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Introdução
Existem no mundo cerca de 3.000 espécies de serpentes, sendo que 410 são consideradas peçonhentas e/ou venenosas
(Chippaux, 1998). No Brasil, em 1999, haviam sido cadastradas 256 espécies, sendo 69 consideradas venenosas, destas
32 pertence ao gênero Bothrops, seis ao gênero Crotalus, duas ao gênero Lachesis e 29 ao gênero Micrurus
(Barravieira, 1995).
Acidentes com animais peçonhentos são frequentemente relatados nas áreas rurais do Brasil (Silva & Lofego 2006)
por fazendeiros, vaqueiros e também veterinários de campo, que acreditam que picadas de cobra são responsáveis por
mortes de animais, gerando assim perdas econômicas aos pecuaristas (Sousa et al., 2011) .
Casos esporádicos de acidentes com serpentes dos gêneros Bothrops ocorrem em bovinos e equinos. Os ofídios desse
gênero habitam lugares úmidos, plantações, pastagens e lugares não habitados pelo homem. Possuem hábitos noturnos,
alimentam-se principalmente de pequenos roedores e atacam subitamente, erguendo o terço anterior do corpo sem serem
percebidos (Boff, 1996).
A suscetibilidade dos animais domésticos ao veneno de Bothrops obedece à seguinte ordem decrescente: equinos,
ovinos, bovinos, caprinos, suínos e felinos (Araújo & Belluomini, 1960/62). Grandes animais são mais resistentes ao
veneno que animais pequenos, porque a quantidade de veneno necessária para produzir a morte é maior (Radostits et al.,
2002).
O veneno dos ofídios do gênero Bothrops, contém complexa mistura das enzimas, peptídeos e proteínas de pequena
massa molecular, com atividades específicas, químicas e biológicas. Sua composição em geral contém: hialuronidase,
que explica a rapidez da absorção, pela dispersão entre os tecidos; hemotoxinas e citolisinas, que causam inflamação
local, necrose e dano ao epitélio vascular; fosfolipase A e estearase, que alteram a permeabilidade da membrana e
liberam histaminas e bradicininas. O veneno possui, também, ação proteolítica ou necrosante; coagulante; hemorrágica
enefrotóxica (Méndez, 1998). O efeito da picada de serpente depende do seu tamanho e espécie, do tamanho do animal
picado, da localização e da dose de veneno inoculada. O local da picada também possui variação de acordo com o
comportamento do animal, da espécie e idade. A região mais afetada é a cabeça devido a posição para se alimentar e
curiosidade, porém os membros torácicos, pélvicos e úbere também são comumente atingidos (Bicudo, 2002).
O objetivo desse trabalho foi descrever um caso sugestivo de ofidismo em um equino, ocorrido no município de
Toritama/ PE atendido na Clínica de Equinos Dr. Fernando Farias (CEFF), Caruaru/PE.
Material e métodos
Foi atendido em setembro de 2013, na Clínica de Equinos Dr. Fernando Farias (CEFF), município de Caruaru/PE,
um equino da raça Quarto de Milha, macho, com um ano e oito meses, procedente de Toritama/PE.
O animal era criado a pasto, onde foi encontrado pelo proprietário com sinais de desconforto respiratório,
dificuldade em caminhar, inchaço dos membros pélvicos e presença de sangue no prepúcio e membros. O proprietário
também informou que encontrou um ovino morto próximo ao local onde estava o cavalo.
Ao exame físico foram evidenciadas mucosas congestas, vasos episclerais ingurgitados, apatia, dispneia, ausência de
apetite, ferimento semelhante à mordedura de cobra na região do boleto do membro pélvico esquerdo, apresentando
edema desde o ferimento, estendendo-se por todo o membro e prepúcio, dificuldade de locomoção, alterações posturais,
epistaxe, urina com coloração avermelhada e membros pélvicos sujos de sangue. Na auscultação evidenciou- se
taquicardia, taquipnéia e hipomotilidade intestinal.
O animal foi encaminhado para internação onde foi colhido amostra de sangue para realização do Volume Globular
(VG).
Resultados e Discussão
Com base nos achados clínicos característicos e a presença de lesão sugestiva de picada de cobra no membro
pélvico esquerdo, o diagnóstico de acidente ofídico foi estabelecido. O diagnóstico diferencial deve ser realizado, com
raiva, clostridioses, intoxicação por plantas, organofosforados, picadas por abelhas e condições alérgicas quando há
edema local (Graça et al., 2008).
1
Primeiro Autor é Graduando do curso de Medicina Veterinária, Unidade Acadêmica de Garanhuns- Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Av. Bom Pastor, s/n, Boa Vista, Garanhuns, PE, CEP: 55292- 270.
2
Segundo Autor é Graduando do curso de Medicina Veterinária, Unidade Acadêmica de Garanhuns- Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Av. Bom Pastor, s/n, Boa Vista, Garanhuns, PE,CEP: 55292- 270.
3
Terceiro Autor é Médico Veterinário autônomo da Clínica de Equinos Dr. Fernando Farias (CEFF). Estrada de acesso a Pau Santo, s/n, 1º
Distrito, Caruaru,PE, CEP: 55000-000.
4
Quarto autor é Professor Assistente da Unidade Acadêmica de Garanhuns- Universidade Federal Rural de Pernambuco, Av. Bom Pastor, s/n,
Boa Vista, Garanhuns, PE, CEP: 55292-090.
XIII JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2013 – UFRPE: Recife, 09 a 13 de dezembro.
As lesões observadas na inspeção macroscópica do animal, como edema nos membros posteriores e prepúcio, urina
avermelhada e epistaxe, são condizentes com a ação proteolítica e hemorrágica do veneno (Boff & Marques, 1996;
Méndez & Shild, 1998). O edema local é característico da ação direta dos componentes do veneno na microvasculatura,
aumentando a permeabilidade dos capilares e vênulas, atuando tanto no eixo da coagulação como na ação fibrinogênica
e plaquetária e ao efeito dos mediadores endógenos do veneno. A principal ação neurotóxica é bloqueio da ação
sináptica, ou seja, bloqueio da acetilcolina evidenciando o quadro de perturbações respiratórias e circulatórias. A
presença de urina de coloração avermelhada está relacionada à mioglobinúria provocada pela ação miotóxica do veneno
e ao quadro de insuficiência renal aguda que ocorre, sobretudo por necrose tubular aguda, os principais danos são
provocados por alterações glomerulares obstrução da luz tubular e lesão na estrutura dos túbulos proximais (Chugh et
al., 1994).
A eficiência do tratamento após a picada consiste na aplicação precoce, em dose adequada de soro antiofídico por via
intravenosa. Fluidoterapia também é necessária, a fim de garantir hidratação adequada, melhorar a perfusão renal, e
fornecer suporte cardiovascular. Alguns animais podem desenvolver anemia devido à coagulopatia e diátese
hemorrágica, sendo preciso realizar transfusão de sanguínea (Chiacchio et al., 2011).
O paciente em questão foi hidratado e tratado inicialmente com soro fisiológico 0,9% e ringer com lactato,
dexametasona 0,15mg/kg/dia, Flunixin meglumine 1,1mg/kg/dia, glicose 50%, soro antiofídico polivalente, antitóxico
100mL, ácido tranexâmico (Transamin®) e oxigenioterapia.
O VG do animal obtido foi de 10%, estando bem abaixo do valor de referência para a espécie, sendo no dia seguinte,
além da manutenção do tratamento inicial, indicada a transfusão sanguínea, administrando-se 1,5 litros oriundos de
doador saudável. O animal não respondeu satisfatoriamente ao tratamento e veio a óbito dois dias após o início do
mesmo.
Embora a identificação da serpente envolvida seja difícil, a visualização da agressão, como aumento de volume e
sangramento no local da picada, os achados clínicos-laboratoriais e dados epidemiológicos, sugerem o diagnóstico de
acidente ofídico, possivelmente por animal do gênero Bothrops. Diferenciando assim de acidentes com serpentes do
gênero Crotalus, onde não se observa alterações no eritrograma, e do gênero Laquesis, onde são observadas
manifestações vagais (diarreia, bradicardia, hipotensão e choque) e do gênero Micrurus, onde há predominância de
sinais neurotóxicos.
Agradecimentos
Os agradecimentos são destinados ao CEFF, ao Dr. Fernando Farias pela oportunidade de acompanhar o caso ao
professor Luiz Carlos pela orientação do trabalho.
Referências
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