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XIII JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2013 – UFRPE: Recife, 09 a 13 de dezembro.

ACIDENTE OFÍDICO EM EQUINO- RELATO DE CASO


Jorge Tiburcio Barbosa de Lima1, Lucas Augusto Monteiro Magalhães Patrício2, Antônio Fernando de Amorim Farias3,
Luiz Carlos Fontes Baptista Filho4

Introdução
Existem no mundo cerca de 3.000 espécies de serpentes, sendo que 410 são consideradas peçonhentas e/ou venenosas
(Chippaux, 1998). No Brasil, em 1999, haviam sido cadastradas 256 espécies, sendo 69 consideradas venenosas, destas
32 pertence ao gênero Bothrops, seis ao gênero Crotalus, duas ao gênero Lachesis e 29 ao gênero Micrurus
(Barravieira, 1995).
Acidentes com animais peçonhentos são frequentemente relatados nas áreas rurais do Brasil (Silva & Lofego 2006)
por fazendeiros, vaqueiros e também veterinários de campo, que acreditam que picadas de cobra são responsáveis por
mortes de animais, gerando assim perdas econômicas aos pecuaristas (Sousa et al., 2011) .
Casos esporádicos de acidentes com serpentes dos gêneros Bothrops ocorrem em bovinos e equinos. Os ofídios desse
gênero habitam lugares úmidos, plantações, pastagens e lugares não habitados pelo homem. Possuem hábitos noturnos,
alimentam-se principalmente de pequenos roedores e atacam subitamente, erguendo o terço anterior do corpo sem serem
percebidos (Boff, 1996).
A suscetibilidade dos animais domésticos ao veneno de Bothrops obedece à seguinte ordem decrescente: equinos,
ovinos, bovinos, caprinos, suínos e felinos (Araújo & Belluomini, 1960/62). Grandes animais são mais resistentes ao
veneno que animais pequenos, porque a quantidade de veneno necessária para produzir a morte é maior (Radostits et al.,
2002).
O veneno dos ofídios do gênero Bothrops, contém complexa mistura das enzimas, peptídeos e proteínas de pequena
massa molecular, com atividades específicas, químicas e biológicas. Sua composição em geral contém: hialuronidase,
que explica a rapidez da absorção, pela dispersão entre os tecidos; hemotoxinas e citolisinas, que causam inflamação
local, necrose e dano ao epitélio vascular; fosfolipase A e estearase, que alteram a permeabilidade da membrana e
liberam histaminas e bradicininas. O veneno possui, também, ação proteolítica ou necrosante; coagulante; hemorrágica
enefrotóxica (Méndez, 1998). O efeito da picada de serpente depende do seu tamanho e espécie, do tamanho do animal
picado, da localização e da dose de veneno inoculada. O local da picada também possui variação de acordo com o
comportamento do animal, da espécie e idade. A região mais afetada é a cabeça devido a posição para se alimentar e
curiosidade, porém os membros torácicos, pélvicos e úbere também são comumente atingidos (Bicudo, 2002).
O objetivo desse trabalho foi descrever um caso sugestivo de ofidismo em um equino, ocorrido no município de
Toritama/ PE atendido na Clínica de Equinos Dr. Fernando Farias (CEFF), Caruaru/PE.

Material e métodos
Foi atendido em setembro de 2013, na Clínica de Equinos Dr. Fernando Farias (CEFF), município de Caruaru/PE,
um equino da raça Quarto de Milha, macho, com um ano e oito meses, procedente de Toritama/PE.
O animal era criado a pasto, onde foi encontrado pelo proprietário com sinais de desconforto respiratório,
dificuldade em caminhar, inchaço dos membros pélvicos e presença de sangue no prepúcio e membros. O proprietário
também informou que encontrou um ovino morto próximo ao local onde estava o cavalo.
Ao exame físico foram evidenciadas mucosas congestas, vasos episclerais ingurgitados, apatia, dispneia, ausência de
apetite, ferimento semelhante à mordedura de cobra na região do boleto do membro pélvico esquerdo, apresentando
edema desde o ferimento, estendendo-se por todo o membro e prepúcio, dificuldade de locomoção, alterações posturais,
epistaxe, urina com coloração avermelhada e membros pélvicos sujos de sangue. Na auscultação evidenciou- se
taquicardia, taquipnéia e hipomotilidade intestinal.
O animal foi encaminhado para internação onde foi colhido amostra de sangue para realização do Volume Globular
(VG).

Resultados e Discussão
Com base nos achados clínicos característicos e a presença de lesão sugestiva de picada de cobra no membro
pélvico esquerdo, o diagnóstico de acidente ofídico foi estabelecido. O diagnóstico diferencial deve ser realizado, com
raiva, clostridioses, intoxicação por plantas, organofosforados, picadas por abelhas e condições alérgicas quando há
edema local (Graça et al., 2008).

1
Primeiro Autor é Graduando do curso de Medicina Veterinária, Unidade Acadêmica de Garanhuns- Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Av. Bom Pastor, s/n, Boa Vista, Garanhuns, PE, CEP: 55292- 270.
2
Segundo Autor é Graduando do curso de Medicina Veterinária, Unidade Acadêmica de Garanhuns- Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Av. Bom Pastor, s/n, Boa Vista, Garanhuns, PE,CEP: 55292- 270.
3
Terceiro Autor é Médico Veterinário autônomo da Clínica de Equinos Dr. Fernando Farias (CEFF). Estrada de acesso a Pau Santo, s/n, 1º
Distrito, Caruaru,PE, CEP: 55000-000.
4
Quarto autor é Professor Assistente da Unidade Acadêmica de Garanhuns- Universidade Federal Rural de Pernambuco, Av. Bom Pastor, s/n,
Boa Vista, Garanhuns, PE, CEP: 55292-090.
XIII JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2013 – UFRPE: Recife, 09 a 13 de dezembro.

As lesões observadas na inspeção macroscópica do animal, como edema nos membros posteriores e prepúcio, urina
avermelhada e epistaxe, são condizentes com a ação proteolítica e hemorrágica do veneno (Boff & Marques, 1996;
Méndez & Shild, 1998). O edema local é característico da ação direta dos componentes do veneno na microvasculatura,
aumentando a permeabilidade dos capilares e vênulas, atuando tanto no eixo da coagulação como na ação fibrinogênica
e plaquetária e ao efeito dos mediadores endógenos do veneno. A principal ação neurotóxica é bloqueio da ação
sináptica, ou seja, bloqueio da acetilcolina evidenciando o quadro de perturbações respiratórias e circulatórias. A
presença de urina de coloração avermelhada está relacionada à mioglobinúria provocada pela ação miotóxica do veneno
e ao quadro de insuficiência renal aguda que ocorre, sobretudo por necrose tubular aguda, os principais danos são
provocados por alterações glomerulares obstrução da luz tubular e lesão na estrutura dos túbulos proximais (Chugh et
al., 1994).
A eficiência do tratamento após a picada consiste na aplicação precoce, em dose adequada de soro antiofídico por via
intravenosa. Fluidoterapia também é necessária, a fim de garantir hidratação adequada, melhorar a perfusão renal, e
fornecer suporte cardiovascular. Alguns animais podem desenvolver anemia devido à coagulopatia e diátese
hemorrágica, sendo preciso realizar transfusão de sanguínea (Chiacchio et al., 2011).
O paciente em questão foi hidratado e tratado inicialmente com soro fisiológico 0,9% e ringer com lactato,
dexametasona 0,15mg/kg/dia, Flunixin meglumine 1,1mg/kg/dia, glicose 50%, soro antiofídico polivalente, antitóxico
100mL, ácido tranexâmico (Transamin®) e oxigenioterapia.
O VG do animal obtido foi de 10%, estando bem abaixo do valor de referência para a espécie, sendo no dia seguinte,
além da manutenção do tratamento inicial, indicada a transfusão sanguínea, administrando-se 1,5 litros oriundos de
doador saudável. O animal não respondeu satisfatoriamente ao tratamento e veio a óbito dois dias após o início do
mesmo.
Embora a identificação da serpente envolvida seja difícil, a visualização da agressão, como aumento de volume e
sangramento no local da picada, os achados clínicos-laboratoriais e dados epidemiológicos, sugerem o diagnóstico de
acidente ofídico, possivelmente por animal do gênero Bothrops. Diferenciando assim de acidentes com serpentes do
gênero Crotalus, onde não se observa alterações no eritrograma, e do gênero Laquesis, onde são observadas
manifestações vagais (diarreia, bradicardia, hipotensão e choque) e do gênero Micrurus, onde há predominância de
sinais neurotóxicos.

Agradecimentos
Os agradecimentos são destinados ao CEFF, ao Dr. Fernando Farias pela oportunidade de acompanhar o caso ao
professor Luiz Carlos pela orientação do trabalho.

Referências

Araújo, P., Belluomini, H.E. Toxicidade de venenos ofídicos. Sensibilidade específica de animais domésticos e de
laboratório. Mem. Inst. Butantan. 1960-62 v. 30, p. 143-156.

Barravieira. Disfunção Hepática em pacientes picados por cobras botrópicas e crotálicas em Botucatu Departamento de
Medicina Tropical da Faculdade de Medicina de Botucatu; 1995.

Bicudo, P. L. In: Radostits, O. M.; Gay, C. C., Blood, D. C., Hinchcliff, K. W. Clínica Veterinária – Um Tratado de
doenças dos bovinos, ovinos, suínos, caprinos e equinos. 9 ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan. 2002. p. 1543-
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Boff, G. J., Marques, M. G. Animais Peçonhentos. Módulo 7. Curso de especialização por tutoria à distância. Brasilia-
DF Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior. 1996. p. 67.

Chiacchio, S. B. et al. Triple bothropic envenomation in horses caused by a single snake. The Journal of Venomous
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