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Seção de Bioestatística

Os principais delineamentos na Epidemiologia


Ensaios Clínicos (Parte II)

The major designs in Epidemiology


Clinical Trial (Part II)

Luciano Santos Pinto Guimarães1, Vânia Naomi Hirakata1,


Suzi Alves Camey1,2, Luciana Neves Nunes1,2,
Aline Castello Branco Mancuso1

RESUMO
O tema “estudos experimentais” é um conteúdo amplo, de difícil síntese. Revista HCPA. 2013;33(3/4):295-302
Com o objetivo de sintetizar as principais informações referentes a um estudo
experimental, este trabalho visa dar continuidade ao estudo do tema iniciado em 1 Unidade de Bioestatística, Grupo de
Mancuso et al. (2013). Além do contexto teórico abordado até então, a metodologia Pesquisa e Pós-graduação, Hospital
de desenvolvimento também é de fundamental importância. Os resultados podem de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
sofrer interferências graves e os objetivos não alcançados, se a metodologia aplicada Porto Alegre, RS, Brasil.
não for adequada. Além destes, as análises estatísticas e o número de sujeitos são
fundamentais para a validade dos resultados. Na primeira parte, foram apresentadas 2 Departamento de Estatística, Instituto
as principais informações para iniciar um ensaio clínico. Nesta segunda parte serão de Matemática, Universidade Federal
abordados tópicos metodológicos como tipos, fases e delineamentos de um ensaio do Rio Grande do Sul (UFRGS).
e tópicos estatísticos como análises e tamanho amostral. Porto Alegre, RS, Brasil.

Palavras-Chaves: Epidemiologia; ensaios clínicos; fases dos ensaios clínicos;


delineamentos; análises estatísticas Contato:
Unidade de Bioestatística
L-BIOESTATISTICA@hcpa.ufrgs.br
ABSTRACT
Porto Alegre, RS, Brasil
The theme “experimental studies” is a broad content, difficult synthesis. With the
aim to synthesize key information related to an experimental study, this paper
aims to continue the study of the topic began in Mancuso et al.(2013). Besides
the theoretical context discussed so far, the development methodology is also of
fundamental importance. The results may suffer severe interference and goals not
achieved, the methodology is not adequate. In addition, statistical analyzes and
number of subjects are fundamental to the validity of the results. In the first part,
the main information to start a clinical trial were presented. In this second part will
be addressed methodological topics as types, phases and outlines a testing and
statistical topics such as analysis and sample size.
Keywords: Epidemiology; clinical trials; phases of clinical trials; designs; statistical
analyzes

Seguindo a proposta desta epidemiológicos. Inicialmente


série, explicada no primeiro abordados em Mancuso et al.
artigo (1), este trabalho visa (2) os estudos experimentais se
dar continuidade ao estudo diferenciam dos observacionais,
dos principais delineamentos basicamente, pela ocorrência de

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Guimarães LSP et al

uma intervenção (ou experimento). No entanto, de diferentes formas. O importante é que estas
há diversos fatores cruciais para a condução de características estejam estritamente de acordo
um experimento. Além do contexto teórico e ético com os objetivos do estudo e sejam determinadas
abordado, a metodologia empregada na condução ainda no protocolo de estudo.
destas intervenções é de fundamental importância.
Os estudos experimentais constituem uma CLASSIFICAÇÕES
importante ferramenta na construção de evidências
científicas para a prática clínica e para a saúde Os estudos experimentais se caracterizam
pública (3), dada sua validade. Para tanto, a simples por serem ensaios epidemiológicos, podendo ser
adoção da randomização e do mascaramento não classificados em ensaios clínicos, de campo ou
são suficientes. Ensaios clínicos randomizados comunitários.
(ECRs) também podem produzir resultados
tendenciosos, se lhes faltar rigor metodológico A. Ensaio Clínico
(4,5). O estudo pode sofrer interferências graves
Um ensaio clínico é um experimento com
e os objetivos não alcançados, se a metodologia
pacientes, isto é, sujeitos com determinada
aplicada não for adequada. Para garantir sua
doença. A meta, na maioria dos ensaios clínicos,
validade, o pesquisador deve primeiramente
é avaliar a eficácia do tratamento através da cura
delinear de forma adequada seu projeto,
potencial da doença ou melhora clínica do paciente
planejando seu desenvolvimento; pois, diferentes
ou encontrar uma prevenção de complicações, tais
delineamentos exigem diferentes planejamentos (5).
como morte, incapacidade ou declínio da qualidade
Além destes, o planejamento estatístico é
de vida (9). Nesses ensaios, é importante que a
fundamental em todas as etapas de um ECR, desde
alocação dos tratamentos seja designada de tal
a concepção até a interpretação dos resultados.
forma a minimizar diferenças entre os grupos de
Durante a elaboração do projeto, é necessário
tratamentos em relação a fatores externos que
prever a metodologia estatística que será
possam afetar as comparações. Vale ressaltar que
necessária. A mesma deve estar de acordo com
a aleatorização é a melhor maneira de fazer isso,
o delineamento adotado, os objetivos e desfechos
desde que o tamanho da amostra seja grande.
definidos. Ainda na elaboração do projeto, deve-
se definir o tamanho amostral necessário para que B. Ensaio de Campo
o ECR venha a responder os objetivos propostos.
Um número insuficiente de participantes pode Diferente do ensaio clínico, o foco do ensaio
levar a conclusões enganosas, já um número de campo é o estágio inicial ou a prevenção
demasiado é antiético e pode ocasionar gastos da doença. Ou seja, nestes ensaios os sujeitos
desnecessários (6). pesquisados ainda não possuem a doença,
Contudo, independente da metodologia adotada, são sujeitos saudáveis, mas estão sob risco de
os autores devem detalhá-la na publicação. Goldim desenvolvê-la. Outra diferença é que os ensaios
(7) evidência a importância da caracterização de campo, geralmente, requerem um número
adequada dos estudos. A declaração CONSORT maior de sujeitos do que os ensaios clínicos e,
lista uma série de recomendações para a publicação em consequência, costumam ser mais caros. Um
de ECR. Conforme a mesma, a transparência exemplo clássico é o ensaio de campo realizado
total permite aos leitores compreender o design, para testar a vacina Salk, para prevenção da
a condução e as análises do estudo, assim como poliomielite (10).
avaliar a validade dos resultados (8).
Portanto, no presente artigo serão abordados C. Ensaio de Intervenção Comunitária
tópicos metodológicos como tipos, fases e
O ensaio de intervenção comunitária é uma
delineamentos de um ensaio e tópicos estatísticos
extensão do ensaio de campo, a diferença
como análises e tamanho amostral.
é que quem receberá os tratamentos são as
DESENHOS METODOLÓGICOS comunidades. Assim, é interessante que haja um
número grande de comunidades envolvidas para
que o efeito da randomização seja alcançado.
Conforme dito anteriormente, os estudos
No entanto, se apenas duas comunidades forem
experimentais têm por objetivo tentar mudar,
selecionadas, uma receberá a intervenção e a
de alguma forma, um desfecho em um ou mais
outra não.
grupos de sujeitos. No entanto, isso pode ser feito

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Um exemplo deste tipo de ensaio é o estudo para determinar as atividades farmacológica e


de Bernardi et al. (11), com 16 Unidades Básicas metabólica da droga em humano, estabelecer uma
de Saúde (UBS) de Porto Alegre, que teve evolução preliminar da segurança e tolerabilidade.
como objetivo aumentar o período médio de Um pequeno grupo de indivíduos, não
amamentação exclusiva dos recém-nascidos. ultrapassando 100 voluntários, geralmente sadios,
Os funcionários de oito UBS, grupo intervenção, participa do estudo. A recomendação é de que
receberam uma atualização baseada nas diretrizes a dose máxima a ser administrada seja 1/10 da
alimentares e materiais educativos impressos dose considerada segura e que um participante
com lembretes sobre as principais informações não receba mais de três doses do fármaco (13).
a serem consideradas na abordagem às práticas Dependendo da especialidade e objetivo, essa
alimentares nos primeiros dois anos de vida. Os fase pode ser realizada com grupos específicos
fôlderes também foram distribuídos para as mães tais como pacientes oncológicas, psiquiátricas,
na puericultura. As UBS alocadas para o grupo entre outros (7).
controle foram mantidas inalteradas durante todo o Em geral, os protocolos dos estudos de fase 1
decorrer do estudo, sem qualquer intervenção ou são menos detalhados e mais flexíveis do que as
influência dos pesquisadores. As mães e os filhos fases subsequentes, mas eles devem fornecer um
foram acompanhados por certo tempo, sendo esboço da investigação e também especificar em
finalizado o estudo com a comparação dos grupos, detalhe os elementos que são fundamentais para
UBS com e sem intervenção. a segurança (16).
FASES DE DESENVOLVIMENTO B. FASE 2

Segundo Zuccheiti e Morrone (12), o objetivo Os principais objetivos dos estudos de fase 2
principal de um estudo clínico é avaliar se os não são apenas para avaliar inicialmente a eficácia
efeitos adversos são toleráveis e se os benefícios de uma droga baseada em parâmetros clínicos
superam os danos. Neste interim, os estudos são para uma determinada indicação ou indicações
divididos em clínicos e pré-clínicos. Os estudos pré- em pacientes com a doença ou condição sob
clínicos algumas vezes recebem a denominação estudo, mas também para determinar os intervalos
de estudos de fase zero, por antecederem as de dosagem e doses para estudos de fase 3, já
fases clínicas que envolvem seres humanos (7). podendo ser verificada a ocorrência de efeitos
Esta avaliação toxicológica pré-clínica pode ser adversos (7,16). Para tanto, os achados na fase
subdividida em quatro estágios, usando modelos 1 são essenciais para que o estudo do novo
animais de pelo menos três espécies distintas, medicamento prossiga.
sendo uma não roedora e envolvendo machos e Os estudos de fase 2 iniciais, conhecidos como
fêmeas (13-15). fase 2a, utilizam doses já testadas como seguras
A etapa clínica da pesquisa de novas drogas, no estudo fase 1. O número de participante é
realizada em seres humanos, é subdividida em pequeno, pois esse serve como uma amostra piloto
quatro diferentes fases sucessivas e escalonadas, para um estudo de fase 2b, envolvendo medidas
com níveis crescentes de complexidade e de de segurança e, habitualmente, apenas uma dose
exposição. Em suma, a fase 1 tem como finalidade é testada. Os estudos de fase 2 avançados, ou
verificar a segurança e eficácia da droga, a fase fase 2b, são conduzidos com amostras maiores
2 também avalia a eficácia e investiga efeitos de pacientes, com critérios de inclusão definidos,
colaterais e a fase 3 confirma a eficácia e monitora quando comparados aos estudos de fase 1 e com
as reações adversas. Se comercializado, a fase o objetivo de estabelecer as doses que poderão
4, com um número maior de pacientes, mantem a ser utilizadas nos estudos de fase 3 (7).
investigação do medicamento, verificando eventos
adversos ainda não previstos. C. FASE 3

A. FASE 1 Os estudos de fase 2 são fundamentais


para estabelecer a relação dano-benefício,
A pesquisa clínica de fase 1 é o primeiro estudo imprescindível para a realização dos estudos
em seres humanos de uma droga com um novo de fase 3, os quais devem acontecer quando os
princípio ativo, ou com uma nova formulação de estudos de fase 1 e 2 demonstrarem, de forma
uma substância. Nesta fase a pesquisa se propõe clara, quais são os riscos associados à nova droga

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Guimarães LSP et al

e o seu potencial efeito. Os estudos de fase 3 ganham destaque por não serem suscetíveis a
também podem ser subdivididos em fase 3a e fase efeitos do tempo.
3b: a fase 3a avalia a eficácia da dose já testada
em estudos 1 e 2, já os estudos 3b são realizados B. Grupos Cruzados (Crossover)
durante o período de tramitação da solicitação de
No ensaio crossover, cada voluntário recebe
registros da nova droga. O objetivo da fase 3b
todos os tratamentos (sendo aleatória a ordem dos
é ampliar o número de pessoas ou aumentar o
tratamentos recebidos), neste caso, o participante
período de observação dos efeitos adversos desta
é seu próprio controle. A principal vantagem desse
nova substância (7).
delineamento é a realização de comparações intra-
Os ensaios clínicos de fase 3 envolvem de
sujeito, ao em vez de ser realizada entre sujeitos,
centenas a milhares de pacientes e devem ser
como o delineamento anterior. Isso significa que
comparados com o tratamento então reconhecido
características como, por exemplo, idade, sexo e
como padrão (17). Não havendo tratamento
fatores genéticos são eliminadas como variáveis
padrão, é possível realizar um estudo de fase 3
confundidoras. A desvantagem é que a aparente
com um grupo placebo (18), conforme comentado
eficácia da intervenção pode ser causada pelo
em Mancuso et. al. (2).
efeito da aprendizagem (os resultados podem
D. FASE 4 mudar devido à experiência anterior) ou por
tendências sazonais, por exemplo, infecções no
As pesquisas realizadas depois que a droga trato respiratório são menos frequentes no verão
experimental entra no mercado se caracterizam (6). Em termos estatísticos, estudos crossover são
como projetos de fase 4. Esses estudos têm mais poderosos que grupos paralelos, ou seja,
como objetivo confirmar o valor terapêutico do requerem um menor número de participantes (21).
medicamento em grandes grupos de pacientes No entanto, é importante que haja um período
que utilizam este produto, em situação menos de transição, conhecido por wash-out, que é
controlada que a encontrada nos estudos de um período de repouso entre a aplicação de um
fase 3 (13,15). Além disso, o estudo de fase 4 tratamento e outro, evitando, assim, o efeito
estabelecem a incidência de reações adversas de carry-over (efeito de um tratamento anterior
conhecidas ou não, especialmente a toxicidade sobre outro subsequente). Quando o estudo for
e as estratégias de tratamento, incluindo as publicado, é importante descrever e justificar o
interações medicamentosas e a segurança de uso período wash-out utilizado.
(7,13).
C. Grupos Pareados
DELINEAMENTOS
O delineamento pareado é semelhante ao
paralelo, pois os tratamentos são estudados
Os estudos experimentais podem ser
simultaneamente, porém, como denominado,
discriminados conforme o desenho utilizado.
há o pareamento dos sujeitos. Isto é, os sujeitos
Podemos comparar grupos com uma ou mais
são combinados em pares (no caso de dois
medições do desfecho ou até mesmo medir o
grupos) por características que possam influenciar
desfecho alternando o tratamento entre os grupos.
no desfecho, assegurando que os indivíduos
Delineamentos diferentes exigem metodologias e,
tratados com cada tratamento têm características
consequentemente, análises estatísticas distintas,
semelhantes. Esta metodologia é muito vantajosa,
apresentando vantagens e desvantagens. Apesar
quando são conhecidas as variáveis importantes
de mais da metade dos ensaios clínicos publicados
ao prognóstico, pois elimina muita da variação
serem do tipo paralelo (5), o pesquisador tem uma
entre sujeitos. Cabe ressaltar que muitas vezes o
série de delineamentos que podem ser adotados:
pareamento é feito apenas por sexo e idade, sendo
A. Grupos Paralelos que essas variáveis podem não ser as únicas a
influenciar os resultados ou ainda nem serem
O delineamento mais simples e mais comum, importantes ao prognóstico.
dentre os estudos experimentais, é o ensaio de Outra forma de delineamento semelhante,
grupos paralelos (19,20), no qual cada sujeito caracterizada pela ocorrência dos dois desenhos
recebe, aleatoriamente, apenas um tratamento e os metodológicos anteriores, são ensaios em que os
grupos são estudados simultaneamente. Segundo tratamentos são investigados simultaneamente no
Cleophas e Vogel (21), os estudos paralelos mesmo paciente, ou seja, o sujeito é pareado com

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ele mesmo. São utilizados quando os tratamentos o alívio da dor antes da punção venosa (24). Outros
podem ser dados de forma independente às partes dois fatores de interesse foram considerados: o
do corpo como, por exemplo, olhos, orelhas, tamanho da agulha (três tipos) e o sexo. O estudo
pernas, braços, etc. Possui as mesmas vantagens foi desenhado para ser balanceado, isto é, com
dos ensaios com grupos cruzados, mas nenhuma um número igual de pacientes em cada uma das
das desvantagens (22). É uma metodologia 24 possíveis combinações de tratamento/agulha/
considerada muito poderosa, mas são poucas as sexo. Esse delineamento permitiu a investigação
circunstâncias em que podem ser utilizadas. do efeito dos três fatores na dor antes da punção
venosa, e também o efeito das interações destes
D. Sequencial fatores.
O delineamento fatorial é particularmente
O delineamento sequencial é semelhante ao
apropriado quando o interesse é investigar a
paralelo, porém os grupos são acompanhados
interação entre os fatores. Entretanto, algumas
até que haja um grupo com claros benefícios ou
vezes, para otimizar o poder estatístico quando o
que ambos os grupos não apresentem diferença.
número de pacientes disponíveis para a estudo é
Utiliza-se esse delineamento quando os resultados
limitado, pressupõem-se que os efeitos dos fatores
precisam ser conhecidos com bastante rapidez. Se
são aditivos, isto é, não há interações dos fatores.
existir uma diferença grande entre os tratamentos,
Porém, esta hipótese de não haver interação deve
então esse estudo será realizado em menor tempo
ser plenamente justificada na proposta inicial, pois
quando comparado ao ensaio paralelo. A principal
o revisor espera ver os cálculos para o tamanho
vantagem ética é que se um tratamento mostrar
da amostra com base na detecção de interações,
uma superioridade diante do outro o estudo já pode
ao em vez do cálculo ser baseado nos efeitos
ser interrompido. No entanto, as análises interinas
principais.
a serem realizadas devem ser previamente
planejadas, de tal forma que o cálculo de tamanho ANÁLISES ESTATÍSTICAS
amostral permita a multiplicidade dos testes. Mais
detalhes sobre o delineamento sequencial pode
Em termos gerais, as análises estatísticas
ser visto em Whitehead (23).
dos dados devem ser planejadas de acordo com
E. Fatorial o objetivo e o delineamento do estudo. De forma
mais específica, a escolha de qual método utilizar
Um experimento fatorial é aquele em que depende principalmente da natureza métrica do
muitos fatores são comparados ao mesmo tempo. desfecho (e das demais variáveis de interesse) e
Para isso, cada sujeito recebe uma combinação da relação entre os sujeitos dos diferentes grupos.
dos fatores, e todas as possíveis combinações O Quadro 1 lista alguns métodos estatísticos
são recebidas por alguns sujeitos. Um exemplo é comumente utilizados para comparar o desfecho
o estudo EMLA (Mistura Eutética de Anestésicos nos diferentes tratamentos quando este é
Locais), onde quatro tratamentos são usados para mensurado uma única vez em cada grupo.

Quadro 1 – Análises Estatísticas comumente usadas em Estudos Experimentais

Tratamentos Delineamento
Desfecho Paralelo ou
(Grupos) Crossover Pareado Fatorial
Sequencial
Teste t para amostras
Teste t ou ANOVA* ou
2 GLM** pareadas ou
Mann-Whitney GLM**
Contínuo Wilcoxon
ANOVA ou ANOVA ou
>2 GLM** Friedman ou GLM**
Kruskal-Wallis GLM**
2 Qui-quadrado GLM** McNemar Regressão Logística
Categórico
>2 Qui-quadrado GLM** GLM** Regressão Logística Ordinal/Nominal
*ANOVA: Análise de Variâncias **GLM: Modelos Lineares Generalizados

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Guimarães LSP et al

Os modelos lineares generalizados (GLM) TAMANHO AMOSTRAL


abrangem uma série de análises que modelam
O tamanho amostral, ou seja, o número de
diferentes tipos de desfechos como, por exemplo,
voluntários no estudo é de extrema importância
variáveis com resposta contínua, dicotômica, na
para a validade dos resultados. Uma amostra
forma de proporção, na forma de contagem, no
pequena pode impossibilitar a demonstração
formato de razão ou respostas ordinais. Esses
de uma diferença de efeito entre os grupos. Por
modelos são uma generalização do modelo linear
outro lado, se for utilizado um número excessivo
geral, desenvolvido considerando uma variável
de sujeitos, algumas pessoas podem estar sendo
resposta com distribuição normal. Nesses modelos
expostas desnecessariamente a um tratamento
podem ser utilizadas algumas distribuições de
menos eficaz ou mais tóxico. Embora existam
probabilidade que pertencem a família exponencial
considerações de ordem prática e ética, o tamanho
como, por exemplo, normal, gamma, poisson e
amostral ideal para um ensaio clínico depende do
binomial. Uma importante observação do GLM é
objetivo principal, do delineamento, de como os
a suposição de independência, ou seja, de não
dados serão analisados estatisticamente (quais
correlação entre os dados. Maiores detalhes
testes serão utilizados) e de três outros fatores:
podem ser encontrados em Olsson (25).
1) da menor diferença esperada (considerada
No entanto, muitos dos ECRs possuem
importante) no desfecho de interesse entre os
mais de uma medição para o desfecho, por
tratamentos. Existe uma relação inversa entre o
exemplo, no início (baseline), em 3, 6 e 12 meses
tamanho da amostra e a magnitude da diferença.
(fixando determinados tempos). Nestes casos,
Uma amostra grande é necessária para detectar
quando desejamos comparar as alterações de
uma pequena diferença entre os grupos, enquanto
um desfecho entre os tratamentos ao longo de
uma amostra pequena pode ser suficiente para
tempos fixos, ou seja, estudos com delineamentos
detectar diferenças grandes;
longitudinais, pode-se utilizar a análise de
2) do nível de significância (α) desejado para
Equações de Estimativas Generalizadas (GEE,
detectar a diferença entre os tratamentos. O erro
do inglês Generalized Estimating Equations), uma
tipo I, ou nível de significância, é a probabilidade
das análises dos GLM (26). Outra análise para
de detectar uma diferença que na verdade não
dados longitudinais, com medidas repetidas, são
existe. Geralmente estipula-se α=5%; e
os Modelos Lineares Mistos (LMM). A vantagem
3) do poder do estudo, conforme descrito.
desses modelos é proporcionar a flexibilidade
Portanto, o tamanho da amostra não deve
de modelação, realizando modelos multiníveis,
ser determinado com base em conveniência,
modelos lineares hierárquicos e modelos de
arbitrariedade, ou pelo número de indivíduos
coeficientes aleatórios. Maiores informações
facilmente recrutados, mas pela necessidade de
podem ser vistas em West et al. (27).
conferir uma capacidade estatística de detectar
Outra metodologia comumente aplicada aos
uma diferença clinicamente relevante entre os
estudos longitudinais é a análise de sobrevida.
grupos. Assim, o tamanho amostral não deve
Na análise de sobrevida, diferentemente da
ser estimado de acordo com o apresentado em
análise anterior, a variável dependente é o tempo
um artigo, principalmente naquele (29) que a
para ocorrência de determinado evento (óbito,
diferença não foi significativa. Estudos prévios
recidiva, etc). Assim, a técnica é ideal para
servem como referência para a variabilidade das
analisar desfechos binários (ter ou não o evento)
variáveis envolvidas no estudo, sendo que na
em estudos que se caracterizam por ter o tempo
ausência destes é necessário um estudo piloto
de seguimento dos indivíduos. O nome análise
para determinar o tamanho da amostra (29,30).
de sobrevida é pelo motivo da análise ser mais
O poder estatístico de um ensaio clínico é a
utilizada para situações onde se quer calcular a
probabilidade de identificar uma diferença de efeito
probabilidade de sobrevida dos pacientes ao longo
entre os tratamentos experimental e controle quando
do tempo. Pode ser utilizada em outros casos, por
ela realmente existe. Denotado por 1 - β, sendo β o
exemplo, o ensaio clínico realizado por Motzer et
erro tipo II, ou seja, a probabilidade de não encontrar
al. (28), que comparou o tempo livre de progressão
uma diferença que na verdade existe. Usualmente,
da doença entre dois tratamentos para carcinoma
adota-se um poder estatístico a partir de 80% como
renal avançado. O método de Kaplan-Meier e
referência, ou seja, uma probabilidade de 0,80 de
a regressão de Cox são comumente utilizados
se detectar uma diferença real entre os grupos
nestes estudos.
intervenção e controle.

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Ensaios Clínicos - Parte II

Levando em conta o conceito de poder, fica pressuposto de que os sujeitos foram escolhidos
mais claro por que um estudo com resultado sem para a amostra de forma aleatória.
significância estatística não pode ser interpretado
como prova de ausência de efeito. Pode ser CONCLUSÃO
apenas um caso de falta de poder estatístico
para demonstrar esse efeito. Por essa razão, é de Para avaliar um estudo, sendo ele experimental
extrema importância para os ensaios clínicos que o ou não, os leitores precisam de informações claras
tamanho da amostra propicie um poder estatístico e completas. Porém, infelizmente, bons ensaios
elevado e que o artigo publicado informe o poder acabam perdendo potencial porque os autores
estatístico, sobretudo quando seus resultados não deixam de relatar informações importantes na
alcançarem diferença estatisticamente significante. publicação (5). Para tanto, a declaração CONSORT
Se o poder for baixo, nada se pode concluir. Se o (8) recomenda um conjunto mínimo de evidências
poder for alto, pode-se considerar, com um pouco a serem relatadas.
mais de segurança, que os tratamentos tenham Contudo, para a qualidade da publicação, é
efeitos semelhantes (6). necessário que o projeto esteja de forma adequada.
Quando o tamanho necessário para amostra Ou seja, no projeto devem constar todas as etapas
é considerado muito grande, uma alternativa é do estudo de forma detalhada e transparente. O
realizar o ensaio em vários centros, constituindo o pesquisador deve classificar seu ensaio, descrever
chamado ensaio multicêntrico, que evidentemente a fase em estudo e o delineamento adotado,
impõe questões particulares de organização e calcular e descrever o tamanho amostral, planejar
monitoramento (6). Vale ressaltar que a definição as análises estatísticas e relatar todas as demais
de nível de significância e poder estatístico só se informações pertinentes.
aplicam em estudos aleatórios, pois se baseiam no

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Recebido: 22/11/2013
Aceito: 01/12/2013

302 Rev HCPA 2013;33(3/4) http://seer.ufrgs.br/hcpa

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