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ISSN 0103-5150

Fisioter. Mov., Curitiba, v. 26, n. 1, p. 219-228, jan./mar. 2013


Licenciado sob uma Licença Creative Commons

[T]

Teste de caminhada de seis minutos em pediatria: relação


entre desempenho e parâmetros antropométricos
[I]

Six-minute walk test in pediatrics: the relationship between


performance and anthropometric parameters

[A]

Renata Tiemi Okuro[a], Camila Isabel Santos Schivinski[b]

[a]
Doutoranda em Ciências biológicas (Fisiologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Ciências
pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas - SP, Brasil, e-mail: re_okuro@yahoo.com.br
[b]
Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professora efetiva
dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Fisioterapia da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc),
Florianópolis, SC - Brasil, e-mail: cacais@yahoo.com.br

[R]

Resumo
Introdução: Diferenças antropométricas podem influenciar o desempenho no teste de caminhada de seis
minutos (TC6). Objetivo: Analisar publicações referentes ao TC6 realizado em crianças e adolescentes e
identificar a influência de parâmetros antropométricos no desempenho do teste. Materiais e métodos:
Pesquisa nas bases de dados eletrônicas SciELO e MEDLINE, utilizando as palavras-chave: six-minute walk
test, children, adolescents, anthropometric measures/variables, growth e exercise tolerance, na busca de estu-
dos envolvendo TC6 em crianças e adolescentes, que apresentem correlação entre dados antropométricos e
variáveis do teste. Foram identificados 45 trabalhos relacionados à busca e, após análise dos títulos, resumos
e artigos na íntegra, foram incluídos 13 estudos compatíveis com o tema proposto. Resultados: O material
elencado aborda o TC6 e sua aplicação em diferentes situações: análise de reprodutibilidade, correlação
com teste cardiopulmonar máximo, indicação em diferentes doenças, valores de referência em saudáveis,
parâmetro de efeito de programas de prevenção/reabilitação. Muitos trabalhos relacionam a distância
percorrida no TC6 com idade e sexo, bem como com variáveis antropométricas, evidenciando frequente
correlação com altura, além de idade, peso e índice de massa corporal. Outros dados como comprimen-
to e força de membros inferiores, porcentagem de massas gorda/magra e força muscular respiratória,

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relacionados às mudanças do período de desenvolvimento infanto-juvenil, também parecem influenciar


no desempenho do teste. Conclusão: Estudos indicam forte influência entre variáveis antropométricas e
distância percorrida no TC6 em crianças e adolescentes, e a necessidade de que se esclareça essa associação
para que não haja comprometimento do desfecho de estudos e de terapêuticas.
[P]

Palavras-chave: Teste de esforço. Criança. Antropometria. Pediatria.


[B]

Abstract
Introduction: Anthropometric differences may influence the performance in the 6-minute walk test. Objective:
To analyze publications concerning the 6MWT performed in children and adolescents and to identify the influence
of anthropometric parameters on test performance. Materials and methods: research in the electronic databases
Medline and Scielo using to the keywords: six-minute walk test, children, adolescents, anthropometric measures/
variables, growth and exercise tolerance, in the search of studies involving 6MWT in children and adolescents, that
present correlation between anthropometric data and test variables. It was identified 45 studies related to the
search and after examination of the titles, abstracts and full articles, it were included 13 compatible studies with
the proposed theme. Results: the selected material approach the 6MWT and your application in different situa-
tions: analysis of reproducibility, correlation with maximal cardiopulmonary exercise testing, indications in dif-
ferents diseases, reference values in healthy, effect parameter of prevention/rehabilitation program. Many studies
relate the covered distance in 6MWT with age and sex, as well as with anthropometric variables, showing frequent
correlation with height, beyond the age, weight and body mass index. Other data such as length and strength of
lower limbs, percentage of fat mass/lean and respiratory muscle strength, related to changes in the period of ju-
venile development, also seem to influence the test performance. Conclusion: Studies indicate a strong influence
between the anthropometric variables and the covered distance in 6MWT in children and adolescents, and the need
for better explanation of this association so there is no impairment of outcome studies and therapeutics.
[K]

Keywords: Exercise test. Child. Anthropometry. Pediatrics.

Introdução neuromuscular, metabolismo muscular, aparelho


cardiovascular). Não oferece, porém, informações
O Teste de Caminhada de seis minutos (TC6) foi específicas sobre cada sistema, mas é um teste sen-
elaborado para ser um teste de caminhada prático sível e atualmente é o teste de caminhada mais uti-
capaz de estimar a capacidade funcional submáxima lizado (4). Sua aplicação em ensaios clínicos vem se
dos pacientes, através da medida da distância per- expandindo, principalmente em condições cardior-
corrida (DP) em um corredor plano por um período respiratórias crônicas, quando a capacidade de exer-
de seis minutos (1). É um teste seguro, fácil de ser cício e o nível de atividade são limitados. É indicado
administrado, reprodutível, validado e bem tolerado, para avaliação da capacidade funcional, propostas
sendo o que melhor se relaciona com o desempenho epidemiológicas para pesquisas, monitorização da
do paciente nas atividades de vida diária em relação eficácia de intervenções, especialmente como pa-
a outros testes (2). Tem sido uma alternativa poten- râmetro de resposta a programas de reabilitação
cial para substituir testes de exercício máximo que, pulmonar e seguimentos de protocolos fisiotera-
apesar de considerados padrão ouro para estimar pêuticos (4, 5). Também têm sua relevância no es-
a tolerância ao exercício, muitas vezes são de difícil tabelecimento de prognóstico a partir da predição
execução, demandam equipamentos de alto custo e da morbidade e mortalidade (5). Algumas pesquisas
recrutamento de pessoal especializado (3). têm evidenciado correlação importante da DP no
O TC6 avalia as respostas ao exercício de forma TC6 e variáveis obtidas por testes máximos e de fun-
integrada e global por parte de todos os sistemas ção pulmonar, como o pico máximo de consumo de
envolvidos na atividade física (circulação perifé- oxigênio (VO2máx), ventilação minuto e parâmetros
rica e sistêmica, função hemodinâmica, unidade espirométricos (6, 7, 8).

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Diante de tantos aspectos relevantes para seu uso na Seleção dos estudos
prática clínica, tanto do clínico quanto do profissional
da fisioterapia, é progressiva sua aplicação também na Inseridas as palavras-chave nas duas bases de dados,
população pediátrica, seja ela hígida ou na presença de inicialmente foi feita a leitura dos títulos apresentados
diagnósticos cardiopulmonares, metabólicos, dentre e, respeitando-se os critérios de inclusão pré-estabeleci-
outros (6, 8, 9, 10, 11). No entanto, vários são os fatores dos, foram selecionados 45 estudos potencialmente ele-
apontados pela literatura como influentes para um bom gíveis. Os resumos desses trabalhos foram levantados e,
desempenho desse teste em crianças, em comparação após nova triagem, foram identificados 35 estudos, cujos
aos adultos. Dente eles, mudanças relacionadas ao perío- artigos completos foram adquiridos. A partir da análise
do de crescimento e desenvolvimento infanto-juvenil, minuciosa dessas publicações por dois avaliadores in-
como a puberdade e o estirão de crescimento, parecem dependentes, um total de 13 trabalhos foi considerado
interferir na DP durante o teste, devido à influência compatível com o tema e foi incluído nessa revisão. Não
na passada e velocidade da criança. Nesse contexto, é foram selecionados os estudos que utilizam o TC6 como
importante identificar os elementos antropométricos parâmetro de avaliação de diferentes intervenções ou
que influenciam a DP no TC6 nessa população no sen- como ferramenta de caracterização da amostra, que não
tido de estabelecer as variáveis com potencial poder apresentam dados sobre a relação entre as variáveis do
de confundimento, que dificultam e prejudicam a in- teste e a antropometria da população investigada.
terpretação dos resultados das pesquisas para que a
aplicação desse teste não subestime a capacidade física
em doenças crônicas e mascare benefícios de interven- Resultados
ções. Sendo assim, o objetivo desta revisão é analisar
publicações referentes ao TC6 realizado em crianças e Já está muito bem estabelecido na literatura o uso do
adolescentes e identificar a influência de parâmetros TC6 na população adulta com estudos envolvendo equa-
antropométricos no desempenho do teste. ções de predições com valores de normalidade, fatores
influenciadores da DP, em variadas situações clínicas,
sendo um instrumento de grande valor em pesquisa clí-
Materiais e métodos nica para a mensuração da capacidade funcional. A pro-
posta de diretrizes da American Thoracic Society de
Busca na literatura 2002 guia, orienta e respalda assuntos relacionados ao
TC6 na população adulta e, até o momento, tem servido
A busca pelos estudos para compor a revisão foi como base técnica também para população pediátrica.
realizada com pesquisa nas bases de dados eletrô- No entanto, pesquisadores discutem a aplicabilidade
nicas SciELO (Scientific Electronic Library Online) e em crianças, a dificuldade de padronização do teste e a
MEDLINE, sem limitação de data, já que publicações escassez de valores e equações de referência para esse
sobre o TC6 em crianças e adolescentes são recentes grupo. Apesar dessa realidade, o TC6 é usado rotineira-
e escassas. As palavras-chave utilizadas foram: six- mente no manejo do paciente pediátrico e é crescente o
-minute walk test, children, adolescents, anthropome- número de pesquisas envolvendo sua utilização.
tric measures/variables, growth, exercise tolerance. Na corrente revisão, foram identificados estudos
Uma complementação de material foi feita com base com características peculiares. O material elencado
nas referências bibliográficas relacionadas ao tema aborda dados do TC6 e sua aplicação em diferentes
encontradas nos artigos selecionados, sendo elas um situações: análise de sua reprodutibilidade e confia-
abstract (12) e uma tese (13). bilidade; seus valores de referência na população in-
fantil saudável e doente; sua indicação em diferentes
doenças como parâmetro de efeito de programas de
Critérios de inclusão dos estudos prevenção e reabilitação; sua correlação com teste
cardiopulmonar máximo e com dados antropomé-
Foram incluídos os estudos envolvendo TC6 em tricos, sendo este último o foco principal da revisão.
crianças e/ou adolescentes que apresentaram cor- O Quadro 1 apresenta os estudos de correlação
relação entre dados antropométricos e variáveis entre variáveis antropométricas e a DP pelo TC6 em
do teste. crianças e adolescentes.

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Quadro 1 - Relação dos 13 estudos selecionados para a revisão


(Continua)

População de Tipo de estudo/ Idade Variáveis Correlação com a


Autor estudo seleção da amostra (anos) antropométricas DP no TC6

Morinder et al. (8) 250 crianças e teste e re-teste/ 8-16 - idade; idade (+)
adolescentes pacientes média de 13,3 - altura; altura (+)
obesas ambulatoriais - IMC. IMC (-)

Takken et al. (20) 20 crianças e Transversal/ 14,1 ± 3,7 - peso; altura (+)
adolescentes no pacientes - altura;
estágio final de em diálise ou - IMC;
doença renal hemodiálise por - % massa gorda;
mais de 3 meses - força muscular
de membros
inferiores.

Hassan et al. (12) 47 crianças Transversal/ 12,5 ± 2,9 - idade; 1- idade, peso e
hemofílicas (1) pacientes seguidos 9,3 ± 2,9 - altura; altura (+)
44 com AIJ (2) em clinicas 10,3 ± 3,1 - peso. 2 - altura (+)
22 com Espinha e hospitais 3 - sem correlação
Bífida (3) universitários

Calders et al. (21) 64 crianças e Prospectivo/ 10-18 - altura; altura (+)


adolescentes obesos antes e média de 14,7 - peso; peso (-)
obesos após tratamento - IMC; IMC (-)
multidisciplinar - % massa gorda; % massa gorda (-)
- % massa magra; % massa magra (+)
- circunferência Circunferência
abdominal. abdominal (-)

Li et al. (15) 1445 crianças Transversal/ 12 ± 2,6 - idade; idade (+)


e adolescentes recrutados - peso; peso (+) em
saudáveis randomicamente de - altura; meninos
escolas - IMC; altura (+)
- sexo. IMC (-) em
meninas
sexo masculino
(+)

Lammers et al. (17) 328 crianças Transversal/ 4-11 - idade; idade (+)
saudáveis recrutadas - sexo; peso (+)
randomicamente de - altura; altura (+)
escolas - IMC; sexo masculino (+)
- peso.

Geiger et al. (16) 528 crianças e Transversal/ 3-11 - idade; idade (+)
adolescentes voluntários - peso; altura (+)
saudáveis caucasianos nas - altura;
escolas - IMC;
- comprimento de
MMII.

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Quadro 1 - Relação dos 13 estudos selecionados para a revisão


(Continua)

População de Tipo de estudo/ Idade Variáveis Correlação com a


Autor estudo seleção da amostra (anos) antropométricas DP no TC6

Oliveira (13) 102 crianças e Transversal/ 12,9 ± 3 - peso; peso (+)


adolescentes selecionados - altura; altura (+)
saudáveis randomicamente de - idade; idade (+)
uma escola - gênero; comprimento de
- IMC; MMII (+)
- comprimento de circunferência de
MMII; coxa (+)
- circunferência de
coxa;
- % massa magra;
- % massa gorda;
- força muscular
respiratória.

Li et al. 78 crianças Teste e re-teste/ 14,2 ± 1,1 - altura;


(14) chinesas saudáveis escolares - idade; altura (+)
recrutados - peso;
randomicamente - IMC.

Cunha et al. (9) 16 crianças e Transversal/ 11 ± 1,9 - idade; sem correlação


adolescentes com escolares e - peso;
Fibrose Cística adolescentes - altura;
clinicamente - IMC.
estáveis

Basaran et al. (19) 62 crianças Prospectivo/ 10,4 ± 2,1 - idade; sexo masculino (+)
com asma de pacientes - sexo;
sintomatologia de ambulatoriais - altura;
média a moderada randomizados - IMC.
em dois grupos:
controle e exercício

Moalla et al. (11) 17 crianças e Teste e re-teste/ 13,5 ± 0,5 - idade; sem correlação
adolescentes Cardiopatas classe - peso;
com cardiopatia II ou III - altura;
congênita - IMC.

Nixon et al. (6) 17 crianças e Teste e re-teste/ 14,8 ± 2,6 - altura. sem correlação
adolescentes pacientes
gravemente hospitalizados
doentes com indicação de
transplante coração
e/ou pulmão

Legenda: TC6= teste de caminhada de seis minutos; IMC= índice de massa corporal; AIJ= artrite idiopática juvenil; FC= fibrose cística;
MMII= membros inferiores; (+) = correlação positiva com a DP pelo TC6; (-) = correlação negativa com a DP pelo TC6.
Fonte: Dados da pesquisa.

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Discussão para predição da DP nessa população, de acordo com


o gênero, e considerando a idade, peso e altura, va-
Valores de referência do TC6 em pediatria e riáveis que contribuíram com a maior porcentagem
relação com parâmetros antropométricos de variabilidade no resultado do TC6.
Fica evidente que, grande parte dos estudos aqui
Dos 13 artigos incluídos nessa revisão, quatro es- selecionados relaciona a DP no TC6 com a idade e o
tudos sugeriram valores de referência no TC6 para sexo. Com relação à idade, estudos atribuem uma
crianças e analisaram a relação entre a DP e parâme- maior velocidade do TC6 com o aumento da idade
tros antropométricos. A forte influência positiva da (8, 12, 13, 15-17), e naqueles com maior IMC, em
altura na distância foi um dos resultados de alguns decorrência das mudanças fisiológicas que ocorrem
estudos (14, 15). Os autores (14) investigaram a vali- durante o período de crescimento e desenvolvimento
dade e confiabilidade do TC6 e estabeleceram valores infanto-juvenil. Por esse motivo, a maioria deles anali-
de referência após analisar 78 crianças e adolescen- sa uma faixa etária restrita, com o intuito de controlar
tes chineses saudáveis entre 7 e 16 anos; também todas as variações biotípicas. Esse fato já difere dos
verificaram correlação da distância com sexo, idade adultos, que apresentam um comportamento mais
e dados antropométricos de peso e índice de massa previsível durante o teste (17, 18).
corporal (IMC), porém sem significância. O estudo Sabe-se que existem inúmeras variações físicas
posterior (15) avaliou 1.445 crianças e adolescentes e entre adultos, de um lado, e adolescentes e crianças,
estabeleceu curvas de normalidade para a população de outro, e que essas diferenças são muito mais
chinesa; observou correlação da DP pelo TC6 com complexas que as medidas antropométricas. A fi-
idade, sexo, peso (em meninos), IMC (em meninas), siologia infantil muda constantemente porque seus
sendo a altura a variável de maior influência. sistemas estão em processo de crescimento, desen-
A relação entre DP e sexo, idade e altura de crian- volvimento e maturação, sofrendo influências rela-
ças foi novamente constatada por Geiger et al. (16), cionadas à genética e aos fatores extrínsecos: nível
que propuseram equações para valores de referência de atividade física, composição corporal, estado nu-
envolvendo essas variáveis, consideradas responsá- tricional, condição socioeconômica, cultura, gênero,
veis pela variabilidade na DP durante o TC6 modifica- etnia, clima e localização geográfica. Dessa forma,
do aplicado em 528 crianças e adolescentes saudáveis a população pediátrica tem um padrão singular de
de 3 a 11 anos de idade; o teste foi realizado com o mudanças em seu organismo, inclusive em termos
incremento de uma roda adaptada para ser condu- comportamentais, que afeta seu desempenho físico
zida à frente do corpo da criança. Na mesma linha, e pode alterar suas respostas fisiológicas durante a
Lammers (17) avaliou 328 crianças saudáveis, entre 4 prática do exercício físico (13) ou de testes físicos,
e 11 anos, e também observou correlação da DP com como é o caso do TC6. Pesquisas futuras devem con-
peso, altura e idade, sendo esta última relacionada siderar todos esses aspectos no intuito de utilizar
ao aumento progressivo da trajetória. Diferente de o teste da forma mais eficaz possível e de conhecer
Geiger et al. (16), não houve diferença entre a per- cada vez mais o impacto de diferentes fatores na
formance de meninos e meninas. performance do teste, sejam eles fatores físicos,
A frequente intervenção do gênero, idade, peso, hormonais ou sociais.
altura e IMC no resultado do TC6 motivou Oliveira Como exposto, a influência das variáveis como
(13) a investigar a influência desses, e de outros altura (8, 12-17, 19-21), peso (12, 13, 15, 17, 21) e
fatores como superfície corporal, comprimento de IMC (8, 15, 21), bem como da porcentagem de massa
membros inferiores, força muscular respiratória, gorda e magra (21) tem sido frequentemente inves-
circunferência de coxa, metabolismo basal e per- tigada nos trabalhos relacionados à performance do
centual de massa magra e gorda. Para essa pesqui- teste em crianças, sendo a estatura um dos elemen-
sa, sua amostra foi composta de 102 indivíduos e tos de maior impacto. O comprimento de membros
houve correlação positiva da distância com idade, inferiores (13), a circunferência abdominal (21) e
peso, altura, superfície corporal, comprimento de de coxas (13) também são variáveis exploradas nas
membros inferiores, circunferência de coxa e me- pesquisas e apresentam relação com o desempenho
tabolismo basal. Com base nesses resultados, esse na DP, assim como o gênero – os meninos apresentam
autor também elaborou uma equação de referência melhores resultados (15, 17, 19).

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Em relação ao estudo da reprodutibilidade do TC6 esse parâmetro não teve relação com as pesquisas
em diferentes populações, foram identificadas duas supracitadas envolvendo amostra de doentes (6, 11,
pesquisas bem-sucedidas que fizeram essa abordagem 19, 20). Apesar desse frequente comportamento, a
em situações especiais. Cunha et al. (9) constatou a re- altura foi a variável antropométrica de maior influên-
produtibilidade do TC6 em 16 crianças e adolescentes cia no teste de crianças obesas e em doenças com
com fibrose cística e Morinder et al. (8) fez a mesma algum caráter degenerativo (8, 12, 21).
constatação em crianças e adolescentes obesos. Em crianças e adolescentes obesos, variáveis como
Existe grande relevância no estudo da confiabili- idade, altura e IMC influenciaram no resultado do TC6
dade e reprodutibilidade do teste, uma vez que essa (8, 21), além do peso, circunferência abdominal e por-
constatação reforça sua aplicação como um instru- centagem de massas gorda e magra (21). Nesse perfil
mento de avaliação funcional seguro, principalmente de crianças, a capacidade funcional parece ser inferior
em situações de manejo de enfermidades e monito- àquelas com peso ideal, pois elas caminham menos em
rização clínica. comparação a crianças saudáveis de peso ideal (8).
No segundo caso, em doenças degenerativas, pa-
cientes com três tipos de enfermidades crônicas –
TC6 e relação com parâmetros antropométricos hemofilia, artrite idiopática juvenil e espinha bífi-
de crianças doentes da – foram investigados em relação aos parâmetros
antropométricos que interferiam mais na DP do TC6;
Foram identificados cinco estudos que aplicaram com exceção da altura, os autores verificaram res-
o TC6 em populações de crianças doentes e, diferente postas diferentes para cada uma das doenças (12).
dos estudos com crianças saudáveis anteriormente Considerando os estudos referenciados, torna-
mencionados, a maioria deles não identificou influên- -se relevante pontuar que muitos são os fatores que
cia de parâmetros antropométricos no resultado afetam a DP no TC6, tanto de forma negativa (estatura
do teste. baixa; membros inferiores curtos; idade avançada;
Nessa perspectiva, a correlação entre os parâme- peso corporal elevado; sexo feminino; cognição pre-
tros de IMC, variáveis espirométricas, escores de gra- judicada; corredor para caminhada menor, sendo ne-
vidade, pressão inspiratória máxima, pressão expira- cessário maior número de voltas; doenças crônicas
tória máxima, trabalho realizado pelo TC6 (variável de ordem respiratória, cardiovascular e ortopédica)
correspondente à DP pelo teste multiplicado pelo como positivamente (estatura alta; sexo masculino;
peso corporal) e a performance do teste foi estudada grande motivação; treinamento realizado antes do
em crianças e adolescentes com fibrose cística, sendo teste; determinadas medicações e suplemento de
interferentes apenas os dois últimos dados (9). oxigênio) (3). Dependendo da doença estudada, ca-
Um estudo com crianças com cardiopatia congê- racterísticas clínicas, presença de complicações e o
nita não evidenciou relação da altura, idade, peso e próprio quadro do paciente no momento da reali-
IMC na DP no TC6 (11). A mesma ausência de rela- zação do exame podem afetar, significativamente, o
ção entre essas variáveis antropométricas e o teste desempenho no TC6.
foi constatada em crianças com asma, de sintoma- É de grande valor em pesquisas clínicas nessa área
tologia média a moderada (19), em crianças graves correlacionar adequadamente as variáveis antropo-
com indicação de transplante pulmonar, cardíaco ou métricas com o resultado do TC6 a fim de evitar inter-
ambos (6) e doentes renais pediátricos graves (20). pretações errôneas. Comumente atribuem-se peque-
Estes últimos também não apresentaram influência nas distâncias percorridas a doenças crônicas com
da porcentagem de massa gorda e força muscular de baixa capacidade funcional, sem considerar que esses
membros inferiores na DP no TC6. Houve relação en- pacientes geralmente apresentam baixa estatura e
tre o desempenho no TC6, a altura e a quantidade de grande dificuldade no ganho de peso comprometido.
hematócrito e, diante desse fato, os autores relataram
ser esse teste um instrumento útil para monitorizar o
estado clínico e funcional desse tipo de paciente (21). TC6 e relação com testes máximos
A maioria dos trabalhos envolvendo crianças
saudáveis havia identificado influência da altura na O TC6 também tem sido utilizado para avaliação de
performance do TC6 (14-17), mas, diferentemente, tolerância ao exercício e endurance, sendo considerado

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um teste funcional válido e confiável (14). Com essa fi- aptidão física (22) e pesquisas sobre avaliação do
nalidade, o trabalho de Moalla et al. (11) correlacionou efeito de intervenções em longo prazo podem cons-
valores do TC6 com variáveis de teste cardiopulmonar tatar resultados mascarados, e até “falso positivos”,
máximo comparando a tolerância ao exercício e res- quando não são considerados os efeitos fisiológicos
posta cardiorrespiratória de crianças com cardiopatia que ocorrem na fase de maturação física infanto-ju-
congênita e um grupo controle de crianças saudáveis, venil. Crianças e adolescentes sofrem influência de
e observou relação significante entre valores de VO2máx transformações fisiológicas e anatômicas decorrentes
e DP. Nixon et al. (6) já havia avaliado a eficácia do TC6 das descargas hormonais, que têm sua secreção au-
como um método alternativo para avaliar capacidade mentada nesse período. Com o rápido crescimento
funcional de indivíduos com tolerância física muito somático, e consequente aumento da massa mus-
limitada, em estudo que analisou 17 crianças grave- cular que está intimamente ligado ao consumo de
mente doentes, candidatas a transplante pulmonar, oxigênio, há o aumento de órgãos como os pulmões
cardíaco ou ambos. Em sua pesquisa, houve correla- e o coração. Ambos têm influência direta na melhora
ção significante entre o VO2máx medido através do teste da resistência cardiorrespiratória, em virtude do au-
cardiopulmonar máximo e a DP no TC6. mento na captação e utilização do oxigênio. Estudos
Em saudáveis, Li et al. (14) observaram relação envolvendo grupos nessa fase de desenvolvimento
com o VO2máx e o volume expiratório forçado no pri- podem detectar equivocadamente benefícios decor-
meiro segundo (VEF1) após analisar 78 crianças e rentes de intervenções, podendo estar relacionados
adolescentes chinesas saudáveis. O teste também foi exclusivamente a mudanças fisiológicas naturais da
considerado um bom instrumento para avaliação da fase em que a criança se encontra.
tolerância ao exercício em obesos, apesar de ter sido Diante do exposto até aqui, é fundamental discutir
verificada baixa correlação entre DP e VO2máx no es- a característica dos estudos incluídos nesta revisão.
tudo de Morinder et al. (8). Tais estudos transportam o modelo do teste do adul-
to para população pediátrica, apresentam amostras
pequenas e métodos divergentes de aplicação do
TC6 como resposta a intervenções e terapêuticas TC6 referentes a diferenças no tamanho do corredor
e no comando verbal de encorajamento, ou até ao
A indicação do TC6 como um instrumento de mo- tempo de intervalo entre dois testes e o efeito do
nitorização e avaliação a diferentes tratamentos tem treinamento/aprendizagem.
sido utilizado rotineiramente no manejo de diferentes Questões inerentes à padronização do teste são
situações clinicas (19, 21, 22), principalmente nas de extrema relevância (1-3), são essenciais para ga-
doenças cardiorrespiratórias crônicas. rantir a confiabilidade dos resultados obtidos com
Nessa linha, crianças com asma média a moderada sua aplicação. Sabe-se que o melhor desempenho no
foram analisadas em pesquisa que utilizou o TC6 para TC6 é dependente de aprendizado, motivação e esfor-
avaliar a capacidade de exercício após um programa ço e, para que esses elementos sejam estimulados,
de exercícios respiratórios domiciliares com duração principalmente na faixa etária pediátrica, deve haver
de oito semanas. O TC6 mostrou-se sensível em repro- controle de todas as normas técnicas pertinentes à
duzir os benefícios dessa intervenção (19). Moalla et sua execução. Além das variáveis antropométricas e
al. (11) compararam a tolerância ao exercício e res- a presença de enfermidades, como já apresentado,
posta cardiorrespiratória de crianças com cardiopatia todos esses fatores teórico-práticos interferem di-
congênita após um programa de treinamento físico retamente no resultado do teste.
por 12 semanas. Os cardiopatas treinados apresen- Sendo assim, são necessários novos estudos, es-
taram melhora na DP no TC6, evidenciando ser este pecíficos e bem delineados, que avaliem a correlação
um teste sensível para avaliar capacidade funcional entre TC6 e variáveis antropométricas, além de outros
nessa população. Em crianças e adolescentes obesos, fatores que podem influenciar no teste. Esses dados
a repercussão de um tratamento multidisciplinar na servirão de subsídio para a elaboração de equa-
relação entre preditores e o resultado do TC6 também ções de referência e valores de normalidade mais
foi foco de avaliação (21). fidedignos, além de embasamento teórico-científico
Nesse contexto, é importante relatar que os es- para organização de diretrizes do TC6 em crianças
tudos epidemiológicos envolvendo crescimento e e adolescentes.

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Teste de caminhada de seis minutos em pediatria
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Considerações finais 7. Cahalin L, Pappagianopoulos P, Prevost S, Wain J,


Ginns L. The relationship of the 6-min walk test to
É indiscutível a importância do TC6 no manejo maximal oxygen consumption in transplant patients
de crianças e adolescentes, sejam eles saudáveis ou with end-stage lung disease. Chest. 1995;108(2):452-9.
doentes. Mas fica evidente que se deve considerar doi:10.1378/chest.108.2.452.
a forte influência entre variáveis antropométricas
8. Morinder G, Mattsson E, Sollander C, Marcus C, Lars-
e o desempenho no teste, já que são potenciais fa-
son UE. Six-minute walk test in obese children and
tores de confundimento. Sugere-se que trabalhos
adolescents: reprodutibility and validity. Physiother
que utilizem o TC6 sejam cuidadosos na análise dos
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