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Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos - UNICEPLAC

Curso de Medicina Veterinária


Trabalho de Conclusão de Curso

ANESTESIA EM COELHO DOMÉSTICO (Oryctolagus cuniculus)


PARA CIRURGIA DE AMPUTAÇÃO DE MEMBRO PÉLVICO:
RELATO DE CASO

Gama-DF
2022
LARISSA JESSIKA DI OLIVEIRA

ANESTESIA EM COELHO DOMÉSTICO (Oryctolagus cuniculus)


PARA CIRURGIA DE AMPUTAÇÃO DE MEMBRO PÉLVICO:
RELATO DE CASO

Artigo apresentado como requisito para conclusão


do curso de Bacharelado em Medicina Veterinária
pelo Centro Universitário do Planalto Central
Apparecido dos Santos – Uniceplac.

Orientador: Prof. Me. Guilherme Kanciukaitis


Tognoli

Gama-DF
2022
Anestesia em coelho doméstico (Oryctolagus cuniculus) para
cirurgia de amputação de membro pélvico: Relato de caso
Larissa Jessika Di Oliveira1

Resumo:
Os coelhos deixaram de ser animais utilizados somente para alimentação e experimentos, hoje
ocupam um lugar importante nos lares como pets de companhia pois são animais extremamente
inteligentes, de fácil treinamento, de temperamento dócil e que se expressam de várias formas.
Contudo, são acometidos pelo estresse pela alta liberação de catecolaminas, o que confere maior
risco anestésico, além disso, a intubação orotraqueal nesses animais é desafiadora pelas limitações
anatômicas. Embora seja grande a rotina clínica e cirúrgica de lagomorfos, ainda há poucos relatos
da anestesia na área veterinária nessa espécie. O presente trabalho teve como objetivo relatar o
procedimento anestésico, bem como descrição dos fármacos utilizados, a técnica de intubação, os
bloqueios regionais e o manejo da dor que promoveram uma anestesia segura e boa recuperação,
proporcionando qualidade de vida e bem-estar em um coelho, macho, da raça Mini Lop, de 3 anos
de idade, submetido a cirurgia de amputação de membro pélvico devido à má formação congênita.

Palavras-chave: Anestesia; Coelho; Fármacos.

Abstract:
Rabbits are no longer animals used only for feeding and experiments, now occupying an important
place in homes as companion animals, as they are extremely intelligent animals, easy to train, with
a docile temperament and that express themselves in many ways. However, they are affected by
stress due to the high release of catecholamines, which confers a greater anesthetic risk, in addition,
orotracheal intubation in these animals is requested due to anatomical limitations. Although it is a
great clinical and surgical routine for lagomorphs, there are still few reports of anesthesia in the
veterinary area of this species. This study aimed to report the anesthetic procedure, as well as
describe the drugs used, the intubation technique, regional blocks and pain management that
promoted safe anesthesia and good recovery, providing quality of life and well-being in a male,
mini lop, 3 year old rabbit, submitted to pelvic limb amputation surgery due to congenital
malformation.

Keywords: Anesthesia; Rabbits; Drugs.

1
Graduanda do Curso de Medicina Veterinária, do Centro Universitário do Planalto Central
Apparecido dos Santos – Uniceplac. E-mail: dioliveira.larissa@gmail.com
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LISTA DE ABREVIATURAS

FR – frequência respiratória
FC – frequência cardíaca
SpO2 – saturação periférica de oxihemoglobina
PANI – pressão arterial não invasiva
Mrpm – movimentos respiratórios por minuto
Bpm – batimentos por minuto
BID – bis in die, duas vezes por dia
MPD – membro pélvico direito
NMDA – N-metil-D-aspartato
MPA – medicação pré anestésica
GABA – ácido gama-aminobutírico
SNC – sistema nervoso central
CAM – concentração alveolar mínima
ECG – eletrocardiograma
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1 INTRODUÇÃO

Pertencentes à família Leporidae e ordem Lagomorpha, o coelho doméstico (Oryctolagus


Cuniculus) é proveniente do oeste da Europa e nordeste da África (CUBAS et.al., 2014) e hoje é
possível encontrar mais de 50 raças e misturas.
Os coelhos domésticos têm deixado de ser utilizados somente nas indústrias alimentícias,
farmacêuticas, cosméticas e no comércio de peles. Esses animais têm ganhado cada vez mais
espaço nos lares para serem criados como animais de companhia, isso porque são animais
extremamente inteligentes, de fácil treinamento e que costumam demonstrar afeição pelo dono de
maneira mais sutil que cães e gatos, demonstrando carinho através de lambidas, ir ao encontro e
seguir as pessoas pelo ambiente (CUBAS et. al., 2014). De modo geral, são animais dóceis, mas
podem morder, arranhar ou atacar como sinal de insatisfação.
O que classifica os lagomorfos, dentre outras características, é a sua dentição. Enquanto os
roedores possuem um par de incisivos superiores e um par de incisivos inferiores, os lagomorfos
possuem dois pares de incisivos superiores e um par de incisivos inferiores (FIGURA 1). Segundo
Couto (2002), todos os dentes têm crescimento contínuo e os dentes incisivos têm um crescimento
particularmente rápido, na qual se faz importante a oferta de alimentos e brinquedos que promovam
o desgaste, evitando problemas como a má oclusão dentária. Esses animais possuem corpo
arredondado, com pele fina, orelhas grandes que tem como função a captação de sons e controle
térmico corpóreo graças à vasodilatação e vasoconstrição periférica, a audição e o olfato são bem
desenvolvidos e possuem campo visual amplo, podendo ser perceptível a presença de potenciais
predadores a 190 graus pela sua visão lateral e há um ponto cego na frente do nariz.
Ainda com Couto (2002), os coelhos domésticos são animais herbívoros, possuem ceco
grande que, além de produzir uma fermentação bacteriana considerável, é responsável pela síntese
de vitaminas do complexo B e vitamina K para a produção de cecotrofos (alimentos processados
no ceco a partir da celulose). A cecotrofagia (ingestão de conteúdo fecal) é necessária e praticada
por esses animais, pois a síntese bacteriana destes nutrientes ocorre nas porções finais do intestino,
local com pouca absorção. O esôfago e o estômago desses animais possuem estruturas que
promovem um mecanismo de fechamento, o que não permite que essa espécie vomite ou regurgite
(QUESENBERRY et. al., 2021). É importante que o médico veterinário esteja ciente das
particularidades anatômicas e fisiológicas desses animais durante qualquer procedimento clínico e
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cirúrgico, utilizando não só a contenção física, mas também a contenção química, como a anestesia
geral, quando necessário.

Figura 1. Anatomia dentária de Oryctolagus Cuniculus. Fonte: MARCOS, 2019

De acordo com Falcão et al. (2011), os coelhos são considerados difíceis para anestesia
devido à alta susceptibilidade de apneia e a dificultosa intubação traqueal, sendo esta por sua vez
o maior desafio encontrado por anestesistas veterinários. Devido às suas particularidades
anatômicas como pequena dimensão da laringe, dificuldade na visualização direta da epiglote,
língua muito longa e tórus lingual proeminente, dentes incisivos longos, cortantes e estreitos e
limitada mobilidade articulação temporomandibular, a intubação nesses animais é
desafiadora. Além disso, essa espécie apresenta um alto risco de óbito pois são extremamente
sensíveis ao estresse pela alta liberação de catecolaminas (LONGLEY, 2008).
Embora seja notado o crescente número desses animais como pets, ainda há poucos relatos
de procedimentos anestésicos voltados para a área veterinária nessa espécie (ROCHA, 2018).
Dessa maneira, o objetivo desse trabalho é apresentar um relato de caso do procedimento anestésico
de um coelho doméstico, macho, da raça Mini Lop, de 3 anos de idade, para cirurgia de amputação
de membro pélvico direito devido à má formação congênita, submetido à cirurgia no dia 20 de
outubro de 2020 no centro cirúrgico da clínica veterinária do UNICEPLAC, DF.
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2 RELATO DE CASO

No dia 16 de outubro de 2020, foi atendido na clínica veterinária do Uniceplac um coelho


doméstico (Oryctolagus Cuniculus), macho, de 3 anos de idade, da raça Mini Lop, com peso
corpóreo de 1,7 kg. A queixa principal do responsável era de abcessos recidivantes supurativos em
membro pélvico direito. Na anamnese, o responsável relata que o animal se alimentava
normalmente, porém com sinais de apatia e episódios de diarreia, além da formação de abcessos
recorrentes mesmo após uso de medicações prescritas por outro médico veterinário. O responsável
pelo animal ainda relata que após o uso dessas medicações (Enrofloxacino e Meloxicam), eram
observadas a melhora dos abcessos e das lesões e posteriormente a recidiva do quadro. Ao exame
físico, foi observado animal alerta, com escore corporal 2, normohidratado, mucosas
normocoradas, com parâmetros de frequência respiratória, frequência cardíaca e temperatura
dentro da normalidade. Em sistema tegumentar foi observado a presença de feridas circulares em
membro pélvico direito, decorrentes de abcessos e em sistema musculoesquelético foi evidenciada
lesão fibrosa de membro pélvico direito, na região de coxa. Foram solicitados exames
complementares de hemograma, que teve como alteração eritrocitária uma anemia normocítica
normocrômica, e leucocitária demonstrando leucopenia, bioquímicos renais estavam dentro dos
valores esperados e em bioquímicos hepáticos trouxe como alteração o aumento da fosfatase
alcalina, este exame ainda foi observado hiperproteinemia, sendo essas predominantemente
globulinas. No exame radiográfico de membro pélvico direito, solicitados nas projeções
mediolateral e ventrodorsal que elucidaram a má formação e degeneração óssea, confirmando a
suspeita clínica inicial (FIGURA 2). Após diagnóstico, foi sugerido como tratamento a amputação
do membro afetado e o procedimento executado.
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Figura 2. Radiografia ventrodorsal de MPD de coelho.


Onde pode-se observar má formação e degeneração óssea
na porção distal do fêmur direito (Seta). Fonte:
BERNARDES, 2022

Durante o procedimento cirúrgico, o animal se encontrava alerta, ativo, normohidratado,


mucosas normocoradas, mantendo o peso corporal de 1,7 kg, frequência cardíaca a 160 bpm e
frequência respiratória a 60 mpm, sem jejum prévio e classificado pelo profissional anestesiologista
como ASA IV (paciente com doença sistêmica grave) pelo foco séptico, alteração em clínica e
exames pré operatório e ao risco anestésico e cirúrgico de alta complexidade. Para medicação pré
anestésica, foi utilizada Metadona 0,5 mg/kg, Dexmedetomidina 5 µg/kg e Cetamina 3 mg/kg por
via intramuscular às 9h48min. Aguardado 20min após realização da MPA, prosseguiu-se com o
preparo do animal, momento no qual foi realizado o acesso venoso em veia marginal da orelha
esquerda, remoção de pelos da área a ser operada e posteriormente limpeza com clorexidina
degermante 2% para degermação cirúrgica. Foi realizada uma pré-oxigenação por 3 minutos com
auxílio de máscara anestésica e em seguida foi realizada a indução anestésica com Midazolam 1
mg/kg e Propofol 8 mg/kg, por via intravenosa. A intubação orotraqueal foi realizada com auxílio
de um laringoscópio com lâmina reta para melhor visualização das estruturas e traqueotubo de nº
2,0 também utilizado em pequenos animais. O paciente foi mantido em anestesia geral inalatória,
com agente de manutenção por isoflurano, vaporizado em oxigênio 100%, com o sistema aberto e
fluxo de O2 em 1L/min. Para analgesia, foi feito infusão contínua com Metadona 0,3 mg/kg/h,
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Lidocaína 3 mg/kg/h e Cetamina 1 mg/kg/h diluídos em 20ml de ringer com lactato na taxa de
infusão de 20 ml/kg/h na primeira hora de procedimento, após isso, houve mudança na taxa de
infusão passando a ser 10 ml/kg/h. O paciente foi posicionado em decúbito lateral esquerdo e
prosseguiu-se com a antissepsia prévia com clorexidina degermante 2% e clorexidina alcoólica
0,5% e posteriormente a antissepsia definitiva foi realizada pelo cirurgião com clorexidina
alcoólica 0,5%. Após exposição anatômica durante a cirurgia, foi realizado o bloqueio local do
nervo femoral e isquiático do membro pélvico direito com lidocaína 2% sem vasoconstritor na dose
de 10 mg/kg. Os parâmetros monitorados durante toda a cirurgia foram FC, FR, SpO2, PANI e
temperatura por termômetro esofágico, que se mantiveram dentro dos valores esperados para a
espécie. O transoperatório e anestésico ocorreu sem nenhuma intercorrência. O fim da infusão
contínua ocorreu 30min antes do término do procedimento. Como fármaco pós cirúrgico foi
administrado Meloxicam 0,5 mg/kg, dipirona 25 mg/kg, por via intravenosa e após término
completo do ato cirúrgico, Enrofloxacino 10 mg/kg, via intramuscular. O animal teve um bom
retorno anestésico e após uma hora, já demonstrava interesse por alimento. Para medicação pós
operatória do animal, foi prescrito Metadona 0,2 mg/kg, via subcutânea, a cada 12 horas, por 2 dois
dias; Meloxicam 0,5 mg/kg, via oral, a cada 24 horas, por 5 dias; Dipirona 25 mg/kg, via oral, a
cada 12 horas, por 5 dias; Enrofloxacino 5 mg/kg e Metronidazol com Sulfadimetoxina 20 mg/kg,
via oral, a cada 12 horas por 14 dias. Recomendou-se repouso, uso de roupa cirúrgica e limpeza da
ferida cirúrgica com clorexidina degermante 2% e solução fisiológica BID. Dez dias após o
procedimento, o animal retornou à clínica veterinária do Uniceplac para avaliação. O paciente
estava em bom estado geral e posteriormente foi realizada a retirada de pontos. O animal foi
acompanhado até a completa recuperação e atualmente está devidamente adaptado à sua nova
condição, sem o mínimo sinal de dor e desconforto.

2 DISCUSSÃO

Na medicina veterinária de pets não convencionais, ainda há poucos relatos de


procedimentos anestésicos em coelhos (ROCHA, 2018) e conforme esse animal vem se
popularizando como pets de companhia, por serem dóceis, inteligentes e que não costumam emitir
sons altos, se torna cada vez mais frequente a indicação de tratamentos médicos veterinários mais
elaborados (CARPENTER, 2018).
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Segundo um estudo de Brodbelt et al., (2005), a anestesia em coelhos, quando em


comparação com outras espécies, apresenta um alto risco de óbito, isso porque embora o coelho
doméstico (Oryctolagus Cuniculus) tenha um temperamento que demonstre docilidade, são
animais extremamente sensíveis ao estresse pela alta liberação de catecolaminas que podem,
segundo Longley (2008) ocasionar em cardiomiopatia, redução da motilidade intestinal pela
estimulação do sistema nervoso simpático, ulceração gástrica pelo aumento da acidez gástrica,
anorexia e insuficiência hepática, pela alteração no metabolismo dos carboidratos e supressão do
sistema imunológico, sendo estes fatores que potencializam o risco anestésico. Entender e evitar
as causas que contribuem para o estresse em coelhos é fundamental para uma anestesia bem
sucedida nessa espécie (LONGLEY, 2008). Desde a primeira consulta, o paciente embora muito
calmo e tranquilo, foi evitado o excesso de manipulação e contenção, foi atendido em um ambiente
silencioso, com o mínimo de ruído possível, isolado e sem contato com outros animais, assim como
recomenda Cubas et al., (2014).
Na prática clínica veterinária, é imprescindível obter o máximo de informações sobre a vida
do paciente como também o exame físico completo. Os exames laboratoriais, de acordo com
Meneses (2021), são fundamentais para identificação de disfunções que podem comprometer o
período perioperatório e devem ser solicitados de modo a considerar as informações contidas no
prontuário do paciente, exame físico, tipo e porte do procedimento cirúrgico (Mathias et al., 2006)
(Quadro 1). Além disso, a avaliação pré anestésica deve ser considerada uma prática integrante,
além de classificar o paciente, de acordo com o seu estado na tabela da American Society of
Anesthesiologists (ASA), importante para estimar os riscos de possíveis complicações anestésicas
associado à sua condição clínica (Tabela 1). No caso de coelhos, a presença de doença sistêmica
ou trauma são classificados como ASA III ou mais, e consequentemente o risco de óbito eleva-se
(MARCOS, 2019). Os parâmetros encontrados no exame físico do animal estavam dentro dos
valores de referência, condizentes com a literatura para essa espécie (Quadro 2). Os exames de
hemograma e bioquímicos renais e hepáticos foram solicitados juntamente para auxiliar na
adequada escolha dos fármacos anestésicos e embora demonstrasse algumas alterações, não
impediu que a melhor abordagem fosse realizada com total segurança. Levando em consideração
o quadro clínico do animal, bem como ser portador de uma doença sistêmica que culminou em um
procedimento cirúrgico e anestésico de alta complexidade devido à má formação congênita, atribui-
se classificação ASA IV.
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Quadro 1. Extraído de RODRIGUES et al., (2017) com sugestão de exames complementares pré anestésicos, de acordo com a
categoria de estado físico. Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA) em cães e gatos.

Tabela 1. Parâmetros e valores de referência para a espécie Oryctolagus cuniculus, CARPENTER (2008).

Parâmetro Valores referência Valores do paciente

Peso corporal adulto 1,5 – 5kg 1,7 kg

Frequência respiratória 30 – 60 rpm 60 rpm

Frequência cardíaca 130 – 325 bpm 160 bpm

Temperatura retal 38,5 – 40ºC 38,5 º C


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Quadro 2. Extraído de RODRIGUES et al., (2018) com categorias de risco anestésico e estado físico de acordo com a Sociedade
Americana de Anestesiologistas (ASA, 2014).

O jejum para lagomorfos é pouco solicitado pois o seu estômago possui uma túnica
muscular pouco desenvolvida, pouco contrátil (FERREIRA et al., 2017) e o interior do esôfago
contém um esfíncter muscular firme, formando um mecanismo de fechamento, por isso são animais
que não vomitam ou regurgitam (LONGLEY, 2008). De posse dessa informação, não foi
preconizado jejum no paciente e pode-se observar que o mesmo não apresentou refluxo gastro
esofágico.
A escolha dos fármacos para a medicação pré anestésica foi pensada para promover uma
sedação a fim de minimizar o estresse no momento do preparo pré operatório. Para isso, associou-
se a metadona (opióide) que possui alta propriedade analgésica com a dexmedetomidina (agonista
alfa-2 adrenérgico) que tem características analgésicas, relaxante muscular e sedativa e a cetamina
(anestésico dissociativo, antagonista NMDA) que tem a capacidade de dissociar o eixo tálamo-
cortical, bem como promover analgesia somática do animal (GRIMM et al., 2017). De acordo com
Longley (2008), Dugdale (2010) e Fantoni et al., (2010) a escolha dos agentes que serão
empregados na MPA são úteis para preparar o paciente, reduzindo o estresse desde a manipulação,
até a obtenção do acesso venoso e pré oxigenação, de forma a tornar o ato anestésico o menos
estressante possível para o animal.
Segundo Riva (2019), a cetamina é um agente dissociativo popular na anestesia de coelhos
devido a sua facilidade na administração, baixo custo e boa qualidade na recuperação, porém é
frequente a escolha de anestésicos que consiste na associação da Cetamina a outros fármacos
(LIMA, 2014) pois promove uma anestesia de qualidade que irá suprimir seus efeitos catalépticos
quando esta é utilizada isoladamente. Na rotina anestésica a associação da Cetamina a outros
agentes, tais como benzodiazepínicos, opióides ou agonistas alfa 2 adrenérgicos, se demonstrou
eficaz (RIVA, 2019). O agonista alfa 2 adrenérgico de maior seletividade e que é capaz de
promover maior analgesia e sedação sobre os demais fármacos dessa classe é a dexmedetomidina
(seletividade alfa2:alfa1 de 1620:1). Dentre os opióides, a metadona, agonista µ total, possui
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praticamente as mesmas propriedades farmacológicas da morfina, que inclui uma potente


analgesia. Segundo Grimm et al., (2017), esse fármaco exerce efeitos como antagonista do receptor
N-metil D-aspartato (NMDA), o que pode torná-lo um opióide mais efetivo que a Morfina para
alívio de dor crônica e refratária. Além disso, com sua ação de longa duração, é comumente
escolhido em procedimentos que demandam um maior tempo de recuperação.
No presente relato, a cetamina na dose de 3 mg/kg foi associada à dexmedetomidina 5
µg/kg, concordando com Carpenter (2018) e a metadona, com o uso pouco relatado em coelhos,
foi administrada na dose de 0,5 mg/kg assim como cita Grimm et. al, (2017) e Massone (2011),
por via intramuscular para MPA. As técnicas de injeções em coelhos são as mesmas utilizadas em
gatos. A administração da medicação pré anestésica foi realizada no músculo quadríceps femoral
do membro pélvico esquerdo do animal (LONGLEY 2008; QUESENBERRY et al., 2021), com
os fármacos associados em uma mesma seringa. Os efeitos esperados da sedação foram observados
após 20min da realização da MPA e então prossegui-se com o preparo do animal, realizando o
acesso venoso em veia marginal da orelha esquerda e remoção de pelos do campo operatório,
minimizando o estresse que essa manipulação poderia ocasionar caso não fosse feita a medicação
pré anestésica.
A combinação de alguns anestésicos em coelhos reduz os níveis de saturação de oxigênio
no sangue (LONGLEY, 2008), dessa forma, a pré oxigenação é fundamental e foi realizada por 3
minutos com auxílio de máscara facial anestésica. A suplementação de oxigênio também deve
ocorrer, seja por máscara ou através do tubo endotraqueal durante todo o ato anestésico, assim
como procedeu com o paciente.
Em virtude da recuperação rápida da consciência com efeitos residuais mínimos (GRIMM
et al., 2017), o Propofol se tornou um agente indutor popular tanto na anestesia humana, quanto
veterinária. Assim como cita Grimm et. al., (2017), o Propofol parece exercer seus efeitos
anestésicos por meio da interação com os receptores GABAa, além da inibição do receptor NMDA.
A injeção intravenosa de Propofol resulta em depressão rápida do SNC e relaxamento suficiente
para prosseguir com a intubação. A apneia é comum com o uso desse agente e a administração
lenta, acima de 30s (LONGLEY, 2008) e entre 60 a 90s (GRIMM et al., 2017), pode reduzir a
incidência de apneia pós indução.
Os benzodiazepínicos são usados rotineiramente na anestesia de coelhos pois, além do
efeito sedativo eficaz, promove um bom relaxamento muscular. Esses fármacos exercem influência
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no SNC ao aumentar a afinidade do receptor GABAa pelo GABA, resultando em hiperpolarização


das membranas pós sinápicas (GRIMM et al, 2017). São frequentemente usados em combinação
com outros agentes, injetáveis ou inalatórios e são amplamente empregados, sobretudo como
coadjuvante da indução anestésica, o que pode reduzir a dose dos outros anestésicos em até 50%
(FANTONI et al., 2010).
Os agentes empregados para a indução anestésica do paciente, bem como suas doses para
tal efeito foi o propofol 8 mg/kg (CARPENTER, 2018) e midazolam 1 mg/kg (CARPENTER,
2018; LONGLEY, 2008). Esses fármacos foram capazes de promover uma rápida perda de
consciência, com um bom relaxamento muscular para posterior intubação orotraqueal. A apneia
transitória, como citada por alguns autores, não foi observada pois o tempo de administração do
propofol seguiu na velocidade descrita em literatura. Contudo, o profissional anestesiologista deve
estar sempre preparado para intubar e assistir ou controlar a ventilação até o início da ventilação
espontânea (GRIMM et al, 2017).
Os coelhos têm respiração nasal obrigatória (obligate nasal breathers). Sua laringe está
localizada no alto da orofaringe, onde tem acesso direto a nasofaringe (LONGLEY, 2008). A
epiglote normalmente fica localizada dorsal ao palato mole e a laringe é de difícil visualização por
sua pequena dimensão (FALCÃO et al., 2011). Em resumo, os coelhos possuem uma boca pequena
com dentes grandes e cortantes, língua longa e com tórus lingual proeminente e limitada
mobilidade da articulação temporomandibular, o que restringe a visualização e torna complexa a
intubação orotraqueal nesses animais (FALCÃO et al., 2011; LONGLEY, 2008). Contudo, apesar
de dificultosa, essa etapa é importante para a manutenção segura da via aérea e técnicas e estudos
foram desenvolvidos para facilitar esse procedimento (ROCHA, 2018). As mais utilizadas, de
acordo com Longley (2008) são as técnicas às cegas e a visualização da laringe. Em ambas, o
animal é posicionado em decúbito esternal, com a cabeça hiperflexionada, de modo que seja
possível o alinhamento de nariz, pescoço e ombro.
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Cubas et al., 2014 recomenda que todos os pacientes sejam intubados pois além da apneia
pós indução, ainda podem apresentar apneia transoperatória. A técnica de intubação convencional
em cães e gatos, que consiste na visualização da laringe utilizando laringoscópio (FIGURA 2), que
para essa espécie recomenda-se utilizar lâmina de Wisconsin de tamanho 0, 1 ou 2 ou reta
(FIGURA 3), como sugere Longley (2008), demonstrou sucesso no presente relato. Coelhos são
propensos a laringoespasmo, logo a utilização de anestésico local 1 a 2 minutos, mantendo a cabeça
ainda hiperflexionada para melhor difusão do agente, antes da tentativa de intubação reduz essa
ocorrência (ROCHA, 2018; LONGLEY 2008). Embora a literatura recomende o uso do anestésico
local, não foi administrado no paciente para posterior intubação. Contudo, a primeira tentativa foi
bem sucedida, sem ocorrência de laringoespasmo. Entretanto, para evitar que isso aconteça, bem
como traumas na região, edema de glote e consequente morte do animal, as tentativas de intubação
nesses animais não podem exercer a 3 tentativas (CUBAS, 2014; SHELBY, 2014; THOMPSON
et. al., 2017; ROCHA, 2018).

Figura 3. Intubação de coelho com laringoscópio.


Adaptado de ROCHA, 2018
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2 Figura 4. Lâminas de laringoscópio. a) Lâmina reta. b) Lâminas


de Wiscosin.

Os tubos endotraqueais mais utilizados nessa espécie são os de 2,0 e 2,5 mm de diâmetro,
sem cuff (MARCOS, 2019; CUBAS, 2014), os mesmos utilizados também em pequenos animais.
O tamanho do tubo é fundamental para reduzir o espaço morto, sendo que quando aumentado esse
espaço, por essa espécie possuir um volume pulmonar muito pequeno, 4-6 ml/kg, afetará na
eficiência respiratória do animal e consequentemente em sua oxigenação (LONGLEY, 2008). O
tubo endotraqueal utilizado foi o de 2,0 mm de diâmetro, sem cuff (FIGURA 4).

Figura 5. Tubo endotraqueal nº 2,0 mm de diâmetro. Fonte: VIAMED, 2022

Atualmente também existem máscaras laríngeas específicas para coelhos (V-gel®)


(FIGURA 5; FIGURA 6), que são úteis e fáceis de utilizar quando não é possível realizar ou ter

2
Montagem a partir de imagens coletadas nos sites Dental Centro Oeste e Cirúrgica Fernandes,
via dentalcentrooeste.com.br e cfernandes.com.br.
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sucesso na intubação orotraqueal. No entanto, o uso desse dispositivo apresenta algumas


desvantagens em relação ao mau posicionamento, podendo acarretar em insuflação gástrica, fluidos
que podem vir de regiões orais e esofágicas, pois não é possível garantir que a região estará
totalmente protegida, além de não serem eficientes quando é necessário manobras de emergência
(ROCHA, 2018; LONGLEY, 2008; CASSU et. al., 2006)

Figura 6. Máscara laríngea V-gel® específica para coelhos.


Fonte: TRADEVET, 2022.

Figura 7. Máscara laríngea V-gel® introduzida na larínge do coelho.


Fonte: TRADEVET, 2022.

A anestesia inalatória é a anestesia obtida por meio da absorção de um princípio ativo pela
via respiratória, passando pela corrente circulatória e atingindo o SNC, produzindo anestesia geral
(FANTONI et al., 2010). O uso desses fármacos traz vantagens para a anestesia de coelhos, pois
de acordo com Longley (2008), eles são metabolizados rapidamente comparado com os anestésicos
injetáveis e produzem uma recuperação mais curta e suave. O Isoflurano é um agente volátil com
o uso muito comum em espécies exóticas, que ao ser administrado por via inalatória, é distribuído
rapidamente por todo o corpo (LONGLEY, 2008). A concentração alveolar mínima (CAM) é um
parâmetro de potência anestésica de um agente volátil e a CAM de Isoflurano em coelhos é de
2,05% (LONGLEY, 2008; MARCOS 2019), isso quer dizer que para administração de Isoflurano
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nessa espécie a fim de promover manutenção anestésica, é necessário administrar 2 a 5% de


Isoflurano por via inalatória (LONGLEY, 2008). O paciente foi mantido, durante o transoperatório,
sob anestesia geral inalatória com Isoflurano, em vaporizador universal, administrado
conjuntamente com oxigênio, por meio de um circuito anestésico conectado ao tubo endotraqueal
a um aparelho de anestesia e por possuir peso menor que 10 kg, fez-se uso do circuito aberto
(Baraka), assim como descreve Longley (2008), (FIGURA 7).

Figura 8. Paciente entubado com sonda endotraqueal nº 2,0,


conectado ao circuito aberto (Baraka), com sensor de oximetria
de pulso posicionado na língua. Fonte: BERNARDES, 2022.

De acordo com Moreira (2014), a dor em procedimentos cirúrgicos ortopédicos pode ser
tão intensa que os fármacos analgésicos que foram administrados na MPA se tornam insuficientes.
Dispondo dessa informação, é fundamental um planejamento anestésico adequado para promoção
da analgesia não só durante o ato cirúrgico, bem como no pós operatório pois o emprego da
analgesia antes do estímulo doloroso prevê ou substitui a dor subsequente, reduzindo e dispersando
o uso de resgate analgésico, resultando também em menor dor pós operatória (ALVES, 2013).
A infusão contínua de alguns fármacos se torna satisfatória e vem sendo empregada com
frequência na Medicina Veterinária pois além de promover anestesia e analgesia em função da
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depressão do SNC, diminuem a concentração alveolar mínima (CAM) de anestésicos inalatórios,


mantém níveis plasmáticos constantes e efetivos, além de possibilitar plano anestésico mais estável
e recuperação mais rápida sem reações de excitação (MOREIRA, 2014).
Durante o período perioperatório, em associação com a anestesia inalatória para
manutenção anestésica, foi realizado infusão contínua de metadona 0,3 mg/kg/h, como descrito
anteriormente com uso pouco relatado em coelhos, mas que demonstrou alta propriedade
analgésica para esse procedimento de longa duração, lidocaína 3 mg/kg/h, embora Carpenter
(2018) recomende a dose de 2 mg/kg/h, sabe-se que esse fármaco, quando administrado de forma
sistêmica produz boa analgesia e reduz a concentração de anestésicos voláteis, mas seu mecanismo
exato de como produz essa analgesia ainda é incerto, e Cetamina 1 mg/kg/h (CARPENTER, 2018),
que além de atuar como antagonista dos receptores NMDA, atua também em receptores opióides
e muscarínicos, produzindo analgesia bem como promoção de parâmetros hemodinâmicos
estáveis, que foi o observado.
Ainda no planejamento do manejo da dor, a anestesia locorregional se torna uma alternativa
a ser usada em associação à anestesia geral, principalmente em procedimentos ortopédicos que
exigem boa analgesia durante o peri e pós operatório. Os anestésicos locais causam perda da
sensibilidade dolorosa pois bloqueiam a condução nervosa do estímulo doloroso quando aplicados
localmente no tecido nervoso em concentrações apropriadas (MASSONE, 2011) e possui efeito
reversível. Pela complexidade anatômica das estruturas devido à má formação congênita do
paciente e presença de múltiplos abscessos, o bloqueio foi realizado após incisão e dissecção
cuidadosa do membro, quando foi possível a visualização do nervo femoral e nervo isquiático, que
foram os nervos bloqueados. O anestésico local de escolha foi a lidocaína 2%, sem vasoconstritor,
na dose de 10 mg/kg, por apresentar rápido início de ação, porém com duração moderada do efeito,
mas que foi suprido pela infusão contínua. O fármaco foi administrado usando a técnica descrita
por alguns autores como splash block (SILVA, 2020), que tem os princípios da anestesia
perineural, onde foi instilado anestésico bem próximo aos nervos femoral e isquiático, causando
analgesia e bloqueio local para proceder com o ato cirúrgico (MASSONE et al., 2010).
A anestesia peridural é também uma modalidade da anestesia regional que pode ser
utilizada em cirurgias ortopédicas, bem como cirurgias de amputação, produzindo excelente
analgesia, pois há bloqueio de raízes sensitivas e motoras dos nervos espinhais quando ocorre
difusão longitudinal do anestésico no interior do espaço epidural (GERING et al., 2015). Nesse
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caso, optou-se por não utilizá-la pois o animal apresentava abcessos bem próximo ao local onde é
feito a punção e por se tratar na deposição do anestésico local ao redor da dura-máter, haveria riscos
de puncionar conteúdo supurativo e transcorrer para dentro do espaço epidural resultado em grave
infecção e bloqueio simpático em animal séptico.
O monitoramento eficaz durante todo o ato cirúrgico requer avaliação em tempo real.
(QUESENBERRY et al., 2021). Durante todo o procedimento, foram avaliados os parâmetros de
frequência cardíaca (FC) por eletrocardiograma e pletismografia (frequência de pulso), pressão
arterial não invasiva (PANI), frequência respiratória (FR), saturação periférica de oxigênio na
hemoglobina (SpO2) por oxímetro de pulso posicionado no ápice da língua e temperatura por
termômetro esofágico. Para Quesenberry et al. (2021) entender os valores esperados de frequência
cardíaca para cada espécie é de extrema importância, isso porque pequenos roedores e lagomorfos
possuem uma frequência cardíaca muito rápida e alguns complexos eletrocardiográficos (ECG)
podem ser difíceis de avaliar esse parâmetro na velocidade de varredura padrão, embora alguns
complexos possuam velocidades de varredura que permitem uma avaliação mais precisa. A
monitoração da pressão arterial pode ser feita de forma invasiva, quando cateter intra arterial é
colocado em uma artéria, ou de forma não invasiva, usando uma sonda Doppler, um manguito e
um esfigmomanômetro. A pressão arterial foi avaliada de forma não invasiva, mas seus valores
não foram descritos em ficha anestésica. A frequência respiratória deve ser monitorada de perto e
pode ser feita observando a frequência ou o grau de movimentação do tórax, ou então pelo
movimento da bolsa respiratória do circuito anestésico, como foi feito e como sugere Quesenberry
et al., (2021). Ainda de acordo com esse autor, a função respiratória utilizando um capnógrafo que
irá fornecer informações sobre o dióxido de carbono expirado também é útil para avaliar a
ventilação, mas não foi possível utilizar esse recurso. A oximetria de pulso fornece informações
quanto a saturação de oxigênio da hemoglobina arterial (QUESENBERRY et al. 2021) e pode ser
feita dispondo o sensor na língua, orelhas, pés, cauda ou membranas mucosas, porém é importante
ter cautela na colocação do sensor na língua pois pode ocasionar em danos temporários nos
músculos linguais (LONGLEY, 2008).
Os parâmetros se mantiveram dentro dos valores esperados, sem intercorrência, em exceção
da temperatura, onde foi observado que ao iniciar o procedimento estava a 37ºC e ao término
33,8ºC. Para reduzir as taxas de mortalidade e morbidade associadas aos fármacos anestésicos, é
obrigatório que esse parâmetro seja monitorado e que seja fornecido suporte térmico
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(QUESENBERRY et al, 2021). Longley (2008) relata que esses animais são sensíveis a alterações
de temperatura, o que faz com que no trans e pós cirúrgico seja observada hipotermia induzida por
esses agentes, como foi observado no paciente. Além disso, a hipotermia diminui o metabolismo e
prolonga a recuperação, desse modo, é importante que as correções sejam feitas e que fontes de
calor sejam utilizadas independente da duração do procedimento (QUESENBERRY et al, 2021).
E embora tenha tido auxílio do colchão térmico, o mesmo não foi suficiente para manter a
temperatura e após o término do ato cirúrgico o animal foi devidamente aquecido utilizando luvas
de látex aquecidas, cobertor e secador para que esse parâmetro retornasse aos valores normais.
O retorno anestésico ocorreu tranquilamente, com o animal monitorado em ambiente
silencioso, aquecido e com boa oxigenação, assim como recomenda Longley (2008). Água e
comida foram ofertadas quando o animal estava devidamente acordado e houve boa aceitação.
Longley (2008) cita que caso a ingestão voluntária não seja estabelecida horas após o
procedimento, é importante que se inicie a alimentação com seringa para evitar problemas de estase
gastrointestinal. Após alta médica, foi recomendado que o animal permanecesse com roupa
cirúrgica pois o uso de colares poderia ocasionar no estresse do paciente e favorecer em maior
tempo de cicatrização e recuperação.
A dor em coelhos pode ser de dificultosa avaliação por aspectos comportamentais naturais
da espécie, principalmente em local desconhecido ou na presença de um observador (MENDES et
al., 2022). Escalas faciais, como a ''Rabbit Grimace Scale'' (FIGURA 8), podem tornar mais precisa
a resposta de um paciente à terapia, pois se baseiam nas expressões faciais do animal para analisar
a presença de dor. Além disso, outros comportamentos e sinais clínicos têm sido associados à dor,
incluindo mudanças no temperamento, mobilidade reduzida, aparência encurvada, redução no
consumo de alimentos, ranger os dentes, enrijecimento abdominal, diminuição da higiene e
mordeduras no local em que, provavelmente, sentem dor (QUESENBERRY et al. 2021). No
entanto, esses sinais não foram observados no paciente do presente relato evidenciando sucesso na
analgesia peri e pós operatória, pois o manejo analgésico foi embasado pela analgesia multimodal,
que consistiu no uso de analgésicos pré, trans e pós operatório, bloqueios anestésicos que inibiram
a transmissão nociceptiva e anti inflamatórios não esteroidais que reduziram a inflamação e a dor
desse paciente.
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Figura 9. Escala Grimace (Rabbit Grimace Scale). Normal (0): ouvidos em alertas, olhos
bem abertos. As vibrissas ficam levemente curvadas para baixo. As bochechas não estão
contraídas. O nariz parece relaxado e as narinas formam um U. Moderado (1): As orelhas
estão caídas em vista frontal e orientadas caudalmente em um ângulo de 60º em vista de
perfil. Os olhos estão ligeiramente estreitados (aperto orbital). As vibrissas são achatadas
contra as bochechas. As bochechas ficam ligeiramente achatadas e há menos definição entre
as bochechas e o nariz. As narinas formam um V. Grave (2): As orelhas são achatadas nas
vistas frontal e de perfil. Os olhos estão bem apertados ou fechados. Vibrissas e bochechas
estão notadamente planas. O nariz é puxado para baixo em direção ao queixo. A cabeça está
dobrada contra o peito. Fonte: adaptado, HAMPSHIRE, 2015.

O paciente foi acompanhado até completa recuperação, onde pode-se avaliar que o
procedimento cirúrgico e anestésico, bem como o manejo correto da dor, foi importante para que
o animal pudesse ter qualidade de vida e bem-estar, podendo posteriormente desfrutar de sua
liberdade e expressar seu comportamento, livre de dor e estresse.
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Figura 10. Paciente em domicílio 6 meses após procedimento. Fonte: BERNARDES, 2022

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A anestesia em coelhos, embora dificultosa e com alto risco de óbito em comparação com
outras espécies, quando realizada por um profissional especializado e com a escolha assertiva dos
fármacos para minimizar o estresse, tornando o ato anestésico o mais agradável possível para o
animal, bem como promovendo analgesia, conferiu em grande sucesso na qualidade de vida do
paciente, que após completa recuperação, se encontra livre de dores e desconforto, podendo exercer
sua liberdade para demonstrar seu comportamento natural. No entanto, a escolha dos anestésicos
condiz com a particularidade de cada indivíduo, de acordo com a sua necessidade. Ademais, é
fundamental o avanço de pesquisas e estudos dos agentes anestésicos que podem promover uma
anestesia mais segura nessa espécie, assim como é para outros animais.
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