Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ANNA KARÊNINA
Índice
Resumo da obra ____________________________ 3
Primeira parte _________________________ 4
Segunda parte___________________________ 9
Terceira parte __________________________ 14
Quarta parte ___________________________ 19
Quinta parte___________________________ 22
Sexta parte ____________________________ 26
Sétima parte___________________________ 30
Oitava parte ___________________________ 34
Chaves de interpretação_______________________ 37
Epílogo ___________________________________ 45
Resumo
da obra1
1 De apoio ao seguinte resumo, há um mapa dos personagens que começa na página 816 do livro.
Primeira parte
1. É apresentada brevemente a família Oblônski, e seu conflito mo-
mentâneo advindo do caso extraconjugal do pai, Stepan Arkáditch,
com uma francesa, preceptora de seus filhos.
4
vitch Karênin. Segue-se cena de Steve na repartição. Steve recebe uma
visita de Lióvin, marcam um almoço. Lióvin é descrito.
ela e se emociona muito com o encontro. Após, vai jantar com Steve.
10. Durante a janta, Lióvin fala a Steve que pretende pedir Kitty em
casamento.
11. Steve fala de Vrônski, conde que está fazendo a corte à Kitty, e é
portanto rival de Lióvin. A conversa se arrasta um pouco, posto que
cada um está preocupado com seus próprios problemas. Lióvin sai da
janta e vai à casa dos Cherbátski.
5
13. Lióvin pede Kitty em casamento e tem o pedido recusado.
14. Lióvin, embaraçado, tenta ir embora, mas acaba preso com a che-
gada da princesa Cherbástkaia (mãe de Kitty) e de outros convidados,
incluindo o conde Vrônski.
15. Kitty conta à mãe sobre o pedido de Lióvin, que escuta aliviada so-
19. A chegada de Anna é uma festa e alegra a casa. Anna conversa com
20. Kitty visita os Oblônski e encontra com Anna, que cria uma ime-
diata simpatia por ela.
6
21. A paz na casa foi restabelecida, o que alegra e alivia Anna. Vrônski,
mais ou menos tarde da noite, passa na casa dos Oblônski, o que causa
estranhamento a todos.
24. Lióvin tortura-se com a recusa de Kitty após sair dos Cherbátski.
Vai até a casa do irmão e o encontra em um triste estado, doente, alco-
olista e em ambiente insalúbre.
7
27. Fala-se do significado sentimental da casa para Lióvin, e Agáfia
Mikháilnova, governanta de Lióvin, mostra a ele que sabe da dor no
coração do patrão.
28. Anna envia telegrama avisando ao marido que vai voltar no mes-
mo dia de Moscou. Conversa com Dolly e revela a ela que se sente
culpada por ter magoado Kitty por ter flertado com o conde Vrônski.
8
Segunda parte
1. Kitty encontra-se gravemente doente, e é tratada por renomados
médicos, mas o príncipe Cherbátski e Dolly sabem que a doença é de
tristeza por ter recusado Lióvin e sido abandonada por Vrônski.
de Kitty.
3. Dolly conversa com Kitty sobre sua doença, e Kitty decide passar
um tempo morando com Dolly.
9
7. Anna chega ao encontro, e é chamada por Vrônski para uma con-
versa à parte. Vrônski tenta seduzir Anna, que resiste, e a conversa é
interrompida com a chegada de Karênin.
13. Lióvin toma parte nos trabalhos de sua propriedade, e discute com
10
17. Lióvin não consegue se livrar da dor que lhe causa pensar que Kitty
22. Anna informa a Vrônski que está grávida, e que o marido não sabe
de nada.
23. Vrônski pede a Anna que abandone Karênin e fuja com ele. Anna
tem um turbilhão de sentimentos dentro de si, e acha que não conse-
guiria viver sem seu filho mais velho, Sérgio.
11
25. Começa a corrida. Por um erro, Vrônski sofre um acidente durante
26. Descreve-se o estado da relação entre Karênin e Anna, que vai, fria
31. Kitty enceta conversa com Várenka, que estende a mão para a nova
32. Várenka e Madame Stahl são vistas por Kitty com profunda admi-
exemplos de caridade cristã, e passa a querer isso para sua vida. Kitty
passa tempo cuidando de um dos doentes da estação de águas.
12
34. O príncipe Cherbátski regressa às águas, após uma temporada
fora, e fica muito feliz em rever Kitty. O pai conhece Madame Stahl de
outros tempos, e revela algumas coisas do passado dela a Kitty, o que
acaba quebrando um pouco o encanto da filha pela madame.
13
Terceira parte
1. Kóznitchev vai visitar Lióvin, que o recebe bem, e esperançoso de
que a visita os aproxime.
14
7. Descrição de como Steve lida com seus deveres de pai de família, e
da chegada e vida de Dolly e dos Oblônski em Erguchovo, sua pro-
priedade rural.
10. Dolly fala de Kitty a Lióvin. Os dois tem uma conversa franca,
Lióvin se emociona e confirma a Dolly que Kitty recusou um pedido
seu de casamento, e Dolly o assegura de que isso não quis dizer nada.
12. Lióvin tenta se distrair com a lida, mas não pára de pensar em Kit-
15. Anna, que encontra-se em uma casa de férias dos Karênin, passa
por um turbilhão interior.
15
16. Recebe uma carta de Karênin, com o pedido de que ela abandone
Vrônski, e com admoestações acerca da seriedade da situação. Anna
fica desnorteada e resolve buscar conselho com Vrônski.
18. Anna passa por bons e triviais momentos durante a festa, que con-
trastam com a sua tensa situação. Vrônski não consegue ir, então ela
resolve ir procurá-lo.
19. É descrito o cuidado de Vrônski com suas finanças, que não se en-
contram em particular bom estado.
20. Vrônski analisa sua situação pessoal, com a carreira sendo prejudi-
22. Após sair da festa, Vrônski encontra Anna. A conversa entre os dois
não termina em decisão sobre o seu futuro. Anna anuncia que encon-
trará Karênin para ver como ficarão as coisas.
23. Anna e Karênin tem uma conversa dura, que termina com Karê-
nin reiterando a admoestação de que se Anna não deixar o amante, as
coisas irão mal.
16
24. Lióvin encontra-se inquieto com a presença de Kitty em Ergu-
chovo. Dolly envia uma carta pedindo uma sela especial para Kitty, e
Lióvin apenas envia a sela, sem bilhete de resposta, e parte para caçar
nas terras de um amigo, Sviájski.
27. Na conversa, Lióvin não consegue expor com clareza suas posições.
30. Lióvin faz os preparativos para a viagem, e fala com sua governanta
17
32. Nikolai começa a tornar-se ácido com Lióvin antes de sua partida,
mas, ao ir embora, está em paz com o irmão. Lióvin parte em sua via-
gem para o exterior.
18
Quarta parte
1. Karênin e Anna vivem friamente sob o mesmo teto. Vrônski recebeu
4. Karênin pega as cartas de Anna com Vrônski, briga com ela, e anun-
cia que irá para Moscou, e que Anna irá ouvir dele por meio do advo-
gado.
19
ve convida os irmãos para virem jantar novamente, jantar que Lióvin
sabe que contará com a presença de Kitty e dos Cherbátski.
12. Antes de Karênin ir embora, Dolly vai conversar com ele sobre a
sua situação, e Karênin revela que Anna está tendo um caso. Dolly
pede que ele a perdoe, apelando a valores cristãos.
14. Lióvin passa noite em claro, ansioso para ir à casa dos Cherbátski
para pedir Kitty em casamento ao príncipe e à princesa.
20
16. Em meio à total alegria, começam a fazer os preparativos práticos
para as bodas.
20. A situação na casa dos Karênin fica cada vez mais tensa, com o
ódio de Anna por Karênin não arrefecendo.
22. Steve conversa com Karênin para pedir que dê à irmã o divórcio,
e acaba convencendo-o.
23. Vrônski teve um ferimento grave, mas não fatal. Betsy informa-o
de que Karênin aceitou conceder o divórcio a Anna. Vrônski vai visi-
tá-la, e ambos decidem sair de Petersburgo juntos.
21
Quinta parte
1. O tempo para preparar a festa de casamento é julgado curto pela
princesa Cherbátksi, então todos correm conta o tempo, exceto Lióvin
e Kitty, que estão em êxtase. Dentre os preparativos, a Igreja exige que
Lióvin faça uma confissão antes de casar, o que acaba se mostrando um
evento menos traumático e mais sério do Lióvin pensava.
22
8. Anna encontra-se feliz, mas sentindo-se culpada por sua felicidade.
Vrônski resolveu entrar em contato com sua veia artística e pratica
pintura.
15. Após três meses de casamento, as coisas estão mais pacíficas, mas os
16. Chega uma carta informando que Nikolai está nas últimas. Lióvin
23
18. Lióvin se inquieta na presença do irmão moribundo; Kitty, pelo
contrário, age com seu espírito de caridade cristã tal como aprendeu
com Várenka.
19. Ver a naturalidade de Kitty com Nikolai, e quão bem ela o faz,
causa uma profunda impressão em Lióvin.
20. Nikolai entra nas suas horas finais, confessa e recebe a Sagrada
Comunhão a pedido de Kitty. Toda a situação mexe muito com Lió-
vin, que vê a morte como um grande mistério; juntamente com esse,
abre-se-lhe o mistério do amor, ao ver Kitty cuidando do irmão, e o
mistério da vida: descobrem que Kitty está grávida.
21. A vida de Karênin após o abandono de Anna é uma luta pela ma-
nutenção da luz que encontrou ao abraçar o cristianismo quando per-
doou Anna. A pessoa mais próxima dele é a condessa Lídia.
23. Condessa Lídia recebe uma carta de Anna, avisando que vai a Pe-
tersburgo e apelando para ver o seu filho.
24. Karênin está satisfeito com o seu trabalho, apesar de seus colegas
o prestigiarem cada vez menos. Condessa Lídia chama Karênin para
uma conversa.
24
26. É descrita a vida de Sérgio.
29. Anna decide ir até a casa de Karênin para ver Serioja em seu ani-
versário. Com a ajuda dos empregados da casa, consegue.
32. Anna decide ir ao teatro, onde encontrará e será julgada pela socie-
teatro. Lá, ao encontrá-la, descobre que foi hostilizada por uma senho-
ra por ser uma adúltera. Vrônski e Anna fazem as pazes e vão para o
interior.
25
Sexta parte
1. Dolly, Várenka, Kóznitchev e os Cherbátski estão hospedadas em
Pokróvskoe.
26
10. A caça vai bem para Steve, e mal para Lióvin e Veslovski.
12. Lióvin levanta de madrugada e vai caçar mais, dessa vez com sucesso.
13. Os três, após o almoço, vão caçar novamente, e à noite voltam para
Pokróvskoe.
15. Lióvin expulsa Veslovski da casa, o que causa um frisson entre to-
dos os convidados. Ao jantar, o episódio já é passado e a conversa corre
em grande alegria.
16. Dolly vai visitar Anna, que se encontra na casa de campo dos
Vrônski, próxima de Pokróvskoe. No caminho, pensa na sua vida, e
em como nunca amou, e se Anna não fez bem e não é mais feliz do
que ela.
27
19. Anna fala sobre seus sentimentos em relação à sua filha com Vrônski.
21. Vrônski consegue falar com Dolly à parte, e pede a ela que conven-
23. Anna vai ao quarto ter com Dolly, perguntar o que ela acha de
sua situação. A conversa, apesar da eloquente argumentação de Anna,
deixa claro às duas que algo não está bem em sua situação.
24. No dia seguinte, Dolly retorna à sua casa, com um amor renovado
28
27. Steve, Kóznitchev e Lióvin participam das eleições, mas não como
candidatos.
32. A relação entre Vrônski e Anna vai de mal a pior, e Anna não con-
segue colocar em prática o que ela julga necessário para que as coisas
vão bem. Anna manda carta a Karênin pedindo o divórcio. Vrônski e
Anna mudam-se para Moscou.
29
Sétima parte
1. Vivendo em Moscou, Kitty acaba encontrando com Vrônski em cer-
Anna.
30
9. Chegam à casa de Anna e Vrônski. Lióvin se impressiona com o
retrato de Anna pintado por Mikháilov.
11. Lióvin volta para casa e conta a Kitty que encontrou Anna. Kitty se
entristece, vendo que Lióvin foi seduzido por Anna, e Lióvin admite
que a bebedeira somada à compaixão que sentiu por Anna por sua
infelicidade o confundiram. Conversam longamente e fazem as pazes.
brigam a sério.
14. Lióvin corre atrás do médico e de todos que precisam estar presen-
31
18. Karênin promete pensar no assunto e dar resposta no dia seguinte
à Steve.
19. Serioja aparece na sala onde Steve e Karênin conversam, e vê-se que
Anna sente-se culpada, e Vrônski passa cada vez mais tempo fora de casa.
26. Primeira vez que passam brigados o dia inteiro. Anna toma cada
vez mais ópio diluído em água, e passa por ela o pensamento do suicí-
dio. Volta a sonhar com a morte e com um mujique barbudo.
32
27. Vrônski sai de casa, Anna manda o criado enviar um bilhete a ele.
Arruma-se para sair, e vai à casa de Dolly.
28. Chegando na casa dos Oblônski, é informada de que Kitty está lá.
29. Anna, tomada de ódio por Vrônski, resolve ir atrás dele, que se
encontra na casa da mãe.
30. No caminho até a estação de trem, Anna fica pensando nos diver-
sos eventos da sua vida e na sua situação.
31. Anna toma o trem e enche-se cada vez mais de ódio por Vrônski e
por tudo. Não para de maquinar sobre como fazer Vrônski sofrer. Vê o
mujique que lhe aparece nos sonhos pela janela do trem. Em uma das
paradas, comete suicídio se jogando nos trilhos.
33
Oitava parte
34
6. Kóznitchev e Katavássov, o amigo, chegam em Pokróvskoe. Lióvin
está trabalhando no colmeal e não pode recebê-los.
11. Lióvin tem uma conversa com um mujique que o ajudava a reco-
lher a colheita. O mujique fala de um outro mujique que vive para
Deus, cumprindo Seus mandamentos, o que enche o peito de Lióvin.
12. A conversa com o mujique foi como uma faísca sobre o palheiro, e
13. Lióvin recebe uma epifania, encontra o sentido que tanto buscava,
14. Lióvin volta para casa determinado a mudar de vida, e a cuidar des-
35
15. Kóznitchev enceta uma discussão sobre a participação russa na
guerra dos sérvios contra os turcos. Lióvin tenta manter-se fora da
discussão, mas é arrastado por seu irmão.
16. Lióvin vê que a discussão não leva a lugar nenhum, mas que ela en-
36
Chaves de interpretação
37
Lev Tolstói tem uma biografia — e bibliografia — marcada pela busca
do real sentido da vida humana. De família nobre e abastada, nasceu
em 1828. Tentou estudar Direito na faculdade de Kazan, onde mais
gazeava do que atendia às aulas, e foi descrito por seus professores
como “incapaz e desinteressado em aprender”. Abandona a faculdade,
volta à propriedade rural de sua família, Yasnaiya Polyiana, e passa a
viver na farra, frequentando a sociedade moscovita e petersburguense
— “fornicador incansável”, em suas próprias palavras. Após contrair
grandes dívidas de jogo, entra no exército e luta na guerra do Cáucaso.
Durante a guerra, passa por uma profunda experiência pessoal, que o
leva a abandonar a vida dissoluta. Por enquanto paremos por aqui na
vida do conde, para que possamos encetar as nossas considerações so-
bre o assunto principal do guia, Anna Karênina, considerado pelo pró-
prio Tolstói o seu primeiro romance perfeitamente acabado, “romance
sério”, em sua opinião — opinião mantida até a sua renúncia à litera-
tura em O que é arte?, de 1897. Em Anna Karênina, Tolstói conseguiu
dar forma literária elevada à busca da verdade à qual aspirava, que não
se dissocia do esforço de abrangência no estilo do escritor; no caso,
da abrangência simplesmente monumental no tratamento do assunto
principal do romance, o amor — um gigantesco painel humano sobre
o amor e o matrimônio.
38
me”. Bem, uma das marcas de Tolstói foi a de ser uma figura divisiva:
entre os seus pares, entre seus críticos e leitores, e, por fim, entre os
clérigos ortodoxos.
39
uma luva para lançar luzes à mecânica do romance. O espírito, ou
intelecto, testemunha e força motriz do ser humano, é o condutor de
uma carruagem com dois cavalos, em que cada um puxa a alma para
uma direção diferente. Os cavalos são as suas potências, uma sendo a
que tende ao que é mais carnal no ser humano — em movimento des-
cendente; a outra, ao que é incorpóreo, à beleza, ao bem, à verdade —
em movimento ascendente. Após a reconciliação dos Oblônski, Anna
é convidada para um baile, baile que será o primeiro de Kitty, irmã
mais nova de Dolly e admiradora do arrebatador charme e garbo de
Anna. O sentimento de que as coisas vão, de pouco em pouco, saindo
de compasso começa quando da descrição da vestimenta de Madamme
Karênina, um vestido simples, elegante, mas com uma invulgar sen-
sualidade, e o ritmo de carrossel desgovernado na trama vai adquirin-
do cada vez mais intensidade com a mazurca que toca durante o baile,
e especialmente com a chegada do conde Vrônski, que gelidamente
ignora Kitty e se investe em um intenso jogo de sedução com Anna.
Kitty termina o baile em frangalhos, atormentada não só pela traição
de seu pretendente e daquela que julgava um modelo para si, mas
também por ter, antes da festa, rejeitado um pedido de casamento de
Lióvin. Anna termina curiosa, mas satisfeita com a sua pequena e pe-
rigosa brincadeira, e tenta soterrar as impressões deixadas lembrando
de seu filho e da ordem burguesa que a espera em casa. Vrônski muda-
-se de Moscou para Petersburgo, abandonando não apenas Kitty mas
também sua carreira militar, decidido a tornar-se amante de Anna.
40
corrida de cavalos, em que Vrônski é não só um dos competidores
mas um dos favoritos, Anna, profundamente angustiada, o informa
de que está grávida. O dia transcorre alucinadamente, e Vrônski tenta
em vão manter a calma, mas é arrastado pela desvairada cavalaria in-
terior causada pelos eventos, e, chegando a noite, na corrida, comete
um erro que custa não apenas a corrida mas a vida de sua amada égua,
Frou-Frou — e também a fachada de segredo que seu romance preser-
vava diante de Aleksei Karênin, marido de Anna. Anna, presente na
plateia, tem um ataque de nervos ao ver o tombo do amante, e, ao ser
confrontada por Karênin, revela a ele que não só o está traindo, mas
como por ele só tem desprezo. A parábola da carruagem tem aí o seu
clímax, onde o afrouxamento das rédeas nas vidas de Vrônski e Anna
se materializa no evento do acidente, vivamente descrito como uma
imagem material da situação dos amantes.
41
cidade à sua escrita que é difícil achar quem já tenha se apaixonado e
que não sinta o alegre nervosismo de Lióvin na noite em que vai pedir
novamente a mão de Kitty, e não se emocione e rejubile com ele ao
“sim” de sua amada.
42
terária dos ensinamentos sobre vigilância dos pensamentos, da népsis,
que data dos Padres do Deserto do século III e que encontram-se vivos
na tradição ortodoxa.
43
excomungado — justamente, em sua própria opinião. Em seus últi-
mos dias, deixa esposa e filhos em Yasnayia Polyiana e parte, a pé e em
segredo, em peregrinação ao célebre mosteiro de Optina Pustyin, cen-
tro da ortodoxia russa na época. Tomba gravemente doente de pneu-
monia no meio do caminho, no posto de Astapovo. Esposa e amigos
íntimos vão em seu socorro e o encontram em situação crítica, física
e espiritualmente. Correm então até Optina buscar ajuda do staretz
Barsanúfio, famoso mestre espiritual e taumaturgo da época, para o
caso do escritor querer a confissão e reconciliação com a Igreja antes
de sua morte. Chegando em Astapovo, é negado ao staretz que tenha
contato com Tolstói, e seus seguidores escondem a presença do monge
ao escritor, que falece levando para o túmulo o segredo de suas inten-
ções na peregrinação até Optina, e sem falar com o staretz Barsanúfio.
44
Epílogo
OS INFIÉIS: A TRAJETÓRIA DE ANNA KARÊNINA NAS TELAS DE
CINEMA E TEVÊ
Com perdão a Lev Tolstói pelo trocadilho com a famosa frase de aber-
tura de seu romance Anna Karênina, mas creio que dá para dizer que
todas as boas adaptações cinematográficas se parecem, mas as más
adaptações o são cada uma à sua maneira. Tomemos as obras de ci-
nema e de tevê adaptadas de Jane Austen, a partir de 1995, quando a
atriz Emma Thompson escreveu o roteiro de “Razão e Sensibilidade”
e convenceu o diretor Ang Lee a dirigir o filme, cujo sucesso estron-
doso fez os produtores de cinema descobrirem a “irmã caçula de Sha-
kespeare” (no epíteto do crítico literário Harold Bloom). Por trás da
diversidade estilística entre as produções realizadas desde então, elas
carregam uma marca distintiva, como se fossem todas filhas da mes-
ma família: a acuidade cognitiva, a fina ironia, o espírito perscrutador
da romancista inglesa correm no sangue dos filmes e séries. “Anna
45
Karênina” não teve a mesma sorte. É uma personagem forte demais,
complexa demais, inconveniente demais para seu próprio bem, e os di-
retores e produtores de cinema historicamente se intimidaram diante
dela, ou faltou-lhes acuidade para traduzir a grandeza e profundidade
de seu drama interior.
————
Vladimir Nabokov dizia ser “Anna Karênina” uma das maiores histórias
de amor da literatura mundial. Prefiro a opinião de Guelbenzu, que é
uma história sobre o amor. O amor e a morte, em todas suas variações:
Tolstói, repita-se, era grande como a vida, e em “Anna Karênina” o tema
46
do amor foi construído com uma força narrativa tão grande que o leitor
é sugado para dentro de suas páginas: é como se a vida estivesse aconte-
cendo ali, de forma natural, mas majestosa. Aliás, para mim, a verdadeira
história de amor de “Anna Karênina” é a de Lióvin e Kitty, pois nela estão
refletidas as asperezas de um relacionamento real de casal, contraponto
à ardente e destruidora paixão entre Anna e seu amante, Vrônski. Um
dos aspectos perversos — ou pervertidos — do amor é o adultério. Foi
um tema que se tornou coqueluche na novelística europeia na segunda
metade do século XIX. Não há, contudo, prova que Tolstói tenha lido
a obra mais ilustre desta tendência, “Madame Bovary”, apesar do seu
apreço a Flaubert. Quando Tolstói visitou Paris em 1857, um mês após
o escândalo provocado pelo lançamento de “Madame Bovary”, quando
um processo foi movido contra Flaubert por desacato ao público e à
moral religiosa, o russo não fez menção alguma a ele ou ao caso. Em seu
diário, mencionou os seus encontros com Turgenev, as idas à ópera e ao
teatro, para assistir a Molière. Também escreveu sobre a sua aversão a
Balzac, a quem considerava “um depravado”. Mas sobre Flaubert, nem
uma única palavra. Acadêmicos modernos dedicaram-se inquietamen-
te, nas últimas décadas, a identificar paralelos entre os dois romances,
encontrando, sem dúvida, uma série de semelhanças temáticas e estru-
turais entre eles, mas a verdade é que o espírito de um romance e outro
são opostos. A grandeza de Flaubert é sobretudo estilística, mas Anna
Karênina é a antítese de Emma Bovary. Pense-se o que quiser da aristo-
crata russa, ainda que se a exponha ao opróbrio, a única coisa da qual
não se pode acusá-la é de mediocridade. Emma Bovary era uma mulher
medíocre. Anna, decerto que não.
47
Pois bem, quis o destino que, na História do Cinema, a versão imor-
talizada de “Anna Karênina” tenha sido a de 1935, com Greta Gar-
bo no papel principal, com direção de Clarence Brown. A atriz sueca
já havia estrelado uma versão abastardada do romance de Tolstói, no
cinema mudo, “Love”, de 1927, cuja trama, contudo, desviou-se al-
gumas léguas de “Anna Karênina”. Porém, mesmo a versão “fiel” do
romance protagonizada por Garbo é problemática. Sim, talvez seja um
dos grandes melodramas da MGM nos anos 1930, Greta Garbo esta-
va linda como nunca (o diretor de fotografia do longa-metragem foi
William Daniels, o preferido da atriz, e ele sabia fotografá-la). Mas, no
fundo, “Anna Karenina” (1935), dirigido por Clarence Brown, é uma
traição a Tolstói, uma bem comportada homogeneização sentimental
que descolore a rica paleta de cores da personalidade de Anna, além
de atenuar suas escolhas morais: Anna, no filme, é a esposa sofredora e
inocente; Karênin, seu marido, um sujeito duríssimo, frio e cruel, que
praticamente a empurra aos braços de Vrônski. Falei sobre escolhas
morais, mas é um emprego infeliz destas palavras. Tolstói mostra — o
que pode chocar — é que para Anna não havia escolha. A vitalidade
de Anna (que era a do próprio Tolstói) chega a escandalizar, mas o que
o romancista vai mostrando, com o paciente desenho da sua obra, é
que o desígnio fatídico de Anna foi inexoravelmente cumprido, como
numa correnteza implacável à destruição. O ser humano tem livre ar-
bítrio, pois é criado à imagem de Deus. Mas ao mesmo tempo este
livre arbítrio é relativo, pois o ser humano não é Deus. Deste paradoxo
ontológico é feito o romance de Tolstói. O crente só consegue escapar
das garras de sua própria natureza quando confessa a Deus e reco-
48
nhece-se indefeso e dependente do socorro divino para salvar-se — é,
eminentemente, em “Anna Karênina”, o drama de fé de Lióvin.
49
simplificação da história, que acarretou na quase que completa (e de-
sastrosa) eliminação de Lióvin. No entanto, é um pouco fácil pespegar
a pecha da insensibilidade artística aos chefões dos estúdios de Holly-
wood. Selznick — que foi o produtor de “...E o Vento Levou”, além de
responsável por levar Alfred Hitchcock a Hollywood — tinha um faro
certeiro ao que iria funcionar e ao que não iria nas telas, em suas adap-
tações cinematográficas. Também era uma ave rara na indústria do
cinema em Los Angeles, pois, ao contrário do estereótipo do produtor
hollywoodiano, lia muito. Leu “Anna Karênina”, o que está abundan-
temente provado por seus memorandos aos roteiristas do filme. Ironi-
camente, Selznick não queria fazer “Anna Karenina”, preferindo que
o próximo veículo de Greta Garbo na MGM fosse “Dark Victory”
(“Vitória Amarga”), por fim levado às telas com Bette Davis, quatro
anos depois. Em 1935, o produtor estava ressabiado com o mau de-
sempenho nas bilheterias dos dramas históricos de Garbo, como “Ra-
inha Cristina” (1933), que havia custado caro demais e, ao próximo
filme da atriz, havia escolhido uma história contemporânea (também
mais barata de produzir). A atriz sueca, porém, não gostou do roteiro
de “Dark Victory”. Ela também vinha acalentando há anos o desejo de
fazer uma versão mais fiel de “Anna Karênina” do que a versão muda
de 1927, e, como, por contrato, tinha direito a veto aos roteiros que
a desagradassem, praticamente impôs o romance de Tolstói a Selznick
e à MGM, que a contragosto aquiesceram. Entre perdas e ganhos, há
coisas deslumbrantes nesta versão cinematográfica, como a magnífica
cena inicial do banquete, com um travelling espetacular sobre a quilo-
métrica e opulenta mesa servida, uma bem realizada cena da morte da
50
égua Frou-Frou na corrida de cavalos, e as duas cenas de morte sobre
as rodas dos trens: a de um anônimo no primeiro encontro de Anna
com Vrônski, e o fim trágico da própria Anna. Curiosamente, o que
realmente falta é força e carisma ao affair dos protagonistas. Greta
Garbo estava profundamente incomodada de contracenar com Fredric
March, ator errado ao papel de Vrônski, incapaz de dar a impressão de
ser um cavalheiro, ou de assumir a aparência de um militar aristocrata
(Selznick queria Clark Gable no papel). Para piorar, March mostrou-
-se inconveniente durante as cenas românticas com a atriz, fazendo,
durante as filmagens, avanços inapropriados, o que irritou profunda-
mente a sueca, que passou então a estofar alho sob o decote, durante
as cenas entre os dois. (Cenas de cinema, como as leis e a fabricação de
salsichas, é melhor não saber como foram feitas). Contudo, apesar da
heroína interpretada por Garbo não ser fidedigna à criatura de Tolstói,
e que a história filmada por Clarence Brown fosse uma diluição espú-
ria do romance, amputada que foi sem piedade por David O. Selznick
na concepção original do roteiro, algo de mágico aconteceu, pois Gre-
ta Garbo tomou para si a persona tolstoiana, tanto que é impossível
não pensar em Garbo quando se menciona Anna Karênina no cinema.
51
e o fim dos anos 1940, prestou-se como uma luva às produções con-
vencionais hollywoodianas, tingidas de glamour. Katharine Hepburn,
Cary Grant, Orson Welles e Bette Davis eram exímios na reprodução
deste sotaque híbrido. Vivien Leigh, idem (ao longo da carreira, a atriz
lutou bravamente para suavizar o seu forte sotaque britânico). Mas tal
impostação tirou a gravidade do romance de Tolstói. A intensidade de
Vivien Leigh, tão forte em seus papéis memoráveis, como o de Scarlett
O’Hara em “...E o Vento Levou”, se perdeu no filme. Em “Anna Ka-
renina” (1948), tudo o que a atriz logrou foi transformar a heroína de
Tolstói numa espevitada dama da sociedade de São Petersburgo. Creio
que o problema não estava em Vivien, mas no diretor do filme. O
francês Julien Duvivier ganhou notoriedade com o sucesso de “Pépé
Le Moko - O Demônio da Argélia”, film noir de 1937, que lhe abriu
as portas a Hollywood. Porém, Duvivier nunca conseguiu desenvolver
o ouvido aos diálogos em inglês; aliás, sina dos diretores franceses em
Hollywood então, como René Clair e o próprio Jean Renoir (uma no-
tável exceção, o despretensioso, mas genial Jacques Tourneur, que pa-
recia ter nascido para dirigir filmes de terror e policiais na RKO). Du-
vivier, ao ser contratado para dirigir este drama de época recheado de
diálogos empolados, frutos da colaboração indigesta entre um roteirista
britânico, Guy Morgan, e o dramaturgo francês Jean Anouilh, rapida-
mente mostrou estar fora do seu habitat natural, e fez o que qualquer
diretor esperto faria numa situação de apuros: adaptou a situação a seu
favor, transformando a sua versão de “Anna Karenina” num film noir,
estilo que conhecia como a palma da mão. Filmou-o como se fosse um
suspense sombrio. Trocando em miúdos, um roteiro com tom errado,
52
um diretor deslocado, e uma atriz sem direção; não fica difícil perceber
como às vezes os melhores projetos podem dar muito errado, como
aconteceu com “Anna Karenina” (1948).
53
perplexidade. É o que Tolstói causa, sobretudo, nos grandes artistas,
como também nos seus bons leitores. Acima de tudo, perplexidade.