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Por dentro da Estatística

O uso de métodos estatísticos vem crescendo vigorosamente em pesquisas da área médica. Com freqüência, médicos e
profissionais da Saúde são expostos a informações provenientes de análises de dados, nem sempre claras e de fácil
interpretação. Esta seção visa familiarizar pesquisadores com conceitos e termos estatísticos comumente presentes em artigos
científicos. Com ênfase na discussão conceitual em detrimento a fórmulas matemáticas, o objetivo é esclarecer algumas dúvidas
freqüentes e contribuir com o desenvolvimento do senso crítico na hora de analisar, descrever e interpretar dados.
Ângela Tavares Paes
Editora da seção

Qual deve ser o tamanho da minha se pretendida. Uma solução prática é fazer o cálculo
com base no objetivo mais importante e na principal
amostra? variável do estudo. Esta simplificação pode ter conse-
Ângela Tavares Paes* qüências e uma maneira de minimizá-las é fazer várias
simulações considerando diferentes cenários. Portan-
* Doutora em Estatística do Centro de Pesquisa Clínica do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa
Albert Einstein – IIEPAE, São Paulo (SP), Brasil. to, o dimensionamento da amostra é quase que um
estudo à parte.
Durante o planejamento e a elaboração do projeto de Para alguns desenhos mais comuns como compara-
pesquisa, uma das principais indagações do pesquisador ções de médias ou de proporções, existem sites na inter-
é saber quantos pacientes são necessários para o estu- net em que é possível fazer cálculos on-line (por exemplo,
do. Apesar desta pergunta ser muito freqüente, as difi- www.lee.dante.br/pesquisa/amostragem/amostra.html).
culdades em se obter um cálculo adequado são muitas e Porém, para desenhos mais sofisticados nem sempre es-
raramente encontra-se uma resposta rápida e precisa. tes cálculos são de fácil acesso e quando o são, requerem
O tamanho da amostra está diretamente relaciona- informações muito específicas difíceis de obter. Mesmo
do à capacidade dos resultados em fornecer uma res- para estudos mais simples, é preciso fornecer informa-
posta confiável para a questão clínica. Em amostras mal ções que dependam de estudos anteriores, dados de li-
planejadas, há sempre os dois lados da moeda. Estudos teratura e do conhecimento sobre o fenômeno que será
com um número muito pequeno de pacientes podem estudado. Um bom pesquisador deve saber que um cál-
não produzir uma resposta definitiva e permitir que di- culo de amostra não depende apenas de “parâmetros es-
ferenças importantes passem despercebidas. Por outro tatísticos”, tais como o nível de significância α e o poder
lado, amostras exageradamente grandes podem fazer do teste. Mais importantes do que estes parâmetros são
com que diferenças irrelevantes do ponto de vista clí- as informações que devem ser fornecidas com base no
nico sejam estatisticamente significantes e, além disso, conhecimento médico, como por exemplo, estimativas
implicam em uma perda desnecessária de fontes (tem- sobre a variabilidade da medida de interesse e a diferen-
po, custo ou até mesmo de vidas). ça considerada clinicamente relevante que se deseja de-
Existem inúmeros métodos estatísticos para di- tectar (muitas vezes chamada de “tamanho do efeito”).
mensionar amostras. A escolha do método depende O cálculo teórico para dimensionamento de amos-
do tipo de variáveis que serão observadas e dos méto- tras é quase mandatório em protocolos de pesquisa e
dos de análise estatística que pretende utilizar(1). Um tem sido uma preocupação constante de revisores de
grande obstáculo é que, em geral, os estudos envol- periódicos e membros de comissões que julgam proje-
vem muitas variáveis e as mais diversas metodologias tos de pesquisa. Embora sejamos freqüentemente ques-
de análise. Logo, torna-se difícil obter um cálculo que tionados sobre este cálculo, convém refletir sobre a real
contemple toda a complexidade do estudo e da análi- necessidade de um cálculo que utiliza apenas teoria es-

einstein: Educ Contin Saúde. 2008, 6(4 Pt 2): 153-4


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tatística sem levar em conta outras questões importan- mo ou o poder estatístico é baixo? Em uma revisão de
tes, tais como dificuldades logísticas na obtenção dos 71 artigos com resultados sem significância estatística,
dados. Nem sempre o cálculo baseado em alfas, betas, Freiman et al.(2) concluíram que mais do que ausência
etc. é possível ou imprescindível. Por exemplo, em estu- de significância, havia incapacidade em detectar dife-
dos sobre patologias raras ou com limitações de kits de renças. Esta incapacidade é o baixo poder que está di-
laboratório, a palavra que fala mais alto é viabilidade. retamente relacionado com o tamanho da amostra. De
O cálculo sempre é possível, mas observar o número fato, é natural concluir que estudos com muitos pacien-
de pacientes estimado no período de tempo disponível tes tenham maior poder e estudos com poucos pacien-
para coleta de dados pode não ser viável. É claro que tes provavelmente tenham baixo poder.
em estudos epidemiológicos, por vezes multicêntricos, Enfim, o cálculo da amostra é uma questão mui-
ou em grandes ensaios clínicos, é fundamental planejar to mais complexa do que se pode imaginar e depende
a amostra adequadamente para que não se corra o risco muito do conhecimento do pesquisador e não só do
de estudar mais (ou menos) pacientes do que o necessá- estatístico. O planejamento da amostra é uma etapa
rio. No entanto, em inúmeros estudos, principalmente fundamental na elaboração de um projeto de pesquisa,
os relacionados a teses de doutorado de um único inves- não necessariamente um cálculo teórico, mas um estu-
tigador, as amostras são de conveniência e a viabilidade do que tenha como foco a precisão dos resultados em
deve ser levada em conta. responder as questões científicas do estudo.
Se a viabilidade deve ser considerada, por que nos
preocupamos tanto com o tamanho da amostra? Esta-
Referências
tisticamente falando, para interpretar os resultados de
uma análise estatística com segurança é preciso garan- 1. Paes AT. Itens essenciais em bioestatística. Arq Bras Cardiol. 1998;71(4):
575-80.
tir que o teste estatístico seja suficientemente poderoso
2. Freiman JA, Chalmers TC, Smith H, Kuebler RR. The importance of beta,
para detectar reais diferenças. Em estudos com resul- the type II error, and sample size in the design and interpretation of the
tados estatisticamente não significantes, uma preocu- randomized controlled trial: survey of 71 negative trials. N Engl J Med.
pação que surge é: será que não há significância mes- 1978;299(13):690-4.

einstein: Educ Contin Saúde. 2008, 6(4 Pt 2): 153-4

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