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28 VITOR RODRIGUES GE Vol.

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Conferência / Conference
INVESTIGAÇÃO CLÍNICA E EPIDEMIOLÓGICA: COMO PREPARAR
VITOR RODRIGUES

GE - J Port Gastrenterol 2008; 15: 28-29

A maior parte dos profissionais com conhecimentos em quadrado de diferentes formas, cada qual com as suas
Epidemiologia e em Estatística foram já confrontados, vantagens, desvantagens e características.
por parte de outros Profissionais de Saúde envolvidos em Por outro lado, atenção especial deverá ser dada às cir-
trabalhos, mais ou menos elaborados e/ou complexos, de cunstâncias em que decorreram esses trabalhos, qual a
investigação, com a clássica pergunta: “já tenho os da- população-alvo, quais os resultados encontrados, quais
dos; agora necessito que os tratem”! os erros e desvios encontrados, de modo a que o nosso
No entanto, numa infelizmente apreciável quantidade de trabalho os tente evitar, e que se enquadre à nossa popu-
vezes, verifica-se que o trabalho já executado, geralmen- lação-alvo.
te fruto de um enorme esforço, não permite um retorno
correspondente ao investimento feito, pois não foi devi- 2. DEFINIÇÃO DO OBJECTIVO
damente preparado e maturado e sem, nomeadamente,
uma elaboração adequada da pesquisa bibliográfica, for- Dois dos erros mais frequentemente encontrados consis-
mulação de objectivos e explicita maturação dos métodos tem, umas vezes, na ausência de explicitação do objecti-
e dos materiais usados. vo, que conduz normalmente a alguma “deriva” no de-
Na verdade, sem uma aparente “perda de tempo” inicial correr da recolha de dados consoante o que vamos encon-
(amplamente justificada aquando da percepção global da trando, e outras vezes, na prossecução de vários objec-
investigação), é geralmente difícil, ou mesmo impossí- tivos (mais ou menos claros) que dificultam a concretiza-
vel, atingir os resultados inicialmente propostos, bem co- ção da investigação ou que obrigam a concessões na me-
mo a cabal satisfação que o entusiasmo, dedicação e em- todologia e nos materiais utilizados.
penho na procura de conhecimento justificariam. A regra de ouro parece ser a delimitação dos objectivos a
Para além disso, basta reparar nos capítulos que um arti- um ou a dois, de modo ao trabalho ser exequível e coerente.
go científico publicado contém (título, autor ou autores,
resumo, introdução, material e métodos, resultados, dis- 3. PLANEAMENTO E DESENHO DO ESTUDO
cussão, conclusões, bibliografia, agradecimentos e ane-
xos) para verificar que grande parte deles podem e devem Será, porventura, a fase mais importante do processo glo-
fazer parte do chamado “protocolo de investigação”, bal de investigação, pois irá definir a construção de todo
anterior ao processo de “recolha de dados” (título, autor o edifício, assemelhando ao trabalho de um arquitecto.
ou autores, introdução, material e métodos, bibliografia e A definição do tipo de estudo é crucial; teremos de de-
anexos). cidir se se trata de um estudo experimental, em que o in-
Iremos, assim, e numa perspectiva rápida e simples, elencar vestigador induz a manobra – ele é que decide a inter-
sumariamente os princípios da “perda de tempo” inicial. venção – como nos ensaios clínicos, ou se de um estudo
de observação (em que apenas observa as causas e os
1. REVISÃO DA LITERATURA (“ESTADO DAARTE”) efeitos de algo que aconteceu). A decisão tem a ver com
os objectivos, a exequibilidade e a ética.
Nesta etapa deve recolher-se a bibliografia directa ou E no caso dos estudos de observação, se um desenho des-
indirectamente existente sobre o tema – de notar que al- critivo se um desenho inferencial: nomeadamente de me-
guma já existe normalmente, pois auxiliou o início do todologia caso-controlo – em que após a selecção de indi-
processo mental da investigação. víduos segundo a presença ou ausência da doença em
A bibliografia recolhida deverá enquadrar o que existe causa se pesquisa a presença ou ausência de factores de
sobre o tema e, sobretudo como a investigação foi reali- risco (exposição) – ou de metodologia de coorte – em que
zada, pois qualquer assunto pode e é perspectivado e en- se selecciona presença ou ausência de exposição a algo e

Professor Associado de Medicina Preventiva e Saúde Pública, Faculdade de


Medicina, Universidade de Coimbra, Portugal.
Janeiro/Fevereiro 2008 INVESTIGAÇÃO CLÍNICA E EPIDEMIOLÓGICA:COMO PREPARAR 29

se estuda a sua evolução (ou não) para as doenças asso- descriminarmos mais, temos sempre a possibilidade de
ciadas; para além das características, vantagens e desvan- os associar, o que não acontece no inverso; por outro la-
tagens associadas aos dois desenhos, há que atender aos do, as variáveis quantitativas são tratadas por técnicas
indicadores (mais ou menos descriminativos e informa- paramétricas e as qualitativas por técnicas não-paramétri-
tivos) que cada um nos pode fornecer. E quais os indi- cas. Deste modo, se tal definição não for realizada de iní-
cadores a estudar? Indicadores primários e secundários? cio, a análise estatística pode ficar imediatamente com-
Indicadores de estrutura, processo e resultados? Que in- prometida.
dicadores de risco – números absolutos, taxas, razões, Como não é possível realizar estudos sem erros e sem
riscos relativos, riscos absolutos, sobrevivências, interva- desvios, uma atenção especial deverá ser dada a este
los livres de doença,….? aspecto. Na verdade, uma boa investigação deve ter em
O passo seguinte consiste em definir se queremos (ou linha de conta a antecipação deles, e o raciocínio sobre
podemos) estudar toda a população ou apenas um sub- aspectos, para além dos anteriormente colocados, como o
grupo (uma amostra). Neste caso há que decidir sobre o controlo da “não-resposta” ou “não-participação”, a for-
tipo de amostragem, probabilística ou de conveniência, a mação dos entrevistadores, a “ocultação” para evitar ou
sua metodologia (como consigo os casos) e a sua repre- minimizar a introdução de subjectividade, a padroniza-
sentatividade e probabilidade de generalização. Além ção de procedimentos, a adequação, validação e estandar-
disso, quantos casos queremos para, com um nível de sig- dização dos instrumentos de medida (mesmo que qualita-
nificância de x e uma margem de erro de y, termos a con- tiva), são factores vitais para a validade interna e externa
fiança desejada nos resultados, isto é, qual a confiança do nosso estudo.
que podemos ter nos resultados obtidos. A consciencialização e a habituação do raciocínio sucin-
A definição de variáveis é importante. Temos que as se- tamente descrito serão, deste modo, factores fundamen-
leccionar, definir e elaborarmos a sua mensuração. Por tais para que o processo de investigação permita uma sa-
exemplo, a idade pode ser definida em anos, em grupos tisfação dos investigadores, quer pela qualidade do tra-
etários ou em, por exemplo, jovens, adultos e idosos. E balho que se faz, quer pela maior confiança que se retira
essa decisão tem a ver com dois aspectos essenciais: se as dos resultados obtidos.

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