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31/03/2023, 10:57 Residência Pediátrica - Os primeiros passos da metodologia científica

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Introduçao à Metodologia Científica - Ano 2013 - Volume 3 - Número 3

OS PRIMEIROS PASSOS DA METODOLOGIA CIENTÍFICA


The first steps of the scientific method
Nádia Cristina Pinheiro Rodrigues

O método científico para aquisição do conhecimento utiliza a abordagem sistemática, na qual assume-se
que existe uma sequência lógica para aquisição do conhecimento. Envolve observação empírica,
necessidade de documentação objetiva dos dados obtidos, controle de outros fatores que possam interferir
na relação entre as variáveis analisadas, abordagem crítica para examinar fenômenos naturais e suas
associações e utiliza-se de experimentação ou observação para comprovação das informações.

Um dos pontos centrais na formulação da pesquisa científica é identificar a motivação para a realização do
estudo. Para isto, é necessário entender e diferenciar três pontos: o conhecimento disponível, a realidade
e o modelo que conecta o conhecimento disponível com a realidade. Esta etapa de planejamento do
estudo é fundamental para se obter objetivos claros, escolher ferramentas apropriadas para responder o
objetivo proposto, além de evitar interpretações equivocadas dos resultados devido à falta de respaldo nos
dados coletados.

A perspectiva da realidade se baseia na informação disponível sobre o evento investigado, portanto, é


conhecida parcialmente pelo investigador. A interpretação desta realidade, por sua vez, depende da base
de conhecimento e de outras características socioculturais do pesquisador, ou seja, pode variar de
pesquisador para pesquisador. Para que a realidade possa ser compreendida e os resultados obtidos
possam ser extrapolados para situações similares, é necessário criar um modelo para explicar esta
realidade. A cada novo conhecimento gerado, testa-se no modelo proposto, para checar se este modelo
continua sendo eficiente para representar a realidade.

Suponha que esta realidade seja uma determinada doença - a partir do conhecimento prévio sobre a
realidade existente na formulação do modelo desta doença cria-se um novo modelo com todo o conjunto
de evidências que permitam dar corpo ao modelo. Por exemplo, antes do surgimento do AZT (1986), a
Aids levava rapidamente para o óbito. Em 1991, surgem outras drogas da mesma classe e inicia-se terapia
dupla, que ainda traz benefícios limitados. A partir de 1995, surge uma nova classe de medicamentos
conhecida como inibidores de protease, que provoca grande revolução no tratamento da Aids. Nessa
época, descobre-se que, combinando-se drogas com atuação em diferentes fases do ciclo de replicação
do HIV, era possível controlar o vírus de forma mais eficiente. Surge, então, o conceito de coquetel e a
Aids se torna potencialmente uma doença crônica.

No exemplo da Aids, a realidade sempre foi a mesma, o que foi mudando ao longo do tempo foi o grau de
conhecimento existente sobre a doença, a forma de interpretá-lo e, consequentemente, o modelo utilizado
para explicar a realidade, incluindo a definição da doença, sua classificação, diagnóstico, prognóstico e
tratamento.

Por meio da razão que motivou o desenvolvimento da pesquisa, é possível identificar a pergunta científica
e definir objetivos do estudo que serão testados pelo pesquisador. A motivação da pesquisa pode ter
origem em experiências de vida, problemas práticos, pesquisas prévias ou teorias existentes. Pesquisas
cuja motivação tem origem em experiências de vida são muito utilizadas como passo inicial de muitos
trabalhos científicos acadêmicos. Já as motivações de modelos envolvendo questões práticas são
frequentes fora do meio acadêmico (por exemplo: indústrias farmacêuticas que desejam provar a
superioridade de determinado tratamento em relação ao tratamento padrão). Pesquisas prévias também
podem abrir dúvidas no conhecimento, motivando realização de novos estudos, seja para reforçar o
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conhecimento existente, ou para corrigir falhas no delineamento de estudos anteriores, seja para validar
determinado conhecimento em uma nova população. Teorias existentes, muitas vezes provenientes do
pensamento dos investigadores, sem que tenha ocorrido qualquer pesquisa prévia que motive o
desenvolvimento de uma nova pesquisa, podem motivar novas investigações, especialmente em áreas
mais subjetivas do conhecimento.

Os fatores motivadores da pesquisa são diversos, podendo inclusive existir mais de um fator motivador
para o desenvolvimento de um único estudo. A realização da investigação científica depende não só
desses fatores motivadores, como também dos fatores desfavoráveis, como a questão financeira, logística,
a complexidade do desenho, o tamanho amostral, etc.

Após identificar-se a motivação científica, ela deve ser transformada em pergunta científica que, por sua
vez, dará origem ao objetivo principal do estudo. A observância destas etapas garante que a conclusão
final do estudo reflita o que motivou o estudo.

A definição da motivação da pesquisa pode ser estabelecida de forma mais genérica, por exemplo,
dificuldade de quantificar a capacidade cardiorrespiratória nos pacientes do ambulatório de pneumologia.
Já a definição da pergunta científica deve ser mais específica, por exemplo: "Qual o modelo de referência
para o Teste do Degrau em pessoas saudáveis na população brasileira?".

Uma vez identificada a pergunta científica, deve-se verificar se a resposta a esta pergunta já foi respondida
em outra pesquisa. Realiza-se, então, uma busca de estudos em bases de dados e referências
bibliográficas. Nesta busca bibliográfica, são utilizadas palavras chaves, que permitam a identificação de
artigos científicos que possam responder à pergunta científica. Caso a pergunta não tenha sido ainda
totalmente respondida, a revisão da literatura poderá ser útil para analisar temas similares e verificar os
delineamentos utilizados pelos autores nestas pesquisas. A revisão da literatura também será importante
para fundamentar a justificativa da realização do estudo, mostrando que o estudo proposto seria o próximo
passo necessário para complementação do conhecimento sobre o tema.

O objetivo principal do estudo deve refletir a pergunta científica a qual está relacionada a motivação da
pesquisa. É importante que o objetivo principal seja definido de forma a permitir a identificação do perfil
principal dos pacientes a serem analisados e esclarecer quais grupos serão comparados. Por outro lado,
os objetivos secundários vão representar subprodutos do objetivo principal.

Uma vez definido o objetivo do estudo, é preciso transformá-lo em teste de hipótese, ou seja, transformar o
objetivo em formato matemático para possa ser testado. A hipótese nula é a hipótese a ser testada, caso
seja rejeitada, aceitar-se-á a hipótese alternativa (complementar à hipótese nula). Por exemplo, suponha
que o investigador queira investigar se o efeito de um novo tratamento difere do tratamento padrão. Neste
caso, a hipótese nula será "tratamento A é igual ao tratamento B" e a hipótese alternativa será "tratamento
A difere do tratamento B". Outras variáveis poderiam ser incluídas neste modelo matemático se necessário
(por exemplo, idade, sexo, comorbidades, etc. ). Por outro lado, aumentando o número de variáveis do
modelo, tanto a análise dos dados como a extrapolação dos resultados para a prática clínica tornam-se
mais complexos.

Após a definição dos objetivos, é necessário identificar a variável resposta do estudo, utilizada para
avaliação do objetivo de estudo, bem como a variável explicativa ou de exposição, que definirá os grupos
de comparação. Além destas, outros fatores que forem incluídos no modelo também precisam ser
explícitos.

A duração do estudo e o método de coleta dos dados são questões que também devem ser definidas.
Usualmente, monta-se um cronograma para melhor visualizar a previsão de desenvolvimento das etapas
de pesquisa do projeto ao longo do tempo.

Por fim, após a coleta de dados, vários dados são obtidos. Nesta etapa, o investigador deve ter clareza de
como esses dados serão analisados e como serão resumidos, de forma que os resultados possam ser
divulgados em revistas científicas, congressos e outros meios.

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31/03/2023, 10:57 Residência Pediátrica - Os primeiros passos da metodologia científica

Professora da Faculdade de Ciências Médicas/Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisadora


da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz

Endereço para correspondência:


Nádia Cristina Pinheiro Rodrigues
Rua Gonzaga Bastos, nº 209, Bloco E, apto 408. Vila Isabel
Rio de Janeiro - RJ. Brasil. CEP:20541-902
Telefones: (21) 25755132. (21) 97588863
E-mail: nadia@lampada.uerj.br (mailto:nadia@lampada.uerj.br) nadialampada@yahoo.com.br
(mailto:nadialampada@yahoo.com.br)

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