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Resumo
Este artigo apresenta os Estudos de Área e as Relações Internacionais como dois
campos científicos que foram marcados pelo contexto político do pós-II Guerra
Mundial de disputas das potências por áreas de influência. A América Latina e Caribe
figurou em ambos como objeto de estudo sem grande participação na produção de
conhecimento. O giro decolonial, contudo, trouxe contribuições inestimáveis para o
conhecimento científico na região, com destaque para as ciências humanas, uma vez
que reivindica sua maior autonomia científica e política e valoriza o desenvolvimento
de perspectivas plurais e próprias nos estudos científicos. Defende-se na discussão aqui
proposta que as Relações Internacionais devem se apropriar do giro decolonial rumo a
uma teoria latino-americana para o campo. A partir do conceito da geopolítica do
conhecimento (colonialidade do saber), com respaldo de alguns autores e correntes
teóricas consagrados nas RI - construtivismo, teoria crítica - reconhece-se a importância
da contextualização teórica e do enraizamento das teorias adotadas, em detrimento da
importação de teorias estrangeiras, permeadas de visões de mundo alheias aos
problemas e identidades latino-americanas.
1
Bacharel em Relações Internacionais pela UCB, mestre em cooperação internacional (CEAM/UnB) e
doutoranda em ciências sociais (ELA/ICS/UnB), sua pesquisa centra-se na cooperação internacional para
o desenvolvimento (cooperação Sul-Sul). O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq,
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil.
1
Introdução
2
e de formação acadêmica em Relações Internacionais. Isso, para que fiquem atentos à
pluralidade teórica e à identidade regional latino-americana em meio às análises dos
fenômenos internacionais, comuns a tantas perspectivas quanto a lugares de
representação e enunciação existirem. Notadamente as contribuições do ‘giro
decolonial’ promovidas pelo Grupo Modernidade/Colonialidade (GMC) na década de
1990 oferecem uma clara identificação latino-americana com relação à crítica pós-
colonial iniciada no Oriente.
Formado por intelectuais latino-americanos situados em diversas
universidades das Américas, o coletivo realizou um movimento
epistemológico fundamental para a renovação crítica e utópica das ciências
sociais na América Latina no século XXI: a radicalização do argumento pós-
colonial no continente por meio da noção de “giro decolonial”. Assumindo
uma miríade ampla de influências teóricas, o M/C atualiza a tradição
crítica de pensamento latino-americano, oferece releituras históricas e
problematiza velhas e novas questões para o continente. Defende a
“opção decolonial” – epistêmica, teórica e política – para compreender e
atuar no mundo, marcado pela permanência da colonialidade global nos
diferentes níveis da vida pessoal e coletiva. (BALLESTRÍN, 2013; 89)
Este artigo defende que para ser importante para a humanidade, a Ciência deve
contar com diferentes referenciais e visões de mundo. Assim, conta-se com a abertura
do campo científico a outros locais e atores-produtores de conhecimento, numa
pluralidade epistemológica, reflexo da diversidade cultural que marca os campos
ontológicos estudados. Sendo assim, não se deve importar conceitos e teorias vindos de
fora sob o risco de ser alienado da própria condição soberana no cenário político.
Concebe-se, por fim, que teorizar a partir da América Latina e Caribe seja
quebrar determinados cânones do pensamento moderno do Atlântico Norte e inovar os
estudos de Relações Internacionais. Para tanto, deve-se propor novas categorias
analíticas, conceitos científicos, objetos de estudo, métodos de pesquisa e, em especial
teorias. Elas resultam em interpretações específicas acerca dos fatos, atos e fenômenos
internacionais, elas são importantes. Isso implica em que a produção teórica advinda de
uma “escola das RI latino-americana” não se constitua somente em perspectivas
analíticas conhecidas e utilizadas neste contexto, mas que seja capaz de levar
contribuições a outros contextos em benefício da pluralidade de pensamento, da
abrangência das comunidades científicas e da evolução científica em benefício geral.
3
O que os Estudos de Área tem a ver com as Relações Internacionais? Sabe-se
que ambos os campos científicos foram marcados pelos fins políticos das nações mais
poderosas no pós II Guerra Mundial. Sobre forte influência da guerra político-
ideológica da Guerra Fria, as RI, no âmbito da ciência política, e os EA, nas ciências
sociais, tiveram suas bases científicas constituídas e seus centros de pesquisas
institucionalizados, estes últimos mais no caso dos EA, para servir aos propósitos
imperialistas2 do bloco capitalista. Já no fim do século XX, falava-se na emergência de
um país hegemônico3 representada pelos Estados Unidos.
2
Osório (2018) ao tratar do imperialismo nas Relações Internacionais explica que a evolução conceitual
que tem em Lênin, no século XX, o apogeu de sua problemática, se transforma, no pós II Guerra Mundial
e no neoliberalismo, denominados de ‘atualidade pós-fordista’ na sua atual configuração: intimamente
atrelado ao capitalismo, por meio do Estado.
3
Castro (2012) conceitua hegemonia como exercício de hiperpoder multidimensional em escala global,
o que pressupõe reconhecimento de tal capacidade por parte dos demais Estados; se materializa
primeiramente na forma da consolidação da liderança e, posteriormente, da supremacia em determinadas
áreas, com forte presença em mais de uma área.
4
Ambos podem se complementar e/ou revezar-se nos cálculos de estrategistas políticos
diante da sua percepção da cena internacional.
Devido à vinculação da capacidade econômica dos países a investimentos na
produção de conhecimento, a ciência é parte de um processo cíclico entre poder político
e poder econômico. Sendo assim, a assimetria política é causa e ao mesmo tempo
consequência da desigualdade de produção científica. Se num determinado momento,
o poder político propicia o incremento do poder econômico e, por conseguinte os
investimentos de ciência e tecnologia de um Estado; em outro, maior produção de
conhecimento e inovação tecnológica propicia maior acumulação de capital e influência
política sobre os demais atores.
Num cenário realista, em vez de cooperação, a concorrência entre os atores era
o comportamento mais esperado. Neste contexto, a produção científica das Relações
Internacionais esteve dominada pela teoria realista que partia do pressuposto de atores
racionais e estimulava comportamentos egoístas dos Estados no cenário internacional
anárquico. Os Estudos de Área, por sua vez, constituídos a partir da
multidisciplinariedade, configurou seu universo de pesquisa a partir das demandas
‘pátrias’ de estudar e conhecer o “outro”, para melhor saber como exercer influência.
Os EA dividiram o mundo em ‘partes geográficas’ que se distinguiam pelas suas
diferenças locais para melhor gerar conhecimento sobre vastas extensões do mundo.
Enquanto os objetivos dos norte-americanos falavam em questões geopolíticas nos EA,
os europeus (Grã-Bretanha em 1944) faziam alusão à ideia de que era preciso conhecer
as línguas e culturas dos orientais, dos eslavos do leste europeu e da África com o
objetivo de formular recomendações para a evolução desses povos (RAFAEL, 1994;
WALLERSTEIN, 1997; SZANTON, 2004).
As RI, a seu modo, buscavam compreender os elementos da política externa, da
diplomacia e dos fenômenos internacionais para poder melhor instrumentalizar a
tomada de decisão dos atores governamentais. Numa concepção racionalista e
materialista, os Estados calculam os custos e benefícios das suas ações com forte peso
da compreensão sobre poder e força - os Estados definem seus interesses em termos de
poder e estão sempre prontos a usar sua força uma vez que há uma preponderância da
preocupação com a segurança em sua agenda internacional (SARFATI, 2005).
5
Wallerstein (1997) explica o surgimento dos Estudos de Área no período de
1850-1914 nos 5 países: Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália e Estados Unidos.
Pode-se atentar para 3 diferentes clivagens: 1) o passado-presente entre a história
ideográfica e as ciências sociais nomotéticas (economia, ciência política e sociologia)
que estavam centradas no mundo ocidental; 2) o ocidente-oriente, sendo que o mundo
não-ocidental era estudado pela antropologia que o tratava pelos adjetivos
tribais/primitivos/exóticos (no bojo da etnologia) e as grandes civilizações - China,
Japão, Índia, Pérsia e mundo árabe-islâmico – eram estudadas juntamente com as
antigas civilizações grega e romana (no bojo dos estudos clássicos); e 3) a separação
entre Estado, mercado e sociedade civil, o que fez surgir as fronteiras entre ciência
política, economia e sociologia, respectivamente, e daí a realização de estudos empírico
em outros contextos, interessados nos contrastes e nas comparações.
Com base no relatório “As regiões do mundo nas ciências sociais”, da SSRC
(Social Science Research Council) dos Estados Unidos em 1943, defende-se os EA a
partir de uma perspectiva geopolítica. Com a necessidade de cientistas sociais
especializados nas distintas ‘regiões’, almejava-se suprir um existente déficit curricular
e metodológico das academias norte-americanas. Com a necessidade de profissionais
preparados para defender a pátria, buscava-se superar a baixa capacidade dos EUA em
se envolver em conflitos. Pretendia-se, ainda, reverter o quadro de cientistas
generalistas, com o fim de que fossem mais enraizados com as realidades sociais
estudadas. Isso era parte do universo de parca utilização de dados empíricos e de baixo
conhecimento de locais e idiomas estrangeiros nas ciências sociais do país.
O cientista norte-americano, Robert Hall, em 1947, em “Estudos de Área:
considerações sobre suas implicações para as ciências sociais” (apud WALLERSTEIN,
1997) cita 3 razões para a institucionalização dos estudos de área nos EUA: dar
continuidade e conectar as ciências sociais com as áreas das humanidades tradicionais;
promover centros interdisciplinares que permitiriam o diálogo acadêmico
transcendendo as disciplinas e contribuir para os treinamentos de cidadãos que
trabalhariam em prol do interesse nacional dos Estados Unidos. Assim, os EA
contribuiriam com as disciplinas tradicionais, sem, contudo, alterar a estrutura
disciplinar vigente.
Em 1952, o boletim da UNESCO sobre as ciências sociais no nível internacional
foi dedicado aos Estudos de Área. Nele, o pensador francês Duroselle traz a crítica ao
problema dos metodológico deste conhecimento e faz uma denúncia quanto ao objetivo
6
deste campo de estudos, considerando-o menos uma contribuição para as ciências
sociais do que para os objetivos de política externa de certas nações. Não muito
diferente, o estrategista político norte-americano Morgenthau assinala como as áreas
estudadas no bojo dos EA partem dos interesses políticos estatais.4
As maiores críticas a este campo de estudos, contudo, emergem na década de
1960. Intensificada pelos movimentos sociais de 1968, com a Guerra do Vietnã, os EA
entram numa fase crítica ao serem acusados de “colonialismo científico”. Algumas das
críticas são: tratava-se de um movimento político da academia à serviço dos EUA na
Guerra Fria; eram idiográficos, ou seja, baseavam-se na descrição completa de
determinado caso, em vez de nomotéticos, produto de conhecimento generalizado -
altamente descritivos e incapazes de criar teorias sociais; eram produzidos sobre
‘outras’ nações, mas sempre em benefício da ‘nossa’ nação, sem a perspectiva da
alteridade. Além disso, com a globalização, os países se questionam sobre o fato de as
Ciências Sociais se centrarem nas particularidades das regiões/países quando deveriam
cobrir fenômenos internacionais. Por último, a vocação interdisciplinar coloca os
Estudos de Área vassalo das disciplinas tradicionais, pois neles nota-se a falta de
marcos teórico-metodológicos próprios para esses ‘novos objetos’ (RAFAEL, 2014).
Adicionalmente, Rafael (2014) aponta para o fato de que os EA detém um
“imaginário imigrante”. Ao tratar os pesquisadores estrangeiros como fontes de dados
empíricos, suscitam uma lógica de integração-cooperação científica baseada na
subordinação, uma vez que os diálogos entre acadêmicos do Norte e do Sul global
classificam-nos entre teóricos e empiristas, respectivamente, sendo os países do Sul
utilizados como ‘laboratórios’ de pesquisas sobre as quais não ganham nem mesmo os
devidos créditos.
Na compreensão sobre as regiões, não está compreendido o conhecimento
literário e musical dos estudos clássicos nem a cultura popular contemporânea, mas
somente a ciência política e a história. Isso levanta algumas questões: então o que são
as ciências sociais e para que servem? Afinal quem é o “nós” que fala? A ciência deve
ser fruto do imperialismo ou tecer uma crítica ao sistema? Os Estudos de Área
4
Em 1958, o Ato de Educação e Defesa Nacional (National Defence Education Act) autorizou a criação
de centros de Estudos de Área nas universidades nos EUA por mais de 20 anos. Este é foi o marco para
a internacionalização de faculdades, programas de treinamento e bibliotecas até hoje vigentes, conforme
explica Wallerstein (1997).
7
explicitam a existência das “teorias-mercados”, que são produzidos no centro do
sistema e adotados pela periferia (RAFAEL, 2014).
Os Estudos de Área caem em descrédito no nível internacional com um
escândalo que veio a público no Chile. A Operação Camelot em 1964 evidenciou a
crise ética da produção das ciências sociais ao serem ‘úteis’ e atenderem às demandas
governamentais. O Departamento de Defesa se envolve com o financiamento de
pesquisas provenientes dos EA para estudar movimentos insurgentes prevendo
pesquisas de campo em vários países - 12 são na América Latina e Caribe e outros em
regiões de conflito. O esquema saiu do controle quando um dos cientistas percebeu o
propósito das pesquisas e realizou a denúncia sobre uso dos resultados das pesquisas
sociais pelo serviço de inteligência do governo dos EUA (WALLERSTEIN, 1997).
No entanto, dentre alguns resultados positivos dos Estudos de Área, citam-se:
eles serviram de base para os estudos feministas, étnicos e culturais, sobrepondo-se à
tradicional etnografia e aos estudos Orientais; eles fizeram com que disciplinas
ocidentais se abrissem para considerar outros dados e pontos de vistas ao estabelecerem
maior diálogo entre os centros de pesquisa; eles questionaram as divisões sacrossantas
das disciplinas, cuja preocupação era mais técnica e metodológica do que baseada nos
objetos de estudo; eles aumentaram os estudos de línguas e culturas nas universidades;
eles sofisticaram os instrumentais teóricos e metodológicos; eles resultaram em
especializações interdisciplinares com abordagens mais interculturais e, também,
dedicaram-se ao papel da universidade num contexto global multicultural, em que era
preciso internacionalizar as agendas de pesquisa e formar redes científicas.
Assim, os EA apontam para a importância da ética na ciência. Uma ciência
engajada e instrumentalizada pela prática social e política não implica colocá-la à
serviço de interesses egoístas de Estados, empresas e demais grupos sociais em
detrimento de outros. Dentre as lições deixadas pelos EA está o avanço científico em
termos de interdisciplinariedade para o que converge distintos métodos, técnicas,
conceitos e teorias, diferentemente da multidisciplinariedade que caracteriza as RI que
apenas justapõem distintos campos científicos (jurídico, político, historiográfico,
econômico, etc).
8
Diante disso, poder-se-ia perguntar sobre os benefícios e malefícios de uma
eventual convergência entre os EA e as RI. Criados no mesmo contexto5 e partindo de
objetivos comuns (ciência à serviço da tomada de decisão), pode-se tirar lições das
críticas feitas aos EA para se buscar um caminho coerente dos dois campos com os
propósitos humanitários.
Importante esclarecer que os EA são aqueles estudos versados sobre as distintas
‘regiões geográficas’ (áreas designando regiões) e as RI interessam-se pela formação
dessas regiões como resultado de fenômenos internacionais estudados 6. Enquanto os
EA trataram das regiões a partir de uma perspectiva geopolítica, pois são de interesse
para a política externa, as RI se encarregam da expressão ‘integração regional’ para
designa o processo pelo qual os territórios pouco ou nada conectados uns aos outros
formam pouco a pouco um conjunto regional distinto do resto do mundo - esse conjunto
é mais do que a simples soma de suas partes. Muitos especialistas, conforme explica
Richard (2014) admitem dois tipos de integração regional: a ‘integração formal’, que é
a menos difícil de definir, já que os países podem entrar em um acordo regional e formar
um espaço comum, e a ‘integração funcional’, chamada por vezes de ‘real’ ou
‘aprofundada’, uma vez que se trata do processo pelo qual as interações entre os
territórios contíguos crescem a tal ponto que terminam por ser mais intensas no interior
dessas zonas do que com seu exterior.
Ao comentar sobre a relação das Relações Internacionais e os Estudos de Área
no início do século XXI, Herz (2002) lamenta sua não evolução no Brasil. Ao não
acompanhar as tendências no centro global, o país teria ficado para trás inclusive em
relação à sua internacionalização. Exceção para os temas da integração latino-
americana, haja vista a criação do Mercosul em fins dos anos 1980.
A tendência à articulação entre o campo de relações internacionais e os
estudos de áreas geográficas específicas, observada nos Estados Unidos e
em outros centros, não ocorreu no Brasil, expressando uma postura mais
geral da comunidade acadêmica e deixando uma lacuna importante quanto
ao nosso conhecimento sobre outras regiões. No entanto, o processo de
integração latino-americano tem favorecido a criação de centros que se
dedicam a esquadrinhar a região, particularmente no sul do país. Algumas
5
É preciso ressalvar que a criação desta área de estudos autônoma se deu na Inglaterra após a I Guerra
Mundial; no entanto, utiliza-se aqui a II Guerra Mundial como marco de consolidação deste campo,
quando vivenciou a primeiro debate paradigmático: dos realistas e dos idealistas nos EUA, conforme
explica Smouts (2004).
6
Trata-se aqui não apenas de região como um conceito geográfico, mas como um espaço resultado da
integração regional. Richard (2014) mostra certa crítica sobre o uso indiscriminado dessa designação de
‘regiões geográficas’ para qualquer ‘formação regional’ que não esteja baseada em áreas contíguas, sem
grandes esclarecimentos conceituais e requisitos analíticos.
9
análises sobre a aproximação com a África foram realizadas e uma área de
estudos africanos foi criada com pontos de interseção com a bibliografia
sobre raças (Mourão,1991; Gonçalves, 1987). Após o fim da Guerra Fria,
trabalhos sobre os países socialistas da Europa Oriental e a China vêm sendo
desenvolvidos. O diálogo entre especialistas em relações internacionais
e pesquisadores que se voltam para estudos comparados também tem
sido rarefeito, limitando-se a trabalhos sobre a América Latina, em
particular sobre os processo de democratização na região. (HERZ, 2002;
25 destaque nosso)
7 A autora explica sobre a tabela em que apresenta tais dados “o investimento das agências
governamentais e fundações privadas, em particular a Fundação Ford, para incentivo à formação e
produção, vem gradualmente apresentando resultados, o que pode ser observado nas inúmeras teses de
mestrado e doutorado feitas por estudantes brasileiros.”
10
o número de linhas de pesquisas para cada área geográfica selecionada 8 , conforme
tabela 1 abaixo. A partir dos dados, infere-se o seguinte: A América Latina é a região
de maior interesse da ciência política e história, com destaque para o tema da política
externa, presente no nome das linhas; os BRICS tem maior apelo para a economia; o
Caribe tem sido mais alvo de pesquisas sociológicas do que outras; a América do Sul
se destaca na pauta da ciência política, sem a mesma presença que possui a América
Latina na ciência política e na história; Ásia, Estados Unidos e Europa estão presentes
em pesquisas da ciência política, com pouca expressividade nas demais ciências, sendo
que a Europa é a região menos expressividade de todas; a África está muito presente
em pesquisas da história e com alguma projeção na pauta da ciência política.
8
Foram consideradas as linhas de pesquisa (alguns grupos de pesquisa possuem mais de 1 linha de
pesquisa); sem considerar as palavras-chave. Utilizou-se como filtro as duas grandes áreas das ciências
(humanas e sociais aplicadas). Dados disponíveis em: disponível em: http://lattes.cnpq.br/web/dgp
9
Este é o caso do Departamento de Estudos Latino-americanos (ELA) do Instituto de Ciências Sociais
da Universidade de Brasília, onde esta pesquisa tem sido desenvolvida. Criado como Centro de Pesquisa
e Pós-Graduação sobre as Américas (CEPPAC) em 1987 com o intuito de contribuir para a valorização
e divulgação dos Estudos Latino-americanos no Brasil, o Departamento hoje dedica-se aos estudos
comparativos e interdisciplinares sobre a região, sempre adotando uma perspectiva situada.
11
promover a cooperação Sul-Sul além dos acordos formais bilaterais entre governos,
alcançando grupos de cientistas e estudantes10.
Com isso, pergunta-se: seriam esses objetivos de estudar as várias regiões
geográficas do mundo os mesmos daqueles assumidos como Estudos de Área nos EUA
do pós-II Guerra Mundial? Estariam eles servindo diretamente aos interesses dos
governos ou dos Estados em que são hospedados e pelos quais são financiados?
Poderiam eles resultar de uma convergência da natural internacionalização científica
com decisões políticas de aproximação com essas regiões? Como definir as ‘áreas’
como longe das políticas de dominação, expansionistas, e afetas às políticas externas
mais solidárias e inclusivas?
Essas questões nos levam à necessária contextualização do que se entende pelos
EA sempre que mencionados. Acredita-se que a referência à expressão “Estudos de
Área” deve ser ressignificada, caso seja utilizada em outro contexto que não aquele em
que surgiu devido às máculas do seu mau uso naquele contexto. Para tanto, deve-se
partir para a necessária localização da enunciação dos discursos e da vinculação do
enunciador às correntes ideológicas. Dessa forma, nações ou pesquisadores com
curiosidades científicas ou à serviço do bem-estar humano de forma geral se afastam
daqueles comprometidos com anseios egoístas à serviço da dominação. Isso é o que
está posto no bojo das propostas de reflexão e produção de conhecimento atreladas ao
conceito sobre a geopolítica do conhecimento.
10
Amorim (2013), então-chanceler, a caracteriza esta como uma política externa ‘ativa e altiva’, em que
se destaca a autonomia pela diversificação de parcerias, novas geografias políticas com vários blocos
regionais criados, a exemplo dos BRICS e IBAS, e o reencontro com a África.
12
Observa-se, nisso, um ciclo virtuoso entre ciência e política, diferentemente dos
EA. Isso, porque a mudança política do país suscitou um conhecimento científico mais
internacionalizado, com autonomia dos pesquisadores que trabalhavam por sua próprio
interesse e eram financiados sem condicionalidades e imposições por parte do Estado.
As discussões sobre a colonialidade do saber, que traz o conceito da geopolítica
do conhecimento, trata dessa relação entre ciência e política a partir de uma visão crítica
proveniente do Sul global. Numa perspectiva mais estruturalista e que assume um
‘lugar de fala’ marginal na política internacional, aborda-se os problemas da
subalternidade da produção intelectual. Algumas regiões do centro político-econômico
global ainda se reservam as condições de produtores de teorias universais, abstratas,
neutras (leis nas ciências humanas), enquanto relegam à periferia do sistema, o papel
de empiria, de produção localizada.11
13
Foucault, Derrida e Gramsci. Sendo assim, o ‘giro decolonial’ é eminentemente situado
na América Latina e Caribe e sua perspectiva crítica busca identidade com a história e
os povos da região, numa pretendida vinculação entre o pensamento intelectual e o
campo da ação política.
14
“hybris del punto cero”), abre-se espaço para um diálogo de saberes. Dessa forma,
encontram-se novos conceitos e nova linguagem que deem conta da complexidade das
hierarquias de gênero, raça, classe, sexualidade, conhecimento e espiritualidade
inerentes aos processos geopolíticos, geoculturais e geoeconômicos do sistema-mundo.
O desafio que se impõem é buscar ‘fora’ do mundo ocidental as formas de
conhecimento silenciadas para transcender a lógica única que determina tudo desde
uma única hierarquia de poder (heterarquia).
Deve-se, para tanto, transcender o paradigma da dependência, centrado na
dimensão econômica e política, para incluir as dimensões epistêmica e cultural. Castro-
Gómez (2007) explica
15
conhecido, foi também uma dominação epistemológica, uma relação extremamente
desigual de saber-poder que conduziu à supressão de muitas formas de saber próprias
dos povos e/ou nações colonizados”.
Daí a geopolítica do poder ser um tema cada vez mais estudado nas ciências
sociais latino-americanas. Reconhecer a disputa de poder em termos ‘geográfico-
político’ que se dá na produção científica significa não apenas a introdução de novos
saberes e fontes, mas ainda a valorização de perspectivas alternativas e críticas. Dessa
forma, o saber geográfico e historicamente situado sobre os fenômenos estudados, a
introdução de novos temas e o uso de conhecimento na prática política vislumbram a
inserção dos países e povos dessas novas regiões - primeiramente colonizadas e
posteriormente marginalizadas politicamente - na produção de saber global, científico
e não científico.
Chama-se atenção aqui novamente para o fato de que não se quer somente
produzir um ‘conhecimento latino-americano’, útil para a realidade regional, mas
também levar contribuições para o centro científico global.
16
filosófico13, suscita que áreas como as Relações Internacionais transite da importação
de teorias estrangeiras para produções teóricas próprias, de caráter crítico e inovador
com a valorização de outras visões de mundo e referenciais de valor advindas de suas
várias comunidades.
A corrente construtivista, reconhece a relação direta e íntima entre contexto
histórico e intelectual e a produção de conhecimento. Tais contextos não apenas
condicionam o modo de se produzir conhecimento científico, mas também dizem que
o conhecimento pode levar os agentes internacionais a redefinir sua percepção da
realidade e a transformá-la, reconstruindo o universo dos fenômenos de que os analistas
das relações internacionais se ocupam no esforço de interpretação do mundo.
13
Diferentemente da produção de conhecimento europeísta, reivindica-se para a filosofia discussões em
torno dos ‘núcleos problêmicos’ que são problemas que se tornam temas da filosofia. A reflexão
conceitual é tal qual a práxis, dessa forma é diferente a cada momento e lugar (Valdés García, 2017).
14
Com base em Giddens (2013; 31), “a estruturação não tem existência independente do conhecimento
que os agentes possuem a respeito do que fazem em sua atividade cotidiana. Os agentes humanos sempre
sabem o que estão fazendo no nível da consciência discursiva, sob alguma forma de descrição.
Entretanto, o que eles fazem pode ser-lhes inteiramente desconhecido sob outras descrições, e talvez
conheçam muito pouco sobre as consequências ramificadas das atividades em que estão empenhados.”
17
que, por isso, existem independente das mentes e/ou dos discursos de quem as
conhecem. Numa teorização social científica, deve-se partir das teorias de referência,
quais sejam: as perspectivas analíticas que ‘explicam’, segundo os empiristas,
‘relacionam’, segundo os pós-modernos, e ‘estabelecem relações causais’, segundo os
realistas.
Há dois processos identificáveis na interação social e na socialização, segundo
o mesmo autor, o processo causal e o constitutivo. Enquanto o primeiro determina os
ajustes mútuos e a aprendizagem de identidades – as normas são causais quando
regulam o comportamento e as razões são causais quando fornecem motivação e
energia para a ação -; o segundo concentra-se na maneira como as formas sociais são
articuladas, assim, os efeitos constitutivos gerados por ideias e estruturas criam
fenômenos que são conceitual e logicamente dependentes de ideias e estruturas. A
teorização causal se pergunta ‘por quê?’ e ‘como?’ e a teorização constitutiva, ‘como é
possível?’ e ‘o quê?’. Daí o peso que o conhecimento intelectual tem nos processos
causais e constitutivos dos fenômenos sociais.
Adicionalmente, a teoria crítica das RI chama a atenção para a existência de
sujeitos, objetivos e perspectivas inerentes a toda teoria. Trata-se de perspectivas
derivadas de uma posição no tempo e espaço, em especial uma posição política e social
contextualizada. Daí a relevância de se analisar a relação complexa Estado/sociedade a
partir das singularidades que esta relação pode assumir nas distintas realidades (COX,
1981).
Quanto à produção teórica, Cox (1981) explica que toda teoria social e política
está vinculada à determinada origem. Pode, portanto, ser mapeada pelas condicionantes
históricas de certos problemas e questões. Ao mesmo tempo, ela busca transcender
essas particularidades de suas origens históricas para servir a certas proposições e leis
gerais. Assim, o autor classifica as teorias em dois tipos: as ‘teorias para solução de
problemas’ e as ‘teorias críticas’. As primeiras consideram o mundo como o percebe,
mapeando as relações sociais e de poder existentes e as instituições em que operam para
esboçar um marco analítico para a ação. As segundas posicionam-se fora do mundo
social percebido e possuem o objetivo de investigar como esta ordem surgiu.
Diferentemente da solução de problemas, as teorias críticas não tomam as instituições
e as relações sociais e de poder como certas, mas indagam-se sobre o potencial e os
fatores de mudança dessa ordem. Eis o compromisso científico com a transformação
social presente na trajetória histórica das sociedades.
18
Alinhado com as vertentes social (construtivista) e crítica das RI, o cientista
brasileiro Amado Cervo (2008) aponta para o risco de se aceitar as teorias alheias de
alcance universal. Ao comentar sobre o legado deixado pela produção teórica não
apenas para a epistemologia das RI, mas também para a tomada de decisão dos atores
internacionais, notadamente para o Estado, o autor explica
Toda teoria envolve uma visão de dentro das relações internacionais, porque
veicula valores, desígnios e interesses nacionais. Por tal razão, uma teoria
alheia pode ser epistemologicamente inadequada para explicar as
relações internacionais de outro país e, ainda, ao informar o processo
decisório, pode ser politicamente nociva. Tomemos dois exemplos
elementares. Se o choque de civilizações, com que Samuel Huntington vê o
mundo posterior à Guerra Fria, ou o dilema de segurança, com que R. Jervis
interpreta os problemas da paz e da guerra, convêm como categorias
explicativas e inspiração prática para os acadêmicos ou decisores norte-
americanos, por óbvio, não convêm aos brasileiros nem como explicação
das relações internacionais do país, muito menos como referências para o
processo decisório. O conhecimento das relações internacionais compõe
o poder como instrumento útil. Para mentes críticas exerce,
consequentemente, função preventiva diante de ameaças externas da parte
de homens de Estado que tiram inspiração de formulações introspectivas,
derivadas de culturas ou interesses nacionais. [...] Essas considerações
comprovam a necessidade que tem cada país de destilar teorias alheias
e de partir para construções teóricas que sejam epistemologicamente
adequadas e socialmente úteis. A América Latina delas dispõe. Duas são
as versões do pensamento latino-americano aplicado às relações
internacionais: a que expõem pensadores voltados para a realidade
regional das relações internacionais e a que elaborou-se dentro dos
gabinetes dos formuladores de políticas e foram historicamente
aplicadas. (CERVO, 2003; 5-6 grifo nosso)
19
como as teorias científicas das RI, eles balizam a compreensão de determinado objeto
e, portanto, a produção de conhecimento útil sobre ele.
O conceito de ‘inserção internacional’, proposto por Cervo (2008), investe,
portanto, numa produção brasileira e latino-americana no campo das RI. Justifica-se,
assim, porque um conjunto de conceitos serve à matriz nacional e regional para
reavaliar o papel das teorias das RI e desvendar seus riscos. Eles, também, desenvolvem
uma capacidade explicativa e valorativa de fácil operacionalidade. As relações
internacionais do Brasil e da América Latina e Caribe deram origem a 4 principais
paradigmas de desenvolvimento nacional e política externa, no período do século XIX
ao início do século XXI, a saber: o liberal-conservador; o desenvolvimentista; o
normal-liberal; e o logístico.
Castro (2012), num dos poucos livros sobre teoria das relações internacionais
publicados no Brasil, apresenta uma proposta teórica própria: a SEND – síntese
equilibrada normativa dinâmica. Nela se articula a busca humanista entre a tese nata
dos capitais de força-poder-interesse, e a antítese aguerrida dos padrões de dissuasão-
normas-valores com o fim de espelhar os valores da paz, da cooperação, do
entendimento e da harmonia no cenário internacional.
Em defesa da necessidade de se transcender uma teoria geral das RI, numa
perspectiva democratizante vinda do Sul global, o autor diz ser imperativo
20
A América Latina e o Caribe desde meados do século XX tem avançado no
campo epistemológico. Ao propor uma produção de conhecimento própria e crítica,
notabiliza-se, no mundo político e científico, pelas escola cepalina e teoria da
dependência.
No entanto, é com ‘giro decolonial’ que a região se destaca por uma produção
científica com alto impacto no cenário político global. Cairo (2008), explicita a relação
direta entre ciência e política para a região. Percorrendo os distintos modelos
geopolíticos globais, somente a partir da década de 1990 é que a região se desloca de
uma posição passiva para uma representação ativa e autônoma no mundo científico.
Segundo o autor, os projetos políticos e epistêmicos autônomos na AL&C,
especialmente aqueles do Grupo Modernidade/Colonialidade, justificam as mudanças
de uma posição mais periférica para uma mais central nos modelos geopolíticos no pós-
Guerra Fria.
21
O marco se dá nos anos 1950-60 no contexto da Guerra Fria, quando os Estudos
de Área alcançam um alto grau de institucionalização e profissionalização. Neste
momento surgem os Latin American Studies, como destaca Feres (2003)
22
Ao relatar a “(in)disciplina de Caliban”, personagem célebre das peças teatrais
de Shakespeare que se insubordina contra seu amo, o filósofo cubano Valdés García
(2017)15 faz um percurso importante pelos referenciais do pensamento caribenho na
literatura, na sociologia e na filosofia. O autor, dessa forma, valoriza a prática social
que informa os novos referenciais do pensamento caribenho
Si bien se asume que la filosofía es un modo peculiar de conocimiento, la
capacidad de ‘pensar abstractamente’ en conceptos y categorías, y que es
además un proceso que permite captar la realidad histórico-concreta del
‘estar siendo’, no como acción separada, ni como especulación abstracta,
sino como expresión crítica del proceso real de vida, como reflexión que se
levanta sobre los datos ‘empiricamente registrables’ en función de la
practica transformadora […] (VALDÉS GARCÍA, 2017; 99)
15
Resenha do Livro “La in-disciplina de Caliban: filosofía en el Caribe más allá de la academia”
(CAIXETA, 2018) Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/repam/index
23
integração regional e do regionalismo centrados no Estado (governos e instituições
públicas); a análise baseada em acordos formais, que ignora o papel das práticas sociais,
que são manipuladas pelos governos para neutralizar esse agrupamentos de Estados (eis
a ideia de que um acordo dito ‘regional’ faz uma região); a confusão entre acordo
regional e integração provoca uma mistura entre os níveis de integração, o que congela
as construções que são móveis por terem sido produzidas pelas próprias sociedades; o
caráter monosetorial e economicista das abordagens, que exclui observações sobre
processo bem mais ricos; e, por fim, a negligência da noção de contiguidade espacial,
que prescinde de conhecimentos da geografia física (ideia de região integrada16 e de
espaço geográfico) para beneficiar os projetos geopolíticos globais, conforme
anteriormente explicado.
Provavelmente devido a esses vícios, as RI da região latino-americana por tanto
tempo ignorou temas e processos de comum interesse, de certas identificações coletivas
e atentos às naturais integrações dos povos, que teriam se desenvolvido na contiguidade
do espaço geográfico. Isto explicaria, inclusive, por que se fala em América Latina
acoplada a uma região insular caribenha e, ao mesmo tempo, segmentada da sua parte
norte continental.
Considerações finais
por uma teoria da América Latina e Caribe
16
Segundo Richard (2014), a região é concebida como um sistema espacial possível de ser distinguido
de sistemas vizinhos; assim, falar de sistema pressupõe que suas unidades constitutivas se pareçam mais
entre si do que com as unidades exteriores e que as relações entre as unidades constitutivas sejam mais
intensas no interior da região do que com as unidades espaciais exteriores. A região é assimilada a um
sistema, independentemente de seu tamanho, e fornece uma visão da existência de interações fortes entre
os elementos vizinhos, enquanto as relações são menos fortes com os elementos externos.
24
A partir dos aprendizados deixados pelos Estudos de Áreas, defende-se aqui não
a negligência dos ‘estudos sobre as regiões’ do mundo, mas seu desenvolvimento
segundo nova perspectiva. Identificado a partir do contexto pós-II Guerra Mundial e
protagonizados pelos Estados Unidos, os EA foram realizados segundo uma
perspectiva autoritária e utilitária da política externa expansionista do governo norte-
americano. Sendo assim, pode-se fazer avançar os ‘estudos sobre as regiões’ com vistas
ao intercâmbio de conhecimento científico, à produção científica pluriversal e às teorias
enraizadas das Relações Internacionais.
Neste sentido, se faz relevante desenvolver o campo das ‘Epistemologias do
Sul’ nas RI. Notadamente, na América Latina e o Caribe observa-se grande potencial,
teórico, conceitual, metodológico introduzido pelo ‘giro decolonial’ para compreensão
dos fenômenos globais e proposição de soluções para os problemas sociais e políticos
observados local e globalmente.
Esse enraizamento da produção de conhecimento latino-americana e caribenha
nas várias regiões, comunidades e povos que formam parte do subcontinente, permitiria
inclusive maior integração entre as ações no níveis locais e globais – conforme
apregoado pela agenda global dos ODS, inclusão de atores e temas novos na agenda de
pesquisa e, também, maior conexão entre o pensamento e a ação. A perspectiva
científica engajada está no centro das propostas apresentadas pela corrente teórica
decolonial latino-americana e caribenha, de forte potencial para dinamizar e inovar a
produção de saber em suas dimensões metodológica, fenomenológica, cratológica
(teoria do poder), epistemológica, ontológica e praxeológica, para acompanhar o que
sugerido por Castro (2012).
A defesa por uma produção teórica latino-americana e caribenha está associada
a defesa de um saber situado. Valoriza-se, assim, o contexto e o enunciador desse saber.
Não se pretende, portanto, aqui associar-se aos cientistas que acreditam na neutralidade
científica, ao produzirem suas teorias abstratas universalistas, mas sim aos cientistas
que lutam pela emancipação intelectual e acadêmica das várias regiões do mundo que
tiveram sua voz silenciada e suas cosmologias negadas às tomadas de decisões coletivas
globais. Valorizam-se teorias produzidas a partir do resgate de símbolos, memórias-
histórias e visões de mundo próprias desse pluralismo humano.
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inaugura a produção de conhecimento útil para as realidades sociais em que vivemos
na América Latina e Caribe, mas ainda introduzir referenciais analíticos e bibliográficos
novos nas comunidades epistêmicas de RI.
Referências Bibliográficas
AMORIM, Celso. Breves Narrativas Diplomáticas. São Paulo: Ed. Benvirá, 2013.
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OSÓRIO, L.F. Imperialismo, Estado e Relações Internacionais. São Paulo: Ideias &
Letras, 2018.
RAFAEL, Vicente L. The Cultures of Area Studies. Social Text 41, 1994, pp. 91-111.
SARFATI, G. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Ed. Saraiva, 2005.
SZANTON, David. Introduction: The Origin, Nature, and Challenges of Area Studies
in the United States. In: SZANTON, David (ed.). The Politics of Knowledge: Area
Studies. Berkeley & Los Angeles: University of California Press, 2004
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