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Nicole Swyticx

&

Os Livros Antigos
Prólogo

— Nossa guerra de anos acabará aqui! — exclamou a general Yveena para seu
exército enquanto sua montaria seguia em frente ao campo de batalha.
Junto da mulher, três homens estavam com ela na linha de frente. Todos os quatro
ali eram irmãos, filhos de Veyra com um único propósito de acabar com Senhor das
Trevas.
— Pela liberdade! — O general Perph montado em seu cavalo negro exclamou ao
levantar seu enorme machado de batalha. Todos os outros incontáveis soldados e
guerreiros atrás dos generais rugiram — Pela honra! — novamente um estrondoso rugido
do exercito — PELA RESISTÊNCIA! — Pela terceira vez o rugido ecoou, e em seguida
a terra se estremeceu com inúmeros guerreiros de ambos os lados avançando para a
decisão de quem governaria o multiverso, a Resistência de Veyra ou a Corte de Kaos.
Em segundos corpos mortos ao chão eram difíceis de contar. Pessoas feridas e
explosões momentâneas se tornaram a única vista do horizonte naquele lugar. Cabeças
decapitadas e vísceras arrancadas se tornaram comuns de serem encontradas naquela
região que antes era um lindo gramado com tons de roxo, e após a batalha se tornou um
horrível campo carmesim.
Arkun, o irmão mais novo de Yveena avançou pelo flanco esquerdo junto de um
grupo, com o intuito de atacar o senhor das trevas furtivamente, o que era uma tarefa de
realização utópica. Lokyon fora designado a avançar pelo flanco direito com intuito de
servir como isca para que diversos guerreiros da Corte fossem atrás dele, dando um
espaço mais abrangente no campo de batalha, para que Yveena e Perph conseguissem
tomar o centro da planície.
Não era improvável que Kaos lideraria a batalha decisiva, e era óbvio que o senhor
das trevas preferiria confrontar a mais poderosa e estrategista dos quatro frente a frente.
Kaos era apenas uma figura de armadura de bronze segurando uma espada na mão
direita e um escudo na esquerda. Quanto em meio a tantos seres sendo mortos na batalha,
Yveena finalmente encontrou-se com Kaos, que estava a encarando serenamente. Ela o
fitou e já sabia o que tinha de fazer. Yveena diferente dos irmãos, recebera um dom em
seu nascimento que ultrapassava até mesmo o desejo dos deuses, a visão do passado,
presente e futuro, e graças a isso, ela sabia exatamente o que deveria fazer naquele
momento que estava de frente ao deus. A general retirou de sua cintura um pequeno frasco
com um liquido que continha um encantamento da deusa Veyra. Ela correu em direção a
Kaos enquanto banhava a lâmina de sua espada com o liquido e dizia baixo palavras que
lembravam uma conjuração mágica. Os gumes da espada de Yveena se tornaram
brilhantes como o sol e iluminou todo o campo, e prevendo os movimentos de Kaos, a
general perfurou calculadamente a lâmina no peito do deus. Parecia que todo havia
acabado de um modo fácil, mas Yveena sabia que não, sabia que aquele não seria o fim,
pois suas visões mostraram a ela que junto dela havia um traidor, um que ela não queria
aceitar, seu irmão mais velho, Lokyon aparecera de repente atrás de Yveena a desferindo
um golpe que a perfurou.
— Me desculpe, Yvi... — dissera Lokyon enquanto escorria lágrimas de seu rosto
— você não entenderia.
Perph e Arkun viram a cena e não puderam acreditar no que havia acontecido.
Yveena morrera. Em seguida, assim que se distraíram, os dois generais vieram a morrer
também.
Yveena segurou a lâmina que atravessou seu peito e dissera:
— Tudo bem, Loky, tudo bem... — Então ela caira no chão e de novo começou a
recitar alguma conjuração mágica.

Após tanta tragédia em uma única batalha, felizmente a Resistência permaneceu,


mesmo perdendo seus quatro líderes. Lokyon fugira com peso na consciência junto dos
guerreiros que sobraram da Corte.
Capítulo I
O Monstro e o Relâmpago

O tempo estava nublado, parecia que não demoraria para aquela forte chuva de
verão começar. E eu estava com muita pressa, pois estava a pé indo para o meu primeiro
dia de aula do oitavo ano, minha maior sorte, é que a escola não ficava assim tão longe
de casa, no máximo um quilometro de distância. As ruas estavam movimentadas com
diversos carros acelerados.
Não demorei muito para chegar, felizmente cheguei antes da primeira aula.
Quando cheguei dentro da sala de aula, não haviam muitas cadeiras vazias, apenas uma
no canto direito, ao lado da janela. Aquele lugar tinha sido guardado para mim, pelo Rob
meu melhor amigo que estava sentado a frente. De forma tímida em meio aquela turma
que era a mesma do ano passado, acenei para Rob que assim como eu era negro de pele
clara, porém diferente de mim, possuía olhos puxados que ele descendia de seus traços
asiáticos. O garoto também estava trajado de um moletom cinza e uma touca de lã preta
que escondia seu cabelo encaracolado. Acabei por me aproximar e sentei na velha carteira
atrás do garoto.
Rob e eu nos conhecemos na escola a alguns anos, quando ele voltou do Japão,
pouco depois da morte de sua mãe. O menino tinha a nacionalidade brasileira, mas sua
mãe era de origem oriental, especificadamente do Japão. Após a morte dela, o garoto
passou a morar com o pai em Minas Gerais e desde então não tivera tanto contato com
sua família materna. Rob é um garoto um tanto quanto traumático pela perda da mãe, mas
eu juro que ele é um cara incrível!
Acabei não me dando devida apresentação. Meu nome é Nicole Swyticx Dantas –
Lê se Suí-tiquis – sim eu sei que esse é um nome embaraçoso e já foi grandes motivos de
piada, e até hoje meus pais nunca me disseram de onde veio esse nome, meu pai somente
contou que era importante, mas também nunca dei muita importância para isso.
Enfim... passei alguns minutos conversando com Rob até que enfim a professora
chegou. Ela era alta e extremamente bonita. Sua pele era branca como leite e seu cabelo
loiro possuía uma cor vibrante. Seus olhos eram tão claros e radiantes que
inacreditavelmente eles pareciam ter um tom alaranjado.
— Queridos alunos! — exclamou ao colocar sua bolsa sobre a mesa — eu não
serei a professora fixa de vocês, só estou aqui hoje para substituir, já que a senhora Maria
recentemente ficou mal. Meu nome é Akatikou — Ela se virou especificamente para mim
quando dissera seu nome, como se esperasse que eu dissesse algo — Mas podem me
chamar de Akkou.
Era um nome bem incomum para alguém do interior de Minas, mas de acordo
com ela, sua mãe sempre tivera gostos estranhos para nomes, como Deena, que era o
nome da irmã mais nova de Akkou.
Mas no mais, a aula fora muito boa e interessante. Akkou dava explicação sobre
os iluministas e contava da renascença como se ela tivesse participado dos
acontecimentos. Até mesmo falando sobre histórias mitológicas, como Hércules
efetuando seus doze trabalhos.
— Se não fosse por mim, Quíron jamais saberia como treinar aquele tal de Hércules
metido a besta! — Toda sala riu com as piadas de Akkou.
Ela sempre demonstrava um sorriso afetivo quando a turma gargalhava, mas sempre se
virava para mim, sempre encarando meus enormes olhos castanhos.
Eu tinha uma sensação de familiaridade sempre que a professora me observava
profundamente, por mais que eu nunca a tenha visto ela, a minha vontade era de abraça-
la e dizer “Que saudades”.

As aulas não demoraram muito para passar, já havia passado das onze e meia e já
estávamos saindo da escola. Roberto parecia mais cansado do que eu, seus olhos estavam
pesados e fundos, provavelmente não conseguira dormir na noite passada.
— Aconteceu algo ontem, Rob? — Perguntei
O garoto de não muitas palavras permaneceu calado e apenas balançou a cabeça
em forma de negação.
— Você parece estar cansado — Disse.
Ele permaneceu em silêncio enquanto caminhávamos em passos lentos até nossas
casas. Eu não sabia o que dizer, a única coisa que pensei foi que por seus traumas, ele não
tivesse conseguido dormir.
Eu queria quebrar o silêncio e então acabei citando sobre a professora substituta
de história.
— O que você achou da Akatikou, Rob? Eu tenho quase certeza que esse não é o
nome dela, hein — conclui dando uma risada pelo nome da mulher.
Roberto parou sua caminhada por alguns segundos e com seus olhos arregalados
me encarou.
— Nicole, espera... — suspirou fundo e encarou ao nosso redor.
Fiquei sem entender. Ele parecia estar tentando focar em algo demonstrando uma
pose que eu nunca o vi fazer. O garoto estava com seus joelhos parcialmente dobrados e
com a mão direita estendida para o lado. Sua mão esquerda estava protegendo o rosto, se
assemelhava bastante com uma pose fictícia de esgrima.
De repente um homem saíra da esquina a nossa frente. Passos lentos e vestido de
forma formal, ternos, sapatos sociais e luvas brancas nas mãos. Um óculos preto em seus
olhos e um chapéu que combinava com o resto do visual. O mesmo surgira batendo
palmas que a rua vazia ressoava.
— Muito bem, Kaminari — disse ele.
Roberto franziu as sobrancelhas e de sua mão direita eu vi pela primeira vez um
emaranhado de relâmpagos surgir entre os dedos.
Eu recentemente estava tendo sonhos bem fantasiosos mesmo, não me
surpreenderia se aquilo também fosse um sonho e que eu fosse acordar no meio da aula
de inglês.
— Irus, o que você quer? — Roberto dissera calmamente.
O homem sorrira e dissera:
— Você sabe o que eu quero, Kaminari.
Mesmo com os óculos escuros, eu consegui notar que Irus me fitara, como se me
quisesse.
Um silêncio ensurdecedor se desenvolvera novamente na rua vazia. Roberto ainda
na mesma pose voltou a íris de seus olhos para a casa atrás de nós, como se tivesse ouvido
algo vindo dali. Irus também virara seu rosto para o mesmo lugar, e sua feição mudou
repentinamente, demonstrava medo, mas logo em seguida retornou a sua postura.
— Um a mais ou menos não vai fazer diferença. Meu lord me mandou aqui para
uma missão simples, e ela será cumprida — O homem assoviara e de repente estrondos
começaram a surgir. Pareciam terremotos e a cada segundo ele se tornava mais alto e o
chão tremia cada vez mais. Junto disso um objeto longo viera voando para a mão de Rob
que estava estendida e manifestando relâmpagos. O estranho objeto era uma espada já
desembainhada, uma lâmina curva e reluzente. Pouco acima de seu cabo estava um kanji
“雷”, o kanji significava o sobrenome de Roberto, Kaminari, que é o mesmo que
relâmpago. Assim que a espada se encontrou com a mão do garoto, foi possível ver um
pequeno campo eletromagnético surgir do contato.
Enquanto o estrondo seguia em frente, de longe foi possível ver uma figura
enorme correndo em nossa direção. Quando chegou perto o suficiente, foi capaz ver com
detalhes. Eu nem sabia descrever, parecia irreal, deveria ter uns três metros de altura, sua
pele era composta de pedra e seu rosto era de touro, possuía uma forma bípede e segurava
um machado pesado em cada uma das duas mãos. Os olhos eram vermelhos e ele bufara
de fúria.
Senti medo, mas meu instinto dentro de mim dizia para lutar, sem que eu
entendesse o porquê.
— Como eu disse, Kaminari... — falou o homem de terno — você sabe o que eu
quero.
— Você não vai leva-la, Irus — respondeu Rob — não enquanto eu estiver aqui.
Irus pareceu meio tristonho.
— Infelizmente eu já sabia disso e também infelizmente não vou poder usar
nenhum civil dessas lindas casas para te distrair. — Suspirou — Vocês foram mais
rápidos do que eu esperava.
Rob olhou ao redor como se não entendesse a parte dos civis e Irus pareceu notar.
— Espera, vocês não estão juntos? — ele gargalhou. — Como são tolos...
O homem estalou os dedos da mão. O que deu a entender que ele liberou o enorme
monstro a nos atacar.
A fera gritou e como um trem desgovernado correu até Roberto. O mesmo mudou
sua posição de luta calmamente levando a espada para a cintura ao lado esquerdo.
Reposicionou suas pernas, tendo a direita dobrada e a esquerda esticada para trás. Se
assemelhava a um samurai. Fechou seus olhos e ele ouvia cada passo estrondos do
monstro e pacientemente esperou a hora certo de atacar. No momento exato em que a
criatura de pedra chegou perto o suficiente e levantou o braço para atingir Roberto com
um dos machados, o garoto cortara a mão do monstro, fazendo a cair com a arma. No
momento seguinte Rob já estava posicionado no ar, especificamente na nuca da criatura.
Eu pude ver em um pequeno instante, Rob sibilou palavras que fez com que sua espada
se preenchesse de raios, e no mesmo segundo ele decapitara a cabeça de touro do monstro,
que caíra facilmente no chão.
Enquanto Rob lutava, o homem chamado de Irus não ficou parado, ele apareceu
na minha frente a menos de um metro de mim, segurara meus braços frágeis, e de seus
olhos agora mais pertos de mim, eu pude sentir um medo tão grande que escondia todo o
meu instinto de luta. Num piscar de olhos ele me levou para outro lugar, um beco fechado.
Não deveria ter ninguém lá além de ratos e insetos ao redor dos lixos.
Ele ainda me segurando para não fugir retirou algo do bolso de seu terno. Uma
moeda prateada com o desenho de um barco pequeno.
— O que é isso? — perguntei com medo.
— Ah garotinha, não posso te explicar agora, o garoto Kaminari é um tanto quanto
rápido e eu não posso deixá-lo nos achar por agora, se não ele vai te pegar de volta.
Assim que ele estava pra jogar a moeda no chão, uma mãe pálida aparecera de
repente e apertou com força os dedos de Irus.
— Moedas do Caronte — disse a pessoa, a voz me era conhecida, logo me dei
conta ao olhar que era Akatikou.
Irus se assustou, ficou inerte sem responder Akkou.
Eu não sabia o que esperar, não fazia sentido ver Akkou ali e do por que ela sabia
o que era uma moeda do Caronte. Mas eu fiquei feliz.
Assim como Irus dissera, não demorou para que Rob aparecesse, ele surgiu com
fúria nos olhos em uma velocidade tão grande que sequer um carro de fórmula um o
ultrapassava.
Irus vociferou um palavrão e com a mão que estava livre, ele fez um movimento
tão robusto que cortara a palma que Akkou segurava. Ele novamente se teletransportou
deixando apenas sombras, mas dessa vez sem me levar.
Para minha surpresa aquilo realmente não parecia um sonho. Sentei no chão do
beco junto dos ratos que me observavam e fiquei ali esperando algum dos dois a minha
frente me explicar o que havia acontecido. Eles se entreolharam e Rob me ajudou a
levantar.
— Nicole, isso aconteceu muito rápido. — Falou Akkou — eu não queria que
fosse, mas a Corte tem agido muito rápida e não conseguimos sequer prever o próximo
movimento deles.
— A Corte? — questionei — A Corte de Kaos?
Ambos se impressionaram quando perguntei e afirmaram com a cabeça e com a
boca aberta pela surpresa.
— Eu não sei explicar direito, mas conheço a Corte, eles são parte dos meus
sonhos frequentes.
Depois disso Rob e Akkou tentaram me explicar um tanto de coisas sobre a Corte
não ser só parte dos meus sonhos e também me perguntaram de tudo o que eu sabia sobre
Yveena e sobre Veyra e várias outras coisas sobre Os Viajantes. Muitas dessas coisas eu
só sabia o nome, as vezes eu sentia um afeto forte. Inclui que alguém de aparência muito
semelhante a de Akkou também aparecia em meus sonhos, mas era mais jovem e menos
carismática e por isso talvez eu sentisse aquele afeto com a professora na sala de aula.
Me falaram que eu deveria ir de encontro com a Morte e com a Vida, pois eles me
explicariam melhor as coisas. Eu queria negar e só ir embora para casa, mas meu instinto
de novo começou a fluir dentro de mim dizendo que eu deveria ir.
Capítulo II

Após toda aquela bizarrice, a professora Akatikou me dissera para ir para casa
apressadamente, pois Kaos ainda estava em minha busca, e que eu deveria ficar junto de
Rob. Eu não sabia o por que o suposto deus dos meus sonhos me perseguia daquele modo,
mas eu entendia que eu precisava de proteção.
Eu tinha perguntas, mas nem Roberto ou Akatikou me davam respostas, apenas
diziam que a Morte me explicaria. E no que eles me disseram, eu não iria morrer, mas
que a Morte era uma representação antropomórfica de um conceito, felizmente eu já havia
lido The Sandman e se ela fosse semelhante a versão de Neil Gaiman, eu não teria com o
que me preocupar.
Em seguida Akkou se despedira balançando a mão esquerda. Disse que tentaria
entrar em contato com a tal da Morte e implorara para que Rob me protegesse. Pela feição
do garoto, ele não tinha muita confiança nela, mas era perceptível que demonstrava
respeito a mesma.
Ao sairmos do beco, apenas eu e Roberto, eu o perguntei a sós do que ele sabia.
— Isso é inacreditável — comentei.
O garoto me analisou confuso e questionou no que eu estava incrédula.
— No que aconteceu. Em você, na professora substituta que não é bem uma
professora — respondi — é tudo muito surreal, Roberto!
— Nicole, — disse ele — Não deveria ter sido assim. Aconteceu muito rápido.
Mas é real, existe além dos olhos deste mundo coisas absurdas, que pessoas comuns
diriam que são irreais.
Eu havia deixado de achar que aquilo era um sonho a algum tempo. Eu não era
burra ou idiota. Eu tive evidências reais que senti no tato. Ou eu estava ficando louca ou
era real, preferi acreditar na segunda opção que meus pensamentos me propuseram.
— Eu acredito, e estou acreditando, mas continua sendo surreal — falei — você
e eu somos amigos a muito tempo. A quanto tempo você sabe dessas coisas?!
— Desde... — passou algum tempo em silencio enquanto pensava seriamente —
desde que eu me entendo por gente.
Fiquei chateada com ele por nunca ter me contado nada sobre ele ser um samurai
com algum tipo de poder elétrico e mágico, mas eu deixei passar. Ele continuou
respondendo perguntas minhas que não eram tão relevantes assim. E em passos rápidos
chegamos na minha casa.
A casa em si era grande, mas não muito bonita assim, mesmo que pra mim ela
fosse perfeita.
Meu pai estava em casa, era dia de folga dele, então ele não havia ido trabalhar,
enquanto isso minha mãe estava no escritório da indústria em que ela trabalhava.
Logo quando Eu e Rob entramos pela porta que dava para a entrada da sala, nos
sentamos no enorme sofá purpura que meus pais haviam comprado recentemente, ele
ficava frente a televisão e combinava perfeitamente com o resto do cômodo.
Meu pai estava lendo um livro de horror que mesmo sendo difícil, consegui
perceber que o nome tinha algo sobre uma tal de Rocha Negra. Nunca tive a oportunidade
de lê-lo, mas sempre me interessei por literatura de terror.
O homem estava sentado na poltrona cor de vinho ao lado do sofá e bebendo um
chá. Ele era bem forte para sua idade, usava óculos retangulares e tinha uma barba feita e
sem falhas. A pele dele era clara diferente da minha e seu cabelo encaracolado e alto o
dava um charme que combinava muito bem com seu maxilar quadrado.
— Cheguei! — exclamei.
Ele retirou o livro de frente dos seus olhos castanhos e me fitara.
— Demorou, Nicole. Aconteceu alguma coisa? — fora quando percebera a
presença do Roberto segurando uma espada ao meu lado. Sua expressão alterou-se
momentaneamente de calmo e sereno para seriedade. Uma coisa que eu nunca o vi fazer
tão rapidamente. Ele pôs o livro sobre o braço da poltrona e cerrou os punhos — O que
houve?!
Pela primeira vez em tanto tempo de amizade eu vi Roberto se ajoelhar perante ao
meu pai e sibilar:
— Lord Swyticx, o penúltimo de seu nome — falou Rob cabisbaixo — O
renomado guerreiro da Resistência, descendente de Hüe e Senhor dos Grimórios.
Meu pai fitara Rob e eu me assustei com tal olhar, todas as vezes que Rob havia
ido a minha casa, nunca houvera esse tipo de reverência, e eu nunca havia visto nenhum
dos dois daquela forma.
— No caminho após a aula fomos atacados por um dos servos de Kaos. Felizmente
graças a... — Hesitou a dizer o nome de Akkou — graças a General Akatikou Deewl
saímos vitoriosos, caso contrário, Nicole não estaria aqui me ouvindo contar os
acontecimentos.
Meu pai arregalou os olhos e com mais força cerrou os punhos.
— Como você falhou em seu objetivo?! — Com raiva ele levantou a voz para o
garoto e o mesmo permaneceu calado e ajoelhado com a cabeça baixa.
— Me desculpe, senhor. Acabei agindo por impulso... — Rob disse. Eu estava
começando a ficar com um sentimento de pesar ao ver Rob recebendo um esculacho
daqueles, e eu nem estava entendendo direito.
— Eu esperava que como descendente do trono Kaminari você fosse capaz de
fazer o mesmo que seus antepassados... fosse capaz de fazer o mesmo que sua mãe, fosse
capaz proteger. Estou decep...
Acabei interrompendo-o.
— PAI! — exclamei. Não podia ver Rob vulnerável daquele jeito — Eu
nunca te vi assim! Eu não estou entendendo tudo, mas Rob não tem culpa de um
monstro quase ter me levado para sei lá onde! Ele conseguiu me ajudar! Ele deu
o máximo de si para me proteger, caso o senhor não ache isso. Akkou nos ajudou
felizmente.
Ele me encarou com uma expressão dura franzindo o cenho.
— Vai pro seu quarto, Nicole! — Ordenou apôs suspirar para se acalmar.
Eu tinha um desejo de ficar junto de Rob. Não queria que o garoto
recebesse uma bronca. Eu estava confusa sem entender muito do que estava
acontecendo, queria mais informações, mas não havia muito o que fazer a não ser
respeitar meu pai e ir para o quarto com indignação.
Segui o corredor que levava do cômodo da sala até o do meu quarto
ouvindo um pouco do que os dois começaram a discutir a sós.
— Senhor, me desculpe. Eu juro que não acontecerá novamente. —
Suplicou Rob.
— Tudo bem, Roberto — meu pai dizia enquanto se acalmava — eu entrei
em desespero... ela é minha filha, e eu me preocupo. Você fez bem o seu trabalho,
eu que o peço desculpas.
Um silêncio desenvolveu-se, Rob provavelmente respondera acenando
com a cabeça. Em seguida meu pai pedira:
— Me conte tudo o que aconteceu, com detalhes.
Rob começou a falar detalhe por detalhe, desde Akkou aparecendo como
professora substituta até de que eu o dissera sobre meus sonhos com Yveena,
Veyra e Kaos.
— Nicole nunca me disse sobre os sonhos, erro meu. Deveria ter a
perguntado sobre algo. A presença de Kaos se aproximando tão rapidamente com
certeza iria afeta-la de algum modo.
— Sim senhor — Respondeu Robb — Nicole parece que tem tido
recordações das memórias de Yveena durante a era de ouro dos viajantes, e
aparentemente um foco muito grande sobre a Batalha de Yggdrasil.
Meus passos para o quarto se tornavam cada vez mais lentos. Minha
curiosidade me fazia querer permanecer ali e ouvir toda a conversa, mas foi a
poucos metros da porta do meu quarto que ouvi um som estridente, semelhante a
um chiado de gato. Ao persentir o barulho eu parei minha caminhada e pus a mão
sobre a maçaneta dourada da porta de madeira escura. Percebi que Rob e meu pai
estavam em silêncio desde o sonido. Em movimentos lentos rodei a maçaneta e
abri a porta que soou um ruído. Quando eu a abri, estava sentada sobre minha
cama uma mulher de pele clara e cabelos ruivos e curtos.
— Oi? — falei sem demonstrar muita reação além de espanto.
A mulher usava roupas de teor gótico, um vestido curto inteiramente preto
e com alguns detalhes metálicos em sua vestimenta. Ambas as mãos recheadas de
anéis pesados e um par de longas luvas arrastão cobrindo seus braços pálidos. Em
seus pés botas grandes, e no dorsal de cada uma de suas mãos havia uma tatuagem
de meia lua.
Eu sabia que a conhecia, com certeza dos meus sonhos, mas não sabia dizer
ao certo se ela estava ali por Kaos ou não.
— Oi, Nicole! — exclamou-a de jeito simpático que não combinava muito
com a energia gótica e rebelde que a mesma se vestia.
Permanecei inerte a encarando da porta. Eu poderia gritar Rob e meu pai,
mas não sabia se o faria, talvez fosse a pior das decisões.
— Nossa! — ela pareceu decepcionada consigo mesma — Eu nem me
apresentei! — A mulher fez reverência e foi quando pude notar o quão vermelho
e escuro eram seus olhos — Meu nome é Selene Luz-da-Lua, mas pode me chamar
só de Selene, por favor. Ou pelo meu outro nome, mesmo que eu não goste muito
do mesmo.
Não era muito difícil de uma garota nerd como eu conhecer a titã Selene
da mitologia grega, então fora o que eu decidira a perguntar.
— Selene? Assim como a da mitologia? E que outro nome?
— Da Mitologia? — perguntou — Ah, querida se fosse pra constar cada
mitologia, você me chamaria desde Selene até Tânatos, ou mesmo de Jaci à Hela.
Eu não era tão burra assim, não precisei demorar tanto pra assimilar que
as divindades que ela citara eram representavam tanto a Lua quanto a Morte.
— O seu outro nome é Morte! — exclamei, e de repente várias lembranças
dos meus sonhos vieram até mim. Das diversas vezes em que me encontrei com a
mulher de olhos carmesim em mundos fantasiosos. Incluindo de que bebíamos em
tavernas. No momento me senti confusa, ela era a própria personificação da
Morte, mas em meus sonhos ela era repleta de vida.

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