atendente...

Se fosse somente a minha timidez que me impedisse de te conhecer melhor... mas há o


medo, um medo muito grande. O medo de eu estragar tudo. A minha personalidade
estourada, o meu desleixo com a minha aparência, meu fracasso profissional, minha
antipatia com os demais humanos... tudo o que afastou as pessoas que já pensei ter
amado.

Hoje não se dizer se foi amor... carência sim, tesão sim, medo de ser solteirona.
Até me conformo com a ideia de ser solteira, de não ter ninguém no final de tudo. Não
que seja bom, mas não de todo ruim. Eu estraguei relacionamentos o suficiente para
saber que não sou muito sociável, que a convivência comigo não é agradável... eu afasto
as pessoas, isso é um fato. Não tenho muitos amigos, desses poucos, menos ainda
lembram de mim ou me consideram. Sempre à beira da vida alheia, sempre uma
passageira. Sim, eu sou muito pessimista, autodepreciativa, sempre esperando o pior.

Mas o pior sempre vem, não? As vezes, é melhor se preparar para dar errado antes
mesmo de começar e ainda assim se decepcionar, mas pronta para recolher os cacos
quando isso acontecer. Melhor do que levar uma banda de fazer chutar o ar e cair de
cara no chão duro. Acredite, precisei beijar a lona várias e várias vezes para preferir a
postura pessimista do que a esperançosa.

O chato de ser pessimista é que me falta aquela coragem louca dos esperançosos, a
capacidade de se atirar de cabeça logo de cara. É em situações como essa que invejo tal
coragem.

O problema é que depois do “não”, há uma grande possibilidade da humilhação.

Como você já ter namorado, por exemplo. Adorável desse jeito, não duvido. Ou você
não gostar de mulheres, não do jeito que eu gosto. Difícil dizer qual dessas duas
possibilidades é mais dolorosa.

Acho que prefiro levar uma facada, vai doer bem menos…

Pois é, Doce Atendente

Game Over, de vocês.

Você se demitiu ou demitiram você, não sei mais.

Perguntei de novo. Sim, sou a chacota da lanchonete.

Mas, foda-se eles, fodam-se tudo, não vou mais lá. Se nunca mais vou lhe vê, então para
que gastar meu pouco dinheiro em cafés pequenos e caros? Pelo menos, me poupa
alguma coisa, dinheiros, saídas de casa inúteis, tempo precioso que eu poderia estar
escrevendo algo melhor para a posteridade.

Já era, Cara Atendente.

Dias que escrevo essa carta aberta, hora de dar um fim nela. Acabou-se a fantasia, a
esperança mais uma vez me fez beijar a lona. Nunca mais a verei, não verei mais esse
sorriso de aparelho, nem as pontas coloridas de seu cabelo solto. Não irei saber mais do
que você gosta além de Harry Potter, nem se gosta de beijar garotas.
Tô triste, Atendente, triste para caralho. Já tomei dois dedos de whisky para matar
entorpecer essa dor. Já quis gritar, já derremei algumas lágrimas, tomei esporro do
terapeuta.

Mas agora acabou.

Pode deixar, vou tratar de matar essa paixonite de vez. Vai ser uma agonia, uma tortura,
estou com vontade de morrer. Mas eu vou matar esse sentimento antes que ele me mate.
Vai levar um pedaço de mim com ele, mas, tudo bem. Já não sou inteira há muito
tempo. Me pergunto quando de mim terei que “matar” para ficar imune a pessoas como
você, meu bem.

Pois prefiro encarar e suportar a solidão do viver esses delírios de paixão e ser iludida
pela maldita esperança. Que morra essa filha duma puta. Jamais vou conseguir matar o
desejo - este, só mesmo no dia da minha morte - mas vou tratar de ignorar e o atirar no
fosso dos desejos intangíveis.

Foi bom enquanto durou, cara Atendente, mesmo que pouco quase nada.

O mais lastimável é que a maior parte do que me apaixonei por você foi eu mesma que
criei. Eu só a única culpada por toda essa desgraçada, mas sou sua única vítima. Você
saiu ilesa, pelo menos.

Você será só mais uma lembrança, um rosto no qual nutri uma pequena e arrebatadora
paixão. Mas a bomba só explodiu no meu colo e cabe a mim e apenas a mim sobreviver
a esses estilhaços no meu corpo. Não será nem um pouco fácil, mas eu me faço de
durona: vou endurecer mais ainda a minha casca e torcer para ainda restar algo de mim
forte o suficiente para viver.

Não se preocupe. Pois o tempo é realmente o senhor de tudo.

Daqui há um ano - talvez - você só seja uma mera lembrança nublada, cujo rosto eu mal
consiga lembrar direito. Talvez daqui há um ano eu olhe essa carte e dê aquela risada de
vergonha alheia. Talvez eu olhe essas palavras daqui a alguns anos e ria do quanto fui
mais uma tola apaixonada e emocionada.

Talvez não signifique absolutamente mais nada: você será só mais um rosto em meio a
muitos nos quais topei e me interessei.

Talvez minha memória envelhecida te apague completamente. E darei graças a qualquer


maldito deus por isso. Porque é o melhor que posso fazer por mim e é de mim que eu
devo cuidar e proteger sempre.

Pois ninguém fará isso por mim.


O chato é que durante algum tempo, tentarei procurar seu rosto em meio a multidão.
Vou imaginar como seria louco trombar com você por acaso na rua. Não vai acontecer,
mas a esperança é uma filha da puta sádica e o desejo é um canalha. Os dois estão
errados.

Isso aqui é um adeus.

Até as músicas que separei para pensar e fantasiar com você eu vou parar de ouvir.
Talvez, até as delete. É melhor deletar.

Tacar fogo em tudo e te arrancar de dentro de mim na força bruta, como quem arranca
um curativo grudento.

Eu morri hoje mais uma vez, porém, irei sobreviver a isso mais uma vez. Não porque eu
queira, mas porque não existe outro jeito. Entre a glória e a derrota, cato o que sobrou e
tranco dentro de mim, até tudo isso passar.

E vai passar.

Querida Doce Atendente,

Foi bom te conhecer, pelo menos, um pouco.

Não foi dessa vez.

Quero que seja feliz e que passe muito bem.

Adeus,

De uma romântica imbecil.

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