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Outbreaks with high mortality in horses in the Pernambuco State, Brazil

Article in Medicina Veterinaria · April 2012

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7 authors, including:

Helio Cordeiro Manso Filho José Mário Girão Abreu


Universidade Federal Rural de Pernambuco Universidade Estadual do Ceará
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Helena Emília Cavalcanti da Costa Cordeiro Manso


Universidade Federal Rural de Pernambuco
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Medicina Veterinária ISSN 1809-4678

Surtos com elevada mortalidade em Equinos no Estado de Pernambuco

[Outbreaks with high mortality in horses in the Pernambuco State, Brazil]

“Relato de Caso/Case Report”

HC Manso Filho1,3(*) , JMG Abreu1,2, HECCC Manso1,3, GS Buonora4, CRAR Buonora5, TL Almeida1,3,
SK Melo1,3

1
Núcleo de Pesquisa Equina, Departamento de Zootecnia, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Rua Dom Manuel de Medeiros,
s/n Dois Irmãos, Recife-PE, Brasil, CEP 52171-900;
2
Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil.
3
BIOPA, Laboratório de Biologia Molecular Aplicada à Produção Animal/UFRPE. Recife-PE, Brasil.
4
Esquadrão de Cavalaria "Dias Cardoso", Polícia Militar do Estado de Pernambuco. Recife-PE, Brasil.
5
ACLIVE Análises Clínicas. Recife-PE, Brasil.
_______________________________________________________________________________
Resumo

Surtos de enfermidades com alta mortalidade em equinos são raros no nordeste brasileiro, estando usualmente associados
com processos tóxicos ou infecciosos. No presente trabalho são descritos os aspectos epidemiológicos, clínico-
patológicos e laboratoriais de quatro surtos entre os anos de 2008 e 2011, nos quais os animais desenvolveram sinais
digestivos (cólica, duodeno-jejunite), neurológicos (estupor, flacidez da cauda e disfagia) e em outros sistemas em menor
ocorrência em quatro municípios da Zona-da-Mata pernambucana. Semelhantes condições ambientais e de manejo
alimentar, especialmente sobre o volumoso foram observadas. Tratamento sintomático instituído foi ineficaz na maioria
dos casos. A análise global dos achados sugere o diagnóstico presuntivo de tóxi-infecção por Clostridium botulinum, mas
outras bactérias do gênero podem estar envolvidas.
Palavras-chave: equino, clostridium, botulismo, mortalidade.

Abstract

Outbreaks of diseases with high mortality in horses are rare in northeastern Brazil, and are usually associated with toxic
or infectious processes. The present study describes the epidemiological, clinical and pathological laboratory of four
outbreaks between 2008 and 2011 in which the animals developed digestive signs (colic, duodenitis-jejunitis),
neurological (stupor, flaccidity of the tail and dysphagia) and other systems less frequent in four municipalities of the
Zona-da-Mata, state of Pernambuco, Brazil. Similar environmental and nutritional management conditions were
observed. Symptomatic treatment was ineffective in most cases. The overall analysis of the findings suggests a
presumptive diagnosis involvement of Clostridium botulinum, however other bacteria of the genus may be involved.

Key words: equine, clostridium, botulism, mortality.


_______________________________________________________________________________

Introdução 2009; ALMEIDA et al., 2010). Contudo


Nos últimos anos têm ocorrido surtos ainda não há um diagnóstico preciso da
de uma enfermidade com elevada etiologia para o problema. Os casos
mortalidade em equinos em diferentes caracterizam-se por apatia, respiração difícil,
regiões do Brasil afetando animais de cólicas, atonia intestinal, sinais neurológicos
trabalho e de esporte (CERQUEIRA et al., e morte. Associações entre a ingestão de
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________
(*)
Autor para correspondência/Corresponding author: Departamento de Zootecnia - Universidade Federal Rural de
Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiro, s/n - Recife-PE, CEP 52171-900. E-mail: hmanso@dz.ufrpe.br / 55-81-
88818944
Recebido em: 19 de março de 2012.
Aceito em: 15 de abril de 2012.
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forragens, in natura (picado ou não) ou animais vieram a óbito após grave edema
fenada, e uma determinada época do ano ou pulmonar. Alguns animais foram
condição climática particular foram trocaterizados, ocorrendo saída de pouco gás
encontradas (ALMEIDA et al., 2010). seguido de algum líquido. Os seis
Devido aos grandes impactos necropsiados apresentavam duodeno-jejunite,
econômicos locais e na saúde animal, o com perda de toda a mucosa e camada
presente trabalho objetivou investigar e muscular permanecendo apenas a serosa,
descrever os aspectos clínicos, com líquido avermelhado livre na cavidade
epidemiológicos e de manejo em surtos de abdominal, intestino grosso normal com
mortalidade em equinos (SME) em quatro pouco ingesta no seu interior e rins
momentos distintos no Estado de congestos.
Pernambuco.
Surto 2
Descrição dos Surtos Descrição do sistema criação e outros
dados epidemiológicos
Surto 1 Esse surto ocorreu no mês de Junho de 2010,
Descrição do sistema de criação e dados que apresentava condições climáticas
epidemiológicos idênticas ao surto anterior. Criatório com 23
Na época (2008) havia uma equinos no sistema semi-intensivo, com livre
combinação de chuvas e sol forte. Criação acesso a pastagem (massaí, tifton, colonião,
em sistema intensivo, tendo acesso a piquetes braquiária, e pastagens nativa), recebendo
com pouco pasto. Alimentação a base de também capim de corte elefante (Pennisetum
capim de corte (elefante, Pennisetum purpureum Schum.) e paraguai (Echinochloa
purpureum Schum.) picado em uma pyramidalis Hitch) regularmente no cocho
forrageira pelo menos três vezes ao dia. O coletivo ou nos boxes individuais. A mistura
manejo do corte do capim era o tradicional de capins era picada em forrageiras, o que
na região, ou seja, cortado cerca de 5-10 cm impossibilitava o animal de separar os tipos.
do solo, colocando-o no solo, onde há O manejo do capim de corte era o tradicional
regularmente, muita palha e capim velho, na região e semelhante ao descrito
recolhendo-o em fechos, para então ser anteriormente. Na época desse surto, devido
transportado para o local de armazenamento ao período de estiagem, o capim de corte
e distribuído. Houve um SME anterior há três estava sendo cortando em uma área muito
anos com a morte de 12 dos 17 animais do úmida e alagada da capineira, principalmente
criatório. o capim paraguai, que nasce sempre em áreas
Descrição dos animais enfermos alagadas e com sinais de putrefação de
De 14 animais, 10 aparecerem matéria orgânica.
enfermos após 12 horas da distribuição do Descrição dos animais enfermos
capim, possivelmente, misturadas com Os sinais clínicos apresentaram
algumas palhas de milho secas. Entre eles início súbito na manhã seguinte após o
havia uma égua com a cria ao pé. Os quatro fornecimento do capim de corte (elefante +
animais que não ficaram enfermos não paraguai). Dezessete dos 23 animais
haviam consumido essa mistura. Os sinais passaram a não se alimentar e apresentaram o
clínicos eram anorexia, abdômen distendido, abdômen arredondado e com acúmulo de gás.
frequência cardíaca >90bpm, frequência Alguns poucos desenvolverem sinais típicos
respiratória >20 movimentos/minuto, narinas de cólicas com dores intermitentes, mas a
bem dilatadas, mucosas congestas e maioria estava em estado de estupor. No
cianóticas, tempo de preenchimento capilar primeiro dia vieram a óbito cinco animais,
>5 segundos, estupor, tremores musculares. sendo que um deles só havia recebido o
Os movimentos intestinais estavam ausentes, capim paraguai picado, mas todos os demais
em ambos os flancos e um refluxo fétido haviam recebido uma combinação de elefante
ocorreu em cinco animais. Pelo menos dois com paraguai em cocho coletivo. Animais
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com timpanismo sofreram tiflocentese sinal da enfermidade mesmo após o óbito de


resultando na saída de pouco gás seguido de suas mães. Necropsia de alguns animais
líquidos. Exame retal revelou as alças do revelou duodeno-jejunite, com perda de toda
intestino delgado dilatadas com líquido e a mucosa e camada muscular permanecendo
alguns animais com cauda sem apenas a serosa. O líquido intestinal era
movimentação ou relaxadas. Amostras de fétido e escuro, acompanhado de líquido
sangue, colhidas no segundo dia do SME, avermelhado livre na cavidade abdominal. O
mostraram diferença significativa entre intestino grosso com pouca ingesta bastante
alguns parâmetros analisados, como a [uréia] ressecada e rins congestos. O último animal
e [creatina quinase] (Tabela 1). Durante o (égua #1), após quatro dias de evolução ainda
período de observação, os enfermos não se encontrava-se vivo, foi sacrificado, pois
alimentaram e não ingeriram água, desenvolveu laminite acompanhado de
demonstrando sinais de disfagia. Uma fêmea exungulação nos membros pélvicos
estava parida há menos de 20 dias e outra revelando à necropsia duodeno-jejunite
estava com dois meses de lactação. Essas restrita, não acometendo todo o intestino
fêmeas passaram três e quatro dias enfermas delgado como nos demais animais, e algumas
e seus potros não desenvolveram nenhum úlceras na mucosa oral.

Tabela 1. Resultados dos exames hematológicos e bioquímicos de animais enfermos (n=10) durante o
surto de mortalidade descrito no surto 2
Categorias dos animais
Parâmetros hematológicos Valor de P, teste T
e bioquímicos
Óbito (n=7) Recuperados (n=3)

CGV (x106), mm3 10,6±0,6 12,6±5,0 ns

Hemoglobina, g/dL 15,0±0,7 15,2±3,0 ns

Hematócrito, % 43,8±2,5 44,5±10,3 ns

CGB (x103), mm3 6,9± 1,3 11,0 ± 1,5 P=0,06

PPT, g/dL 8,7±0,8 7,4±0,6 ns

Fibrinogênio, g/dL 0,6±0,1 0,5±0,2 ns

Ureia, mg/dL 499,0±42,2 145,7±32,3 P<0,001

CK, UI 753,9±111,2 380,0±65,5 P<0,04

AST, UI 525,5±93,5 514,6±43,1 ns

ALT, UI 41,9±4,5 23,6±4,5 P<0,02

Glutamina, µmol/mL 0,712 ± 0,081 0,557 ± 0,101 ns

Glutamato, µmol/mL 0,497 ± 0,060 0,368 ± 0,034 ns

Glutamina+Glutamato, µmol/L 1,209 ± 0,132 0,925 ± 0,067 ns

Observações: CGV - contagem de glóbulos vermelhos; CGB - contagem de glóbulos brancos; CK - creatina quinase; AST - Aspartato aminotransferase ;
ALT - Alanina aminotransferase; NS: não significativo para o Teste T com P estabelecido em 10%; O número de animais com exames é inferior ao total de
enfermos pois alguns morreram muito rapidamente não havendo tempo colheita de amostras.

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Surto 3 de recuperação. Os dois animais


Descrição do sistema de criação e outros sobreviventes foram medicados durante
dados epidemiológicos cinco dias e voltaram a se alimentar
No mês de Maio apareceram novos normalmente.
animais enfermos. Eles eram mantidos em Avaliando-se os exames obtidos no
um sistema de criação intensivo, animais segundo surto de SME e, comparando-se os
alojados em boxes individuais, com acesso resultados dos exames laboratoriais dos
limitado aos piquetes que quase não animais que foram a óbitos com os
possuíam gramíneas. O concentrado era sobreviventes, observa-se que houve
fornecido três vezes ao dia e os animais comprometimento renal, com significativa
tinham livre acesso à água e ao sal elevação da [ureia] no grupo dos óbitos
mineralizado. A forragem consistia em capim P<0,001), e uma tendência de maior número
elefante picado em forrageira proveniente de de glóbulos brancos no grupo sobrevivente
uma das propriedades do mesmo criador, (P=0,06). A [CK] estava elevada no grupo
sempre colhido em até 24 horas antes do dos que tiveram óbito quando comparada
fornecimento aos animais ficando estocado com o grupo dos sobreviventes (P<0,04) o
em local seco e abrigado. O manejo da que pode estar associada com as lesões no
capineira era semelhante ao descrito nos tecido muscular liso do intestino delgado,
surto 1 e 2. como se observa nas lesões duodeno-jejunite,
Descrição dos animais enfermos ou em outros tecidos musculares (diafragma
Cinco de 21 animais amanheceram e outros músculos estriados). Já no terceiro
enfermos e já não se alimentavam após o surto da SME observou-se que os valores da
fornecimento do concentrado e do capim de [uréia] e [CRET] foram elevadas, mas bem
corte na refeição matinal. Os sinais abaixo dos descritos no segundo SME. Não
apresentavam abdômen distendido em ambos foi utilizada análise estatística com os
os flancos, apatia, variação na motilidade resultados do terceiro surto, pois foram
intestinal sendo que dois estavam com atonia poucos animais (n=5), mas evidenciou-se
em ambos os flancos e três com discreta comprometimento renal. Recentemente na
elevação, mas em todos os casos havia sinais Europa foram relatados casos de mortalidade
de dor abdominal, discreta e contínua, que em cavalos associadas a uma miosite atípica,
não cedeu à aplicação de analgésicos. Os mas nesses quadros a [CK] estava muito
movimentos respiratórios pouco acima do acima dos valores encontrados nos casos
normal, inicialmente, mas evoluíram para descritos nesse estudo dos surto (VAN
taquipnéia intensa antes do óbito. O exame GALEN et al., 2008). Também foi observado
retal revelou a presença de poucas fezes na a ausência de variações (P>0,05) nas análises
ampola retal, timpanismo e normotopia da CGV, hematócrito, CGB, fibrinogênio e
intestinal. As mucosas apresentavam-se PPT, o que os surto poderia esperado nos
congestas e o tempo de preenchimento casos de botulismo, que é causada por uma
capilar estava entre 3-4 segundos. Apenas um tóxico infecção restrita ao sistema nervoso.
animal apresentou frequência cardíaca Ainda deve-se observar que a [PPT] e de
elevada, acima de 90 bpm, e os demais com [AST] nos casos analisados estavam pouco
valores entre 40 e 50 bpm. Três animais acima dos valores da normalidade para
apresentaram atonia na cauda. Amostras de equinos (PARRY, 2009). As graves lesões
sangue foram colhidas imediatamente no observadas nos tecidos e resultados das
primeiro dia do SME para CGV, Ht, CGB, dosagens verificadas de uréia, CK e ALT são
PPT, ureia e creatinina (Tabela 2). Durante o compatíveis com a ação de toxinas
período de observação, os enfermos não se produzidas por clostrídios (SPRAYBERRY,
alimentaram e não ingeriram água. O animal 1997; JAHN et al., 2008; WEESE, 2009).
#1 já no terceiro dia passou a defecar e urinar Observou-se diferenças significativas
normalmente, já o #5 só a partir do quinto dia nas concentrações de ureia e creatinina entre
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sobreviventes e mortos nos surtos 2 e 3 um mesmo plantel e facilitar no prognóstico


(Tabelas 1 e 2), indicando que a avaliação em surtos com as características clínicas
bioquímica da função renal pode ser um descritas.
parâmetro da taxa de sobrevivência dentro de

Tabela 2. Resultados dos exames hematológicos e bioquímicos de animais enfermos (n=5) durante o surto de
mortalidade no caso 3
Animal Resultados dos exames hematológicos e bioquímicos

Dias de CGV Ht CGB PPT Ureia Creatinina


enfermidade x106/mm3 % x103/mm3 g/dL mg/dL mg/dL

Óbito

#1, fêmea, vazia em


lactação, 13 anos, 1o 9,0 41,0 3,8 7,0 85,0 3,3
QM

#2, macho, 2 anos,


1o 12,0 44,0 12,1 8,6 84,0 5,9
MM

#3, fêmea, 9 anos,


1o 10,0 41,0 14,0 7,8 91,0 5,2
MM

Recuperados

1o 7,7 36,0 8,7 5,6 60,0 1,5


#4, macho, 14
anos, MM
4o 7,0 34,0 7,9 6,0 25,0 1,1

1o 7,0 36,0 3,0 5,8 60,0 1,4


#5, fêmea, 8 anos,
MM
4o 7,2 33,0 6,5 6,0 29,0 1,1

Observações: CGV - contagem de glóbulos vermelhos; CGB - contagem de glóbulos brancos; PPT - proteína plasmática total; Ht - hematócrito; QM - Quarto-de-Milha; MM -
Mangalarga Marchador.

Diferentes enfermidades podem transmissão da enfermidade para os potros


produzir surtos de mortalidade em equinos. que estavam mamando podem permitir a
As toxinas produzidas pelos fungos de exclusão a transmissão direta nestes surtos.
Arpergillus spp, Fusarium moniliforme ou F. Alguns animais com manifestações
proliferatum, presentes nos alimentos neurológicas descritos neste trabalho
mofados, como o milho, produzem lesões assemelham-se a casos de botulismo em
nervosas centrais nos cavalos, todavia dos equinos descritos nos Estados Unidos
surto descritos nesse trabalho não ocorreram (SPRAYBERRY, 1997; WEESE, 2009) com
leões desse tipo e vários dos animais que mortalidade ou em casos isolados, mas
adoeceram não recebiam concentrados. A sempre com elevada e rápida letalidade.
presença de uma fitotoxina específica poderia Esporos de Clostridium botulinum produzem
estar associada à ingestão de uma única toxinas neurotóxicas em ambientes
variedade de forragem, como se suspeita nos anaeróbicos e com muita umidade com
casos associados o capim massaí no Pará e folhas e palhas no chão e/ou em putrefação
Tocantins (CERQUEIRA et al., 2009). comuns nas capineiras de capim elefante,
Surtos de enfermidades infecciosas em regularmente utilizadas para alimentar o
equinos não são comuns, e os resultados dos gado. Há alguns relatos populares que
exames laboratoriais e a ausência de indicam que capineiras velhas com muita
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palha produzem muitas mortes quando são animal descrito no surto3 pareceu
utilizadas para fornecer alimentos aos desenvolver alguns sinais do “mal seco”, que
animais e por isso em muitas fazendas é é causado pela produção dentro do trato
comum se queimar todo o capim velho antes gastrointestinal de toxinas (exotoxinas),
do início do período das chuvas, evitando-se diferentemente do botulismo que é causado
que a palhada pobre ‘contamine’ o capim pela ingestão da toxina botulínica pré-
recém-cortado. Esporos da bactéria do formada (WYLIE e PROUDMAN, 2009).
botulismo ingeridos raramente produzem
sinais clínicos uma vez que são sensíveis ao Caso 4
pH e não sintetizam toxina em pH<4,5. No Descrição do sistema de criação e outros
entanto, quando a forragem se apresenta dados epidemiológicos
muito seca durante a colheita e a fermentação A propriedade descrita no surto 1
é inadequada, pode haver produção de toxina apresentou novos quadros de SME
(BROWN e BERTONE, 2002). Esta (nov/2011). Regime intensivo, confinados
condição micro ambiental pode ter ocorrido em boxes e sendo soltos em pequenos
na palhada de alguns capins fornecidos, piquetes sem pastagem. Os animais recebiam
contribuindo para os quadros neurológicos de capim elefante maduro três vezes ao dia, há
alguns surtos. Nas regiões dos casos contato da palhada cortada ou presente no
estudados, os alimentos fornecidos haviam chão da capineira com a parte verde. O
recebido chuvas ou água após um período de período seco estava sendo acompanhado de
seca e estavam com muita palha, tanto no chuvas durante o amanhecer nos últimos
chão como no próprio vegetal, facilitando o dias. O cavalariço relatou que entre o surto
apodrecimento após as chuvas e com isso um de 2008 e esse morreram dois outros animais
ambiente anaeróbico. com sintomas muito semelhantes.
Das toxinas produzidas pelo Descrição dos animais enfermos
Clostridium botulinum, os tipos A e B estão Dos 17 animais da propriedade,
mais presentes nos ambientes com muita quatro desenvolveram sinais e tiveram óbito
palha no chão e o tipo C geralmente é nas primeiras 24 horas de observado o
diagnosticado em cavalos que consomem primeiro caso. Os enfermos apresentavam-se
alimentos contaminados com a toxina apáticos, deprimidos, desidratados, mucosas
(WYLIE e PROUDMAN, 2009). Os animais congestas e tempo de preenchimento capilar
acometidos pelo botulismo apresentam elevado (>4 segundos), atonia intestinal em
principalmente dificuldade na ingestão de todas as áreas do flanco examinadas sendo
alimentos e respiração difícil, por que três apresentavam grande distensão
comprometimento nervoso periférico (JAHN abdominal com gás, respiração difícil e
et al., 2008; WEESE, 2009) –Ainda deve-se frequência cardíaca acima de 80 bpm. Um
ressaltar que o diagnóstico da toxinfecção dos animais foi trocaterizado e ocorreu saída
botulínica é comumente baseado no quadro forte de gás por cerca de 2 minutos. Em dois
clínico e rápido óbito dos enfermos, além da animais era visível a paralisia da cauda e nos
eliminação de outras enfermidades já que o outros a movimentação muito reduzida,
diagnóstico laboratorial é bastante difícil sendo que todos tinham dificuldade em se
(SPRAYBERRY, 1997; WHITLOCK e alimentar. Foi realizada a necropsia em dois
BUCKLEY, 1997; GALEY, 2001). dos animais os quais apresentaram lesões
A enfermidade conhecida na semelhantes aos descritos nos casos já
Inglaterra e Argentina como “grass sickness” relatados anteriormente.
ou “mal seco”, poderia ser incluída dentre as Descrição dos tratamentos em todos os
enfermidades para ao diagnóstico diferencial, surtos
todavia a ausência de salivação excessiva e Os animais receberam, de acordo
os sintomas respiratórios podem excluir com o caso, tratamento sintomático com
rapidamente essa enfermidade, que também é estimulantes dos movimentos gástrico e
causada pelo C. botulinum. Apenas um intestinais (Metoclopramida, Plasil®;
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Neostigmine, Prostigmine®), antibióticos Banamine®) e alguns com Dexametazona


(Penicilina/Estreptomicina, Agrovet®; (Azium®), para timpanismo (Acetil-butileno
Sulfa/Trimtropim, Borgal®), medicação de (Blotrol®).
suporte (solução de Ringer simples e No Quadro 1 encontra-se
associação Ca-Mg-Dextrose, Glucafós®), informações obtidas durante as investigações
para combater a endotoxemia (Flunixin, dos quatro casos.

Observações Presença das ocorrências


Camaragibe Tracunhaém Camaragibe Camaragibe
Local / Surto
(1) (2) (3) (4)
Total de equinos no haras 14 23 21 17

N º Animais enfermos 10 (71,4%) 17 (73,9%) 5 (23,8%) 4 (23,5%)

Nº e % óbitos 10 (100,0%) 14 (83,3%) 3 (60,0%) 4 (100,0%)

Manejo alimentar

Forragens capim de corte capim de corte capim de corte capim de corte

Concentrado Sim Sim Sim Sim

Pastagem Não Sim Não Não

Sinais Clínicos

Apatia/depressão/anorexia Sim Sim Sim Sim

Mucosas cianóticas Sim Sim Sim Sim


Elevação do tempo de
Sim Sim Sim Sim
preenchimento capilar
Disfagia Sim Sim Sim Sim

Cólicas Sim Sim Sim Sim

Abdômen distendido Variável Variável Variável Variável

Atonia intestinal Sim Sim Sim Sim

Sinais duodeno-jejunite Sim Sim Sim Sim

Refluxo gástrico Sim Sim Sim Sim

Frequência cardíaca elevada Sim Sim Sim Sim

Dispnéia Sim Sim Sim Sim


Paralisia periférica e paralisia
Sim Sim Sim Sim
da cauda
Comprometimento renal Sim Sim Sim Sim

Tremores musculares Sim Sim Sim Sim

Alteração fluido peritoneal Sim Sim Sim Sim

Outras observações

Exames laboratoriais Não Sim Não Não

Égua/Cria ** Sim Sim Sim Sim

Laminite Não Sim Não Não

Vacinação clostrídeos Não Não Não Não


Observação: ** égua enferma com cria ao pé mamando, que não apresenta sinais de enfermidade.
Quadro 1- Resumo descritivo da observação das principais ocorrências, manejo alimentar, sinais clínicos e
outras observações encontradas nos haras e animais acometidos da síndrome de mortalidade em
equídeos.
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Discussão Referências
Os SME descritos aqui ocorreram em ALMEIDA, T.L.C. et al. Mortalidade de equinos
locais diferentes, mas com os animais em Pernambuco: relato de caso. Ciência
apresentando histórico, patologia e quadros , Recife, v. 13,
suplemento 2, p. 14, Setembro, 2010.
clínicos bastante semelhantes (apatia,
BROWN, C. M.; BERTONE, J. Consulta
estupor, disfagia, atonia intestinal e da cauda, veterinária em 5 minutos. Espécie equina. São
respiração rápida e cianose) (Quadro 1). No Paulo: Editora Manole. p. 192-195, 2002.
primeiro SME foi utilizada uma terapêutica a CERQUEIRA, V. D et al. Colic caused by
qual se mostrou ineficaz e todos os 10 Panicum maximum toxicosis in equidae in
animais doentes vieram a óbito. Na segunda northern Brazil. Journal of Veterinary
ocorrência, em virtude da suspeita de Diagnostic Investigation. Thousand Oaks (CA),
clostridiose, foi instituída uma terapêutica v. 21, p. 882–888, 2009.
com base em WEESE, 2009. Mesmo assim, GALEY, F.D. Botulism in the horse. the
14 animais vieram a óbito. Já na terceira e Veterinary Clinic of North America - Equine
Practice, Philadelphia, v.17, n.3, p. 579-88, 2001.
quarta ocorrências, foi estabelecida a terapia
com objetivo de combater a endotoxemia JAHN, P. et al. Botulism in horses: a case report.
através do uso anti-inflamatório não Veterinární Medicína, Prague, v.53, n.12, p.
esteroidal, o crescimento de patógenos 680–684, 2008.
através dos antibióticos e, finalmente, repor PARRY, B. W. Normal clinical pathology data.
alguns eletrólitos e estimular a diurese. Não In: Robinson, N.E.; Sprayberry, K. A. Current
foi utilizado soro anticlostrídico e os animais therapy in equine medicine, 6th Edition.
não eram vacinados contra as clostridioses, Philadelphia: Sauders, 2009, p. 956-980.
que poderiam causar esse quadro com base SPRAYBERRY, K. A. Review of Equine
em diferentes descrições na literatura Botulism. In: AMERICAN ASSOCIATION OF
(SPRAYBERRY, 1997; GALEY, 2001; EQUINE PRACTICE ANNUAL
WEESE, 2009). Houve uma suspeita CONVENTION, 43rd, Phoenix. Proceedings...
diagnóstica sugestiva de botulismo como Phenix (AZ): AAEP Proceeding, 1997, vol. 43,
p.379-381.
principal causa envolvida nos vários casos de
WEESE, J. S. Clostridial diseases. In: Robinson,
SME devido à disfagia, paralisia da cauda e N. E.; Sprayberry, K. A. Current therapy in
tremores musculares, mas outras espécies de equine medicine, 6th Edition. Philadelphia:
Clostridium podem estar associadas. Sauders, 2009 , p. 158-166;
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