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1.

INTRODUÇÃO

O trigo é um cereal pertencente à família Gramínea e o gênero de maior


interesse comercial é o Triticum. É uma matéria-prima de grande importância, sendo
muito usado na fabricação de farinhas e de seus subprodutos. A grande variedade
de grãos de trigo aliada às condições de clima, solo, cultivo, colheita, secagem e
armazenamento podem provocar diferentes resultados na qualidade das farinhas
obtidas e, consequentemente, no seu uso industrial (COSTA et al., 2008).
A partir da moagem dos grãos de trigo Triticum aestivun, ou de outras
espécies desse mesmo gênero, exceto Triticum durum, obtém-se a farinha de trigo
(COSTA et al., 2008; OSÓRIO & WENDT, 1995; PIROZI & GERMANI, 1998). Além
da qualidade de sua matéria-prima, a qualidade tecnológica da farinha de trigo
depende das suas características intrínsecas, tais como umidade, material mineral e
composição (COSTA et al., 2008).
Estima-se que em 2016 a produção mundial de cereais seja em torno de
2.566 milhões de toneladas, sendo 733.7 milhões somente das diferentes espécies
de trigo, sendo 499 milhões dessas somente para o consumo humano, com uma
média per capita de 67 Kg (FAO, 2016). Desse total, a grande maioria é destinada
para a produção de farinha. Estima-se que 55 % de toda a farinha produzida é
utilizada nas indústrias de panificação e confeitaria, 17 % para uso doméstico, 15 %
para produção de massas alimentícias, 11 % para biscoitos e 2 % para
medicamentos, colas e alimentação animal (FERRARI, CLERICI e CHANG, 2014).
A qualidade da farinha de trigo é afetada pela qualidade de sua matéria
prima. A qualidade de grãos e farinhas de cereais é determinada por diversas
características, que podem ser divididas em físicas, químicas, enzimáticas e
reológicas. A qualidade do glúten, as propriedades de mistura, extensibilidade e
elasticidade da massa podem ser avaliadas a partir de análises reológicas (HOLAS
e TIPPLES, 1978).
As propriedades farinográficas da farinha de trigo, determinadas pelo
Farinógrafo® da empresa alemã Brabender®, é um dos testes mais completos e
sensíveis para avaliação da qualidade de mistura da massa. A absorção de água, o
tempo de chegada, tempo de desenvolvimento da massa, estabilidade e o índice de
tolerância são os aspectos determinados pela farinografia (GUTKOSKI et al., 2007).
O aparelho consiste basicamente de uma masseira com duas facas em forma de

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“Z”, essas facas giram em sentido contrário na massa formada pela amostra,
acrescida do seu ótimo de água, sob uma temperatura constante. Um dinamômetro
mede a força requerida para misturar a massa e reproduz um gráfico de
consistência, expressa em unidades farinográficas (UF), como função do tempo de
mistura, expresso em minutos (THYS e NITZKE, 2010).
O objetivo do presente relatório foi avaliar a capacidade de absorção de água
e estudar as propriedades de mistura de massas, através da interpretação dos
farinogramas de seis diferentes tipos de farinha de trigo.

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2. MATERIAIS E MÉTODOS
Farinogramas de seis diferentes tipos de farinha de trigo obtidos pelo método
AACC 54-14 (2000) modificado.

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3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os resultados obtidos a partir da leitura dos farinogramas dos 6 diferentes


tipos de farinha de trigo (ANEXO) estão representados na Tabela 1 abaixo.

Tabela 1. Absorção de água e propriedades de mistura das farinhas A, B, C, D, E e


F obtidas por análises dos farinogramas.

Farinha ABS TC EST TDM IT


(%) (min) (min) (min) (UF)

A 55,3 0,5 1,5 1,0 190


B 57 0,75 1,75 2 160
C 62,8 0,75 17,25 11,0 10
D 63,0 1,0 15,0 12,0 40
E 68,7 3,75 6,75 7,0 60
F 59,3 1,0 13,0 9,5 60
Onde: ABS = absorção de água; TC = tempo de chegada; EST = estabilidade; TDM = tempo de
desenvolvimento da massa; IT = índice de tolerância.

Na Tabela 2 abaixo encontram-se representados os valores que servem de


indicativo à força dos diferentes tipos de farinha.

Tabela 2. Absorção de água e propriedades farinográficas de farinhas com


diferentes forças.

Farinha ABS TDM EST IT


(%) (min) (min) (UF)

Fraca < 55 < 2,5 < 3,0 > 100


Média 54 - 60 2,5 - 4,0 3,0 - 8,0 60 - 100
Forte > 58 4,0 - 8,0 8,0 - 15,0 15 - 50
Muito Forte > 58 > 10,0 > 15,0 < 15
Fonte: Adaptado de PIZZINATO (1999). Onde: ABS = absorção de água; TC = tempo de chegada;
EST = estabilidade; TDM = tempo de desenvolvimento da massa; IT = índice de tolerância.

De acordo com as características observadas nas farinhas A e B (Tabela 1),


estas podem ser classificadas como farinhas fracas. Essas farinhas têm uma baixa
absorção de água, indicando menor teor de glúten úmido, responsável por

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aprisionar mais água na rede formando maior massa de glúten (SALES e VITTI,
1987). A quantidade e qualidade das proteínas interferem na velocidade de
absorção de água pela massa até que esta chegue à consistência de 500 UF, o que
indica a quantidade ideal de água a ser adicionada à farinha, determinada pela
curva de titulação. Por apresentarem caráter anfótero, proteínas estabelecem
interações mais complexas com a água, que demandam mais tempo para se formar.
Em contrapartida, o amido absorve água mais rapidamente porque forma ligações
de hidrogênio com água. Assim, farinhas de baixo teor de proteínas apresentam
menor tempo de chegada, o que pode ser observado nas farinhas A e B. O tempo
de chegada muito curto não é desejável, por causar problemas na uniformidade do
produto, o que implica na rápida hidratação da farinha e, consequentemente, na
indisponibilidade de água para que os demais ingredientes se liguem.
O tempo de desenvolvimento máximo (TDM) ou tempo de pico é o tempo
decorrido do zero até o ponto de máxima consistência, imediatamente antes da
primeira indicação de decaimento da curva (SHUEY et al, 1972). O TDM vai indicar
a qualidade da proteína, e farinhas fortes, normalmente, requerem maior tempo de
desenvolvimento que farinhas fracas (PYLER, 1988; QUAGLIA, 1991). Sendo
assim, essa é mais uma característica da massa que infere que as farinhas A e B
sejam fracas, uma vez que apresentaram baixo TDM.
A baixa estabilidade da farinha pode ser explicada pelas interações fracas
entre as proteínas formadoras do glúten, o que foi observado nas farinhas A e B
(COSTA et al., 2008).
Ainda, o índice de tolerância (IT) das farinhas A e B apresentaram valores
elevados. O IT é diretamente influenciado pela quantidade de ligações na rede de
glúten. Farinhas fracas, por terem pouca quantidade de proteínas do glúten e,
consequentemente, uma rede de glúten com poucas ligações, apresentam maiores
valores de IT. Isso ocorre porque a mistura excessiva sobre essa farinha gera
menor número de quebras, devido ao menor número de ligações existentes na rede
de glúten (DEXTER et al., 1981). Portanto, as farinhas A e B são indicadas para a
produção de biscoitos, bolos, tortas e cookies.
Já as farinhas C e D (Tabela 1) podem ser classificadas como farinhas muito
fortes, tendo em vista as características descritas na Tabela 2. Essas farinhas
apresentaram uma alta absorção de água, caracterizando um alto teor de glúten
úmido. A elevada estabilidade é caracterizada principalmente pela força de

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interação entre as proteínas formadoras do glúten, as gliadinas e gluteninas, sejam
pelas pontes dissulfeto ou por ligações intermoleculares secundárias. A combinação
dessas interações tem um papel fundamental na formação da rede tridimensional,
que confere extensibilidade, impermeabilidade ao gás carbônico gerado na
fermentação, elasticidade e alto poder de absorção de água pela massa. O tempo
de desenvolvimento das massas dessas farinhas foi relativamente alto, indicando
uma boa qualidade de proteínas formadoras de glúten. Por essa razão, as farinhas
de trigo C e D podem ser usadas na indústria de massas alimentícias ou, ainda,
quando combinada com uma farinha fraca, na indústria de panificação (COSTA et
al., 2008). De acordo com o grupo de pesquisa do Wheat Marketing Center (2008),
a farinografia é usada para prever as características de textura do produto final.
Como as propriedades de mistura caracterizaram as farinhas C e D como muito
fortes, indicando um produto de textura mais firme, logo, massas alimentícias.
A farinha E pode ser classificada como uma farinha média, visto que a sua
curva padrão manteve-se por um tempo consideravelmente curto na linha de 500
UF. Pela Tabela 1 é possível observar que a farinha em questão apresentou uma
elevada absorção de água e um elevado tempo de chegada, ou seja, um maior
tempo para a incorporação da água à massa (KAMINSKI et al., 2011). Esse
resultado sugere a presença de fibras na constituição natural da farinha, ou seja,
pode-se tratar de uma farinha integral. As fibras alteram, sobretudo, a absorção de
água da massa, o que implica em mudanças nas propriedades de mistura no
farinógrafo. A estrutura desses compostos é constituída por um número elevado de
grupos hidroxila, o que favorece o estabelecimento de ligações de hidrogênio com a
água. Portanto, as fibras podem retardar a hidratação das proteínas da farinha.
Além disso, elas podem interagir com essas proteínas formadoras do glúten, de
forma a afetar a formação da rede. Isto implica em problemas com relação à
expansão da massa ao longo do processo de fermentação e proporciona uma
farinha mais enfraquecida (OLIVEIRA et al., 2008). Uma outra consequência da
presença de fibras e do seu efeito no enfraquecimento da rede é o elevado índice
de tolerância, que pode ser observado na Tabela 1.
Ainda com relação a farinha E, pode-se perceber que ela apresentou uma
estabilidade consideravelmente baixa, ou seja, ela permaneceu pouco tempo na
faixa de consistência ótima para a fabricação de pães. Portanto, essa farinha não é
recomendada para a produção de pães, visto que esse produto necessita de uma

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farinha com excelente rede de glúten para favorecer a expansão da massa
(OLIVEIRA et al., 2008). Entretanto, pode-se recomendar tal farinha para a
produção de bolos, ou seja, produtos que não demandam um tempo prolongado de
mistura (DIAS et al., 2010; GUTKOSKI et al., 2011).
A farinha F contém absorção de água, TDM, EST e IT que a caracterizam
como fortes, como observa-se na Tabela 2, uma vez que a sua curva padrão
manteve-se por um tempo intermediário na linha de 500 UF, consistência ótima para
fabricação de pães.
Essa farinha apresentou boa estabilidade, o que indica que a farinha possui
boa resistência ao processamento e, possivelmente, apresenta uma rede de glúten
mais forte quando comparada às farinhas A, B e E, que provavelmente não
apresentam boa resistência ao amassamento, quebrando as ligações proteicas de
forma mais rápida.
Ainda sobre a farinha F, essa apresentou um IT intermediário e, segundo
GUTKOSKI e PEDÓ (2000), este comportamento pode acontecer possivelmente
pelo maior teor de lipídeos, bem como o enfraquecimento do glúten proporcionado
pela adição de fibras. Tendo em vista as propriedades de mistura da farinha F,
considerada como forte, essa é considerada uma farinha ótima para a fabricação de
pães (uso em panificação).

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4. CONCLUSÃO

A partir do que foi proposto, foi possível avaliar as diferenças da capacidade


de absorção de água de cada farinograma, representado por seis diferentes tipos de
farinha, e estudar as propriedades de mistura de massas por meio da técnica de
farinografia. Através da leitura desses farinogramas, foi possível determinar a
aplicação tecnológica para cada tipo de farinha. Sendo as farinhas A e B mais
indicadas para a produção de biscoitos, bolos, tortas e cookies, as farinhas C e D
para massas alimentícias, a farinha E para bolos e a F para pães. No entanto, para
ter uma maior precisão com respeito a qualidade da farinha para aplicação é
necessária uma combinação de vários testes, como extensografia, alveografia,
falling number e outros.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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71p.

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ANEXO

Figura 1. Farinograma da farinha A. Figura 2. Farinograma da farinha B.

Figura 3. Farinograma da farinha C. Figura 4. Farinograma da farinha D.

Figura 5. Farinograma da farinha E. Figura 6. Farinograma da farinha F.

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