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RESUMO | Introdução: As dorsopatias são condições frequentes entre motoristas de ônibus e cursam com absenteísmo por
incapacidade laboral. Tais quadros têm etiologia multifatorial, inclusive relacionada a fatores ocupacionais de risco. Objetivos:
Analisar os fatores associados à apresentação de atestados médicos por dorsopatias entre motoristas de ônibus de uma empresa
de transporte coletivo. Métodos: Estudo transversal e analítico com informações de banco de dados sobre 2.229 motoristas de
ônibus profissionais de uma empresa na cidade de São Paulo. O estudo compreendeu o período de 2016 a 2017. As variáveis
independentes foram sexo, faixa etária, tempo de trabalho na empresa e turno de trabalho; o desfecho foi o histórico de atestado
médico por dorsopatia no período em estudo. Foi realizada análise de regressão logística para estudar os fatores associados ao
desfecho. Resultados: A idade média da amostra foi de 47,33 anos, e a média de tempo de trabalho foi de 8,65 anos. A população foi
essencialmente masculina (98,06%), e a maioria trabalhava no turno diurno (85,9%). A prevalência de atestados no período foi de
17%, com média de 1,86 dias por atestado. Apenas a faixa etária apresentou distribuição estatisticamente significante, com redução
da probabilidade de atestado médico por dorsopatia a partir dos 40 anos. Conclusões: Os trabalhadores mais jovens tinham maior
chance de apresentar atestados por dorsopatias do que aqueles mais velhos. Ações permanentes de promoção da saúde e prevenção
de doenças são importantes para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar dos motoristas de ônibus da empresa.
Palavras-chave | dor lombar; absenteísmo; saúde do trabalhador; epidemiologia.
ABSTRACT | Introduction: Dorsopathies are common among bus drivers and may result in absenteeism due to work disability.
Dorsopathies have a multifactorial etiology, including those related to occupational risk factors. Objectives: To analyze the factors
associated with sick leave due to dorsopathies among bus drivers from a public transport company. Methods: This was a cross-
sectional, analytical study with information from a database of 2,229 professional bus drivers from a company in the city of São
Paulo, Brazil. The study period was from 2016 to 2017. Independent variables were sex, age group, length of service, and work
shift; the outcome was the history of sick leave due to dorsopathies in the study period. Logistic regression analysis was performed
to investigate the factors associated with the outcome. Results: Mean sample age was 47.33 years, and mean length of service was
8.65 years. Most participants were men (98.06%) and worked during the day (85.9%). There was a 17% prevalence of sick leave in
the study period, with an average of 1.86 days per medical certificate. Age group was the only variable with a statistically significant
distribution, with a reduced probability of sick leave due to dorsopathies in those aged ≥ 40 years. Conclusions: Younger workers
were more likely to be on sick leave due to dorsopathies than older workers. Actions aimed at permanent health promotion and
disease prevention are important to improve the quality of life and well-being of these workers.
Keyword | low back pain; absenteeism; occupational health; epidemiology.
1
MBA em Gestão de Promoção de Saúde e Qualidade de Vida nas Organizações, Centro Universitário São Camilo, São Paulo, SP, Brasil.
2
Curso de Graduação em Medicina, Centro Universitário São Camilo, São Paulo, SP, Brasil.
Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar: Azevedo AT, Benedito VL, Silva-Junior JS. Sick leave due to dorsopathies among bus drivers from a company in São Paulo, Brazil. Rev Bras Med Trab.
2022;20(2):249-253. http://dx.doi.org/10.47626/1679-4435-2022-694
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Azevedo AT et al.
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Atestados por dorsopatias em motoristas de ônibus
Tabela 1. Distribuição da entrega de atestados médicos por dorsopatias entre motoristas de uma empresa de São Paulo
conforme sexo, faixa etária, tempo de serviço na empresa e turno de trabalho, 2016-2017 (n = 2.229)
Atestado
Sexo 0,092
Masculino 2.197 (98,6) 370 1.827
Feminino 32 (1,4) 9 23
Faixa etária (anos) 0,007
< 30 48 (2,2) 6 42
30 a 39 531 (23,8) 112 419
40 a 49 700 (31,4) 125 575
50 ou mais 950 (42,6) 136 814
Tempo de empresa (anos) 0,253
<5 556 (24,9) 104 452
5 a < 10 823 (36,9) 138 685
10 a < 15 652 (29,3) 114 538
15 a < 20 147 (6,6) 17 130
20 ou mais 51 (2,3) 6 45
Turno 0,477
Diurno 1.915 (85,9) 354 1.561
Noturno 102 (4,6) 16 86
Não informado 212 (9,5) 9 203
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Azevedo AT et al.
brasileiros11,12. Todavia, a presença de atestados médicos sintomas dolorosos no sistema osteomuscular, a variável
nesse grupo deve ser mote para análise e ações que visem sexo dos participantes foi incluída como ajuste na análise
a gerenciar a saúde desses trabalhadores, em decorrência dos fatores associados ao absenteísmo por dorsopatias
do impacto negativo na percepção da qualidade de vida2, entre os motoristas de ônibus deste estudo.
entre outros aspectos. Os trabalhadores com menos de 40 anos apresentaram
Considerando dados nacionais, o grupamento mais probabilidade de apresentar atestado por dores
M50-M54 da CID-10 foi o principal motivo de emissão nas costas do que aqueles mais velhos. Esse resultado é
de benefício por incapacidade no período de 2016 a divergente de outros estudos. As dores musculoesqueléticas
201713. No mercado de trabalho formal da economia, é entre motoristas de ônibus foram associadas a idade
necessário que o trabalhador esteja em afastamento por superior a 40 anos na Índia15 e a motoristas profissionais
mais de 15 dias antes de requerer o benefício. Portanto, mais velhos na Nigéria11. A questão da maior probabilidade
é natural supor a existência de um contingente de de afastamento por dorsopatia entre os trabalhadores
trabalhadores acometidos de quadros incapacitante que mais jovens sugere o efeito do trabalhador sadio, em
se recuperaram antes da necessidade de encaminhamento que o mercado de trabalho é composto por aqueles mais
para a Previdência Social, como visto pela média de dias saudáveis e aptos16. Ou seja, os trabalhadores com maior
por atestado no grupo estudado. idade e portadores de quadros ortopédicos crônicos
Moraes et al.9 consideram que a longa jornada de talvez estejam afastados por incapacidade laborativa
trabalho dos motoristas de ônibus contribui para dores ou não tenham sido considerados aptos para admissão
osteomusculares, que são mais frequentes nessa do na empresa. Dessa forma, os trabalhadores mais velhos
que em outras profissões. A manutenção prolongada encontrados nesse grupo podem ser “sobreviventes” e, por
da postura sentada e a angulação do assento são isso, menos suscetíveis ao afastamento por dorsopatias.
considerados fatores de risco para lombalgia entre No nosso estudo, a quantidade de anos dirigindo não foi
motoristas4, pois modificam a curvatura natural da associada ao absenteísmo, resultado similar ao encontrado
coluna e aumentam a pressão sobre a região posterior no estudo sobre queixas álgicas na região lombar6,10,11
dos discos intervertebrais7. Isso pode acarretar entre motoristas profissionais. No estudo de Jadhav6,
alterações biomecânicas, como desequilíbrio muscular foram encontradas maiores prevalência e intensidade de
entre força extensora e flexora de tronco e diminuição lombalgia entre os motoristas, mas o número de licenças
da estabilidade e mobilidade do complexo lombo-pelve- médicas e dias de internação hospitalar foi menor do
quadril, responsáveis pelo desenvolvimento de dores na que entre não motoristas. Isso sugere uma situação de
porção inferior da coluna14. presenteísmo entres os motoristas, ou seja, os indivíduos
Os atestados por dores nas costas foram mais incidentes têm redução de funcionalidade e de produtividade, com
entre as trabalhadoras do que entre os motoristas do alterações em seu rendimento profissional, mas não
sexo masculino. A amostragem de mulheres era muito requerem episódios de ausências do trabalho6.
inferior à dos homens, o que provavelmente influenciou Na Eslovênia12, o trabalho em turnos foi associado
a ausência de significância estatística da distribuição. ao absenteísmo por lombalgia, enquanto na Índia o
Essa disparidade demonstra uma configuração social turno noturno foi associado a lombalgia em motoristas
desse trabalho como majoritariamente masculino, profissionais6. Uma explicação seria a relação com
considerando a distribuição observada em outras os distúrbios do sono decorrentes dessa condição,
localidades12. Outros estudos não analisaram a questão que podem cursar com menor tolerabilidade aos
do sexo biológico como fator de risco para o absenteísmo desconfortos físicos, implicando em índices mais
por dorsopatias em virtude de baixa amostragem, que elevados de lombalgia. No presente estudo brasileiro,
não permitia inferência estatística10, ou por ausência de o turno não influenciou as ausências por dorsopatias;
mulheres no grupo de motoristas de ônibus6,11,15. Como no entanto, a ausência de informações relativas ao
há características sociais (dupla jornada de trabalho – esquema de trabalho de 9,5% dos participantes pode ter
casa/emprego)14 e fisiológicas3 que podem acarretar influenciado a análise dessa variável.
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Atestados por dorsopatias em motoristas de ônibus
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Considerações sobre o ofício de dirigir ônibus no Brasil: uma Endereço para correspondência: João Silvestre Silva Junior – Av. Nazaré,
revisão de literatura. Estud Inter Psicol. 2017;8(1):76-99. 1501 – Bairro Ipiranga – CEP: 04263-200 – São Paulo (SP), Brasil – E-mail:
silvajunior.js@gmail.com
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