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Territórios invadidos, corpos violados:

analisando violências de gênero em contextos militarizados [versão preliminar]1

Juliana Farias

Nesta comunicação, parto de um exercício inicial de reflexão sobre o


enquadramento antropológico e filosófico/político do estupro como “arma de guerra”
em contextos nos quais o acionamento do discurso da “pacificação” pautou ações de
tropas de exércitos nacionais ou tropas policiais locais. Esse exercício é parte dos
esforços analíticos relacionados ao projeto de pesquisa que desenvolvo atualmente, no
Núcleo de Estudos de Gênero Pagu/UNICAMP, com o título “Violências de gênero,
violações de Estado: Um estudo sobre formas de governar territórios e corpos” 2.

Minha intenção de estabelecer um diálogo neste GT “Estado, Poder e


Violências(s): perspectivas pós-coloniais” decorre, dentre outros motivos, do fato de
compartilhar da proposição de que em determinados contextos, “a presença do Estado
e da justiça oficial pode representar o acirramento da violência”, como foi dito na
convocatória. Considero importante destacar que apresento uma pesquisa ainda em
processo, muito inspirada pelas reflexões do filósofo Achille Mbembe (2018), para quem
“soberania significa ocupação, e ocupação significa relegar o colonizado em uma
terceira zona, entre o status de sujeito e objeto”; para quem soberania também pode
ser lida enquanto “o poder e capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer”,
atualizando as formulações de Foucault, mas explicitando que a noção de “biopoder” é
insuficiente para explicar as formas contemporâneas de subjugação da vida ao poder da
morte. Propondo a noção de “necropolítica” para compreendermos “as formas
contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte”, Mbembe se recusa a reforçar
teorias normativas da democracia, recusa a ideia da razão como a verdade do sujeito;
recusa a compreensão da “soberania” como “produção de normas gerais por um corpo
composto por homens e mulheres livres e iguais”. E, finalizando esta introdução,
destaco ainda que esta pesquisa está pautada pela reflexão da pesquisadora, performer

1
Paper apresentado no GT Estado, Poder e Violência(s): perspecticas pós-coloniais (XIII RAM - Reunião
de Antropologia do Mercosul – UFRGS, 2019).
2
Projeto desenvolvido com bolsa de pós-doutorado FAPESP (processo 2017/17910-0), sob supervisão da
professora Maria Filomena Gregori.

1
e artista Jota Mombaça, que se apresenta como uma bicha racializada, gorda e não
binária, oriunda da periferia do Nordeste brasileiro, cujo trabalho propõe uma
“redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência” partindo da
argumentação de que “A presença do racismo como fantasia colonial
indeterminadamente atualizada no marco do colapso da colônia está exposta como
ferida na paisagem das cidades, na densidade dos muros, cercas e fronteiras.”

Essa pesquisa prioriza situações de violência institucional que atingem


diretamente corpos femininos ou feminizados de pessoas que habitam territórios de
periferias urbanas em contextos de operações, incursões ou ocupações militarizadas no
Rio de Janeiro e em São Paulo, mas as reflexões que trago nesta comunicação decorrem
do trabalho de campo já finalizado no Rio de Janeiro3 e do levantamento inicial de
documentos relacionados a casos de violência sexual em contextos de guerra, pós-
guerra e outras ações militarizadas.

Parto do interesse em refletir sobre intervenções estatais atravessadas por


violências de gênero, apostando na hipótese de que incursões em determinados
territórios por agentes de Estado armados guardam estreita conexão com “invasões” de
corpos femininos ou feminizados pelos mesmos agentes. Na sequência das análises que
argumentam que a representação contemporânea do Estado é constituída por e
constituinte de relações de gênero (BROWN, 2006; DAS, 2008; VIANNA, 2014), minha
proposta é perseguir determinadas imbricações políticas configuradas por duas lógicas
historicamente estabelecidas: uma que confere ao Estado a legitimidade do uso da

3
Nesta etapa da pesquisa quem nomeia o que é violência e o que não é são mulheres moradoras das
favelas da Maré e de Manguinhos (localizadas na zona norte do Rio de Janeiro) – com quem me reuni
entre 2016 e 2017 através da construção coletiva de uma agenda de oficinas de cartografia. Em termos
metodológicos, a construção da agenda de oficinas se inspirou no Projeto Nova Cartografia Social da
Amazônia, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFAM. Foram, no total,
18 participantes, com idades entre 17 e 46 anos e a realização dessas oficinas de cartografia só foi possível
em função de uma parceria que estabeleci com a Fase-Rio, que me permitiu realizar aquela etapa da
cartografia no Rio de Janeiro junto com a socióloga Rachel Barros, a jornalista Gizele Martins e a
historiadora e cineasta Franciele Campos – todas pesquisadoras que atuam também em movimentos
sociais de favelas no Rio de Janeiro e que moram ou já moraram na Maré e em Manguinhos. A cartografia
está sendo diagramada para ser publicada ainda esse ano e nós quatro, juntas com as participantes das
oficinas, construímos um acordo de escrita e divulgação da cartografia e, por este motivo, eu ainda não
publiquei nada relacionado especificamente a esta pesquisa. No entanto, faz parte do nosso acordo que
em falas públicas cada uma de nós possa acionar elementos e discussões que surgiram durante as oficinas
– por este motivo reforço aqui o pedido para que esta versão preliminar de paper não circule.

2
força4 e outra que estimula/legitima/compõe violências decorrentes de “dessimetrias
de poder relativas a gênero”, nos termos propostos por Debert e Gregori (2008).

Vale explicitar desde já que a abordagem dos corpos aqui realizada não se vale
de definições binárias e rígidas demarcadas em dois campos distintos de poder: não se
trata especificamente de violências protagonizadas por homens agentes de estado
contra mulheres, mas de situações nas quais a violência institucional está ancorada na
imaginação da nação como masculina (DAS, 2011), perpetrando violações contra corpos
femininos ou feminizados – e, majoritariamente, negros. Sigo atenta à “gramática que
visa garantir a estabilidade da representação da violência masculina a partir de um
paralelo negativo com as posições afeminadas”, como argumenta Mombaça (2016), “de
mulheres cis, bichas, travestis e outras corporalidades marcadas como femininas e
representadas como necessariamente frágeis e passivas frente a violência”. Ou seja, o
trabalho também se propõe a enxergar nesse amplo conjunto de tecnologias
governamentais a multiplicidade de formas de violentar pessoas que, aos olhos
“machulentos”5 do Estado, são vistas como mais frágeis (seja em função de suas
inscrições de gênero, seja em função de sua orientação sexual)6. Esta pesquisa se

4
Neste projeto, o enquadramento teórico para abordar a questão da legitimidade do uso da força pelo
Estado é pautado pela leitura crítica que Veena Das e Deborah Poole (2004) elaboram a respeito da teoria
weberiana sobre estado. No sentido proposto por Das e Poole (2004), pensar a relação entre a formação
do estado e o monopólio do uso da força é pensar, necessariamente, funções de ordenamento do estado
e a violência a partir da compreensão de que “informada como é por um retrato particular da natureza
humana, a teologia política europeia presenteou o estado com a qualidade da transcendência e com o
monopólio sobre a força” (DAS e POOLE, 2004: 7). As autoras constroem sua crítica ao enquadramento
teórico que enxerga o estado “como um projeto sempre incompleto que precisa ser constantemente
difundido – e inventado – através da evocação da terra inculta, da terra sem lei e da selvageria que não
somente se coloca fora da sua jurisdição como também o ameaça de dentro” (idem), explicitando que tal
crítica se direciona fortemente às elaborações de Max Weber sobre o estado: “Pode ser válido retomar
aqui a famosa formulação de Max Weber sobre o critério para se considerar uma organização política
como um estado” (idem). Neste ponto, Das e Poole recuperam trecho da edição norte-americana de
Economia e Sociedade de 1978 que corresponde à seguinte passagem da edição brasileira: “Hoje, o Estado
é aquela comunidade humana que, dentro de determinado território – este, o “território”, faz parte da
qualidade característica –, reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima, pois o
específico da atualidade é que a todas as demais associações ou pessoas individuais somente se atribui o
direito de exercer coação física na medida em que o Estado o permita” (WEBER, 1999: 525-526).
5
Utilizo “machulento” no sentido proposto por Mombaça (2016) em suas reflexões sobre ficção de poder:
como “um dos nomes da masculinidade tóxica”.
6
A análise aqui proposta leva em conta o fato de que feminizar corpos e pessoas também pode ser um
ato de violência, circunscrito em diagramas de demonstração de força e julgamento moral característicos
de diferentes violações de direitos. Nesse sentido, o diálogo com as análises de Carrara e Vianna (2006) e
de Efrem Filho (2016) se faz fundamental. Carrara e Vianna (2006) refletem a respeito da diferenciação
entre os homicídios de mulheres travestis e homens gays no Rio de Janeiro, em função das características
dos crimes e o cruzamento destas com as inscrições de gênero dos corpos. Efrem Filho (2016) explicita a

3
inscreve, portanto, em um contexto de produção acadêmica atento ao fato de que “a
articulação entre violência e gênero tem contribuído para a compreensão de processos
envolvendo o Estado e a produção de categorias, sujeitos e direitos, temas centrais para
as Ciências Sociais” (FRANÇA e FACCHINI, 2017).

Estupro: “dever militar necessário” e/ou “crime de guerra”

O desenvolvimento desta análise considera que estupros podem ser entendidos


como “arma de terrorismo de massa extremamente eficaz”, conforme sugere Angela
Davis (2016 [1981]), e também como “arma de guerra”, “instrumento de limpeza étnica”
e “tentativa de extermínio”, de acordo com Peres (2011). Afirmando que “a escravidão
se sustentava tanto na rotina do abuso sexual quanto no tronco e no açoite” e que o
“racismo sempre encontrou forças em sua habilidade de encorajar a coerção sexual”,
Davis denuncia a “institucionalização do estupro” nos Estados Unidos e qualifica com
precisão o encorajamento do estupro de maneira sistemática enquanto “política não
escrita do Comando Militar dos Estados Unidos” (IDEM: 182). Sua análise evidencia,
ainda, que os soldados americanos aprenderam que estuprar as mulheres vietnamitas
era um “dever militar necessário” em função da lógica racista empregada nos
treinamentos de guerra para disseminar a visão de que se lutava “contra uma raça
inferior” – fato que é ratificado através da informação de que tais soldados foram
inclusive “instruídos a ‘revistar’ mulheres com seu pênis” (IDEM).

Casos de violência sexual durante guerras habitam a jurisdição internacional


desde a criação da Comissão dos Crimes de Guerra, em 1919, que investigou a atuação
das potências do Eixo e, em meio a trinta e duas violações de leis de guerra, o “estupro”
e a “abdução de meninas e mulheres para fins de prostituição forçada” apareceram
como quinto e sexto itens da lista, respectivamente, de acordo com informações do
American Journal of International Law, publicado em 1920. Após inúmeras atualizações
na legislação internacional (nem sempre favoráveis à compreensão das violências

conexão entre a “brutalização dos corpos” e a “brutalização do sexo” através de uma lista de atos
violentos composta por “golpe de faca peixeira no ânus”, “morte antecedida pelo estupro”, “pênis
decepado e enfiado na boca”. O autor afirma que “a brutalização do sexo ou da sexualidade se desenvolve
num cenário em que sexualidade, crime e violência se constituem reciprocamente” (EFREM FILHO, 2016:
329).

4
sexuais enquanto crimes de guerra7), em julho de 1998, foi elaborado o Estatuto de
Roma do Tribunal Penal Internacional – aprovado, vale registrar, pelo Congresso
Nacional brasileiro em 20028 – através do qual fica estabelecido que “agressão sexual,
escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou
qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável”
constituem crime contra a humanidade9. O Tribunal Penal Internacional estabelece no
mesmo documento que “cometer atos de agressão sexual, escravidão sexual,
prostituição forçada, gravidez à força, tal como definida na alínea f do parágrafo 2 o do
artigo 7o; esterilização à força ou qualquer outra forma de violência sexual que constitua
uma violação grave do artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra”10 são
considerados crime de guerra.

No entanto, como argumenta Muna Ndulo (2009), na medida em que a legislação


se desenvolve, surgem também novos contextos de guerra propensos à prática da
violência sexual. Em documento publicado no ano de 2010, a Organização das Nações
Unidas enumera algumas das situações de conflito armado envolvendo abuso sexual em
diferentes países: 1)“incesto forçado e estupro público para a humilhação máxima e
para destruir o tecido social na República Democrática do Congo e no Timor Leste”;
2)“estupro como vetor deliberado de HIV durante o genocídio em Ruanda”; 3)“estupro
e gravidez forçada de mulheres em campos especificamente concebidos para esse feito

7
Como chama atenção Azevedo (2014), o Tribunal de Nuremberg, por exemplo, “não incluiu o estupro e
nenhum outro crime de natureza sexual” no texto da Carta do Tribunal Militar Internacional, “apesar de
haver relatos de tais delitos entre as provas apresentadas” (AZEVEDO, 2014: 8). A autora afirma que foi
depois dos conflitos da Iugoslávia e de Ruanda, que marcaram a década de 1990, que “começou a
despontar uma nova fase no julgamento dos crimes sexuais em conflitos armados” – pois, seguindo as
análises de Askin (1999), fica explicitado que foi a criação do Tribunal Penal Internacional para a ex-
Iugoslávia (TPIY) e do Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR) que “representou um progresso
contra a “relutância judicial” existente no âmbito internacional para processar e julgar crimes sexuais
contra as mulheres” (AZEVEDO, 2014: 30).
8
Decreto Legislativo no 112, de 6 de junho de 2002. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm Acesso em 14/01/2017.
9
Artigo 7o da versão em português, disponibilizada pela Sub-Chefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da
Presidência da República através do endereço:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm . Vale registrar que uma versão oficial,
disponibilizada via International Criminal Court, em 2011, pode ser acessada em https://www.icc-
cpi.int/NR/rdonlyres/ADD16852-AEE9-4757-ABE7-9CDC7CF02886/283503/RomeStatutEng1.pdf
10
Artigo 8o da versão em português supracitada.

5
na Bósnia e Herzegovina”; 4)“estupro premeditado como instrumento de repressão
política na Guiné-Conacri para punir as mulheres por participar da vida pública”11.

Trago a lista da ONU para dar continuidade à seguinte linha de raciocínio: por
mais diferentes que sejam os contextos histórico-políticos de cada região aqui citada, há
uma conexão muito estreita entre ocupações/invasões de territórios por agentes
armados e ocupações/invasões de corpos femininos/feminizados por estes mesmos
agentes. A própria ONU, ao enviar suas tropas ou forças de paz, também participa da
atualização deste contrato social, que, como bem enfatiza Veena Das, é
necessariamente um “contrato sexual”.

Argumentando que “o sexo e a morte, a reprodução e a guerra passam a fazer


parte da mesma configuração de ideias e instituições através das quais o Estado-nação
cria suas defesas” (DAS, 2008: 285), Veena Das explica que a relação entre a reprodução
e a morte (uma das formas de fazer viver o Estado-Nação) revela como a violência sexual
e a violência reprodutiva estão intimamente conectadas aos imaginários sociais de
ordem e desordem. Seguindo esta linha de raciocínio, Das (2008) lembra que a
masculinidade idealizada pela nação para os soldados que estavam na guerra foi
protegida em todas as grandes guerras desde a Primeira Guerra Mundial – e faz uma
conexão deste fato com o contrato estabelecido entre o cidadão homem e o estado,
evidenciando o consentimento para matar e morrer em nome do estado como elemento
constitutivo deste contrato: “até recentemente, os cidadãos que foram convidados a
carregar armas eram homens”, embora a participação das mulheres como soldados
tenha aumentado (DAS, 2008: 286).

Apontando, então, a fragilidade da ideia de consentimento sobre a qual são


baseadas a ordem política e a ordem doméstica, Das (2008) mostra como que tais ordens
são frágeis justamente pelo fato de estarem constantemente vulneráveis a uma violência

11 Documento “Addressing Conflict-Related Sexual Violence – An Analytical Inventory of Peacekeeping


Practice - UN Action/UN WOMEN/DPKO, 27 November-0001”, disponível em:
http://www.stoprapenow.org/uploads/advocacyresources/1291722944.pdf, acesso em 14/01/2017.
Tradução minha.

6
fundadora que atribui à comunidade política os homens e, à doméstica, as mulheres12.
Acompanhando o percurso argumentativo da autora, vamos compreendendo que ideias
de honra e vergonha, por exemplo, são valorizadas tanto no ambiente doméstico como
no contexto nacional – algo que fica explicitado em guerras nas quais a violação dos
corpos das mulheres é encarada como uma das formas de humilhar os homens da
comunidade ou nação inimiga: “estupros em massa de mulheres, violência reprodutiva
sob a forma de gravidez forçada e sequestro para casamentos forçados são formas
diferentes através das quais a aniquilação completa do outro como comunidade coletiva
é buscada em projetos de limpeza étnica e genocídio” (DAS, 2008: 291)13.

Compreendendo que os mecanismos de ordenação política inerentes aos


Estados-Nação estão conectados a marcações de poder necessariamente articuladas a
questões de gênero (BUTLER, 2000; 2004; DAS, 2007; 2008) e lembrando que hoje a
ONU é composta por 193 Países-membros, não deveriam ser espantosas as informações
de que no ano de 2015 se acumularam 69 denúncias de exploração e abuso sexual
contra os soldados da paz em 10 missões da ONU em todo o mundo (BUCHANAN, 2016).
Os escândalos sobre as práticas de abuso sexual contra mulheres e crianças levaram os
famosos peacekeepers da ONU para as manchetes dos jornais nacionais e internacionais
de maior circulação por motivos distintos daqueles exaltados pela organização a
respeito das suas missões de paz.

Seguindo o eixo teórico-analítico aqui explicitado, torna-se fundamental olhar


para essas operações de “estabilização pós-conflito”14 dentro da mesma circunscrição

12
Se nas abordagens dominantes a respeito do contrato social o mesmo aparece enquanto instrumento
que formaliza a liberdade civil, vale registrar a crítica elaborada por Pateman (1988) ao afirmar que “a
liberdade civil não é universal. A liberdade civil é um atributo masculino e depende do direito patriarcal.
[…] O pacto original é um contrato sexual e social: é sexual no sentido de patriarcal – isto é: o contrato
estabelece o direito político dos homens sobre as mulheres – e também sexual no sentido de estabelecer
o acesso dos homens aos corpos das mulheres.” (PATEMAN, 2008: 2). Para uma análise que localiza os
limites das reflexões de Pateman a respeito do contrato (atualizando as críticas ao mesmo), ver Fraser
(1997). Para uma leitura do contrato social enquanto um “contrato heterossexual”, ver Wittig (2006).
13
Vale lembrar da afirmação de Mariza Corrêa de que “honra é uma questão de poder” (CORRÊA, 2012:
82), quando a autora se referia a pesquisas realizadas no Oriente Médio e no Brasil – afinal, as abordagens
do duplo honra/vergonha nos estudos de gênero são fundamentais para o debate aqui travado, seja para
demarcar e/ou para estourar as fronteiras entre doméstico e público.
14
Para a definição da expressão pela ONU, ver “Resolution 2151 (2014) - Adopted by the Security Council
at its 7161st meeting, on 28 April 2014”, disponível em
http://www.securitycouncilreport.org/atf/cf/%7B65BFCF9B-6D27-4E9C-8CD3-
CF6E4FF96FF9%7D/s_res_2151.pdf.

7
de contrato social adotada pelos 193 Estados-membros – logo, o “contrato sexual” nos
termos elaborados por Das (2007) passa a compor, também, as tentativas de
“estabilização” pós-guerra protagonizadas pelas mais de 100 mil pessoas que estão
“servindo em vinte operações de paz lideradas pelo Departamento de Operações de
Manutenção da Paz das Nações Unidas (DPKO) nos quatro continentes, em doze fusos
horários diferentes”, como orgulhosamente informa a ONU Brasil na seção “A ONU, a
paz e a segurança” de sua página na internet15. Em março de 2016, quando o Secretário-
Geral Ban Ki-moon convocou os Estados-Membros a cooperarem com o Gabinete de
Serviços de Supervisão Interna (Office of Internal Oversight Services – OIOS / ONU) na
condução das investigações sobre as acusações de exploração e abuso sexual contra os
soldados da paz da ONU16, já se passavam mais de oito anos de implementação de uma
ação da ONU dedicada especificamente ao combate da violência sexual durante
conflitos armados – UN Action Against Sexual Violence in Conflict (UN Action)17.

Versões locais para “soldados da paz”: GLO, UPP e outras siglas pacificadoras

Recupero parte deste histórico envolvendo missões de paz protagonizadas por


tropas de soldados acusados de cometer abusos sexuais para articular o debate do
cenário internacional de guerras e pós-guerras ao contexto brasileiro de “metáfora da
guerra” (Leite, 2000), no qual tenho realizado pesquisas. Enquanto no contexto
internacional busca-se “neutralizar grupos armados, restabelecer a autoridade do país
e proteger os civis” (nos termos da ONU) enviando uma “brigada de intervenção com
três batalhões de infantaria, uma artilharia e uma força especial”18, aqui no Brasil

15
A seção “A ONU, a paz e a segurança” está disponível em https://nacoesunidas.org/acao/paz-e-
seguranca/.
16
“Secretary-General's remarks to the Security Council meeting on Sexual Exploitation and Abuse”,
disponível em https://www.un.org/sg/en/content/sg/statement/2016-03-10/secretary-generals-
remarks-security-council-meeting-sexual.
17
Reunindo treze entidades internas da ONU (DPA, DPKO, OCHA, OHCHR, PBSO, UNAIDS, UNDP, UNFPA,
UNHCR, UNICEF, UN WOMEN, UNODC, WHO), a UN Action defende o lema “STOP RAPE NOW”, baseando-
se, dentre outras normativas internacionais, no fato de o Conselho de Segurança da ONU ter adotado a
resolução de 1820 (produzida após a criação da Comissão dos Crimes de Guerra, já citada neste texto)
para exigir a todas as partes envolvidas em conflitos armados o fim da violência sexual. Para mais
informações, acessar: http://www.stoprapenow.org/about/.
18
Informações relativas à recente missão na República Democrática do Congo, que conta com 20 mil
tropas e já foi liderada por um general brasileiro, segundo informações da ONU Brasil, disponíveis em:
https://nacoesunidas.org/onu-conta-a-historia-missoes-de-manutencao-de-paz-que-completa-68-anos-
de-existencia/.

8
também é parte do histórico de intervenções internas o acionamento de forças armadas
para a garantia da lei e da ordem – como deixa explícito a Portaria Normativa no 3.461
/Md, de 19 de dezembro de 2013, publicada pelo Ministério da Defesa – Estado Maior
Conjunto das Forças Armadas, no intuito de “estabelecer orientações para o
planejamento e o emprego das Forças Armadas (FA) em Operações de Garantia da Lei e
da Ordem (Op GLO)”19.

De acordo com tal portaria, uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem (Op
GLO) é definida da seguinte forma:

uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas, de forma


episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que
tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos
instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição20 ou em
outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem.

Na mesma seção do documento, intitulada “Conceituações”, onde se lê a definição


acima, são definidos mais dois itens:

- Forças Oponentes (F Opn) são pessoas, grupos de pessoas ou


organizações cuja atuação comprometa a preservação da ordem pública
ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

- Ameaça são atos ou tentativas potencialmente capazes de


comprometer a preservação da ordem pública ou a incolumidade das
pessoas e do patrimônio, praticados por F Opn previamente
identificadas ou pela população em geral.

Considero pertinente registrar que tive a oportunidade de participar de um ato


realizado no conjunto de favelas da Maré, em função do início desta mesma ocupação
das Forças Armadas no local. Durante a concentração do ato, ocorrido logo na primeira
semana de abril de 2014, uma das moradoras que participava da confecção de cartazes
escreveu em uma cartolina colorida “GLO = AI-5”, usando tinta guache. Cabe destacar

19
“GARANTIA DA LEI E DA ORDEM”, 1ª edição – 2013, disponível em:
http://www.defesa.gov.br/arquivos/File/doutrinamilitar/listadepublicacoesEMD/md33_m_10_glo_1_ed
2013.pdf.
20
O Artigo 144 está alocado no Capítulo III da Constituição de 1988, intitulado “DA SEGURANÇA PÚBLICA”.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

9
aqui uma avaliação de Souza (2015) a respeito desta aproximação entre a ocupação via
GLO e o período ditatorial no qual o AI-5 foi instaurado: “A proximidade entre a data da
ação na Maré e o dia em que se rememora os 50 anos da Ditadura Militar gerou
inúmeras conexões.” (SOUZA, 2015: 178). “Parte dos moradores qualificou a ocupação
militar como estado de sítio e de exceção em plena democracia”, complementa a
autora.

A ocupação durou 14 meses, contou com 2,5 mil militares das Forças Armadas
(“500 homens do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha e 2 mil do Exército Brasileiro”21)
que juntos compuseram a Força de Pacificação (F Pac, na linguagem nativa22) na
operação de Garantia da Lei e da Ordem batizada como “Operação São Francisco”. O
saldo da operação foi divulgado com o mesmo profissionalismo publicitário que
caracteriza as missões de paz internacionais: press release, coletivas de imprensa e
infográficos.

Fonte: Ministério da Defesa


(http://www.defesa.gov.br/noticias/16137)

21
Dados disponibilizados pelo Ministério da Defesa através do endereço
http://www.defesa.gov.br/noticias/16137-ocupacao-das-forcas-armadas-no-complexo-da-mare-acaba-
hoje.
22
Informação da página oficial do Comando Militar do Leste, disponível em:
http://www.cml.eb.mil.br/ultimas-noticias/378-forca-de-pacificacao-apresenta-futuro-comandante-as-
liderancas-comunitarias-do-complexo-da-mare.

10
Não fica explícito no infográfico se os 553 adultos presos e os 254 adolescentes
detidos foram presos e detidos por fazerem parte das “Forças Oponentes (F Opn)”, nem
se o número impactante de 58 armas apreendidas foram utilizadas por essas “F Opn”
durante alguma “ameaça”, nos termos definidos pela Portaria n o 3.461. No entanto, há
inúmeras outras informações que ou foram parcialmente explicadas, ou foram
subtraídas dos dados oficiais publicizados23. Seguindo os moldes de inúmeras outras
divulgações de ações de estado militarizadas, os números das violações de direitos
humanos foram cuidadosamente ocultados do infográfico, das entrevistas dos militares
que pisaram seu coturno no conjunto de favelas da Maré durante aqueles 14 meses,
bem como das notas da assessoria de comunicação social do Ministério da Defesa.

No dia a dia da Maré durante a ocupação, o impecável uniforme camuflado


exibido no infográfico dá lugar a toucas pretas que escodem as faces dos agentes,
prática compartilhada por tantos “homens de guerra” que, assim, abrem o caminho para
a garantia da lei e da ordem:

“Senti uma respiração forte e ofegante com um hálito quente em meu


rosto. Meio sonolenta, abro os olhos e me deparo com um cão e
homens de preto a minha volta. Susto, medo e revolta. Meu quarto
tomado por desconhecidos da lei e perguntas que não sei responder.
Todos os dias eles vêm na minha casa. Já não durmo de camisola,
porque essa visita pela manhã virou rotina e tenho que estar preparada
para recebê-los. Hoje já entraram duas vezes. Minha casa virou o
Batalhão da Polícia Militar” (SOUZA, 2015: 178)

Este depoimento citado por Souza (2015) merece ser acompanhado pelas palavras de
Gizele Martins (2016), em seu texto “A militarização, nas favelas cariocas, em tempos
de olimpíadas”:

Tanques e mais tanques de guerra circulavam livremente a qualquer


hora do dia e da noite pelas nossas ruas. Praticamente cada esquina da
Maré tinha um tanque de guerra, éramos nós os alvos, os inimigos, os
perigosos, os que poderiam ameaçar aquele grande evento, tudo isto só
por sermos favelados, apenas por isso. [...] foram inúmeras as violações,
as crianças perdendo o direito de estudar e brincar na rua, violações às
mulheres com revistas, abusos machistas, até acusações de estupros

23
Trata-se da operação de uma ortopedia discursiva (Foucault, 1988) por dentro da própria engrenagem
de gestão de corpos e territórios.

11
nós ficávamos sabendo. Moradores e mais moradores assassinados,
alguns estão hoje sem braço, outros sem perna. Foi um verdadeiro
abuso diário e extermínio autorizado pelo governo em troca de um jogo,
em nome de um megaevento, em troca de uma Copa do Mundo que
nunca nos representou em nada.” (MARTINS, 2016: 24-25)

A moradora que é surpreendida com a presença de agentes de estado dentro de


sua casa, que é acordada sentindo no rosto a baforada de um “cão de guerra” – pois é
assim que são chamados os cachorros que são treinados pelo Exército Brasileiro24 – que
não pode mais dormir de camisola, porque após a ocupação sua casa passou a ser
invadida diariamente é apenas uma das muitas moradoras mulheres das 16 favelas da
Maré que tiveram algum direito violado durante a Operação São Francisco.

Durante as oficinas da pesquisa, a presença das forças armadas apareceu de


diferentes formas, inclusive através do cano do fuzil que o soldado enfiou dentro da
panela que estava no fogão. “Mexeu a comida com o cano do fuzil!” repetia uma das
participantes da oficina. Inúmeros relatos de abordagens truculentas e revistas,
combinadas com assédio por parte dos soldados, configuram uma extensa lista de
denúncias que foram sendo inscritas através da cartografia pelas moradoras. Outra
participante da oficina relatou que quando os soldados chegaram lá ela ouviu “muita
piadinha”: “mal educada, não vai falar comigo não? não vai me dar atenção não?” e
também lembrou das revistas que faziam à sua mochila da seguinte forma: “eu sempre
passava pelo mesmo lugar e era sempre o mesmo soldado que revistava minha mochila
e eram sempre as mesmas piadinhas”.

Os relatos das moradoras que estavam de camisola ou de calcinha e sutiã, no


momento em que suas casas foram invadidas também são muito recorrentes – e que
não é exclusividade desta operação das Forças Armadas, mas trata-se de uma marca da
presença de diferentes braços armados do estado em favelas e periferias. Também é
relevante a informação compartilhada durante as oficinas de que as moradoras que
faziam aulas de dança num equipamento público nomeado de “Lona Cultural da Maré”
eram assediadas pelos soldados do exército nos momentos de chegada e saída das aulas

24
“Os cães de guerra do exército brasileiro”, publicação da Revista Operacional/Operacional Magazine –
proud to be brazilian, disponível em: http://www.revistaoperacional.com.br/2014/exercito/os-caes-de-
guerra-do-exercito-brasileiro/.

12
– os mesmos soldados que ficavam do lado de fora da lona assistindo as aulas de dança,
uniformizados, portando seu armamento de guerra.

Enquanto os soldados da Operação São Francisco assediavam moradoras da


Maré, em Manguinhos os assédios variavam de acordo com os plantões na Unidade de
Polícia Pacificadora. Uma das participantes das oficinas contou que um dia saiu de casa
para comprar pão às 9h da manhã e havia 2 policiais no beco dela: “um tava apontando
a arma pro outro lado e o outro ficou mexendo comigo: ô da bota preta, meu fuzil tá
destravado, mas ninguém sabe”. Sendo PM ou exército, estão evidentes elementos de
abordagens machistas que habitam o cotidiano de diferentes mulheres (não é
exclusividade de mulheres que moram em favelas ouvir “não vai falar comigo não?”, “ei,
você do sapato tal”), no entanto, nos contextos descritos, essas abordagens estão sendo
realizadas por homens que portam fuzis e estão vestidos de farda.

Nos limites desta comunicação, não tenho tempo para explorar a questão dos
equipamentos de guerra que compõem tais contextos, mas não posso deixar de
mencionar o caveirão25. No texto “A militarização, nas favelas cariocas, em tempos de
olimpíadas”, Gizele Martins (moradora da Maré e integrante da equipe de pesquisa da
cartografia, como mencionei acima) escreve – abre aspas: “Minha adolescência e
juventude foram marcadas por enfrentar e ver dia a dia a violência do Estado na minha
porta. Eram casas invadidas por policiais, além das corridas constantes do caveirão e,
ainda, ouvir do alto som do caveirão “Sai da rua, vagabunda”; “Sai da rua, morador. Eu
vim roubar a sua alma”.” (MARTINS, 2016). Durante as oficinas, outras moradoras
denunciaram que do sistema de alto falante do caveirão não se escuta só “sai da rua
vagabunda”, mas também “sai da rua piranha” e “sai da rua fofoqueira”. Ainda que se

25
O veículo blindado conhecido como “caveirão” foi definido pela Anistia Internacional (2006) da seguinte
forma: “O caveirão é um carro blindado adaptado para ser um veículo militar. A palavra caveirão refere-
se ao emblema do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), que aparece com destaque na lateral
do veículo. Entre as modificações feitas nos caminhões blindados originais estão o acréscimo de uma torre
de tiro, capaz de girar em 360 graus, e fileiras de posições de tiro em cada lado do caminhão. O caveirão
tem capacidade para até 12 policiais com armas pesadas. Construído para resistir às armas de alta
potência e aos explosivos, o caveirão tem duas camadas de blindagem, assim como uma grade de aço
para proteger as janelas quando sustenta fogo pesado. Os pneus são revestidos com uma substância
glutinosa que impede que sejam furados. As quatro portas travam automaticamente e não podem ser
abertas pelo lado de fora – dois alçapões de escape, um na torre e outro no piso, podem ser usados em
emergências. Embora pese cerca de 8 toneladas, o caveirão pode alcançar velocidades de até 120km/h.”

13
deduza, considero fundamental registrar aqui que a locução de tais frases é realizada
por voz masculina bem grave.

Nesta pesquisa, tenho perseguido uma pista analítica que aponta para um
entrelaçamento muito profundo entre a violação do direito à vida e outras violações
perpetradas por agentes de estado que em geral são consideradas menores (seja pelos
especialistas do campo de estudos da violência, seja pelas organizações de direitos
humanos, seja pela própria militância que carrega a bandeira de luta da
desmilitarização). Quando o Estado viola direitos na proporção que a República
Federativa do Brasil tem violado, fica mesmo difícil fugir da hierarquização de violências,
pois a urgência das mobilizações coletivas de enfrentamento às violações se vê obrigada
a eleger pautas emergenciais. Venho percebendo que uma das possibilidades de
posicionamento político da academia decorre justamente do esforço para combinar a
percepção das urgências da luta por direitos e o uso dos tempos menos acelerados das
pesquisas.

A partir da convivência com diferentes mulheres moradoras de favelas e


periferias urbanas ao longo de 14 anos de pesquisa, fui compreendendo que enquanto
algumas dessas mulheres choram por filhos, sobrinhos, netos e maridos executados,
outras mulheres são elas mesmas executadas; outras continuam vivas, mas foram
torturadas dentro de caveirões; outras continuam vivas, mas foram estupradas por
soldados. Hoje posso afirmar que para refletir sobre contextos militarizados e para
compreender determinadas maneiras de o Estado se relacionar com territórios de
favelas e periferias e suas populações, seja imprescindível enxergar a conexão entre
execuções sumárias e estupros. A penetração do corpo de uma mulher por um membro
do batalhão não pode ser vista como menos grave do que a penetração do corpo do
homem por uma bala de um fuzil da corporação – visto que ambas as práticas fazem
parte do mesmo conjunto de tecnologias governamentais para controlar corpos,
populações e territórios. Execuções sumárias e estupros são parte dos mesmos
processos de ocupação ou conquista de territórios realizados sob o argumento da
“pacificação”. Tais tecnologias de controle de territórios e corpos são pensadas aqui a

14
partir das reflexões de McClintock (2010) sobre os pontos cardeais em um mapa26 –
pontos lidos pela autora enquanto “ícone da razão ocidental, da agressão técnica do
ocidente e da posse masculina e militarizada da terra”.

Nos contextos militarizados de favelas e periferias enfocados nesta pesquisa, a


possibilidade cotidiana do estupro aterroriza. Estou convencida de que sem essa
possibilidade cotidiana do estupro – que se atualiza na invasão da casa, no assédio
durante a revista etc – essa guerra que o estado inventa não se sustentaria: cada chacina
onde homens jovens negros foram executados sumariamente ocorreu no mesmo mês,
na mesma semana ou no mesmo dia em que mulheres foram assediadas, torturadas
e/ou estupradas por agentes armados do estado e eu quero me somar às vozes das
mulheres que buscam pautar esse tipo de conexão no debate público.

As tropas e os blindados podem mudar, mas a violência do estado continua na


porta de muitas casas, agentes de estado seguem violando corpos porque femininos ou
porque masculinos – mas sempre porque negros, sempre porque periféricos, estejam ou
não no centro da cidade ou das decisões políticas27.

26
Fazendo referência ao mapa de “As Minas do Rei Salomão”, McClintock (2010) discute relações íntimas
entre “força imperial e resistência”; “dinheiro e sexualidade”; “raça e gênero”. Seguindo sua análise, as
minas correspondem simultaneamente ao “lugar da sexualidade feminina (reprodução por gênero)”, à
“fonte do tesouro (produção econômica)” e ao “lugar da disputa imperial (diferença racial)” – leitura
pautada também pela compreensão de que apesar de homens europeus terem sido os agentes mais
diretos do império, os teóricos do imperialismo e do pós-colonialismo raramente se dedicaram a explorar
a dinâmica de gênero (como por exemplo, homens brancos comandando navios e portando os rifles dos
exércitos coloniais). McClintock também chama atenção para os armamentos utilizados no período,
citando inclusive a figura de Américo Vespúcio “em armadura completa” com “astrolábio, bandeira e
espada”. Levando em consideração seu alerta para que a sexualidade não seja tratada apenas como
metáfora, nesta pesquisa a abordagem de McClintock sobre o processo de feminização da terra “virgem”
é acionado também para entender contextos de militarização nos quais é possível acionar “sexualidade
como tropo para outras relações de poder”, no sentido trabalhado pela autora, como “aspecto
continuado do poder imperial”.
27
Nos limites desta comunicação, não é possível desenvolver o percurso analítico que enxerga casas e
corpos interseccionados enquanto alvo da ação do estado nos territórios de favelas e periferias urbanas
– territórios, casas e corpos passíveis de serem invadidos/violados por agentes de estado armados em
serviço; práticas de estado para suas margens: a “margem” enquanto um espaço localizado entre corpos,
leis e disciplina (DAS e POOLE, 2004). Faço questão de registrar que nesta pesquisa a racionalidade de
estado que esquadrinha as cidades é entendida como a mesma que se legitima para controlar/intervir
nos corpos das pessoas. Diferentes análises me inspiram a explorar esse duplo esquadrinhamento – de
territórios e corpos, tanto em relação às classificações e fixações de pessoas em lugares, instituições ou
inscrições sociais específicas por parte de distintos órgãos governamentais (PADOVANI, 2015; AGUIÃO,
2014; ARAUJO, 2014), quanto em relação aos especialistas que exercem seus ofícios em repartições
públicas manipulando e registrando corpos e pedaços de corpos (NADAI, 2012; NADAI e VEIGA, 2014;

15
No texto citado anteriormente, Gizele Martins nos fala dos tanques de guerra
que circularam dia e noite pelas ruas da Maré durante um ano e cinco meses de
ocupação do Exército, período marcado por “violações às mulheres com revistas, abusos
machistas, até acusações de estupros”, afirma a autora. Os tanques e as acusações de
estupro habitam a mesma seção no texto de Gizele – a presença do Exército brasileiro,
ou de outros braços armados do estado em diferentes regiões do país potencializa a
guerra inventada pelo Estado. São inventadas disputas de território, são inventadas
retomadas de território: se na Maré a “Força de Pacificação” hasteou a bandeira nacional
no dia seguinte da sua chegada ao conjunto de favelas, inúmeras outras bandeiras verde
e amarelas foram hasteadas em locais de visibilidade de cada favela onde foram
instaladas UPPs.
Nessa guerra cuidadosamente arquitetada pelo Estado brasileiro, as mulheres
não são estupradas para que engravidem e gerem filhos que serão registrados com a
nacionalidade do soldado-estuprador, como ocorreu com parte das 20 mil mulheres
muçulmanas e croatas durante os 3 anos (1992-1995) de duração da guerra da Bósnia,
como nos informa Andrea Peres (2011). O estupro aqui se soma ao conjunto de
tecnologias de controle dos corpos – vivos ou mortos: não se objetiva o fortalecimento
de uma nacionalidade e sim a atualização da soberania do estado racista brasileiro
através do genocídio, da faxina étnica, da camuflagem de violações sistemáticas de
direitos.
Aqui, no lugar da contrução de uma outra nacionalidade, o que percebemos são
os muitos incentivos ao nacionalismo, que contam não só com a ostentação do
espetáculo midiático, compondo “nossa apreensão cognitiva da guerra” através do
“poder de orquestração do Estado para ratificar o que será chamado de realidade”
(Butler, 2015: 103) – como a cobertura em tempo real da invasão do Alemão em 2010 e
da Maré em abril de 2014 – mas contam também com microinjeções ufanistas como a
revista “O recrutinha” que o exército distribuía para as crianças nas favelas da Maré. A
espetacularização é muito preocupante porque exibe pra fora das favelas – mais
especificamente pro asfalto amedrontado e sedento por mais segurança – o falso quadro

LACERDA, 2015; FERREIRA, 2009). Dialogando com McClintock (2010), Efrem Filho discorre sobre a
feminização de espaços fronteiriços, afirmando que “a sexualização e a generificação do território e a
territorialização das relações de gênero e sexualidade se entrelaçam à violência” (EFREM FILHO, 2017:
100) – elaboração que também pauta a perspectiva metodológica e analítica desenvolvida neste projeto.

16
da retomada de território, mas o que penetra de forma capilarizada através de diferentes
dispositivos atualizados em contextos de militarização podem funcionar como a já
conhecida tática do cavalo de tróia: quando um grupamento de policiais invade uma casa
na favela e ali se esconde, para horas depois sair dali e obter sucesso em um ataque
“surpresa”28.

Da possibilidade cotidiana do estupro à denúncia internacional

Comecei a desenhar esse recorte de pesquisa ao ouvir relatos de mulheres como


Mariana, cuja casa foi invadida durante uma operação do 41º Batalhão da Polícia Militar
em Acari num horário em que ela já havia saído para trabalhar, sua filha de 13 anos
estava dormindo e sua filha de 16 anos estava saindo pra ir pra escola. Mariana contou
que os policiais entraram na casa dela chamando a filha que estava dormindo de
vagabunda, piranha e a mandando levantar e que também durante essa invasão um dos
policiais deu um chute nas costas da sua filha mais velha e o desenho da sola do coturno
desse agente ficou marcado na parte de trás da blusa do uniforme da escola da menina.
Érika concluiu esse relato da seguinte forma: “Eles vão fazer mais o quê aqui? Daqui a
pouco tão estuprando minhas filhas”.

Em contextos como esse, “vagabunda” e “piranha” são palavras que precisam ser
lidas enquanto xingamentos que compõem um quadro mais amplo de violências de
gênero que também aparece embutido na violência institucional que caracteriza
operações como essa que a Polícia Militar realizou na zona norte do Rio. A invasão
daquele dia não ficou marcada apenas na memória das três moradoras da casa, mas
ficou marcada no uniforme de uma das meninas: o peso do coturno fincado no chão da
sala e dos outros cômodos se fez sentir nas costas da adolescente que ia para a escola.
A favela, a casa e o corpo da filha de Mariana são marcados pela invasão da polícia. O
estupro não precisa acontecer para aterrorizar: o “daqui a pouco tão estuprando”

28
A ideia de “retomada” de território aqui é lida na chave analítica proposta por Souza Lima (1995) ao
explorar a “conquista” como “modalidade de guerra”. Inspirado pela sugestão de Foucult (1979) para
pensarmos o poder em termos de “combate”, “confronto” e “guerra”, Souza Lima ressalta o fato de que
“o poder político, ao se fazer a paz, reatualiza a guerra sob diferentes modos” (1995: 44).

17
denunciado por Mariana indica que é justamente essa possibilidade cotidiana do
acontecimento do estupro que permite que ele seja alocado no conjunto mais amplo
das tecnologias de controle governamental de corpos e territórios.

Dentre os casos de estupros perpetrados por agentes de estado armados que


vieram a público29, encerro esta comunicação com um caso ocorrido em 1994 –
protagonizado por 110 agentes da Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE) da
Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, que realizaram uma operação na favela Nova
Brasília (localizada na zona Norte da cidade do Rio de Janeiro), sob o pretexto de cumprir
104 mandados de prisão temporária. Durante tal operação, 14 moradores foram
executados e 3 moradoras com idades de 15, 16 e 19 anos sofreram abusos sexuais e
foram torturadas. Em julho de 1996, o caso foi denunciado à Comissão Interamericana
de Direitos Humanos pelo CEJIL (Centro pela Justiça e o Direito Internacional) e pela
Human Rights Watch/Americas; em maio de 2015, a Comissão decidiu levar o caso à
Corte Interamericana de Direitos Humanos em função do não cumprimento, por parte
do Estado brasileiro, das recomendações relacionadas às violações, tendo sido
condenado em maio de 2017: legados desta nação soberana – a República Federativa
do Brasil, um dos 193 países-membros da ONU.

29 Na manhã do dia 25 de dezembro do ano passado, uma moradora da Rocinha (localizada na zona sul
da cidade do Rio de Janeiro), foi agredida e estuprada por dois agentes do Batalhão de Operações Policiais
Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que realizavam uma operação na favela. Mais de um
ano antes desse caso da Rocinha, na madrugada do dia 05 de agosto de 2014, outras três mulheres foram
estupradas no Jacarezinho (favela carioca localizada na zona Norte da cidade), por seis agentes da
Unidade de Polícia Pacificadora instalada no local em janeiro de 2013. No dia 18 de abril de 2012, cinco
meses antes da instalação da UPP na Rocinha, quatro agentes do Batalhão de Polícia de Choque
(BPChoque), também da PMERJ, levaram para um beco uma mulher que foi vista furtando e a estupraram.
Esses três casos foram noticiados na grande mídia e para todos os casos o comando da PMERJ e/ou o
Secretário de Segurança Pública se posicionaram, a princípio dizendo que iriam apurar as informações, e
posteriormente, declarando que tais episódios refletiam atuações reprovadas pela corporação. No caso
do Jacarezinho, o Comando da PMERJ declarou em nota, inclusive, que "a conduta grave desses policiais
militares, em desacordo com os ensinamentos recebidos durante a formação, atentou contra o
sentimento de dever e decoro da classe. A ocorrência deste crime, por agentes garantidores da lei, é
inadmissível". Quatro dos policiais acusados foram expulsos da corporação, desses quatro, três foram
denunciados pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro pelo estupro das três moradoras,
chegaram a ficar presos no Complexo de Gericinó, mas depois o pedido de prisão dos três agentes foi
revogado.

18
Assim chegamos, mais uma vez, diante de um tribunal internacional, que deve
julgar um crime envolvendo violência sexual contra mulheres em um contexto
militarizado. Vale ressaltar que as expectativas nos anos 1990 a respeito de uma
operação da Divisão de Repressão a Entorpecentes da Polícia Civil guardam muitas
semelhanças com as expectativas relativas ao programa das Unidades de Polícia
Pacificadora quando ele foi instalado no Rio de Janeiro no final de 2008: iniciativas que,
com a justificativa de garantir paz e segurança, ocupam diferentes territórios com
agentes armados e equipamento bélico, tal qual as tropas do Exército na Maré ou as
forças de paz da ONU em diferentes países.

Para encerrar, gostaria de registrar que a Organização de Supervisão da Trégua


das Nações Unidas (UNTSO) – considerada a primeira operação para a “manutenção da
paz mundial”, criada em maio de 1948, é renovada anualmente, segundo a ONU, “como
um triste e irônico lembrete sobre a dificuldade de alcançar uma paz duradoura”30. Não
que o dado seja tão fundamental, mas para o biênio 2016-2017 foram direcionados
US$68,949,400 para a atuação da UNTSO31.

Investe-se bastante em “homens” e “armas” tanto para lembrar que é difícil


alcançar a paz duradoura, quanto para tentar pacificar territórios e populações
considerados, por algum motivo, não civilizados, incompatíveis com o contrato social,
perturbadores da ordem pública, ameaças à paz mundial: “os alvos, os inimigos, os
perigosos” como bem qualificou Martins (2016). Mas os estados-nação, assim como a
Organização das Nações Unidas, atualizam suas tecnologias de controle
sistematicamente – e esta pesquisa vem sendo desenvolvida com o objetivo de
compreender ao menos uma parte das imbricações políticas desses processos de
atualização.

30
“ONU conta história das Missões de Manutenção de Paz, que completam 68 anos”, disponível em:
https://nacoesunidas.org/onu-conta-a-historia-missoes-de-manutencao-de-paz-que-completa-68-anos-
de-existencia/.
31
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http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/untso/facts.shtml.

19
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