Você está na página 1de 132

Comuna de Paris.

6
A Comuna de Paris, a Escola e o Ensino
Osvaldo Coggiola
11
As lições da Comuna de Paris para a Educação
Paulino José Orso
18
Rimbaud e a Comuna de Paris
O tempo de “O Barco Bêbado”
Marcos Silva

Universidade em debate.
28
Feliz Ano Velho
Bia Barbosa

Dossiê Fundações Privadas.


34
USP e Fundações: há saída para o impasse?
Laerte Idal Snelwar e Mauro Zilbovicius
38
Fundações (e organizações assemelhadas)
José Maria Pacheco de Souza
41
Fundações de Apoio à USP: pelo Diálogo e pelo Consenso
Iran Siqueira Lima
47
Fundações de direito privado nas áreas universitária e da saúde
Vicente Amato Neto
Consulte o índice específico das reportagens
sobre as fundações privadas na página 32
Carta
Coordenação do Prolam
INDICADORES DE DESLIGAMENTO E TITULAÇÃO
contesta dados de evasão Anos Alunos Taxas
Matriculados Desligados Titulados Desligamento Titulação
Senhor Editor,
A Comissão de Pós-Graduação 1998 111 7 12 6,31 10,81
1999 111 6 18 5,41 16,22
do Programa de Pós Graduação em
2000 92 5 25 5,43 27,17
Integração da América Latina soli- 2001 (até 20/09) 93 6 10 6,45 10.75
cita que publicamente seja desfeito
Fonte: Desempenho PROLAM/USP, diversos anos.
o equívoco que consta à página 30
da Revista Adusp de setembro de 43%; e na Física 70%. sempenho de excelência acadêmi-
2001, no 23, em matéria assinada O PROLAM/USP (Programa de ca nos diferentes componentes da
por Antônio Biondi e Rita Freire. Pós-graduação em Integração da Pós-Graduação, condizentes com
Na referida página consta a se- América Latina da Universidade o papel científico e social de um
guinte afirmação: de São Paulo), conforme quadro 1 curso de Pós-Graduação de uma
Dados da APG indicam que no exposto abaixo, apresenta uma taxa Universidade Pública, e em conso-
Programa de Pós-Graduação em In- de evasão de alunos ao longo do nância com a importância que a
tegração da América Latina (Pro- período de 1998-2001 entre 6,45 e Universidade de São Paulo possui
lan) (sic), o abandono é de 43%, no 5,43%. Em contraposição vem au- na Pós-Graduação brasileira.
IME 41% e na Física 70%. mentando o número de alunos titu- Atenciosamente,
Repetida no box da mesma pá- lados, alcançando a taxa de 27,17% Profª Dra. Maria Cristina
gina: no ano de 2000. Cacciamali,
Pós-graduação cresce mas evasão Destacamos que o PROLAM/ Presidente da Comissão de Pós-
assusta: no IME, 41%; Prolan (sic), USP apresenta indicadores de de- Graduação PROLAM/USP

DIRETORIA
Ciro Teixeira Correia, Osvaldo Coggiola, Otaviano Helene, Raquel Aparecida Casarotto,
Francisco Capuano Scarlato, Sérgio Tadeu Meirelles, Guenther Carlos Krieger Filho,
Flávio César Almeida Tavares, Sérgio Paulo Amaral Souto, Luiz Jorge Pedrão

Comissão Editorial
Adilson Odair Citelli, Flávio Wolff Aguiar, Hélio Morishita, Jair Borin,
Luiz Menna-Barreto, Osvaldo Coggiola, Paulo Eduardo Mangeon Elias

Editor: Pedro Estevam da Rocha Pomar • Assistente de redação: Katia Abreu


Editor de Arte: Luís Ricardo Câmara • Assistente de produção: Rogério Yamamoto
Capa: Luís Ricardo Câmara • Ilustrações: Ohi e Maringoni
Secretaria: Alexandra M. Carillo e Aparecida de Fátima dos R. Paiva
Distribuição: Marcelo Chaves e Walter dos Anjos

Fotolitos: Bureau OESP


Impressão: Gráfica Chesterman
Tiragem: 7 000 exemplares

Adusp - S. Sind.
Av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 374
CEP 05508-900 - Cidade Universitária - São Paulo - SP
Internet: http://www.adusp.org.br • E-mail: imprensa@adusp.org.br
Telefones: (011) 3813-5573/3818-4465/3818-4466 • Fax: (011) 3814-1715

A Revista Adusp é uma publicação trimestral da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo - S. Sind., destinada aos
associados. Os artigos assinados não refletem, necessariamente, o pensamento da diretoria da entidade e são de responsabilidade
dos autores. Contribuições serão aceitas, desde que os textos, inéditos, sejam entregues em disquete e tenham, no mínimo, dez mil
e, no máximo, vinte mil caracteres. Os artigos serão avaliados pela Comissão Editorial, que decidirá sobre seu aproveitamento.
POR QUE OS NÚMEROS IMPORTAM
Há quase um ano, a Revista Adusp deu início a um levantamento sobre as fundações privadas
vinculadas à USP. Dadas as dimensões da tarefa, resolveu-se que o dossiê seria publicado em três edições
consecutivas. Ao publicar a terceira e última parte do dossiê, é indubitável reconhecer que foi possível
desvendar, ao longo desses meses, parte significativa do modus operandi das fundações privadas.
O conhecimento de como se constituem e agem essas entidades cresceu pela ação de diversos
fatores, em especial dos meios de comunicação e do poder legislativo.
Sabe-se hoje, com base em sólida documentação, que certas fundações privadas, legalmente tidas como
sem fins lucrativos e por isso possuidoras de isenção fiscal, assumem a condição de empresas, sempre que
necessário e conveniente para elas. Mais: que podem ser, elas próprias, proprietárias de empresas.
Sabe-se, igualmente, que a parte substancial da receita das principais fundações origina-se no setor
público, pois este contrata cursos, projetos, consultorias, cede o controle de verbas públicas (como as
do Sistema Único de Saúde) e ainda tolera a cobrança de taxas de gestão.
Sabe-se que repassam à USP, por força das resoluções da Reitoria que normatizam os convênios,
quantias quase sempre inferiores aos superávits anuais que obtêm e sempre muito inferiores aos
valores apropriados pelos docentes envolvidos na venda de serviços aos setores público e privado.
Portanto, sabe-se que, como disse o professor Ciro Correia, presidente da Adusp, em audiência
pública na Assembléia Legislativa, “as fundações privadas não financiam a USP”.
Sabe-se que os controles são ineficientes, tanto que a Reitoria levou meses para divulgar os dados
oficiais sobre repasses, que deveriam ser contabilizados desde 1998, em contas específicas. Descobriu-
se que desde 1989 é descumprida uma decisão da 784ª sessão do Conselho Universitário que obriga
as fundações a submeterem a esse colegiado relatórios anuais. Por outro lado, verificou-se que pelo
menos 24 dos 105 membros do CO são ligados a fundações privadas.
No decorrer desse período, nossos repórteres ouviram, mais de uma vez, dirigentes de fundações
dizerem não entender a insistência em obter dados financeiros: “não sei por que essa informação seria
importante para você”. Mas sabe-se que as entidades sabem, sem dúvida, por qual razão os números
importam. Do contrário, não se recusariam a fornecê-los.
¶¶¶
Os eventos revolucionários que sacudiram Paris em 1871 são objeto dos artigos que abrem esta
edição. Os professores Osvaldo Coggiola e Paulino Orso examinam a Comuna de Paris pelo prisma
da educação. O professor Marcos Silva a enxerga pelas lentes de Rimbaud, o poeta que simpatizou
com os assaltantes do céu e aderiu literariamente à Comuna.
¶¶¶
O professor Ciro Correia deixou o Conselho Editorial, em razão de haver assumido a presidência
da Adusp. Também deixou o Conselho o professor Amilton Sinatora, por motivos de ordem pessoal.
A ambos, que desde 1999 colaboravam com a Revista Adusp, nossos agradecimentos.
Ingressam no Conselho, após terem seus nomes submetidos ao Conselho de Representantes da
Adusp, os professores Hélio Morishita e Osvaldo Coggiola.

O Editor
Dezembro 2001 Revista Adusp

A COMUNA DE PARIS,
A ESCOLA E O ENSINO
Osvaldo Coggiola
Professor do Departamento de História Econômica da FFLCH-USP

Em matéria de ensino, a Comuna


não teve tempo de dar sua
medida. A Circular Vaillant indica,
contudo, que ela pretendia realizar
uma reforma socialista da escola,
introduzindo a “instrução integral”
recomendada pela Associação
Internacional dos Trabalhadores

6
E
Revista Adusp Dezembro 2001
m matéria de ensino, a
Comuna de Paris deu-
se por tarefa inicial er-
radicar da escola, em
todos os níveis, tanto a
influência clerical-reli-
giosa, que incitava os homens, des-
de a sua infância, a submeter-se ao
seu destino, quanto a influência da
moral burguesa. O ensino religioso
nas escolas tinha sido reforçado de-
pois do fracasso da insurreição ope-
rária de junho de 1848: “Não se po-
de salvar a propriedade senão atra-
vés da religião, que ensina a car-
regar docilmente a cruz”, diziam
Montalambert, Falloux e Thiers.1
Charles Fourier já criticava a fal-
sidade do ensino que inculcava nas
crianças o “amor ao próximo”, en-
quanto a indústria e o comércio os
lançavam na concorrência desenfre-
ada, assim como a moral que defen- seu caráter essencialmente socia- lecimentos melhor apropriados à
dia a “virtude”, enquanto a socieda- lista por uma reforma do ensino, pronta instituição de escolas profis-
de lhes ensinava a ignorá-la. assegurando a todos a verdadeira sionais, onde os alunos, ao mesmo
A Comuna, proclamando a sepa- base da igualdade social, a instrução tempo que farão a aprendizagem
ração da Igreja do Estado, não po- integral a que cada um tem direito de uma profissão, completarão sua
dia senão proceder imediatamente e facilitando-lhe a aprendizagem e instrução científica e literária.”2
a excluir a instituição religiosa do o exercício da profissão para a qual A Comuna, em matéria de en-
ensino público que, por sua vez, o dirigem seus gostos e aptidões. sino, não teve tempo de dar sua
devia ser organizado. Mas a Comu- “Considerando, por outro lado, medida. A Circular Vaillant indi-
na não ficou no plano puramente que enquanto se espera que um ca, contudo, que ela pretendia re-
democratizante. Tendo levantado a plano completo de ensino integral alizar uma reforma socialista da
bandeira da República do Trabalho, possa ser formulado e executado, escola. A instrução integral, ten-
tentou levar adiante uma verdadei- é preciso decretar as reformas ime- dendo a fazer homens completos,
ra revolução cultural, que eliminas- diatas que garantam, num futuro a desenvolver harmoniosamente
se: 1) a divisão entre trabalho ma- próximo, essa transformação radi- todas as faculdades, a ligar a cul-
nual e intelectual; 2) a opressão das cal do ensino. tura intelectual à cultura física e
mulheres pelos homens; 3) a opres- “A Delegação do Ensino convida ao ensino técnico, era uma das rei-
são das crianças pelos adultos. as municipalidades distritais a en- vindicações da Associação Inter-
A Delegação do Ensino da Comu- viar, no mais breve prazo possível, nacional dos Trabalhadores (ver
na proclamou, a 17 de maio de 1871, para o doravante Ministério da Ins- o relatório do Conselho Geral no
sob a assinatura de Edouard Vaillant: trução Pública, Rua de Grenelle- Congresso de Genebra, 1866, e a
“Considerando que é importante Gerpain, 110, as indicações e as in- resolução do Congresso da AIT
que a Revolução Comunal afirme formações sobre os locais e estabe- de Lausanne, 1867).

7
Dezembro 2001 Revista Adusp
Notemos que, a 9 de maio de Nos primórdios do capitalismo, tina. Entre o povo baixo é necessário
1871, a seção das Grandes Carrei- houve fortes resistências contra o que saibam ler e escrever apenas os
ras da Internacional parisiense ha- início de uma educação universal. que têm ofícios que requeiram essa
via pedido à Comuna para perseve- “Como podemos ser felizes se es- perícia”.4
rar na via do progresso do espírito tamos rodeados por um povo que As mesmas revoluções democrá-
humano, decretando a instrução lê?”, dizia o reacionário Mr. Flosky ticas que impulsionaram decisiva-
laica, primária e profissional, obri- em Nightmare Abbey, de Peacock. mente o ensino público e/ou univer-
gatória e gratuita em todos os graus. Perguntas dessa classe foram feitas sal valorizaram o papel da ciência
No “Jornal Oficial” de 13 de abril, no curso do século XVIII e primei- na luta contra o Antigo Regime. Um
um manifesto do cidadão Rama, ra metade do século XIX. Em 1746, membro da Convenção francesa afir-
referendado por Benoît Malon, de- a Academia de Rouen debateu o mou: “Não esqueçamos que muito
senvolvia, sobre o ensino primário, seguinte problema: é vantajoso ou antes que nós, as ciências e a filoso-
opiniões inspiradas principalmente prejudicial para o Estado ter cam- fia lutaram contra os tiranos. Seus
num espírito laico e irreligioso. Por poneses que saibam ler? constantes esforços fizeram a revolu-
pouco que tenham podido fazer, Aproximadamente duas décadas ção. Como homens livres e agrade-
nem por isso os communards dei- mais tarde, De Cadadeuc de la Cha- cidos, devemos estabelecê-las entre
xaram de entrar, bem antes da de- nós e conservá-las sempre. Pois as
mocracia burguesa, no caminho de ciências e a filosofia manterão a li-
uma reorganização completa do en- Nos primórdios do berdade que conquistamos”.5
sino do povo. No quadro histórico da necessi-
A unidade das ciências, por um capitalismo, houve dade da qualificação da mão-de-
lado, e o ensino politécnico, pelo obra para a generalização da produ-
outro, estavam colocados objetiva- fortes resistências ção industrial, na segunda metade
mente por uma época em que, ao do século XIX, floresceu a aspira-
surgirem todo tipo de teorias evolu- contra a educação ção democrática a uma educação
cionistas (cosmológicas, naturais, pública e universal. Um sistema edu-
biológicas, etc.), “ao trazer o pró-
universal cacional só poderia existir com a
prio homem para dentro do esque- vitória do capitalismo na esfera da
ma da evolução biológica, abolia a produção, pois aquele implica “que
linha divisória entre ciências natu- lotais escrevia: “Nunca houve tantos a produção dos meios de existência
rais, humanas ou sociais”.3 estudantes como hoje. Inclusive a e a produção de seres humanos se-
A ciência, por sua vez, inclusive gente do povo quer estudar. Os ir- jam institucionalmente separadas
a mais abstrata, não podia ser con- mãos da religião cristã chamados os uma da outra. Isso só se produz nu-
siderada isoladamente: nos Grun- Ignorantins estão realizando uma po- ma medida apreciável com o capi-
drisse, Marx afirmava que “o de- lítica fatal. Ensinam a ler e a escrever talismo, com o nascimento da famí-
senvolvimento das ciências — as aqueles que só deveriam aprender a lia moderna e da obrigação escolar
naturais assim como as outras — desenhar e manejar instrumentos e universal. A educação constitui uma
é sem dúvida função do desenvol- já não querem mais fazer isso. Para o articulação família/escola”.6
vimento da produção material”. A bem da sociedade, os conhecimentos O desenvolvimento da universi-
questão educacional, para Marx, do povo não podem ir além do ne- dade moderna se dá no mesmo perí-
líder da AIT, estava portanto du- cessário para a sua própria ocupação odo, ficando simbolizada “pela cria-
plamente vinculada ao desenvolvi- cotidiana. Todo homem que olhar ção em 1868 da Escola Prática de
mento da força de trabalho e ao da mais longe de sua rotina diária não Altos Estudos (que) num quadro fle-
ciência, como dois aspectos de um será nunca capaz de continuar pa- xível, devia fornecer formação para a
único processo histórico. cientemente e atentamente essa ro- pesquisa crítica”.7 As universidades

8
Revista Adusp Dezembro 2001
Northwestern University Library
do período pré-capitalista pouco dos instrumentos básicos de to-
têm a ver com as originadas pe- dos os ramos do trabalho’). Es-
lo desenvolvimento do capital: sa dupla formação é indispen-
“Os estudantes da Idade Média sável para que os trabalhadores
não estavam submetidos à juris- dominem as bases científicas
dição dos tribunais ordinários, da tecnologia, o que lhes per-
eles não podiam ser procurados mitirá organizar e controlar a
em seus colégios ou molestados produção uma vez conquistado
pelos agentes de justiça, eles o poder político (sob o reino da
portavam uma vestimenta parti- burguesia, eles possuem apenas
cular, eles tinham o direito de ‘a sombra do ensino profissio-
duelarem entre si e eram reco- nal’)”.10
nhecidos como uma corporação A Comuna realizou, na sua
fechada, com seus códigos mo- breve existência, uma obra no-
rais, bons ou maus. No decorrer tável de democratização e lai-
do tempo, com a democratiza- cização do ensino, e de colocá-
ção progressiva da vida pública, lo a serviço da “República do
quando todas as outras guildas Trabalho”. Marx comentou que
e corporações da Idade Média “dessa maneira, não somente a
foram abolidas, estes privilégios instrução tornou-se acessível a
de universitários se perderam todos, mas também a própria
em toda a Europa”.8 Benjamin Gastineau ciência foi libertada dos gri-
O elemento de continuidade se lhões que lhe tinham sido impostos
dava em que a universidade conti- pelos preconceitos de classe e a for-
nuava a ser considerada o “lugar Na sua breve ça governamental”.
natural” da ciência (que “não co- A Revolução de Outubro de
bre senão uma parte dos saberes existência, a Comuna 1917 inspirou-se explicitamente na
socialmente existentes”), portan- Comuna, ao tentar desde o início
to, da “ilusão cientificista” (a ci-
realizou obra notável integrar educação e produção, de
ência como variável independente acordo com o seguinte princípio:
de democratização e
do desenvolvimento social): “A ci- “O trabalho produtivo deve servir
ência se distingue de outros tipos laicização do ensino de fundamento da vida escolar, não
de saberes por sua aproximação como meio de pagar o sustento da
que visa conhecimentos de caráter criança, nem apenas como método
universal, atemporais, distintos da ço de uma “educação comunista”, a de ensino, mas como trabalho pro-
pessoa que os emite e do ‘lugar’ de qual, de acordo com o Anti-Dühring, dutivo socialmente necessário... A
onde provêm. Ela tem, portanto, superando essas contradições, “cria- escola é a escola-comuna, estreita e
uma tendência a eliminar o sin- rá uma nova força produtiva”. A organicamente vinculada mediante
gular, o não reproduzível e, em nova educação deverá ser “intelec- o processo laboral com o seu meio
suma, a história”.9 tual, física e politécnica”: esta úl- ambiente”.11
Existe em Marx e Engels uma tima, “para Marx, deve ao mesmo Até autores, como Georges Bour-
crítica da educação capitalista (in- tempo ser teórica (‘transmitir os gin, que consideram que a política
clusive a universitária) como aliena- princípios gerais de todos os proces- da Comuna “no conjunto... foi ne-
da, fragmentária, parcial (excluden- sos de produção’) e prática (‘ini- gativa”, reconhecem ter ela realiza-
te dos “outros saberes”), e um esbo- ciação ao uso prático e ao manejo do “uma obra escolar social efeti-

9
Dezembro 2001 Revista Adusp
va.”12 Edouard Vaillant reuniu pro- pou-se da reabertura e da fiscaliza- res. Nesse caso, estariam atentos
fessoras, professores e pais para de- ção dos museus”. para a educação das meninas (fil-
cidir as reformas necessárias para a “Nada se saberia dessa revolução les). E não as deixariam, como se
escola primária. em matéria de educação sem as circu- fez até agora, na ignorância!”14
Prosper-Olivier Lissagaray, teste- lares das municipalidades. Várias ha- A reação francesa e internacional
munha e historiador crítico de mui- viam reaberto as escolas abandonadas acabaria, de modo ineditamente
tos aspectos da Comuna, nos diz: pelas congregações e pelos professo- cruel, com a Comuna, impondo um
“A Delegação do Educação tinha res primários da cidade, ou tinham ex- retrocesso social e cultural extraor-
por obrigação uma das mais belas pulsado os padres que lá restavam. dinário. Mas a semente deixada pela
páginas da Comuna. Após tantos A do XX Distrito vestiu e alimentou Comuna — a escola pública, laica,
anos de estudo e experiência, essa as crianças, lançando assim as primei- gratuita e obrigatória; a libertação
questão devia surgir inteiramente ras bases das Caixas Escolares (co- feminina — floresceria novamente
elaborada de um cérebro realmente operadoras), tão prósperas a partir nas lutas sociais, antes que o século
revolucionário. A Delegação nada de então. A delegação do IV Distrito XIX se concluísse. A destruição do
deixou como testemunho para o fu- dizia: ‘Ensinar a criança a amar e a caráter de classe do ensino e da es-
turo. No entanto, o delegado era um respeitar seu semelhante, inspirar-lhe cola, da elitização da universidade,
homem dos mais instruídos. Con- o amor à justiça, ensinar-lhe que deve também foram postas pela Comuna,
tentou-se em eliminar os crucifixos se instruir tendo em vista o interesse através do único meio possível: a des-
das salas de aula e em fazer um de todos: eis os princípios morais em truição do Estado opressor e o fim
apelo a todos os que haviam es- que doravante repousará a educação do caráter classista da sociedade to-
tudado as questões da educação. comunal’. ‘Os professores das escolas da: tanto esta como aquelas tarefas
Uma comissão foi encarregada de primárias e das creches’, prescrevia estão ainda pendentes, e sua resolu-
organizar o ensino primário e a for- a delegação do XVII Distrito, ‘em- ção depende, como nos tempos da
mação profissional; todo seu traba- pregarão exclusivamente o método Comuna, da luta e da revolução.
lho foi anunciar, em 6 de maio, a experimental e científico, que parte
inauguração de uma escola. Outra sempre da exposição dos fatos físicos, Notas
comissão, para a educação das mu- morais e intelectuais”. Ainda se estava 1 Cf. S. Froumov. La Commune de Paris et la Démocratisa-
tion de l’École. Moscou, Progrès, 1966, p.76.
lheres, foi nomeada no dia da en- longe de um programa completo.”13 2 A. Dunois. Textos e documentos. In: P. Luquet et al. A
Comuna de Paris. Rio de Janeiro, Laemmert, 1968, p.71
trada dos versalheses”. Em apenas dois meses, é eviden- 3 Eric J. Hobsbawm. A Era do Capital. Rio de Janeiro, Paz
e Terra, 1979, p. 268.
“O papel administrativo dessa te que era impossível levar plena- 4 Apud Carlo Cipolla. Educación y Desarrollo en Occidente.
delegação restringiu-se a decretos mente à prática todos os planos. Barcelona, Ariel, 1970, p. 79.
5 In: Eric J. Hobsbawm. Las Revoluciones Burguesas. Madri,
pouco viáveis e a algumas nomea- Mas ficou claro que a Comuna pre- Guadarrama, 1971, p. 491.
6 Rolf Nemitz. Eléments d’une théorie marxiste de l’éducation.
ções. Dois homens dedicados e ta- tendia implementar um sistema de Actuel Marx, nº 1, Paris, 1º semestre 1987, p. 69.
7 J. M. Mayeur. Les débuts de la IIIe République. Paris, Seuil,
lentosos, Elisée Reclus e Benjamin ensino integral, a todos os níveis, 1973, p. 149.
Gastineau, foram encarregados de que unisse trabalho manual e inte- 8 Stefan Zweig. Le Monde d’Hier. Paris, Albin Michel, 1948,
p. 118.
reorganizar a Biblioteca Nacional. lectual, através de um ensino simul- 9 Samy Joshua. Le contrôle de la science. Utopie Critique, no
5, 1º trimestre de 1995, p. 96.
Proibiram o empréstimo de livros, taneamente científico e profissiona- 10 Lê Thàn Khôi. Marx,Engels et l’Éducation. Paris, PUF,
1991, p. 101. Ver também: Bogdan Suchodolski. Teoria
pondo fim ao escândalo de privile- lizante (tal era o entendimento do Marxista da Educação. Lisboa, Estampa, 1976; Mario
A. Manacorda. Marx e a Pedagogia Moderna. São Paulo,
giados que constituíam bibliotecas termo “politécnico”). A Comuna, Cortez, 1991; e Madan Sarup. Marxismo e Educação.
às custas das coleções públicas. A por outro lado, combateu a opres- Rio de Janeiro Zahar, 1980.
11 In: Sheila Fitzpatrick. Lunacharski y la organización
Federação dos Artistas, cujo pre- são das mulheres baseada na igno- soviética de la educación y las artes (1917 - 1921). Madri,
Siglo XXI, 1977, p. 53.
sidente era Courbet — nomeado rância. Um artigo de 9 de abril de 12 Georges Bourgin. La Comuna. Buenos Aires, EUDE-
BA, 1962, p. 61.
membro da Comuna em 16 de abril 1871 do Père Duchêne advertia: “Se 13 Prosper-Olivier Lissagaray. História da Comuna de 1871.
São Paulo, Ensaio, 1991, p. 170.
— e que contava entre seus inte- vocês soubessem, cidadãos, o quan- 14 In: Raoul Dubois. À l’Assaut du Ciel. La Commune
grantes com o escultor Dalou, ocu- to a Revolução depende das mulhe- racontée. Paris, Les Éditions Ouvrières, 1991, p. 164.

10
Revista Adusp Dezembro 2001

AS LIÇÕES DA COMUNA DE
PARIS PARA A EDUCAÇÃO
Paulino José Orso
Professor da Unioeste (PR), doutorando em educação pela Unicamp

A educação como elemento superestrutural não é


autônoma e depende da forma e do modo como
os homens produzem sua sobrevivência material.
A Comuna procurou pôr em prática os ideais
educacionais da escola laica, gratuita, obrigatória
e universal, integrando educação e trabalho. Ideais
defendidos antes mesmo da Revolução Francesa,
mas até hoje não concretizados no Brasil, por exemplo
11
S
Dezembro 2001 Revista Adusp
e realmente quisermos uma reconfiguração revolucionária exercia a legitimação das relações
entender a educação, se de toda a sociedade ou com a der- de classe. A educação formal (esco-
quisermos demitificar o rota comum das classes em luta”. las privadas), essencialmente reli-
discurso redentor que a Ainda que variando sua forma, giosa, era privilégio de poucos, da
envolve, não devemos ir desde a antigüidade até os nossos classe dominante. Aos demais, aos
imediatamente a ela. De- dias, a sociedade tem sido a história servos, aos vassalos, competia tra-
vemos partir da compreensão da das lutas de classes. Ao analisar a balhar e sustentar os reis, a nobreza
forma como os homens se organi- educação não podemos deixar de e o clero. Quem ousasse questionar
zam para produzir sua sobrevivên- ter sempre presente esta realidade. os dogmas religiosos, a estrutura
cia em cada época e em cada socie- A escola, a educação formal — uma social e o poder estabelecido era
dade. Ou seja, devemos partir da das formas de que a sociedade se tratado como herege e tido como
produção material, dos indivíduos utiliza para educar os indivíduos pa- uma ameaça à ordem social. Por-
produzindo socialmente, em cada ra viverem nela — surge durante tanto, era julgado e, não raras ve-
época e em cada sociedade. o escravismo, numa sociedade de zes, condenado à fogueira pelos tri-
Este deve ser o ponto de partida classes e torna-se uma escola a ser- bunais da Inquisição.
para analisar e compreender a edu- Na transição do feudalismo para
cação, pois, como diz Marx, “na pro- o capitalismo, com as mudanças
dução social de sua vida, os homens A burguesia e seus provocadas pelos grandes descobri-
contraem determinadas relações de mentos marítimos, pelo renascimen-
produção necessárias e independen-
ideólogos, embriagados to econômico, comercial, político e
tes da sua vontade, relações de pro- cultural, começa-se a pôr em xeque
pelo progresso,
dução que correspondem a uma de- a antiga ordem e, com ela, as rela-
terminada fase de desenvolvimento passaram a ver na ções que a sustentavam. Aumenta a
das forças produtivas materiais”. contestação e surge o protestantis-
A educação como um elemento Escola a redenção mo, dando vazão aos interesses que
superestrutural não tem vida pró- estavam reprimidos, porém vai ao
pria, não é autônoma, nem inde- da humanidade encontro dos interesses da burgue-
pendente da forma e do modo co- sia nascente. O protestantismo, com
mo os homens produzem sua so- sua defesa da livre interpretação da
brevivência material. A educação, viço da classe detentora do poder. Bíblia, com a defesa da liberdade de
portanto, depende do conjunto das E, como tal, deixa de estar voltada consciência, com a defesa do indiví-
relações sociais de cada momento. para o ensino da vida, pela vida duo como responsável pelos seus
A partir do surgimento da proprie- e para a vida e passa-se a ensinar atos, atendeu perfeitamente aos in-
dade, das classes sociais e das lutas um saber “especializado”, privilégio teresses do capitalismo e de sua ide-
de classes, diz Marx, “a história de das classes dominantes. Aos demais, ologia liberal.
todas as sociedades até o presente resta a educação informal voltada Com os empiristas o conheci-
é a história das lutas de classes. Ho- para a aceitação da subserviência, mento deixa de ser visto apenas co-
mem livre e escravo, patrício e ple- da sua condição de classe e para o mo uma iluminação, como produto
beu, senhor feudal e servo, membro trabalho. Esta realidade estende-se da razão e passa a ser visto como
de corporação e oficial-artesão, em desde o surgimento da escola até a instrumento de transformação ma-
síntese, opressores e oprimidos esti- modernidade. terial. A burguesia percebeu que a
veram em constante oposição uns Na Idade Média, em que a base ciência, transformada em técnica
ao outros, travaram uma luta inin- da sociedade era o feudo, a Igreja aplicada à indústria, provocaria o
terrupta, ora dissimulada, ora aber- detinha tanto o poder material quan- progresso e a transformação social.
ta, que a cada vez terminava com to o espiritual. Através da religião O iluminismo, o racionalismo, o em-

12
Revista Adusp Dezembro 2001
pirismo e o liberalismo, ao mesmo Todo esse processo de renovação controle. Teoricamente passou a de-
tempo que serviram para fazer a iniciado com o Renascimento, na fendê-las como direito de todos, mas
crítica, lutar contra e destruir a an- transição do feudalismo para o ca- na prática faz o possível para impe-
tiga ordem, serviram de base para a pitalismo, tendo a burguesia como dir que se tornem realidade.
construção e consolidação da nova principal sujeito histórico, atinge o Mesmo quando, através da pres-
ordem, o capitalismo. apogeu com a Revolução Francesa são, o povo consegue fazer com que
A burguesia e seus ideólogos, (1789) e a burguesia torna-se politi- o governo garanta a educação a um
embriagados pelos progressos cien- camente reacionária e conservado- maior número de pessoas, ela é cer-
tíficos, fascinados com as mudanças ra. Uma vez conquistado o poder cada por inúmeras exigências e re-
provocadas pela ciência instrumen- sem ter eliminado as desigualdades gras burocráticas, de tal forma que
tal e pela revolução industrial, pas- e as diferenças de classes, sem ter a escola não passe de uma agência
saram a ver na Escola a redenção concretizado as velhas promessas e disciplinadora, legitimadora e re-
da humanidade. Então, ao invés de os antigos ideais de igualdade, soli- produtora das relações sociais.
continuar reprimindo os hereges e dariedade e fraternidade, jogou-os No dia 18 de março de 1871, o
de condená-los à fogueira, ao invés para as raias da formalidade. Comitê Central da Guarda Nacio-
de aniquilá-los, passou a educá-los nal que havia sido organizado pa-
e discipliná-los; passou a canalizar ra manter a ordem em Paris apos-
suas contestações e tranformá-los sou-se da artilharia, tomou posi-
em instrumentos dóceis, úteis e pro-
Em 18 de março de ção contra a Assembléia Nacional
dutivos, prontos para o trabalho. e declarou a Comuna de Paris. À
1871, a Guarda
A escola passou a ser vista como situação de exploração e de misé-
um instrumento para resolver tanto Nacional apossou-se ria a que o povo parisiense vinha
os problemas econômicos quanto sendo forçado a submeter-se des-
os sociais. Como a indústria estava da artilharia e de a muito tempo, denunciava o
em franco desenvolvimento e pre- caráter ideológico, místico e de
cisava de mão de obra “especiali- declarou a Comuna classe das promessas e reformas
zada”, isto é, que tivesse um míni- burguesas. Isso fez com que os tra-
mo de domínio dos conhecimentos balhadores parisienses, num mo-
necessários para operar as novas Em 1792, um levante popular mento excepcional, reagissem, es-
forças produtivas, a burguesia pas- em Paris provocou a derrota da corraçassem o rei e tomassem a di-
sou a defender a universalização da Monarquia e levou à Proclamação reção de suas vidas em suas mãos.
escola. Inicialmente foi defendida da República. Dentre as medidas Como diz a Proclamação do Co-
pelo protestantismo, em seguida tomadas pela República destacam- mitê Central da Guarda Nacional
pelos iluministas, até ser encam- se a extinção do tráfico e da es- deste dia, “os proletários da capi-
pada pela burguesia liberal. Adam cravidão, a distribuição das terras tal, em meio às fraquezas e trai-
Smith, pensador burguês, chega a da nobreza entre os camponeses ções das classes governantes (...)
defender a educação pública. Se e o estabelecimento da instrução compreenderam que era seu dever
o setor privado não pudesse fazer pública, gratuita e laica. imperioso e seu direito absoluto
melhor, que o Estado a oferecesse. Mas, ao invés de levar a cabo as tomar em mãos os seus destinos
Defende que seja laica e, até onde próprias decisões, sem condição de e assegurar-lhes o triunfo conquis-
é possível, que seja gratuita. De- negá-las completamente, pois pas- tando o poder”.
pois, antes mesmo da Revolução saram a ser exigências populares, Esse acontecimento transcendeu
Francesa, os princípios da escola a burguesia tratou de criar meca- o tempo e o espaço em que ocorreu
pública, laica, gratuita e universal nismos para mistificar o seu papel, e marcou as lutas dos movimentos
são assumidos pelos republicanos. atenuar os conflitos e garantir seu operários em todo o mundo. Pela

13
Dezembro 2001 Revista Adusp
primeira vez a classe trabalhadora reformas adequadas à nova forma para o doravante Ministério da Ins-
assumia o poder com a proposta de de organizar e produzir a vida so- trução Pública, Rua de Grenelle-
construir uma nova humanidade. cial, com vista à superação da so- Germain, 110, as indicações e as
Ao assumir o poder os comunardos, ciedade de classes e a construção informações sobre os locais e esta-
imediatamente, procuraram reorga- de uma sociedade igualitária, sem belecimentos melhor apropriados à
nizar o Estado, redirecionando-o exploração e sem dominação. pronta instrução de escolas profis-
para os interesses populares. Segundo a Circular emitida por sionais, onde os alunos, ao mesmo
Para concretizar isso a Comuna Vaillant, delegado da Comuna de tempo que farão a aprendizagem
tomou as seguintes medidas: supri- Paris para a educação, ela deveria de uma profissão, completarão sua
miu o serviço militar obrigatório, o seguir uma orientação no sentido instrução científica e literária.
exército permanente e reconheceu socialista. Diz a Circular: Além disso, solicita-se às muni-
a Guarda Nacional como a única "Considerando que é importante cipalidades distritais que se enten-
força armada, à qual todos os cida- que a Revolução Comunal afirme dam com a Delegação do Ensino, a
dãos deveriam pertencer; a burocra- seu caráter essencialmente socia- fim de colocar, o mais rapidamente
cia estatal foi combatida; isentou-se lista por uma reforma do ensino, possível, as escolas profissionais
os pagamentos de aluguéis de mo- assegurando a todos a verdadeira em atividade."
radias de outubro de 1870 até abril Paris, 17 de maio de 1871
de 1871, abonando para futuros pa- O membro da Comuna, Delegado
gamentos as importâncias já reco- do Ensino: Ed. Vallant.
lhidas e suspendeu a venda de obje- A Comuna de Paris
tos empenhados nos estabelecimen- Em matéria de ensino, apesar
tos de empréstimos; a propriedade procurou pôr em de a orientação das reformas edu-
privada foi abolida e as fábricas pas- cacionais ser de tipo socialista, a
saram a ser controladas e autogeri- prática a educação Comuna não teve tempo de realizá-
das pelos trabalhadores; a jornada las de acordo com a intenção dese-
de trabalho foi reduzida de 14, 15, laica e gratuita jada. A educação deveria oferecer
16 horas, para 10 horas diárias; de- uma educação integral, voltada pa-
cretou-se a separação entre a Igreja ra o desenvolvimento do homem
e o Estado e a supressão de todas todo; para a formação do homem
as subvenções do Estado para fins base da igualdade social, a instrução completo, para o desenvolvimento
religiosos, declarando propriedade integral a que cada um tem direito de todas as dimensões humanas, in-
nacional todos os bens da Igreja. A e facilitando-lhe a aprendizagem e tegrando a cultura física com o en-
religião passou a ser uma questão o exercício da profissão para a qual sino técnico, que era a reivindicação
de foro íntimo; a guilhotina, sím- o dirigem seus gastos e aptidões; da Primeira Internacional.
bolo máximo do poder burguês da Considerando, por outro lado, Além disso, a Comuna procurou
época, foi levada à rua pela Guarda que enquanto se espera que um pôr em prática aquilo que a burgue-
Nacional e queimada em meio a um plano completo de ensino integral sia mistificava na teoria, isto é, pro-
entusiasmo popular. possa ser formulado e executado, curou promover a educação defen-
Com relação à educação, a Co- é preciso decretar as reformas ime- dendo a laicidade e obrigatoriedade
muna de Paris, devido à sua curta diatas que garantem, num futuro do Estado em oferecer de forma
duração (72 dias), não teve tempo próximo, essa transformação radi- gratuita a todos. Ordenou-se a reti-
de promover e implementar refor- cal do ensino; rada de todos os símbolos religiosos,
mas profundas. Contudo, dentro das A delegação do ensino convida imagens, dogmas, orações e cria-
suas condições e possibilidades, tra- as municipalidades distritais a en- ram-se creches e escolas elementa-
tou de fazer a sua parte e promover viar, no mais breve prazo possível, res para os filhos dos trabalhadores,

14
Revista Adusp Dezembro 2001
Northwestern University Library
bem como promoveu-se uma ver- deportação e prisão.
dadeira revolução cultural na vida Como diz Marx, “o
cotidiana. fato inédito é que na
As medidas adotadas pela Co- mais tremenda guer-
muna de Paris tinham um nítido ca- ra dos tempos moder-
ráter de classe, voltadas principal- nos o exército vence-
mente para o proletário. Engels diz dor e o exército ven-
que o objetivo final dos parisienses cido confraternizam
era a supressão de todos os antago- na matança comum
nismos de classe entre capitalistas e do proletariado. (...)
operários. Ainda que ao certo não A dominação de clas-
se sabia como conseguir tal intento. se já não pode ser
Ao chegar ao poder, os comu- disfarçada sob o uni-
nardos perceberam que, se quises- forme nacional; todos
sem construir uma nova humani- os governos nacionais
dade, não poderiam continuar go- são um só contra o
vernando com a velha máquina do proletariado”.
Estado, um instrumento de opres- Apesar da derrota,
são e de repressão da classe traba- Marx fala com entu-
lhadora pela classe detentora dos siasmo do heroísmo
meios de produção; perceberam que e dedicação dos com-
era preciso quebrar e destruir todo munards que lutaram.
o aparato burocrático, bélico e mili- Prosper-Olivier Lissa-
tar da burguesia e revolucionar toda garay também enal-
George Pilotell
a estrutura social. tece os comunardos.
O conjunto das reformas edu- “Que potente vanguarda que, du- Primeira Internacional e o cresci-
cacionais, econômicas, políticas e rante mais de dois meses, manteve mento dos ideais socialistas. Ela não
culturais implementadas pela Co- na expectativa as forças coligadas resultou de uma estratégia longa-
muna acenava para uma profunda das classes governantes; que imortais mente planejada e arquitetada para
mudança social. Isto provocou a ira soldados os que, nos mortais postos assaltar o poder, nem teve um pla-
da burguesia que, como diz Engels, avançados, respondiam ao versalhês: no profundamente pensado sobre
sentindo-se ameaçada e acuada, re- Estamos aqui pela humanidade!”. a forma de administrá-lo. Teve um
agiu, fez alianças com Bismarck, Esta foi a primeira vez na histó- tanto de improvisação em função
avançou covardemente e mostrou a ria da humanidade que os operários dos acontecimentos circunstanciais
que extremo de crueldade e vingan- chegaram ao poder e promoveram e das reivindicações face ao bona-
ça é capaz de chegar sempre que o mudanças em favor da maioria da partismo precedente. Também não
proletariado se atreve a defrontar- população, mas não foi a primeira teve um líder ou um partido único
se com ela como uma classe inde- nem a última vez que a burguesia, que congregasse os interesses e for-
pendente, que tem interesses e rei- usando os soldados, os próprios tra- ças, nem um programa previamente
vindicações próprias. balhadores, os filhos e irmãos dos detalhado que orientasse a direção
Como resultado deixou mais de operários, revelou seu caráter auto- do movimento.
30.000 fuzilados durante a guerra ritário e cruel. Dela participaram diversos gru-
em Paris e mais de 36.000 condena- Dentre os fatores que contribuí- pos, com interesses e concepções di-
dos às penas de morte, execução, ram para o surgimento da Comuna versas: blanquistas, jacobinos, prou-
condenação a trabalhos forçados, de Paris está o desenvolvimento da dhonianos, republicanos burgueses,

15
Dezembro 2001 Revista Adusp
patriotas exaltados, internaciona- Entendendo que a educação e a cariza a formação através das clas-
listas — uma espécie de governo de escola correspondem à sociedade ses de aceleração, da passagem au-
coalizão. Mulheres e homens irma- de cada momento e ao grau de de- tomática de uma série para outra,
nados, lutando por um objetivo co- senvolvimento das forças produtivas do rebaixamento da qualidade, da
mum — a construção de uma nova e das relações de produção, não po- redução dos prazos para qualifica-
humanidade. Não havia grandes ho- demos exigir da Comuna de Paris ção, da substituição do quadro de
mens. Lissagaray diz que “a força um tipo de educação isenta das in- docentes via estagiários mestrandos
desta revolução é precisamente o fluências da época em que ocorreu e doutorandos, da contratação pre-
fato de ter sido feita pelos homens ou analisá-la à luz da experiência cária de professores via CLT, sem
comuns, e não por alguns cérebros e do acúmulo de conhecimentos e que possam fazer pesquisa. Preten-
privilegiados”. teorias que se desenvolveram poste- de elevar os níveis estatísticos da
A Comuna de Paris, apesar das riormente. Porém, os ideais de uma escolarização via rebaixamento das
intenções, não chegou a ser uma re- educação laica, gratuita, obrigatória exigências e da qualificação. Fala
volução socialista acabada, nem ser- e universal que a Comuna de Paris em universalização, mas impõe um
ve de modelo dogmático para todas tentou colocar em prática e que, rígido processo de controle e sele-
as lutas operárias dos dias atuais, inclusive, já aparecem antes da Re- ção via privatização e mercantiliza-
mas, como diz Engels, como a pri- ção do ensino.
meira experiência de ditadura do Mas será que nesta sociedade po-
proletariado foi um fato sem para- demos esperar outro tipo de edu-
lelo na história até então. Por isso, Devemos entender a cação? Será que a burguesia pode
certamente, já tem seu grande mé- concretizar a igualdade, a fraterni-
rito pelo fato de ter acontecido e de Educação como parte dade e a solidariedade de fato? Será
somar-se a outras tantas formas de que ela pode realizar uma educação
lutas subseqüentes, das quais pode- da sociedade e não pública de qualidade, gratuita, laica
mos extrair lições para as lutas de e universal?
hoje e amanhã. como a totalidade Primeiro, é preciso entender a
Marx, como historiador e cronis- educação como parte da sociedade
ta, percebeu na Comuna os prenún- e não como a totalidade e, portan-
cios do futuro, os indícios de uma to, não como absoluta. Segundo, se
nova época histórica. Ele sempre volução Francesa, ainda não foram entendemos, como vimos, que ao
esteve atento ajudando a manter concretizados. longo da história a cada sociedade
o curso revolucionário dentro dos No Brasil, além da baixa quali- corresponde um tipo de escola e
princípio do internacionalismo pro- dade da educação, os trabalhadores de educação, não resta espaço para
letário e dando apoio aos persegui- sequer chegam à média de quatro ilusão. Esse é o tipo de educação
dos e exilados. anos de escolaridade e existem mais que esta sociedade pode nos ofe-
Ao ser instaurada, a Comuna de de 18 milhões de analfabetos. Para recer. Ela corresponde à forma co-
Paris procurou pôr em prática os maquiar esta realidade, por um la- mo esta sociedade está organizada e
ideais educacionais já defendidos no do, o governo faz um discurso de- como prepara os indivíduos para vi-
passado, de uma escola laica, gra- magógico de defesa da educação verem nela mesma. Só com outro ti-
tuita, obrigatória e universal, vol- pública, da universalização do aces- po de sociedade teremos outra edu-
tada para a formação do homem so, mas por outro lado promove o cação. A Comuna de Paris apontou
completo, integrando educação e sucateamento das instituições pú- para outro tipo de relação social e
trabalho. Nesse momento, ainda es- blicas, exige uma sobrecarga de tra- para outro tipo de educação e mos-
tavam muito presentes as influên- balho dos professores sem lhes dar trou que não é possível realizar isso
cias iluministas e positivistas. condições mínimas de trabalho; pre- nesta sociedade, que é necessário

16
Revista Adusp Dezembro 2001
Northwestern University Library
1871, uma infinidade tico, é preciso destrui-lo como tra-
de trabalhadores conti- taram de fazer os comunardos no
nuam sendo explorados curto espaço de tempo em que es-
e mortos todos os dias. tiveram no poder. Estas condições
Isto demonstra que os são necessárias para tornar a edu-
ideais de igualdade, so- cação pública acessível a todos, gra-
lidariedade, fraternida- tuita, voltada para o bem estar do
de e justiça social; que a conjunto da população e para supe-
educação pública, gra- rar sua fragmentação; são condições
tuita, universal, volta- necessárias para construir uma nova
da para a formação do humanidade, onde o homem seja
homem completo, para respeitado como homem.
a formação integral do Portanto, trata-se de lutar pela
homem, para além da educação, mas tomá-la como se fos-
demagogia burguesa, se separada da sociedade, sem abso-
só serão atingidos nu- lutizá-la. Em se tratando de realizar
ma sociedade sem clas- uma educação de tipo diferente, é
ses, sem fragmentação. preciso lutar concomitantemente
Só nela é possível recu- por uma sociedade de um novo tipo,
perar a noção de uma sem classes, sem lutas de classes.
educação da vida, pela Quem acredita na educação luta ao
vida e para a vida. mesmo tempo pela transformação
Para enfrentar os de- da sociedade. A Comuna de Paris
safios que se apresen- foi destruída, mas os ideais que a
Mahon, communard de 17 anos tam à classe trabalhado- fizeram surgir não desapareceram.
destruí-la e construir uma sociedade ra, se não quisermos continuar co- Porque aquela foi massacrada, mui-
sem classes se quisermos ver estes metendo sucessivos equívocos, pre- tas outras deverão surgir para cum-
ideais colocados em prática. cisamos olhar para trás, recuperar as prir seu papel. Seus princípios “não
Mas, se a Comuna de Paris foi lições da história. Como na Comuna deixarão de se impor cada vez mais
destruída, se os princípios educacio- de Paris, é necessário superar a com- até que a classe operária se liberte”.
nais propostos por ela não foram petição que se estabelece entre as
BIBLIOGRAFIA
concretizados, que lições nos res- pessoas, os grupos, as tendências e BEER, Max. História do Socialismo e das lutas sociais. Lis-
boa: Centro do livro brasileiro. S/d.
tam? Marx diz que uma filosofia não os partidos que lutam pela transfor- DUNOIS, A. Textos e documentos. In: LUQUET, P. A
é superada até que a realidade que a mação, cada um pensando que é ab- Comuna de Paris. Rio de Janeiro: Ed. Laemmert S.
A., 1968.
suscitou também seja superada: “Os soluto, com respostas para todos os ENGELS, F. Introdução à Guerra Civil na França. In:
MARX, K. e ENGELS, F. Obras Escolhidas. São Pau-
princípios da Comuna são eternos e problemas e capaz de superar todos lo: Alfa-Omega, s/d.
GONZÁLEZ, Horácio. A Comuna de Paris. Os assaltantes
não podem ser destruídos; eles não os desafios, sem no entanto ser capaz do céu. 3ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1989.
LISSAGARAY, P-O. História da Comuna de 1871. SP, En-
deixarão de se impor cada vez mais de se unir em torno do essencial — a saio, 1991.
até que a classe operária se liberte”. superação das relações de produção MARX, K. A guerra civil na França, in: Marx e Engels,
Ed.Sociais, Textos 1, 1975.
Outro grande mérito da Comuna fundadas na propriedade privada, a MARX, Karl. Manuscritos econômicos filosóficos e outros
textos escolhidos. Trad. José Carlos Bruni et al. 5ª ed.
foi ter desmascarado a burguesia e superação do Estado e das classes São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores).
MARX, K. Prefácio à “Contribuição à Crítica da Economia
desmistificado suas promessas, bem sociais. Política”. In: MARX, K. e ENGELS, F. Obras Escolhi-
como revelado seus limites, pois não Ao invés de querer reformar o das. São Paulo: Alfa-Omega, s/d.
MARX, K & ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista.
pode cumpri-las enquanto classe do- Estado, melhorá-lo, torná-lo trans- In: Revista Estudos Avançados da USP. São Paulo: Vol.
12, Nº 34, set./dez. 1998.
minante. Além do massacre de parente, ético, eficiente e democrá- MARX, K. BIOGRAFIA. Lisboa: Edições Avante, 1983.

17
Dezembro 2001 Revista Adusp

RIMBAUD
E A
COMUNA DE PARIS
O TEMPO DE “O BARCO BÊBADO”
Marcos Silva
Professor do Departamento
de de História da FFLCH-USP

Escrito em
1871 e
apresentado a
Paul Verlaine em
novembro desse
História, com seu
ano, seis meses
personagem que nasce,
após o
aprende, enfrenta
esmagamento da
adversidades, sente
Comuna, o poema
prazeres, interpreta o
de Arthur Rimbaud
mundo, nele interfere
“O Barco
e finda morrendo,
Bêbado”
como os homens e as
apresenta
mulheres
uma

18
Revista Adusp Dezembro 2001

Um dos mais conhecidos poemas de Arthur Rimbaud é

O Barco Bêbado

Quando eu já descia Rios impassíveis,


Não mais me senti preso a guias e galés:
Pels-vermelha a gritar os encrivaram, críveis,
Todos crus alvos nus nos totens de pincéis.

Em nada me importava quem eu carregara


Com o trigo flamengo ou o algodão inglês.
Como toda a zoada com os guias finara,
Rios me liberaram escolher fluxo e vez.

Nos clamores, ímãs e furor das marés,


Eu, inverno, mais surdo que mentes infantes,
Eu corri! E as Penínsulas, soltos os pés,
Nunca se descarnaram em caos mais triunfantes.

Tempestade bendisse minhas albas marinhas.


Bem mais leve que rolha eu dancei nos torós
Que se diz tornear norte das vitiminhas,
Dez noites, sem buscar o olhar dos faróis!

Mais doce que maçãs em boca de criança,


Água verde invadiu-me a carcaça de lei
E de vômito e vinhos azuis, gosma mansa
Me lavou, desprovido de leme e arpão, sei.

Desde então, é que eu mergulhei no Poema


Do Mar, infusão de astros, um lácteo mar,
Devorando os verde-anis; onde, clara gema,
Arrebatado, um corpo afunda a ensimesmar;

Onde, adensando azuis num só golpe, delírios


E ritmos lentos, rutilamento a se por,
Mais fortes que o álcool ou a lira que mire-os,
Fermentam os rubores amargos do amor!

Sei desses céus rasgando clarões e das trombas,


Das ressacas, correntes: do entardecer,
Da exaltada Alba, qual turba de pombas,
E já vi o que o homem pensou tido ver!

19
Dezembro 2001 Revista Adusp

Vi o cadente sol, bolor de horror místico,


Com luz roxa de raio em feixes antigos,
Como atores de velho drama artístico
Ondas levando longe o tremor de postigos!

Sonhei com verde noite e deslumbrantes neves,


A beijar lentamente os olhos do mar,
Com a corrente de espantosas seivas leves,
Amarela alba azul de fósforo a cantar!

Assisti, mês a mês, como vaca em histerias,


À potência do mar recifes violentar,
Sem supor que os pés luminares de Marias
Focinhos de Oceanos pudessem assentar!

Tropecei, vós sabeis, em Flóridas incríveis


Mescla flor e olhos de pantera em pelo
De homens! Arcos-íris, rédeas invencíveis
No horizonte mar de rebanho amarelo!

Eu vi fermentarem nassas, mangues enormes


Onde apodrece em juncos todo um Leviatão!
Umas síncopes d’água em ares uniformes,
E lonjura em cataratas de furacão!

Gelos, sóis prata, ondas nácar, céus em brasa!


E profundos naufrágios em golfos de breu
Onde grandes serpentes que percevejo arrasa
Caem, de torto lenho, em negror que fedeu!

Eu queria expor às crianças o ouro


De onda azul, áureos peixes, peixes que cantam.
- No embalo do buquê de espumas em coro,
Inefáveis ventos meu corpo levantam.

Às vezes, mártir tonto dos pólos e zonas,


Soluço do mar me fazia fedelho,
Jogava-me flores carvão e amarelonas
E eu me mantinha fêmea de joelhos...

Pré-ilha, rebocando lamentos, ruídos


E fezes de gralhas com olhos cor de dentes.
E eu já vagueava, e em meus fios puídos
Afogados vinham, marcha a ré, dormentes!

20
Revista Adusp Dezembro 2001

Pois eu, barco entre pêlos, perdido nas ansas,


Que o furacão lançou num ar sem ave ou vôo,
De quem os Monitores, veleiros das Hansas
Não pescariam o casco que a água embriagou;

Livre, entre fumos, sob brumas violetas,


Eu que rasgava céu rubro de murado
Que contém, raro glacê dos bons poetas,
Uns líquenes de sol e muco azulado,

Que corri, manchado por luar elétrico,


Prancha louca, entre alas de hipocampos breu,
Quando os julhos faziam lascar-se tétrico
Em ardentes funis o ultramar do céu;

Eu que tremia, ouvindo a cinqüenta léguas


O cio de Behemots e Maelstroms eretos,
Fiandeiro eterno de azuladas tréguas,
Evoco da Europa os velhos parapetos!

Eu vi arquipélagos astrais! e vi ilhas


Cujos céus delirantes se abrem ao que for:
- Esse é o negror sem fim onde dormes, te empilhas,
Milhão de aves de ouro, ó futuro Vigor? -

Ah, sim, muito chorei! Pungentes são Albores.


Toda lua é atroz e todo sol é sal:
O acre amor me inflou de álcool e torpores.
Que esta quilha exploda! Seja mar afinal!

Se eu desejo água de Europa, é sarjeta


Negra e fria onde, ocaso em bálsamo de ensaio,
Um menino agachado, em só tristeza, meta
Um barco que trema qual borboleta em maio.

Não posso mais, no langor de vocês, marolas,


Me juntar a esses barcos que carregam algodões,
Nem traspassar poder, flâmulas, bandeirolas,
Nem vagar sob o olhar horrível dos pontões.

21
A
Dezembro 2001 Revista Adusp
voz narrativa (ou o eu bach, no livro Mimesis – A Represen- ra em pelo/De homens!”, “céu ru-
visível) do poema é do tação da Realidade na Literatura Oci- bro de murado”). O barco-narrador
próprio barco, apre- dental, situou nas origens das con- sofre seus efeitos, mas também faz
sentando sua trajetória cepções ocidentais de representação. opções diante desse poder, como se
completa, do ato de se O poeta mistura esses referenciais observa no dançar “nos torós/ [...]
soltar de “guias e ga- prestigiosos, um pouco degradados, sem buscar o olhar dos faróis”.
lés” à declaração final de impotência com evocações de suas leituras juve- Esse barco figura enfrentando po-
diante de outros barcos que “carre- nis (almanaques ou livros de aven- deres, dotado de outros poderes (den-
gam algodões”, como ele o fizera no turas de James Fenimore Cooper e tre os quais, os de ver e dizer), inclusi-
começo do percurso (“Em nada me Jules Verne, escritos de Victor Hugo ve porque, bêbado, alegremente “des-
importava quem eu carregara/Com e Edgar Allan Poe, dentre outros, provido de leme e arpão”, lavado, pela
o trigo flamengo ou o algodão in- como apontam Augusto Meyer, no “água verde”, desses e de outros ves-
glês”), equiparando coisas a pessoas, ensaio “Le Bateau Ivre”: Análise e tígios humanos banais. Ele observa
evocando a mercadoria como valor Interpretação, e Bernard e Adam, nas e experimenta sentimentos, como os
universal e negando-se a ser reduzi- obras indicadas), casos dos índios gritos dos peles-vermelhas, a zoada
do a uma função utilitária. e das exóticas fauna e paisagem de dos guias, a surdez das “mentes infan-
Entre esses momentos inicial e fantasia — penínsulas que se descar- tes”, os “rubores amargos do amor”.
final, o barco fala sobre o que sente e O mar recebe de sua voz atributos
vê, e descreve suas relações com di- de homem (olhos que são beijados,
ferentes águas (rios, mar, mangues, Em seu campo específico potência fálica a violentar recifes, so-
sarjeta) — seu mundo e alimento, luço), e o próprio barco se identifica
embriagadora bebida, um tecido de de pensamento, o poema na condição humana, tanto enuncian-
vida e morte. Ele vai contando essa do sentimentos, como se definindo
finita existência, a partir da saída aborda a História: barco em relação à surdez de “mentes in-
do útero (libertar-se dos umbilicais fantes” (certa dimensão de liberdade
“guias e galés”), enquanto também é “borboleta em maio” da poesia diante do mundo adulto,
apresenta outras vidas e mortes ao que domina), ao paladar da “boca de
seu redor, culminando com a visão criança”, àquilo “que o homem pen-
daqueles pares, que nascem à som- nam, “Flóridas incríveis”, “peixes sou tido ver”, ao ser feito fedelho e
bra do “olhar horrível dos pontões” que cantam” e “ar sem ave ou vôo” fêmea de joelhos. O ato de ler trans-
— referência a barcos-prisões da —, situando esses materiais numa fere a condição narradora para o lei-
segunda metade do século XIX, problemática textual própria. Além tor, que também mergulha “no Poe-
conforme comentários de Suzanne disso, ele prescinde do herói condu- ma do Mar”, como barco, desdobran-
Bernard, numa edição francesa das tor do barco: a própria nave se assu- do este, portanto, em mais momentos
Obras de Arthur Rimbaud, pela Gar- me como personagem e narrador. e situações humanas.
nier Frères, e de Antoine Adam, nou- Fala de um mar coalhado de “vi- O mesmo sujeito-objeto barco se
tra edição francesa das Obras Com- timinhas”, onde “um corpo afunda” define em relação ao fazer da Poe-
pletas de Arthur Rimbaud, pela Galli- e “Afogados vinham”, índices da sia e do mundo, ao indicar o mergu-
mard — e metáfora da repetição, onipresente vida se escoando. A na- lho no “Poema do Mar” — espécie
pontuada por diferenças e lutas. tureza aparece dotada de grandio- de entrada plena na vida — e, quase
Através do barco, Rimbaud reto- sidade (“furor das marés”), força no final do percurso, ao evocar “Um
ma, de maneira nada heróica, alguns (“potência do mar” e “focinhos de menino agachado, em só tristeza
temas literários clássicos, como as Oceanos”) e múltipla materialidade [...]”, que mete na “sarjeta/negra e
trajetórias de Ulisses, na Odisséia, (“lácteo-mar”, “bolor [do] cadente fria [...] /Um barco que trema qual
e Noé, na Bíblia, textos que E. Auer- sol”, “Mescla flor e olhos de pante- borboleta em maio”.

22
Revista Adusp Dezembro 2001
Se esses últimos versos lembram do mar”. Ao mesmo tempo, o barco Em Rimbaud — como em Giam-
metaforicamente o fazer do poeta figura como frágil borboleta, na pri- batista Vico, Friedrich Nietzsche,
no próprio texto, é preciso salientar mavera (maio, mês dessa estação e Walter Benjamin e Fernando Pessoa,
como o escritor aparece próximo do do fim da Comuna de Paris), de bre- dentre outros — a contradição entre
barco, na condição de menino, com ve vida. Em seu campo específico Poesia e História (ou entre possibili-
sua trêmula embarcação de brin- de pensamento, portanto, o poema dade e fato) se revela um nada.
quedo, dividindo com esta a fragi- aborda a História, desafiando alguns Vico, em Princípios de uma Ciên-
lidade e a força para enfrentar a dizeres clássicos sobre significados cia Nova, situa o nascimento do pen-
Europa, suposto centro da civiliza- desta em relação à Poesia. sar no fazer poético. Em Friedrich
ção, portadora de tradição (“velhos Platão, no livro A República, ca- Nietzsche, como pode ser exempli-
parapeitos”, barreiras e passagens) racterizou o fazer da Poesia como ficado em inúmeros fragmentos da
e fornecedora de sarjeta. lugar dos “imitadores do simulacro edição brasileira Obra incompleta, e
Outra face metafórica desse tre- da virtude”, de uma “arte (...) muito Walter Benjamin, caso do ensaio “So-
cho remete à figura de um Deus que afastada da verdade”. Tal idéia jus- bre o conceito de História”, incluído
lança os barcos no mar, à sua ima- tificava tanto certa admiração pelos no volume Magia e Técnica, Arte e
gem e semelhança, abandonando-os poetas, portadores da peste da bele- Política, dentre tantos outros textos,
à própria sorte, ao “olhar horrível dos a escrita filosófica, de ressonância
pontões” — barcos que aprisionam, poética, é inseparável de conceitos e
semelhantes que dominam, usados Embora contemporâneo análises. Fernando Pessoa, através do
contra os derrotados da Comuna de heterônimo Álvaro de Campos, no
Paris, para detenção e deportação. de Marx, Nietzsche poema “Pecado Original”, caracteriza
“O Barco Bêbado”, escrito em o possível como “verdadeira História
1871 e apresentado a Paul Verlaine
e Freud, Rimbaud nunca da humanidade”.
em novembro desse ano, seis meses Contemporâneo da Comuna de
deve ter lido nada
após o esmagamento da Comuna, Paris, sobre a qual escreveu direta-
apresenta uma História, com seu per- desses autores mente poemas — “Canto de Guerra
sonagem que nasce, aprende, enfren- Parisiense”, “As Mãos de Jeanne-Ma-
ta adversidades, sente prazeres (par- rie” e “A Orgia Parisiense ou Paris se
ticularmente, a estesia de cores e ou- za, como a necessidade de excluí-los Repovoa” (para Adam, o último trata
tras matérias: “verde-anis”, ”Poema/ do convívio com outros cidadãos, da elite parisiense retornando após a
Do Mar, infusão de astros”, ”verde frente à ameaça à ordem que po- trégua com a Prússia) —, Rimbaud,
noite e deslumbrantes neves”, “Ama- diam representar, com a falsa for- em “O Barco Bêbado”, expressa seu
rela alba azul”, “flores carvão e ama- mação que ofereciam: “a razão nos ódio à burguesia, sem sequer mencio-
relonas”), interpreta o mundo, nele obrigou a assim proceder”. nar, de forma explícita, esse grupo.
interfere e finda morrendo, como os Já Aristóteles, no texto Poética, Ele consegue tal proeza através
homens e as mulheres! afirmou, contra aquele paradoxo da de um trabalho que desfaz o chão
É uma História em que Deus pa- boa Filosofia nascente, que os pro- burguês de valores seguros — o pro-
rece próximo do poeta e do barco, dutores de Poesia detinham a capa- gresso de sabor positivista (“Esse é
no que diz respeito a fragilidade e cidade de tornar visível o campo dos o negror sem fim onde dormes, te
impotência — os “pés luminares de possíveis, atingindo o universal. Ele empilhas,/Milhão de aves de ouro, ó
Marias”, referência, de acordo com introduziu, assim, a oposição entre futuro Vigor?”), um Deus todo po-
Bernard e Adam, a imagens da Mãe realidade e ficção, que se tornaria deroso e tolerante, manifestando a
de Cristo que eram conduzidas na clássica no pensamento ocidental: importância ideológica do Catolicis-
proa de barcos franceses, junto com falar do que aconteceu seria coisa mo nas sociedades européias após a
lanternas, não impediam a “potência de Historiador, preso ao particular. Restauração (“Tempestade bendisse

23
Dezembro 2001 Revista Adusp
minhas Albas marinhas”), a preser- Rimbaud também contribuía pa-
vação de lugares hierárquicos muito ra desfazer ilusões sobre aquele
bem definidos, negadores do espectro mundo, enfrentando alguns de seus
de revolução (“grandes serpentes que mais poderosos argumentos. Fazia
percevejo arrasa”) — e mesmo de isso a partir da História, denuncian-
modos de enunciação. A evocação do-lhe a mediocridade e a falta de
de lutas e o espectro final de velhice verdadeiras alternativas (o entusias-
e morte tratam de apagar qualquer mo pela Comuna foi uma exceção),
vestígio daquela segurança, restando identificando-se como olhar crítico
o poema como desafiador monumen- e inimigo daquele mundo. Como
to diante de efêmeros poderes. clássico de ruptura, ele se referia
Esse pensamento se deu num a uma História que, um dia, foi in-
mundo em que a História, ali sub- ventada na condição de conceito e
metida a duras críticas, era conside- passou a figurar enquanto marca
rada como existente. Vivendo no
mesmo tempo em que Karl Marx,
Hegel evocou
Friedrich Engels e Nietzsche escre-
viam e Sigmund Freud se preparava experiências de
para seu trabalho de interpretação
da psique humana, Rimbaud nunca historicidade entre
deve ter lido nada desses grandes Mediterrâneo — donde alguns pes-
autores, nem deve ter sido lido por chineses, hindus, quisadores da Nova História france-
eles: o poeta morreu em 1891 e sa, como o François Hartog de O
Freud começou a publicar, na Áus- egípcios, persas Espelho de Heródoto, identificarem-
tria, em 1886; até a morte de Rim- no como uma espécie de proto-etnó-
baud, as edições de Marx/Engels e e outros povos grafo —, Tucídides reforçou seu ca-
Nietzsche ainda tinham divulgação ráter de auto-reflexão grega, subme-
restrita, o que também ocorria com distintiva da experiência humana — tida a critérios de verdade e prova.
o escritor francês; as referências de no poema, uma triste marca. Os gregos inventaram uma cons-
Marx e Engels à Literatura incidi- Hannah Arendt, no livro Entre o ciência da História, mas isso não sig-
ram mais sobre clássicos (gregos an- Passado e o Futuro, identificou tal nifica que inexistia experiência de
tigos, Shakespeare, Cervantes, Go- invenção entre os gregos antigos, História antes dessa invenção. Mes-
ethe) e, no século XIX, os roman- associada ao trabalho poético, mes- mo Georg Hegel, nas Lições sobre a
cistas que tematizavam aspectos do mo antes de filósofos e historiadores Filosofia da História, tão respeitoso
capitalismo, como Dickens e Bal- a abordarem. Evocando Homero, em relação às tradições helênicas e
zac, o que pode ser observado nos Arendt realçou o peso atribuído pe- excludente no que diz respeito ao
fragmentos sobre esse campo temá- los gregos à História como espaço que pertenceria ou não à História
tico, publicados no volume Sobre da ação excepcional, que distinguia como explicitação da razão, evocou
Literatura e Arte; na biografia que alguns seres humanos da mera con- experiências de historicidade entre
Daniel Halévy dedicou a Nietzsche, dição natural, diferenciando-os das chineses, hindus, egípcios, povos da
surgem como leituras francesas pre- folhas caídas, das pedras roladas ou Mesopotâmia e persas, num trajeto
diletas do filósofo Pascal, Montaig- de um sopro de vento porque seus metafórico paralelo ao do sol, que
ne, Stendhal e, dentre seus contem- feitos seriam merecedores da reme- nasce no oriente e se dirige para o
porâneos, numa escala menor, Mau- moração. Se Heródoto dirigiu seu ocidente. Para ele, nem tudo que os
passant, os Goncourt e Baudelaire. olhar para gregos e outros povos do homens fizeram era História: uma

24
Revista Adusp Dezembro 2001

Le Bateau Ivre
Comme je descendais des Fleuves impassibles, Glaciers, soleils d’argent, flots nacreux, cieux de braises !
Je ne me sentais plus tiré par les haleurs : échouages hideux au fond des golfes bruns
Des Peaux-Rouges criards les avaient pris pour cibles Où les serpents géants dévorés de punaises
Les ayant cloués nus aux poteaux de couleurs. Choient, des arbres tordus, avec de noirs parfums !
J’étais insoucieux de tous les équipages, J’aurais voulu montrer aux enfants ces dorades
Porteur de blés flamands et de cotons anglais. Du flot bleu, ces poissons d’or, ces poissons chantants.
Quand avec mes haleurs ont fini ces tapages - Des écumes de fleurs ont bercé mes dérades
Les Fleuves m’ont laissé descendre où je voulais. Et d’ineffables vents m’ont ailé par instant.
Dans les clapotements furieux des marées, Parfois, martyr lassé des pôles et des zones,
Moi, l’autre hiver, plus sourd que les cerveaux d’enfants, La mer dont le sanglot faisait mon roulis doux
Je courus ! Et les Péninsules démarrées Montait vers moi ses fleurs d’ombres aux ventouses jaunes
N’ont pas subi tohu-bohus plus triomphants. Et je restais, ainsi qu’une femme à genoux...
La tempête a béni mes éveils maritimes. Presque île, balottant sur mes bords les querelles
Plus léger qu’un bouchon j’ai dansé sur les flots Et les fientes d’oiseaux clabotteurs aux yeux blonds.
Qu’on appelle rouleurs éternels de victimes, Et je voguais lorqu’à travers mes liens frêles
Dix nuits, sans regretter l’oeil niais des falots ! Des noyés descendaient dormir à reculons !
Et dès lors, je me suis baigné dans le Poème Or moi, bateau perdu sous les cheveux des anses,
De la Mer, infusé d’astres, et lactescent, Jeté par l’ouragan dans l’éther sans oiseau,
Dévorant les azurs verts ; où, flottaison blême Moi dont les Monitors et les voiliers des Hanses
Et ravie, un noyé pensif parfois descend ; N’auraient pas repéché la carcasse ivre d’eau ;

lista ampliada de povos históricos só Où, teignant tout à coup les bleuités, délires Libre, fumant, monté de brumes violettes,
Et rythmes lents sous les rutilements du jour, Moi qui trouais le ciel rougeoyant comme un mur
poderia ser feita se contestadas suas
Plus fortes que l’alcool, plus vastes que nos lyres, Qui porte, confiture exquise aux bons poètes,
exclusões de África e América pré- Fermentent les rousseurs amères de l’amour ! Des lichens de soleil et des morves d’azur ;
colombiana, por exemplo.
Je sais les cieux crevant en éclairs, et les trombes Qui courais, taché de lunules électriques,
O sentido da História, segundo Et les ressacs et les courants : Je sais le soir, Planche folle, escorté des hippocampes noirs,
Jacques Le Goff, no verbete “His- L’aube exaltée ainsi qu’un peuple de colombes, Quand les juillets faisaient couler à coups de trique
tória”, da Enciclopédia Einaudi, foi Et j’ai vu quelques fois ce que l’homme a cru voir ! Les cieux ultramarins aux ardents entonnoirs ;

anunciado, ao menos, em três pers- J’ai vu le soleil bas, taché d’horreurs mystiques, Moi qui tremblais, sentant geindre à cinquante lieues
pectivas: movimentos cíclicos, o fim Illuminant de longs figements violets, Le rut des Béhémots et les Maelstroms épais,
Pareils à des acteurs de drames très-antiques Fileur éternel des immobilités bleues,
da História como perfeição deste Les flots roulant au loin leurs frissons de volets ! Je regrette l’Europe aux anciens parapets !
mundo (a tradição marxista) e o fim
J’ai révé la nuit verte aux neiges éblouies, J’ai vu des archipels sidéraux ! et des îles
da História fora dela (a escrita de Baiser montant aux yeux des mers avec lenteurs, Dont les cieux délirants sont ouverts au vogueur :
Agostinho sobre a cidade de Deus). La circulation des sèves inouïes - Est-ce en ces nuits sans fond que tu dors et t’exiles,
Hegel, pouco receptivo aos “his- Et l’éveil jaune et bleu des phosphores chanteurs ! Million d’oiseaux d’or, ô future vigueur ? -
toriadores de ofício”, como o de- J’ai suivi, des mois pleins, pareilles aux vacheries Mais, vrai, j’ai trop pleuré ! Les Aubes sont navrantes.
clara nas Lições sobre a Filosofia Hystériques, la houle à l’assaut des récifs, Toute lune est atroce et tout soleil amer :
Sans songer que les pieds lumineux des Maries L’âcre amour m’a gonflé de torpeurs enivrantes.
da História, falou filosoficamente
Pussent forcer le mufle aux Océans poussifs ! O que ma quille éclate ! O que j’aille à la mer !
também num reconhecimento recí-
J’ai heurté, savez-vous, d’incroyables Florides Si je désire une eau d’Europe, c’est la flache
proco entre os homens, expresso Mêlant aux fleurs des yeux des panthères à peaux Noire et froide où vers le crépuscule embaumé
no mito do combate original, que D’hommes ! Des arcs-en-ciel tendus comme des brides Un enfant accroupi plein de tristesses, lâche
resultara na definição dos papéis Sous l’horizon des mers, à de glauques troupeaux ! Un bateau frêle comme un papillon de mai.
de senhor (quem ousou colocar a J’ai vu fermenter les marais énormes, nasses Je ne puis plus, baigné de vos langueurs, ô lames,
vida em risco e venceu) e escravo Où pourrit dans les joncs tout un Léviathan ! Enlever leurs sillages aux porteurs de cotons,
Des écroulement d’eau au milieu des bonacees, Ni traverser l’orgueil des drapeaux et des flammes,
(aquele que, derrotado, procurou
Et les lointains vers les gouffres cataractant ! Ni nager sous les yeux horribles des pontons.
preservar a vida, submetendo-se ao

25
Dezembro 2001 Revista Adusp
vencedor), tema presente na Feno- do Método). Ele adverte, todavia, pa- material pelos homens, marcada pe-
menologia do Espírito. ra o grande peso, naquele fazer, das la desigualdade social, a partir da
Rimbaud, no espaço poético, re- circunstâncias encontradas, legado propriedade dos meios de produção,
feriu-se ao convívio diuturno do bar- de um passado, “tradição de todas as que garante o domínio sobre os des-
co-homem com “vitiminhas”, “um gerações mortas (que) oprime como possuídos, e de outras faces da luta
corpo (que) afunda” e “Afogados”, um pesadelo o cérebro dos vivos”. de classes. Essa reflexão significa,
faces da própria condição daquela A grande leitura benjaminiana portanto, um permanente balanço
nave, a certa indiferença em relação desse tema de Marx, à luz da Poesia, sobre relações de poder, intermedia-
aos seres-mercadorias que transpor- no texto antes indicado, citando ou das pela coerção física e pelo con-
tara e à perda final na disputa com glosando os poetas Stephen George, vencimento ideológico. A superação
outros barcos (a impotência para “Se Bertolt Brecht e Charles Baudelaire, de tal quadro parte de potencialida-
juntar a esses barcos (...), / e (..) tras- transfigurou tais imagens na figura des materiais da produção, identifi-
passar poder (...)”), também identifi- do Anjo da História, apavorado dian- cadas na sociedade capitalista, e da
cável à recusa da exclusiva identida- te das ruínas e dos mortos que o pas- capacidade de luta dos setores so-
de utilitária e de um rotineiro itinerá- sado oferece como espetáculo. ciais ali explorados, como se observa
rio, na interpretação de Bernard. A Tanto em Marx como em Benja- em muitos exemplos de História, co-
deriva poética desaguou num mundo min, a História jamais se reduz ao letânea de textos de ambos, organi-
de alternância entre coisas e pessoas, zada por Florestan Fernandes.
perigosamente próximo da indife- Contemporâneo de Marx/Engels
Em vários poemas,
renciação ou mesmo da preponde- e tão diferente deles em tantos aspec-
rância das primeiras, sem perder a Rimbaud desafiou tos, Nietzsche criticou a democracia
vontade de diferença, culminando moderna como vitória de uma moral
com o espectro da morte. os poderes que da acomodação, tributária do Cristia-
A História que se apresenta nes- nismo, essa religião de escravos. Suas
se poema configura um ciclo de vida derrotaram a análises sobre a materialidade dos
e morte, onde o barco é feito (“Rios poderes opuseram à piedade cristã
me liberaram”) mas também se faz Comuna de Paris diante dos pobres uma visão das re-
(“escolher fluxo e vez”). Essa dupla lações sociais como enfrentamento
condição — ser feito e se fazer — passado, remetendo, pelo contrário, de forças. Na Genealogia da Moral,
pode ser posta em paralelo com uma para as relações presente/passado e ursos adoram comer tenros carneiros,
reflexão inicial de Marx, no texto “O sua superação. “O Dezoito Brumá- donde o bem significar, para os pri-
Dezoito Brumário”: “Os homens rio” é claro exemplo dessas articu- meiros (fortes), o exercício de seu
fazem sua própria história, mas não lações, interferindo no presente da poder, apreendido como mal pelos
a fazem como querem; não a fazem ditadura imperial de Luís Bonapar- outros (fracos) — daí, a moral do res-
sob circunstâncias de sua escolha e te e do poder burguês que ela repre- sentimento destes.
sim sob aquelas com que se defron- sentou. Em sentido paralelo, muitas A única possibilidade de os car-
tam diretamente, legadas e transmi- décadas depois, “Sobre o Conceito neiros mudarem aquele quadro se-
tidas pelo passado”. de História”, de Benjamin, faria um ria, livres de pastores (como no po-
Se Marx apenas afirmasse a Histó- balanço de derrotas operárias (a as- ema “Bois Dormindo”, de Zila Ma-
ria como livre fazer, seu pensamento cendência social-democrata sobre mede, inspirado no conto “Conversa
estaria no pleno reino do voluntaris- seus movimentos, o mito historicista de Bois”, de João Guimarães Rosa:
mo, associado a certa reatualização do puro passado, a ascensão nazi- “e ausentes de limites e porteiras/
do cogito cartesiano, numa espécie de fascista), visando a ultrapassá-las. arquitetassem sonhos [sem cur-
“Faço História, logo existo” (paralelo Para Marx e Engels, falar em His- rais]”), tornarem-se mais fortes que
ao “Penso, logo existo”, do Discurso tória é pensar na produção da vida os ursos! — mas não era essa a prio-

26
Revista Adusp Dezembro 2001
ridade para o filósofo alemão. para uma reflexão sobre a intensa nha autoria. Dedico-o a Luís
A incapacidade da Mãe de Cristo presença de seus valores num mun- Carlos Guimarães, poeta e tra-
dutor de Rimbaud, que mor-
para deter a “potência do mar” de- do que anunciou instituições políti- reu em Natal, RN, no dia
monstra a distância entre a escrita de cas leigas e passou a reivindicar a 21.5.2001.
Rimbaud e a referida religião de es- dimensão humana de seus fazeres.
cravos: o “Poema do Mar” se revela Aludir a Marx/Engels e Nietzsche Referências bibliográficas
AGOSTINHO – A Cidade de Deus – Contra os Pagãos.
superior ao sagrado cristão, porque num comentário sobre Rimbaud, a Tradução de Oscar Paes Leme. Petrópolis: Vozes, 1991
(Pensamento humano).
mais forte; o mundo de “O Barco História e a Comuna de Paris não ARENDT, Hannah – Entre o Passado e o Futuro. Tradução
de Mauro W. Barbosa de Almeida. São Paulo: Perspec-
Bêbado” é composto por relações significa equiparar seus projetos, tão tiva, 1972 (Debates).
ARISTÓTELES – Poética. Tradução de José Américo Mot-
entre forças materiais, marcadas por diferenciados, nem procurar “influ- ta Pessanha. São Paulo: Abril, 1984 (Pensadores).
AUERBACH, E. – Mimesis – A Representação da Realidade
arranjos que, todavia, podem sur- ências”, pouquíssimo prováveis. Tra- na Literatura Ocidental. Tradução de George Bernard
preender, como o percevejo que ar- ta-se de um convite a pensar sobre Sperber. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1971.
BENJAMIN, Walter - “Sobre o Conceito de História”, in:
rasa “grandes serpentes”. A visão construções críticas da História, a Magia e Técnica, Arte e Política. Tradução de Sérgio Pau-
lo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1985, pp 222/232.
dos mortos não suscita piedade no partir de propostas políticas e tex- DESCARTES, René – “Discurso do Método”, in: – Discurso
do Método e Outros Textos. Tradução de J. Guinsburg e
barco, inclusive porque assume certo tuais díspares, que possuem em co- Bento Prado Jr.. São Paulo: Abril, sem data, pp 33/79
caráter antecipador em relação ao mum a dureza com o mundo existen- (Pensadores – XV).
ENGELS, Friedrich – Do Socialismo Utópico ao Socialismo
desfecho de seu percurso, desprovi- te e a vontade de vê-lo explodir. Científico. Tradução de João Abel. Lisboa: Estampa,
1971 (Teoria – 6).
do de auto-condescendência. Rimbaud e seu barco desafiaram LE GOFF, Jacques – “História”, in: LE GOFF, Jacques, et
al. – Memória/História. Tradução de Bernardo Leitão
Marx e Engels caracterizaram a poderes. O poeta também o fez, e et al. Porto: Casa da Moeda, 1984, pp 158/260 (Enciclo-
pédia Einaudi – 1).
História pela luta de classes. O fim intensamente, nas provocações aos GUIMARÃES ROSA, João - “Conversa de Bois”, in: Saga-
dessa luta, com o sucesso revolucio- que derrotaram a Comuna de Paris, rana. 14ª ed., Rio de Janeiro: José Olympio, sem data,
pp 287/323.
nário, significaria criar uma outra si- nos poemas “Canto de Guerra Pa- HALÉVY, Daniel – Nietzsche. Sem indicação de tradutor.
Porto: Inova, sem data.
tuação, que os dois rigorosos críticos risiense”, “As Mãos de Jeanne-Ma- HARTOG, François – O Espelho de Heródoto. Tradução de
Jacyntho Lins Brandão. Belo Horizonte: UFMG, 1999.
dos utopistas — no Manifesto Comu- rie” e “A Orgia Parisiense ou Paris HEGEL, Georg. W. - Fenomenologia do Espírito. Tradução
de Paulo Meneses e Karl-Heinz Efken. Petrópolis:
nista, de ambos, e em Do Socialismo se Repovoa”, cantando a altivez dos Vozes, 1992 (Pensamento humano).
Utópico ao Socialismo Científico, de vencidos, muito mais que vencidos. IDEM – Lecciones sobre la Filosofia de la História. Tradução
de José Gaos. Madri: Alianza, 1985.
Engels — trataram de não antecipar A Comuna de Paris, mesmo na MAMEDE, Zila – “Bois Dormindo”, in: Navegos. Belo
Horizonte: Vega, 1978, p. 109.
em maiores detalhes. Pode-se aven- condição de barco que trema qual MARX, Karl – “O Dezoito Brumário”, in: O Dezoito Bru-
mário e Cartas a Kugelman. Tradução de Leandro Kon-
tar, entretanto, que, na perspectiva borboleta em maio, foi um ensaio der e Renato Guimarães. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
dos dois, a História como luta de clas- daquela explosão, em sua vida curta 1997, pp 9/159.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich – História. Tradução
ses se encerraria numa transformação mas cheia de belezas próprias, lon- de Florestan Fernandes et al. São Paulo: Ática, 1988
(Grandes Cientistas Sociais – 36).
radical das relações entre os homens. ge da perfeição deste mundo e es- IDEM - Manifesto do Partido Comunista. Sem indicação de
tradução. São Paulo: Novos Rumos, 1986.
Nietzsche evoca a morte de Deus boçando a superação de graves im- IDEM - Sobre Literatura e Arte. Tradução de Albano Lima.
Lisboa, Estampa, 1974 (Teoria - 7)
como acontecimento complexo e perfeições nele existentes. Rimbaud MEYER, Augusto – “Le Bateau Ivre” – Análise e Interpreta-
mesmo traumático: “Nós o mata- reconfigurou essa ousadia da Co- ção. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1955.
NIETZSCHE, Friedrich – Genealogia da Moral. Tradução
mos – vocês e eu. (...) Como conse- muna no seu mundo de palavras e de Paulo César de Souza. São Paulo: Brasiliense,
IDEM – Obra Incompleta. Tradução de Rubens Rodrigues
guimos beber inteiramente o mar? outras ações tão radicais, falando de Torres Filho. São Paulo: Abril, 1974 (Pensadores –
XXXII).
(...) Não deveríamos nós mesmos poesia — quer dizer, de tudo. PESSOA, Fernando (Álvaro de Campos) – “Pecado Origi-
nal”, in:. Poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1968, p. 105
nos tornar deuses, para ao menos
Nota do Autor. Este texto é parte (Nossos Clássicos – 1).
parecer dignos dele?” (“A Morte de comunicação apresentada PLATÃO - A República. Tradução de Carlos Alberto Nunes.
Belém: UFPA, 1988.
de Deus”, § 125 de A Gaia Ciência, na mesa-redonda “Os Inte- RIMBAUD, Arthur – Oeuvres. Sommaire biographique,
introduction, notices, relevé de variantes et notes par
editado como apêndice na edição lectuais e a Comuna de Pa- Suzanne Bernard. Paris: Garnier, 1960.
ris”, durante o Seminário “130 IDEM - Oeuvres Complètes. Éd. Établie, presentée et anno-
brasileira de Genealogia da Moral).
Anos da Comuna de Paris” tée par Antoine Adam. Paris: Gallimard, 1983.
Sem retomar a tradição cristã, que (FFLCH/USP, 22 a 25.5.2001).
VICO, Giambatista – Princípios de uma Ciência Nova. Tra-
dução de Antonio Lázaro de Almeida Prado. São Pau-
tanto criticou, Nietzsche contribui A tradução do poema é de mi- lo: Abril, 1984 (Pensadores).

27
Dezembro 2001 Revista Adusp

FELIZ ANO VELHO


Bia Barbosa
Jornalista

Fotos: Daniel Garcia

Novo Reitor toma posse, declara vitoriosa


a gestão anterior e sinaliza perspectivas
de mais quatro anos de conservadorismo na USP.
O colégio eleitoral restrito e o governador
fixaram-se no nome do professor Adolpho Melfi. A
escolha paritária, exercício democrático registrado na
imagem acima, foi ignorada pelo sistema
28
N
Revista Adusp Dezembro 2001
o dia 23 de novem- clima de festa para 245 eleitores de países do Primeiro Mundo. Em
bro, o novo Reitor to- dentro da Reitoria, do lado de fora sua maioria, elas não adotam um
mou posse e deu iní- 150 estudantes se manifestavam modelo de eleição para Reitor por
cio aos trabalhos da contra o formato das eleições e pe- via do voto direto e paritário. Mas
gestão que, como afir- diam por diretas para Reitor. Em Francisco Miraglia, professor titu-
mou, deve manter al- assembléia, eles haviam decidido lar do IME que fez pós-graduação
guns programas da administração que os representantes discentes nos na Universidade de Oxford, na In-
Marcovitch, a qual considera vito- conselhos não participariam do glaterra, conta que até hoje partici-
riosa. O ex-vice-reitor, agora autori- processo, por considerá-lo anti-de- pa das votações da escola, envian-
dade máxima da USP, teve o nome mocrático. “Tínhamos duas opções: do seu voto pelo correio.
confirmado pelo governador Ge- entrar e votar nulo e não votar”, As vozes da USP têm sido sufo-
raldo Alckmin três dias depois da explica Rodrigo Suñer, estudante cadas desde a elaboração do novo
votação final no colégio eleitoral, de Ciências Sociais e um dos co- Estatuto da USP, em 1988. Depois
que o colocou na cabeça da lista ordenadores do Diretório Central de sua aprovação, as consultas à
tríplice. comunidade por ocasião das su-
O professor da Escola Superior cessões na Reitoria não mais acon-
de Agronomia Luis de Queirós divi- O sistema eleitoral da teceram. Até outubro de 2001. Na
diu os louros com os professores Er- semana anterior ao primeiro tur-
ney Plessman de Camargo, do Insti- USP pode ser definido no oficial, Adusp, Sintusp, APG e
tuto de Ciências Biomédicas, e An- DCE promoveram a Escolha Pari-
tonio Marcos Massola, diretor da nos bastidores e de tária do Reitor, marcando a volta
Escola Politécnica, que apareceram da participação efetiva de profes-
respectivamente em segundo e ter-
forma alguma coloca sores, alunos e funcionários nas
ceiro lugares na lista resultante do eleições.
em risco a oligarquia
segundo turno de votação. Votaram 6.399 membros da co-
Foram necessários três escrutí- da universidade munidade da USP — e o profes-
nios para que a relação se estabele- sor Jair Borin, chefe do Departa-
cesse. Nas duas primeiras votações mento de Jornalismo da Escola
o professor Melfi não conseguiu a dos Estudantes. “Optamos por dei- de Comunicações e Artes e mem-
maioria simples necessária. Na ter- xar claro que nosso descontenta- bro do Conselho Editorial da Re-
ceira, recebeu 145 votos. O profes- mento era com o processo, e não vista Adusp, venceu com 3.334
sor Plessman obteve 107 votos, e com os candidatos”. votos, seguido pelos professores
o professor Massola, 85. O resulta- Eleições diretas do Reitor são Massola e Ada Pellegrini. O pro-
do não surpreendeu: afinal, o vice- uma antiga bandeira da comunida- fessor Borin obteve 44,15% dos
reitor já aparecia como favorito no de acadêmica, renovada pelo VI votos válidos. O objetivo da Es-
resultado da votação do primeiro Congresso de Estudantes (2000) e colha Paritária do Reitor, além
turno. Mas a composição da lista pelo IV Congresso da USP (2001). de lutar pela democracia na uni-
diferiu. A pró-reitora de Gradua- O objetivo é garantir que todas as versidade com a eleição de um
ção, professora Ada Pellegrini, que vozes da USP sejam ouvidas num representante de toda a comuni-
havia sido a segunda mais votada processo cuja decisão é de interes- dade, foi despertar a consciência
no primeiro turno, atrás do profes- se direto de todos. O professor Jac- da importância da interação polí-
sor Melfi apenas 24 votos, ficou de ques Marcovitch, então reitor, pro- tica no meio acadêmico, que vem
fora e amargou um quinto lugar no nunciou-se contrariamente às elei- sendo desestimulada pela atual
segundo turno. ções diretas, mostrando uma pes- estrutura de poder da USP.
Enquanto a votação seguia em quisa que fez com 28 universidades Uma estrutura que sequer con-

29
Dezembro 2001 Revista Adusp
sidera o resultado da Escolha Pa-
ritária. No resultado final do pro-
cesso institucional de escolha do
Reitor, o professor Borin ficou em
sétimo lugar e a história se repetiu
mais uma vez. Em 1981, o pro-
fessor Dalmo Dallari obteve 18
mil votos paritários, mas não cons-
tou na lista tríplice que chegou
às mãos do governador. Em 1985,
a votação paritária apontou Gui-
lherme Rodrigues, Dalmo Dallari
e José Goldemberg. Na lista en-
viada para o governador Montoro,
produto do colégio eleitoral, apa-
receu apenas o último.
Tamanha divergência em rela-
ção aos anseios da comunidade só O reitor Adolpho Melfi
é possível num sistema de eleição
como o da USP, que pode ser defi- CO e dos quatro conselhos cen- e pode mudar completamente o re-
nido previamente nos bastidores trais: 280 pessoas. sultado do primeiro turno. Na se-
e que de forma alguma coloca em Mesmo dentro da categoria dos gunda etapa do processo, o vice-
risco a oligarquia da universidade. docentes, a maioria quase que abso- reitor contou com apoio do pró-rei-
A maioria dos candidatos que par- luta dos eleitores é constituída por tor de Pesquisa, professor Hernan
ticiparam da recente sucessão do professores titula- Chaimovich, tam-
Reitor não era de marinheiros de res, prova de que bém candidato, e
primeira viagem. Esta era a tercei- o processo insti- Na Unesp e Unicamp, o professor Mas-
ra candidatura do professor Ples- tucional de elei- sola, com o apoio
sman, e a segunda, por exemplo, ção do Reitor da todos os professores, do professor Ples-
dos professores Melfi, Massola e USP está distante sman. Mas todos
Gil da Costa Marques. de ser um exercí- estudantes e afirmaram que
No processo eleitoral institu- cio de democra- não houve troca
funcionários têm direito
cional da USP, 98% dos interes- cia. “Esse tipo de de favores e car-
sados são excluídos da votação. colégio dá muita gos futuros duran-
a votar na eleição
Este colégio é formado de 86,6% margem ao clien- te o processo.
de professores, 8% de estudantes telismo”, afirma a do Reitor O formato da
e 5,4% de servidores, num total de professora Magda escolha do Reitor
cerca de 1.400 pessoas que com- Carneiro, do ICB, da USP é o mais
põem as congregações e os conse- também candidata a Reitora na su- anti-democrático entre as estaduais
lhos centrais. No segundo turno, o cessão recém ocorrida. “Ali, perpe- paulistas. Os estatutos da Unicamp
eleitorado é ainda mais reduzido tuam-se as equipes de dirigentes, e da Unesp definem que todos os
e chega a 0,4% da comunidade, na que durante suas gestões indicaram professores, estudantes e funcioná-
proporção de 85% de professores, pessoas, liberaram verbas e cargos.” rios têm direito a voto para eleger o
14% de alunos e 1% de servidores. Este nível de comprometimento in- dirigente máximo da universidade.
Ali, só votam os integrantes do terfere no resultado das eleições Na Unicamp, o peso dos votos de

30
Revista Adusp Dezembro 2001

DENTRO DO “CASTELO MEDIEVAL”


A Reitoria ganhou o apelido depois de colocar intimidantes grades
em uma de suas entradas. Entrar lá para fazer a cobertura do segundo
turno das eleições não foi fácil. Mas eu mal sabia o que me esperava
lá dentro... Um exército de seguranças aguardava na porta. Com a
credencial de imprensa, consegui passar a catraca. Comecei meu traba-
lho perguntando para o chefe da segurança o número de homens que
trabalhavam naquela tarde. Quando soube que era da Revista Adusp,
não me respondeu e me mandou procurar o assessor de imprensa da
USP. Antes de encontrá-lo, aproximei-me do professor Walter Colli,
presidente da comissão eleitoral, que naquele momento dava entrevista
para a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde.
A cena repetiu-se: ao escutar minha primeira pergunta, o professor
Colli quis saber “de onde” eu era, e ao ouvir o nome da revista, disse:
“Preciso tomar cuidado com você, então”. Respondi afirmando que tra-
Professor Jair Borin balhava com a mesma ética que meus colegas de profissão ali presentes.
“Mas a sua revista, não”, retrucou Colli. O prêmio do dia foi o professor
cada categoria segue a proporção convidar apenas os jornalistas das publicações da grande imprensa a
de 60%, 20% e 20%. Na Unesp, é acompanharem a apuração do lado de dentro do CO. A Revista Adusp
de 70%, 15% e 15%. Antes da LDB, não era bem-vinda. Reclamando, consegui entrar. (Bia Barbosa)
de 1996, as eleições na Unesp eram
paritárias. Hoje, seguem o que está a universidade. Não houve qual- Se depender das instâncias de
previsto em lei para as universida- quer menção sobre o fato nas pá- decisão da universidade e de sua
des federais brasileiras. ginas do jornal. vontade de acabar com o conserva-
A falta de democracia na USP Nos quatro anos do professor dorismo na USP, serão mais qua-
é tão grande que uma simples re- Marcovitch à frente da USP, atitu- tro anos de mãos atadas. Na reu-
portagem do Jornal do Campus, des deste tipo foram freqüentes. nião de 4 de setembro do CO, a
enfocando exatamente as eleições A Reitoria está processando admi- proposta da Congregação do IME
nas estaduais paulistas, foi motivo nistrativamente nove estudantes de eliminação da lista tríplice na
para que o reitor Jacques Marco- que participaram da ocupação eleição de diretores e vice-dire-
vitch chamasse o orientador da pu- do Conselho Universitário (CO), tores de unidade perdeu por 47
blicação, professor José Coelho quando seria votada a regulamen- votos a 32. “Tenho a impressão
Sobrinho, para uma conversa em tação das fundações. Uma resolu- de que os quatro anos da próxima
seu gabinete. “Ele disse que não ção aprovada no CO acaba de ins- gestão serão difíceis”, avalia a pro-
estava satisfeito com a reportagem tituir a pena de exclusão da univer- fessora Pellegrini. “Vejo poucas
porque tínhamos atacado direta- sidade para quem organizar mani- pessoas dispostas a administrar
mente o Estatuto da USP e que festações que possam perturbar o conflitos e qualquer vontade polí-
isso traria danos para a univer- processo eleitoral. Para quê liber- tica de mudança encontrará muita
sidade”, conta o repórter Julián dade de expressão? “Deveríamos resistência”. A propósito: o pro-
Fuks, um dos autores da matéria. fazer uma mobilização muito forte fessor Melfi não encontrou espaço
A intenção da reportagem era jus- dentro da universidade, cobrando em sua agenda para falar à Re-
tamente provocar uma discussão mudanças na estrutura de poder da vista Adusp. Preparem-se. A era
que resultasse em melhorias para USP”, reage o professor Borin. Melfi já começou.

31
Dezembro 2001 Revista Adusp

TERCEIRA PARTE
ÍNDICE DA 3ª PARTE
DEBATE
34 USP e fundações: há saída para o impasse? • Laerte Idal Sznelwar e Mauro Zilbovicius
38 Fundações (e organizações assemelhadas) • José Maria Pacheco de Souza
41 Fundações de apoio à USP: pelo diálogo e pelo consenso • Iran Siqueira Lima
47 Fundações de direito privado nas áreas universitária e da saúde • Vicente Amato Neto
PANORAMA GERAL DAS FUNDAÇÕES NAS MEDICINAS
52 Fundações, filantropia, USP e saúde pública
53 A dupla porta na vida do HC
FUNDAÇÃO FACULDADE DE MEDICINA
54 Atuação da FFM gera distorções na Faculdade de Medicina e HC
67 Faculdade de Medicina e FFM rompem isonomia salarial na USP
68 As tabelas de premiação por desempenho da FMUSP
73 A controvertida compra do imóvel da Febem
76 Entrevista com Sandra Papaiz, diretora-geral da FFM
FUNDAÇÃO CRIANÇA
79 Os planos frustrados da Fundação Criança
81 Equipamentos de última geração... e crianças dormindo no corredor
FUNDAÇÃO ZERBINI
84 Fundação Zerbini procura superar turbulência financeira
91 Descoberta científica, joint-venture e lucros. Eis a iCell Corporation
93 Entrevista com Fernando Menezes, presidente da Fundação Zerbini
98 Fisics, a empresa que causa espanto
99 Entrevista com o professor José Franchini Ramires
PEQUENAS FUNDAÇÕES
103 Medicina e HC revelam-se “berçários” de fundações e similares
107 O mapa das pequenas fundações e centros de estudos da FMUSP
FUNDAÇÃO DE APOIO AO HCFMRP
108 Faepa controla HC de Ribeirão Preto e verbas do SUS
114 Entrevista com o professor Benedito Maciel, diretor da Faepa
FUNDAÇÃO PARA INCREMENTO DA PESQUISA
117 Acusada de concorrência desleal, Fipai vence em duas instâncias
FUNDAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DA ENGENHARIA
121 FDTE gera total de R$ 10 milhões para docentes em 2000
FUNDAÇÃO INSTITUTO DE ADMINISTRAÇÃO
125 CPI de Limeira vê irregularidades em contrato entre FIA e Prefeitura
FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS CONTÁBEIS E ATUARIAIS
127 CPI investiga atuação da Fipecafi na privatização do Banespa
A CODAGE E OS REPASSES DAS FUNDAÇÕES PARA A USP
130 Gota d’água no oceano

32
Revista Adusp Dezembro 2001

CONCLUI DOSSIÊ

A
publicação, na presente edição, da terceira parte do dossiê sobre
as fundações privadas ligadas à USP comporta três conjuntos de
textos, com os quais a Revista Adusp encerra a tarefa que se propôs,
de investigar a atuação dessas entidades e subsidiar, com dados
confiáveis, o debate sobre o tema.

O primeiro desses conjuntos é constituído por uma rodada final de artigos,


para que o debate possa aprofundar-se. São quatro artigos, de professores
da Escola Politécnica, Faculdade de Saúde Pública, Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade, Faculdade de Medicina. Dos cinco autores,
três exercem cargos em fundações privadas.

Extenso, o segundo conjunto reúne as reportagens sobre as fundações


que atuam junto às faculdades de Medicina da USP de São Paulo e de
Ribeirão Preto. Por suas dimensões e importância, a Fundação Faculdade
de Medicina, a Fundação Zerbini e também a Faepa receberam atenção
especial.

São retratadas, ainda, a Fundação Criança (raro caso de fundação privada


frustrada nos seus planos de crescimento) e a Fundação Otorrinolaringologia.
Os centros de estudos vinculados ao Hospital das Clínicas ou à Faculdade de
Medicina da USP também são objeto de matéria.

O terceiro e último conjunto aborda diferentes questões, como a situação


singular de fundações como a FIA e a Fipecafi, tornadas alvo de comissões
parlamentares de inquérito; as controvérsias que envolvem a Fipai, de São
Carlos; a atuação da FDTE; e por fim os números da Reitoria relativos aos
repasses das fundações para a USP.

O debate sobre o tema continua intenso, como o prova a realização, no


dia 21 de novembro, da audiência pública sobre as fundações universitárias,
convocada pela Comissão de Educação da Assembléia Legislativa de São
Paulo. Compareceram à audiência o presidente do Tribunal de Contas do
Estado, representantes das reitorias, diretores das fundações e de entidades
estudantis e de docentes. À Adusp, na pessoa do seu presidente, professor
Ciro Correia, coube fazer a explanação inicial.

33
Dezembro 2001 Revista Adusp

USP E FUNDAÇÕES: HÁ
Laerte Idal Snelwar
Docentes do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica

Seria possível encontrar uma solução que permita


utilizar as Fundações para captação de recursos
para a USP e seus docentes, ao mesmo tempo em
que se evita a apropriação privada do patrimônio
público, contribuindo para a melhoria do ensino e
da pesquisa, sem submeter estes últimos à lógica
de mercado? Este desafio requer rejeitar a defesa
incondicional das Fundações tal como hoje operam
e também reconhecer que a Universidade não pode
ignorar o fato de que detém
“produtos” que o “mercado” está
disposto a comprar

34
Revista Adusp Dezembro 2001

SAÍDA PARA O IMPASSE?


e Mauro Zilbovicius
da USP e membros do Conselho Curador da Fundação Carlos Alberto Vanzolini

A
relação entre a USP para a melhoria do ensino e da pes- vagem, se a Universidade não as-
e as chamadas Funda- quisa, sem submeter estes últimos à sumir o controle de um processo
ções “de apoio” tem lógica de mercado? que é impossível ignorar, porque
estado nos últimos me- Este é um desafio para a Univer- oriundo das relações sociais e eco-
ses na pauta de todas sidade, que requer rejeitar a defesa nômicas vigentes na sociedade da
as discussões a respei- incondicional das Fundações tal co- qual a Universidade faz parte.
to do futuro da Universidade. Resu- mo hoje operam na USP e também Quais são os pontos centrais do
midamente, o debate tem se orienta- reconhecer que a Universidade não problema de relacionamento entre
do em torno de duas posições opos- a Universidade e as Fundações? De
tas: de um lado, a defesa das Fun- início, o problema reside no fato de
dações como instrumento para cap- que, ao lado do ensino e da pesqui-
“Não coibir a
tação de recursos para a USP e para sa, a extensão (“prestação de servi-
seus docentes, de modo mais fle- apropriação ços à comunidade”) é uma das mis-
xível do que permite a legislação sões da Universidade. A extensão
que rege as entidades públicas. De privada da coisa é, porém, mal definida. Além disso,
outro, o ataque às Fundações com abrange algumas atividades pelas
base no argumento de que estas ser- pública pode significar quais a sociedade está disposta e
vem à privatização da Universida- ansiosa por pagar. Mais ainda, es-
de, apropriando-se do nome desta e a renúncia a receitas sas atividades ganham valor quando
interferindo na orientação das ativi- são vendidas com a marca de uma
dades de ensino e pesquisa. de grande monta” Universidade de prestígio, como a
Seria, porém, possível encontrar USP. É legítimo que estas atividades
um espaço de solução que permita sejam vendidas. Mas isso provoca
utilizar as Fundações para a capta- pode ignorar o fato de que detém algumas questões-chave, como: (a)
ção de recursos para a Universidade “produtos” que o “mercado” está o que é aceitável vender com a mar-
(e, por mecanismos claros e transpa- disposto a comprar. Mais que isso, ca da Universidade? Mais do que
rentes, para seus docentes), ao mes- é tão grande a força do mercado uma instituição privada, a Univer-
mo tempo em que se evita a apro- que essas mercadorias serão — co- sidade pública deve zelar pela qua-
priação privada do patrimônio pú- mo vêm sendo — vendidas, de um lidade do que oferece à sociedade
blico, tangível ou não, contribuindo modo ou de outro, de maneira sel- (gratuitamente ou não) associado à

35
Dezembro 2001 Revista Adusp
sua marca — da camiseta à consul- çamento da Universidade, além de Se a Universidade pode manter sua
toria, a Universidade tem obrigação beirar a prevaricação. independência e autonomia, cum-
de controlar o que a expõe publi- O fato de que o faturamento de prindo suas obrigações constitucio-
camente; (b) quem se apropria da algumas Fundações supera em mui- nais com qualidade e reduzindo (ou
receita gerada? Não se pode ter dú- to o orçamento das unidades a que pelo menos não aumentando) a do-
vidas de que tudo que é passível de estão vinculadas não significa que, tação do Tesouro, tanto melhor.
ser vendido através da Universida- necessariamente, “o rabo balançará O modo como atualmente a ren-
de, em seu nome ou de algum modo o cachorro”. Se isso fosse verdade da gerada é apropriada por Funda-
associado a seu nome é de proprie- sempre, o Estado como um todo ções e docentes é uma das origens
dade desta, e toda a receita deve estaria sempre e totalmente sujeito do problema. Atualmente, grande
ser institucional, nunca de indivídu- ao setor privado, muito maior do parte das Fundações gera fatura-
os vinculados à Universidade; (c) que ele. Se isso tende a ocorrer, a mento com a venda de serviços e re-
a venda de serviços prestados à co- Lei tem o papel de limitar este con- passa esse faturamento a docentes
munidade não pode, em nenhuma trole, e deve fazê-lo com clareza no sob a forma contábil de despesas.
hipótese, comprometer as ativida- Deste modo, a renda gerada pode
des de pesquisa e de ensino. Mais ser apropriada em grande parte por
do que isso, deve prover meios para estes, sem limite em termos de vo-
melhorá-las. É obrigação da Uni- “Grande parte das lume e com pouco ou nenhum con-
versidade controlar a realização de trole da dedicação do docente às
atividades de extensão realizada por distorções ‘selvagens’ na suas obrigações com a Universida-
seus docentes e funcionários, para de. A própria lógica do mercado
que estes cumpram suas obrigações atuação das Fundações considera inaceitável para uma em-
contratuais e estatutárias. presa que seus funcionários vendam
Em outras palavras, se a Univer-
decorre da omissão da os produtos da empresa, com sua
sidade, através de seus membros, marca, e apropriem-se dos lucros.
Universidade. O projeto
é capaz de gerar receita através da Neste aspecto, a lógica da instituição
venda de serviços pelos quais enti- enviado ao CO é pífio” privada também vale para a Univer-
dades públicas ou privadas estão sidade. Ao venderem serviços atra-
dispostas a pagar, sujeita à garantia vés de Fundações que se benefi-
da qualidade das atividades de en- ciam de vínculo com a USP, os do-
sino e pesquisa, por que não fazê- caso específico das Universidades centes deveriam operar como do-
lo? E se seus membros vendem es- e das Fundações, através de regula- centes, funcionários da Universida-
tes serviços apropriando-se priva- mentação própria gerada pela Uni- de, e não como pessoas físicas inde-
damente dos benefícios, sem garan- versidade. Além disso, não faz sen- pendentes. Do modo como ocorre
tia de qualidade, comprometendo tido ignorar a possibilidade de cap- hoje, é inegável a utilização, em
suas obrigações como funcionários, tação institucional de recursos que muitos casos, de capital público pa-
mais do que uma possibilidade, é podem se acrescentar à dotação or- ra benefícios privados. Por que es-
obrigação da Universidade estabe- çamentária do Estado para o finan- tes indivíduos não se estabelecem
lecer controles para impedir que ciamento da Universidade, alegan- privadamente no mercado, corren-
isso ocorra. Não estabelecer meca- do-se que isto provocará gradual do todos os riscos do seu empreen-
nismos de controle para coibir a queda desta dotação. Pensar assim dimento? Em geral, porque a vincu-
apropriação privada da coisa pú- é o mesmo que impedir que qual- lação com a Universidade acrescen-
blica pode significar a renúncia a quer empresa pública ou autarquia ta grande valor ao que é vendido.
receitas de grande monta que con- cobrasse por produtos ou serviços, Não é aceitável, apenas para
tribuiriam para o aumento do or- limitando-se suas fontes ao Tesouro. citar um caso típico, que um do-

36
Revista Adusp Dezembro 2001
cente venda um curso qualquer no atividade de extensão, bem como centual limite de seus gastos com
mercado, através de uma Funda- a contribuição da atividade/projeto administração interna em relação às
ção, mencionando o vínculo desta realizado para o ensino e a pesqui- receitas auferidas anualmente (de
com a Universidade, utilizando-se sa. Nos projetos ou atividades sub- maneira análoga à Fapesp).
de dependências da Universidade metidos deverá constar item especí- • As Fundações conveniadas
— fazendo com que o aluno-clien- fico detalhando como será utilizada deverão adaptar seus estatutos de
te sinta-se fazendo um curso “na” a marca da Universidade e de seus modo a prever a transferência de
ou “da” USP — sem aprovação órgãos. excedente acumulado anualmente
formal da Universidade (o que • Todas as atividades realiza- apurado contabilmente para a Uni-
implicaria avaliação de conteúdo, das através de Fundação devem ser versidade, na forma que esta última
qualidade etc.), e receba a maior vinculadas à Universidade, confor- entender conveniente.
parte da receita auferida (ficando me acima. A Fundação não poderá • Todo espaço físico dentro
o que resta com a própria Funda- realizar atividades sem aprovação do campus e de qualquer imóvel da
ção). Muitas vezes, isso se agrava desta última, sob pena de rescisão Universidade somente poderá ser
com o fato de que o professor que imediata do convênio e cessação de ocupado por Fundação mediante
efetivamente ministra o curso nem todos os atos dele decorrentes. formalização de permissão de uso, a
mesmo é docente da Universida- • A remuneração total anual título precário e não oneroso (tendo
de. Mas é perfeitamente possível pela Fundação de prestadores de em vista a contribuição das Funda-
imaginar a realização do mesmo serviços, docentes e não docentes, ções para a Universidade).
curso, ministrado por docente da deve ter limite previamente defini- O controle é possível e necessá-
Universidade, de modo autoriza- do e aprovado pela Universidade. rio. Há espaço de solução para o
do, remunerando-se o docente pe- • A Universidade poderá rea- impasse, garantindo o predomínio
lo serviço realizado, com valores lizar avaliação, a qualquer tempo, da Universidade autônoma e inde-
unitários e limites definidos pela da qualidade dos serviços prestados pendente, sem impedir a realização
Universidade — e não como agen- a terceiros por Fundação. de atividades que podem gerar re-
ciador de terceiros — com o ex- • Os docentes apresentarão re- ceitas para a Universidade e seus
cedente gerado sendo revertido latório anual específico a respeito de docentes. Grande parte das distor-
para esta última. atividades para terceiros realizadas ções “selvagens” que se observam
O instrumento adequado para através de Fundação; a Fundação na atuação das Fundações decorre
avançar na direção do controle das informará, sempre que solicitada pe- da omissão da Universidade em es-
Fundações é o Convênio, em cujos la Universidade, o volume de horas tabelecer este controle. Até o mo-
termos devem constar os compro- previstas e efetivamente trabalhadas mento, não há regulamentação do
missos das Fundações com a Univer- por parte de docentes vinculados a relacionamento entre as duas par-
sidade e o modo como os docentes esta última em projetos realizados tes. O projeto da Reitoria, enviado
podem realizar atividades. Dentre pelas/através de Fundação. ao Conselho Universitário é, no mí-
outros elementos, um convênio ge- • A Fundação será submetida nimo, pífio. Sem dúvida, essa omis-
nérico pode conter elementos como: a auditoria externa independente, são não ocorre por acaso; há mui-
• Toda atividade ou projeto cujo relatório anual deverá ser en- tos interesses na USP que preten-
realizado por Fundação para tercei- caminhado à Universidade. A Fun- dem manter a situação atual. Por
ros, mediante contrato ou qualquer dação assume compromisso de total isso, a rejeição de qualquer regu-
outro instrumento, deve ter aprova- transparência de suas contas peran- lamentação somente reforçará a
ção prévia da Universidade. Para te a Universidade, enviando relató- posição dos poucos que defendem
esta aprovação, a Universidade le- rios contábeis a qualquer tempo, e se beneficiam da apropriação pri-
vará em conta o enquadramento da quando solicitada. vada da Universidade, como de fa-
atividade dentro do que define como • A Fundação terá um per- to vêm fazendo há anos.

37
Dezembro 2001 Revista Adusp

FUNDAÇÕES
(E ORGANIZAÇÕES
ASSEMELHADAS)
José Maria Pacheco de Souza
Professor titular do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública-USP

38
Revista Adusp Dezembro 2001

Os mecanismos reguladores institucionais podem


ser lentos e até arcaicos, mas são conhecidos
e exercidos por toda a comunidade acadêmica,
individualmente ou via colegiados. A perda desses
poderes frente a instituições comandadas por
pequeno grupo de docentes, que legalmente não
precisam prestar contas à USP, é questionável e
destrói o processo de checks and balances inerente
e necessário ao serviço público. Mais correto é
modernizar a máquina administrativa das unidades

A
retirada de pauta da portanto, autonomia em relação à de graduação da Fipecafi é um
proposta de regula- USP. É duvidoso que a USP possa exemplo disso: a desistência, se
mentação das relações regulamentar suas atuações; o que houve, não foi devida a nenhuma
entre as chamadas fun- pode ser feito é apenas balizar seu injunção legal, mas às pressões
dações de apoio e a surgidas após as críticas e estra-
USP foi oportuna, per- nhezas veiculadas nos jornais.
mitindo a real abertura do debate “Algumas fundações Na prática, por ser sociedade
sobre o assunto, incluindo ouvir as civil de direito privado, uma funda-
opiniões dos candidatos a Reitor. possuem sede própria, ção tem condições de funcionar de
Há outras instituições que atuam de forma semelhante a uma empresa,
maneira semelhante, mas, por não o que leva a crer que onde a política e o mando perten-
apresentarem no seu nome a desig- cem a um grupo restrito, os “con-
conseguem recursos
nação fundação (podem se chamar troladores” (ou mesmo a um único
núcleo, centro, associação etc.), pas- e verdadeiro criador-dono-contro-
superiores ao
sam despercebidas. As idéias ex- lador). Não há obrigação legal de
postas no presente artigo são abran- necessário” uma fundação abrir sua contabi-
gentes; todavia, para facilidade de lidade e seus arquivos à USP, no
exposição, usarei genericamente o entanto, por usarem o nome USP
termo fundação. relacionamento com elas, fato re- e terem endereços das unidades,
Sociedade civil de direito pri- conhecido no título da resolução parece que as fundações têm certos
vado. As fundações são socieda- do Conselho Universitário. O pe- privilégios, como isenção de im-
des civis de direito privado e têm, dido de credenciamento do curso postos e vantagens em licitações.

39
Dezembro 2001 Revista Adusp
Captação de recursos. Confun- tritamente necessário para sua ma- Um perigo sempre presente é
de-se captação de recursos com nutenção. Aliás, suplementação sa- o favoritismo na escolha de gru-
administração dos recursos cap- larial, distribuição de cestas básicas pos responsáveis pelos cursos e
tados. Um docente, ao elaborar a funcionários que não os próprios assessorias, bem como na escolha
sua pesquisa, calcula as despesas e outros benefícios só são possíveis de firmas de prestação de servi-
que terá, possivelmente incluindo se existir previsão de saldo positivo ços e de fornecimento de mate-
verba do tipo reserva técnica, e no balanço. A forma de aplicação riais e equipamentos. Pode-se até
vai buscar apoio junto a algum ór- dos recursos do Sistema Único de admitir que as fundações tercei-
gão financiador, público ou priva- Saúde-SUS tem provocado muita rizam suas atividades, sub-contra-
do; isto é captação de recursos. controvérsia. tando a própria USP e seus do-
Os grandes projetos são extensões Cursos, assessorias; competição centes, em um processo kafkiano
desse modelo. com a USP. É possivelmente nessas de meta-privatização.
Se o pesquisador julga que sua áreas que as fundações têm suas A dança do poder. Há risco de
unidade não é suficientemente maiores fontes de rendas. Há pelo docentes de um mesmo grupo faze-
competente e ágil para lidar com a menos duas formas de atuação: rem rodízio de cargos de uma uni-
parte burocrática do projeto (rece- uma, intermediando cursos e asses- dade para alguma fundação “asso-
bimentos, pagamentos, desembara- sorias das Unidades, como parte ciada” e vice-versa, exercendo con-
ço de equipamentos, contabilida- interveniente em convênios, substi- tinuadamente o poder, impondo su-
de, prestação de contas), talvez ele tuindo a administração direta. Ou- as idéias e barrando o aparecimento
possa contratar uma firma despa- tra, também com cursos (em geral de outras lideranças. Como exem-
chante para essas atividades; isto de especialização) e convênios, mas plo, nada impede que um diretor de
é administração dos recursos cap- por conta própria; é interessante unidade, ao encerrar seu mandato,
tados, é o que as fundações até po- notar que a Fipecafi foi bastante passe a ser dirigente de uma funda-
deriam explicitamente se propor ousada (ou atrevida?), ao propor a ção, com seu antigo vice-diretor co-
a fazer. Enquanto o docente não criação do seu próprio curso pago mo novo diretor da unidade e que
cobra para fazer a pesquisa e para de graduação. no período seguinte eles troquem
captar o recurso, e a unidade não Os mecanismos reguladores ins- de posição. Não é proibido ser do-
cobra para administrar o recurso, titucionais formais podem ser, cente executivo de fundação e si-
é evidente que a fundação cobra muitas vezes, lentos e até arcaicos, multaneamente ser diretor de uni-
para fazer a tarefa. mas são conhecidos e exercidos dade ou ter cargo na Reitoria.
Permito-me apresentar dois co- por toda a comunidade acadêmi- Uma é pouco, duas é bom, três
mentários importantes expressos na ca, individualmente ou via colegia- já é demais. A Fuvest e a FUSP, na
reunião com os candidatos a Reitor dos. A perda desses poderes fren- prática, talvez possam ser vistas co-
na Faculdade de Saúde Pública. O te a instituições comandadas por mo braços executivos da Reitoria,
professor Massola foi claro: “Quem pequeno grupo de docentes, que, estando sob um certo controle, em-
capta recurso é o pesquisador, o do- teórica e legalmente, não preci- bora indireto e distante, dos órgãos
cente”. A professora Magda lem- sam prestar contas diretas à USP, colegiados. A discussão no Conse-
brou: “O ICB é unidade com gran- é, no mínimo, questionável, e des- lho Universitário sobre o papel de
de captação de recursos, mas não trói o processo de checks and ba- outras fundações (e organizações
tem nenhuma fundação de apoio”. lances inerente e necessário ao ser- assemelhadas) e suas relações com
Fins não lucrativos. As funda- viço público. Mais correto é mo- a USP dificilmente será isenta de
ções não têm fins lucrativos, porém dernizar a máquina administrativa interesses e paixões, mas espera-se
algumas possuem sede própria, o das unidades; para tanto, é preciso que a decisão a ser tomada fique à
que leva a crer que conseguem uma vontade política mais ação decidi- altura da grandeza e da importância
entrada de recursos superior ao es- da, e não nova legislação. da Universidade de São Paulo.

40
Revista Adusp Dezembro 2001

FUNDAÇÕES DE
APOIO À USP:
PELO DIÁLOGO E
PELO CONSENSO
Iran Siqueira Lima
Presidente da Fundação de Pesquisas Financeiras,
Contábeis e Atuariais- Fipecafi

41
Dezembro 2001 Revista Adusp

Diversos dos objetivos das fundações são também fins


da USP. Não é difícil encontrar legítimos interesses
mútuos e delinear regras que permitam o alcance destes
fins. As bases do relacionamento continuariam sendo
estabelecidas em convênio, cujo objeto poderia ser a
conjugação de esforços para a realização de atividades
de ensino, pesquisa e extensão. Sobre as receitas das
fundações não seria devida qualquer taxa à USP,
ainda quando a execução das atividades envolvesse
docentes, pesquisadores e/ou bens da Universidade. A
USP, entretanto, passaria a participar na definição da
aplicação de parcela dos recursos captados

N
1. Introdução toso que deve prevalecer na USP, mos comentá-las em breves linhas,
ão se pode negar deixaremos de considerar as ma- pois, embora não seja o objetivo
que, em termos pu- nifestações feitas que não passam deste artigo a mera contra-argumen-
ramente numéricos1, de insinuações vazias de qualquer tação, entendemos imprescindíveis
a maioria das opini- os seguintes esclarecimentos:
ões que têm sido tra-
zidas a público sobre “O uso de bens da • O uso de bens da USP pe-
o relacionamento das fundações las fundações é correspondido pelo
de apoio com a USP possui algum USP pelas fundações uso que a USP faz dos bens das
caráter pejorativo2, o que se deve a fundações, bem como pelos demais
entendimentos muitas vezes equi-
é correspondido pelo elementos constantes da legítima e
vocados.3 formal relação de cooperação exis-
uso que a USP faz
Contudo, outras opiniões ou ma- tente;
térias jornalísticas4 publicadas fora dos bens das • As contratações diretas das
do ambiente universitário, embora fundações pela administração pú-
mais curtas, abordaram com maior fundações” blica possuem sólido e indiscutível
imparcialidade a questão das fun- fundamento na lei;7
dações, contribuindo bastante para • As transferências de re-
o debate e o entendimento do as- conteúdo.6 cursos pelas fundações à USP não
sunto.5 Quanto às afirmações dos oposi- podem ser analisadas apenas no
Cabe esclarecer, contudo, que, tores das fundações que contêm um que se refere à transferências fi-
por amor ao debate sério e respei- mínimo de conteúdo inteligível, ire- nanceiras;8

42
Revista Adusp Dezembro 2001
• As fundações não sobrevi- ticas, pois existem posições diver- precária, provisória, relativa. Visão
vem à custa do poder público: além gentes no debate, que não temos do mundo que se reconhece sujeita
da prestação de serviços à iniciativa a pretensão ou a capacidade de a uma evolução permanente, que
privada estar aumentando significa- eliminar. exigirá por isso mesmo uma revisão
tivamente, os “recursos públicos” Algum ceticismo é de impor- constante.” (...).
sempre representam retribuição pe- tância fundamental para pontuar “A natureza mesma de um tal
la prestação de serviços, nos termos divergências, provocar o diálogo empreendimento, que certamente
da lei de licitações; e, na medida do possível, alcançar visa a obtenção de resultados rela-
• A remuneração dos docen- algum consenso, como nos ensina tivamente consensuais, se acomoda
tes pelas fundações também segue o filósofo uspiano Oswaldo Por- sem maior problema ao pluralismo
as regras de mercado, inclusive por chat Pereira: de pontos de vista e de perspectivas
determinação legal. Se alguns re- • “Porque o dogmatismo fenomênicas diferentes. Ao antigo
cebem mais que outros, ou se re- sempre renasce e seus recursos são conflito das verdades se substitui
cebem das fundações enquanto ou- agora o diálogo desses pontos de
tros nada recebem, isto decorre vista e dessas perspectivas.”11 (Gri-
de um dos seguintes motivos: (i) fou-se e sublinhou-se).
o mercado remunera mais alguns
“A prestação de Acreditamos que a solução dos
profissionais que outros, e (ii) al- problemas que envolvem o relacio-
serviços permite que
guns profissionais não querem pres- namento das fundações com a USP,
tar serviços às fundações. Acaso a teoria seja testada como já se passou pelo ceticismo
não existissem as fundações, boa absoluto de cada lado, exige a assi-
parte dos professores que hoje lhes e transformada em milação das questões postas pelo
prestam serviços certamente pres- outro, pois, apenas assim, a Uni-
tariam serviços a (por meio de) em- utilidades práticas, versidade e as fundações, em con-
presas privadas ou prestariam ser- junto, de forma consensual, pode-
viços autônomos;9 e o treinamento rão definir e firmar compromissos
• Caso as fundações não co- de relacionamento capazes de ge-
brassem pelos cursos que ministram, de pessoal” rar resultados positivos para as par-
estes não seriam oferecidos;10 tes envolvidas.
• As fundações não agem ape-
nas como se fossem empresas pri- inexauríveis, o cético reconhece 2. As parcerias e a
vadas: se prestam serviços à co- que sua luta contra ele não tem universidade pública
munidade em geral, também finan- fim, que se deve mobilizar em ca- Não parece existir dissenso acer-
ciam a pesquisa, criam laboratórios, ráter permanente para o uso dia- ca da possibilidade do desenvolvi-
apóiam atividades da USP e propi- lético da argumentação antinômi- mento de parcerias pela Universi-
ciam melhores condições de traba- ca; (...). dade Pública, pois ninguém questio-
lho aos professores. “No entanto parece-nos inegável na a possibilidade de parcerias com
Como o propósito deste artigo é (...) que toda uma ampla perspecti- outras universidades, com as enti-
a busca e o relançamento de idéias va se abre para o pirrônico, a de dades de fomento, com o governo
(esquecidas ou pouco lembradas) tentar uma descrição coerente e sis- ou com o terceiro setor.
e não a mera reprise de argumen- temática de sua (nossa) experiência Ousamos afirmar que apenas as
tos utilizados nos últimos meses, humana do mundo (fenomênico), a parcerias com o setor produtivo pri-
primordial é estabelecermos como de tentar “racionalizar” nossa visão vado é que são criticadas por parte
premissa um correto e saudável do mundo. “Racionalização” que da comunidade universitária.
afastamento das posições dogmá- se reconhece tranqüilamente como Contudo, as parcerias relacio-

43
Dezembro 2001 Revista Adusp
nadas com as áreas de administra- permite que a teoria seja testada sos dos objetivos dessas fundações,
ção, contabilidade e engenharia, e transformada em utilidades práti- para não dizer todos, são também
por exemplo, especialmente com o cas, ou ainda porque referida pres- fins da USP. Assim, ao que nos pa-
setor produtivo do País, são essen- tação de serviços permite o treina- rece, não é difícil encontrar legíti-
ciais para o desenvolvimento des- mento de pessoal. mos interesses mútuos e, a partir
tas ciências. Mas não apenas por isso assim daí, delinear regras que permitam
De outro lado, ainda que por procederam os instituidores das fun- o alcance destes fins.13
motivos puramente pragmáticos, dações. Cientes da “ordem das coi- É de se ressaltar que a realização
deve-se inserir na estratégia da sas” e não apenas conhecedores da das atividades acima, em conjunto
Universidade a busca pelos parcos “ordem das razões”, percebem que pelas fundações e pela USP, nos ter-
recursos disponíveis para a realiza- a plena realização dos objetivos das mos acordados pelas partes, jamais
ção de pesquisas, especialmente fundações depende da obtenção de poderia significar que qualquer das
aqueles decorrentes de novos ins- recursos financeiros que não pode- entidades teria abdicado de alcan-
trumentos de incentivo à pesquisa, çar seus fins, os quais, para ambas,
como se verifica nas áreas de infor- são irrenunciáveis.14
mática e energia elétrica. “Seria desejável que
Ocorre que a Universidade de- 4. Apontamentos para
verá estar preparada para concor- esta discussão um novo modelo de
rer com a iniciativa privada no de- relacionamento da
senvolvimento de projetos de pes- passasse pela criação Universidade com as
quisa aplicada — com cronogra- fundações de apoio
ma, objeto e escopos plenamente de grupo de trabalho Para se eliminar os problemas
definidos — a serem acordados enfrentados pela USP e pelas fun-
com empresas privadas e/ou com com representantes dações em seu relacionamento, pro-
o Governo.12 põe-se o (re)estudo de novos ru-
Por estes motivos é que acre-
de todas as partes mos, conforme idéias gerais abaixo
ditamos na importância das fun- apresentadas.
envolvidas”
dações para a USP, pois elas atu- Considerando os diversos inte-
almente são responsáveis por im- resses comuns existentes, as bases
portante ligação com a comunida- do relacionamento da USP com su-
de externa. riam ser obtidos senão pela presta- as fundações continuariam sendo
ção de serviços. estabelecidas em convênio, cujo ob-
3. As premissas para um Embora qualquer relacionamen- jeto poderia ser a conjugação de es-
relacionamento das fundações to a ser estabelecido pelas funda- forços para a realização de atividades
de apoio com a USP ções com a USP deverá se situar de ensino, pesquisa e extensão que
Da análise dos estatutos de al- dentro dos objetivos dessas fun- representassem objetivos comuns das
gumas fundações que mantêm rela- dações, não se pode dizer que se entidades, com o detalhamento que
cionamento com a USP, verifica-se pretende aqui proteger apenas os cada caso exigir.
que o caráter educacional norteia a objetivos das fundações. Por óbvio Sobre as receitas das funda-
atuação destas entidades. que as finalidades da Universidade ções não seria devida qualquer ta-
Os seus instituidores determina- deverão ser igualmente buscadas. xa à USP, ainda quando a execu-
ram, ainda, que as fundações pres- Em síntese, este relacionamento ção das atividades envolvesse do-
tem serviços que atendam às neces- deverá encontrar respaldo nos obje- centes, pesquisadores e/ou bens
sidades do setor público e do pri- tivos institucionais de ambas entida- da Universidade.
vado, pois a prestação de serviços des. É importante notar que diver- A USP, entretanto, passaria a

44
Revista Adusp Dezembro 2001
participar, formalmente, segundo melhoria do ensino e da pesquisa na tadas durante o citado processo de
critérios também estabelecidos no Universidade. Isto, contudo, tam- audiência pública, a questão esta-
Convênio, na definição da aplicação bém não será a solução. ria em condições de ser apreciada
de parcela dos recursos captados Diante deste quadro, entende- pelo colendo Conselho Universitá-
nas atividades remuneradas15. mos que a USP não pode ser reflexo rio, onde certamente ocorreria um
Regras específicas para a execu- do mercado, nem permitir e aceitar debate de alto nível e relevante in-
ção de atividades das fundações que que desequilíbrios irrazoáveis entre teresse, a ser encerrado pela plena
contassem com a participação de as unidades e, principalmente, en- expressão da garantia de autono-
docentes da USP também poderiam tre seus docentes, sejam justificados mia universitária.
ser definidas. com base em regras de mercado, Sendo estas as considerações
Critérios objetivos para o uso de inaplicáveis à Universidade. que gostaríamos de apresentar, en-
bens e recursos de uma parte pela Certamente a solução não deve cerramos com nossa única certe-
outra, para utilização e divulgação passar pela simples repulsa à capta- za: com diálogo transparente te-
do nome da Universidade ou de su- ção de recursos externos, contudo. mos de alcançar um consenso no
as Unidades pelas fundações, para O que se deveria é maximizar assunto fundações de apoio, para
promoção dos trabalhos conjuntos, os recursos disponíveis e, simul- voltarmos a concentrar nossos me-
para definição da propriedade sobre taneamente, discutir as regras de lhores esforços unicamente no pro-
laboratórios e outros bens adquiri- repartição destes na Universida- gresso da ciência e da educação
dos ao abrigo do Convênio seriam de, incluindo aqueles oriundos das em nosso País.
de grande valia. fundações, que deveriam ser con-
siderados na elaboração do orça- Notas
5. Considerações finais mento da USP.
1 Principalmente em função do gran-
O que se apresentou acima não Finalizando, cumpre-nos reafir- de número de páginas utilizadas
é a solução para os problemas da mar que as controvérsias devem ser por esta Revista Adusp para tratar
Universidade: não soluciona a falta liberadas de seus abrigos, pois ape- deste assunto.
de recursos para pesquisa; não au- nas assim poderemos destruir nossos
2 “Dossiê Fundações”. Revista Adusp,
menta a remuneração dos docentes; dogmas, aprender a conviver com
setembro/ 2001, págs. 41 a 81.
não conserta os prédios das Unida- algumas divergências e alcançar um
des da USP. relativo consenso. 3 As fundações de apoio utilizam-se
As fundações não atendem as Para tanto, seria desejável que es- de bens móveis e imóveis da USP;
a maioria dos contratos celebra-
necessidades de todas as unidades ta discussão passasse pela criação de
dos com as fundações pelos ór-
da USP, pois, na verdade, ainda grupo de trabalho com representan-
gãos públicos não são precedidos
quando prestam serviços ao gover- tes de todas as partes envolvidas,16 de licitação; os recursos transferi-
no, consistem no braço de merca- com prazo determinado de dura- dos pelas fundações à USP são
do da USP. Desta forma, sempre ção,17 que elaboraria proposta de mínimos; as fundações de apoio
existirão unidades “favorecidas” regulamentação para disciplinar o sobrevivem às custas do poder pú-
pelos setores produtivo e governa- relacionamento da USP com suas blico; as fundações de apoio cau-
mental e unidades que não conse- fundações de apoio. sam desigualdade entre docentes
das universidades públicas, pois
guem captar recursos extra-orça- A proposta seria colocada em
remuneram uma parte deles, en-
mentários. processo de audiência pública, com quanto que outra parte permane-
Com relação a isso não se pode ampla divulgação e recebimento de ce apenas com a parca remune-
fazer muita coisa, embora um re- sugestões por meio de site exclusivo ração da Universidade; as funda-
lacionamento maior entre as Uni- na internet, por pelo menos 30 dias. ções de apoio cobram pelos cur-
dades pudesse amenizar este pro- Após serem incorporadas à pro- sos que ministram; as fundações
blema, além de contribuir para a posta inicial as sugestões apresen- atuam como se fossem empresas

45
Dezembro 2001 Revista Adusp

privadas e as fundações de apoio relatório de sua autoria citado dade exterior, especialmente pela
representam a privatização da pela Revista Adusp. publicação de trabalhos científi-
universidade pública, em nosso cos; a extensão, pela prestação de
8 Os benefícios, muitas vezes
entendimento, são exemplos de serviços técnicos especializados,
são in natura ou diretamente
equívocos. pela realização de treinamentos
aos professores/pesquisadores,
e pela realização de pesquisas de
4 “Manifestações da crise”. Opi- o que, embora reconhecido pe-
interesse geral ou específico de
nião: Luiz Carlos Bresser Perei- los jornalistas da Adusp, é apre-
pessoas ou entidades integrantes
ra. Folha de S. Paulo, Tendências sentado como problema e não
da Sociedade; a promoção do en-
e Opiniões, pág. A3. “Incor-Fun- como benefício gerado pelas
sino, pelo oferecimento de cursos
dação Zerbine”. Opinião: José Fundações.
de educação profissional e de pós-
Antônio Franchini Ramires. Fo- 9 Como as fundações estão mais graduação lato sensu; a realiza-
lha de S. Paulo, Tendências e próximas da Universidade que os ção de atividades de pesquisa aca-
Opiniões, 13 de fevereiro de 2001, consultórios ou empresas priva- dêmica pura, inclusive com re-
pág. A3. das, elas minimizam o problema cursos externos aos constantes do
do docente trabalhar fora da Uni- orçamento da USP, especialmen-
5 As fundações de apoio destinam
versidade, não sendo a causa do te aqueles decorrentes da realiza-
recursos às universidades pú-
problema. ção de atividades remuneradas
blicas; dão suporte ao desen-
volvimento do ensino, da pes- 10 Solução que, em nosso entendi- (assessoria e consultoria, cursos,
quisa e da extensão, essenciais mento, não seria a mais adequa- pesquisas aplicadas etc.).
à Universidade; flexibilizam o da para a sociedade.
rígido e burocrático sistema 14 Pelo contrário, além de ambas
11 Ceticismo e Argumentação, in
estatal; estimulam os professo- entidades continuarem livres pa-
“Vida Comum e Ceticismo”, Pe-
res a ficarem na universidade; ra o desenvolvimento de qual-
reira, Oswaldo Porchat, São Pau-
promovem cursos de educação quer atividade, elas estariam con-
lo, Ed. Brasiliense, 1994, 2ª ed.,
continuada, fomentando a ex- jugando esforços para que os re-
pp. 251 ss.
tensão universitária. sultados alcançados conjunta-
12 Relembrando o autorizado pro- mente fossem maiores do que a
6 Na afirmação “A facilidade com fessor Luiz Carlos Bresser Perei- soma dos resultados que cada
que as fundações privadas liga- ra, cabe a indagação: será que uma, agindo apenas isoladamen-
das à USP conquistam contratos a Universidade, este patrimônio te, poderia alcançar, pois o inte-
com secretarias de Estado e ou- público, conseguirá concorrer resse público que justifica suas
tros órgãos públicos também po- com a iniciativa privada para existências (realização de ativi-
de caracterizar conflito de inte- o desenvolvimento de pesquisas dades de ensino, pesquisa e ex-
resses” (p. 74), a qual “facilida- aplicadas? Será que o cliente tensão; desenvolvimento sócio-
de” se refere o jornalista? Quem aguardará a aprovação, pelo econômico do País) estaria sen-
teria facilitado algo e qual a fun- Conselho Universitário, do seu do melhor atendido.
dação eventualmente beneficia- convênio com a USP? Será que
da? Em que consiste o referido os prazos e formalidades da lei 15 Para a participação da USP nes-
conflito de interesses? de licitações são adequados pa- tas definições, poderiam ser cria-
ra a prestação de serviços à co- dos comitês, cujos membros se-
7 Quanto à suposta ausência de ne-
munidade empresarial? Será que riam indicados também pela USP,
cessidade, pelos órgãos públicos,
a USP viabilizará a contratação pelas Unidades ou por seus Con-
dos serviços contratados das fun-
de cientistas ou outros especia- selhos.
dações, trata-se de uma inverda-
listas estrangeiros necessários à
de absoluta. Pior que isto, repre-
viabilização destas atividades? 16 Reitoria, Unidades, fundações de
senta verdadeiro erro ou má-fé
jornalísticos, pois tal afirmação 13 Dentre estes interesses, destacar- apoio, docentes, alunos, funcio-
é atribuída ao Tribunal de Con- se-iam a divulgação do conhe- nários e Ministério Público.
tas da União, que não relata o cimento produzido pela Universi-
suposto fato em ponto algum do dade e pelas fundações à comuni- 17 Pelo menos 30 ou 60 dias.

46
Revista Adusp Dezembro 2001

FUNDAÇÕES
DE DIREITO
PRIVADO NAS ÁREAS
UNIVERSITÁRIA E DA SAÚDE
Vicente Amato Neto
Professor da Faculdade de Medicina da USP

47
Dezembro 2001 Revista Adusp

Dirigentes da Faculdade de Medicina da USP não


cobram o cumprimento do compromisso, assumido
pelo governo, de não reduzir o orçamento do Hospital
das Clínicas. Como decorrência de forte diminuição
do aporte orçamentário, surgiu a necessidade de
apelar para a criticável e anti-social dupla porta
para atendimentos, com privilegiamento da atenção
a particulares e associados de diferentes tipos de
planos de saúde. É estranha a passividade de ilustres
professores que não exigem acatamento do que foi
criteriosa, preventiva e administrativamente estipulado

O
número de Funda- tendimentos com o intuito de pre- circunstâncias e, contando com meu
ções de direito pri- servar as virtudes desses instrumen- labor, acreditou ter bom endosso
vado foi aumentan- tos, evitando porém abusos, perso- para a intenção referida. Aceitei a
do exageradamente. nalismos, vantagens para certas pes- missão e em conjunto com outras
Surgiram preocupa- soas e contenção de ímpetos priva- três pessoas cooperei para a criação
ções, mas durante tizantes. da FFM, inclusive participando do
expressivo período de tempo houve Julguei ser adequado registrar preparo dos Estatutos. Saliento isso
calmaria e complacência. Até que, comentários e ponderações sobre para tentar mostrar que pretendo
recentemente, uma Unidade da Uni- o assunto. Eles estão nos itens a conhecer o que deve ser uma Fun-
versidade de São Paulo (USP) ul- seguir especificados. dação privada e, especialmente, no
trapassou o limite de tolerância ao Ajudei a implantar a Fundação contexto da área da saúde.
pretender criar, por intermédio de “Faculdade de Medicina” (FFM). É praticamente sempre esqueci-
Fundação, uma Faculdade particu- O Diretor desse núcleo universitá- da uma circunstância. Quando foi
lar, logicamente com a intenção de rio desejou imitar a Fundação “E.J. implantada a FFM eu era o Supe-
ter lugar pagamento por parte dos Zerbini” (FEJZ), que obtinha êxi- rintendente do Hospital das Clíni-
alunos. Então, veio a oportunidade tos. Ele considerava-me oponente cas (HC) e, oficialmente, através de
para efetuar debates, diálogos e en- ou reivindicador diante de várias documento hoje esquecido, acertei

48
Revista Adusp Dezembro 2001
conduta com os Secretários da Fa- tuições. Creio que eram esperáveis permanentemente, evitando desca-
zenda e de Planejamento creden- progressos auspiciosos para as Fun- minhos. Previsão para que impro-
ciados na época, segundo a qual a dações e para a comunidade. priedades não aconteçam existe;
receita advinda do Sistema Único Quando reitor da USP, o profes- contudo, impõe-se haver eficiência
de Saúde (SUS) ficaria com a FFM sor José Goldenberg preocupou-se controladora, apta a evitar injusti-
para cumprir seus desígnios, pro- com a questão referente à partici- ças, personalismos, beneficiamentos
metendo o Governo não reduzir o pação de Fundações. Lembro-me individuais e desrespeitos aos res-
orçamento do HC. Isso foi reitera- que também focalizou o que suce- peitáveis desígnios das Fundações.
damente desrespeitado, dirigentes dia com Centros de Estudos. Eu era A despeito da desbragada mul-
ou membros da Faculdade de Me- o superintendente do HC e coope- tiplicação da quantidade de Funda-
dicina da Universidade de São Pau- rei, atendendo os pedidos por ele ções, em algumas instituições ocor-
lo (FMUSP) não cobram o cumpri- efetuados. Recomendações surgi- reram objeções à implantação delas.
mento do compromisso e, como de- ram, mas esse início de normati- Foi o que aconteceu no Hospital do
corrência de forte diminuição do Servidor Público Estadual “Francis-
aporte orçamentário, surgiu a ne- co Morato de Oliveira” e no Institu-
cessidade de apelar para a criticável to de Infectologia “Emílio Ribas”.
e anti-social dupla porta para aten- Análises de vantagens e desvanta-
dimentos, com privilegiamento da “Algumas instituições, gens, além de outras implicações,
atenção a particulares e associados realizadas com a participação das
de diferentes tipos de planos de saú- como o Hospital do comunidades pertinentes, condu-
de. Nesse panorama, é estranha pa- ziram à não aceitação de envere-
ra mim a passividade de ilustres pro- Servidor e o Instituto damento pela utilização de instru-
fessores que não exigem acatamen- mentos fundacionais. Foram atitu-
to do que foi criteriosa, preventiva e Emílio Ribas, não des demarcadoras da falta de unani-
administrativamente estipulado. midade quanto ao reconhecimento
Quando fui secretário de Estado aceitaram implantar das virtudes de Fundações, sobretu-
da Saúde, de São Paulo, fez parte de do com destaque para os inconve-
fundações”
meu programa procurar normatizar, nientes ligados aos objetivos dessas
construtivamente, as atividades das entidades, nunca prejudicáveis.
Fundações privadas da área da saú- Fundações de direito privado têm
de. Iniciei diálogos e entendimen- origem em variadas iniciativas e con-
tos, convidando para isso represen- zação infelizmente não teve pros- tam com o respaldo das entidades
tantes da Associação Médica Bra- seguimento. Boa evolução poderia que desejam vê-las constituídas. No
sileira, da Associação Paulista de evitar os contratempos atuais. caso da FFM deu-se ênfase a apoio,
Medicina, do Conselho Regional de O controle externo das Funda- mesmo que só cartorial, da Associa-
Medicina do Estado de São Paulo, ções deve depender do Ministério ção dos Antigos Alunos da Faculda-
de Fundações e do Ministério Pú- Público e do Tribunal de Contas de de de Medicina da Universidade de
blico, por exemplo. No entanto, o Estado, sem conflitos. Ao primeiro, São Paulo. Nesse enredo, o Presi-
Governador do Estado, na época, cabe zelar pelo respeito aos propó- dente da Associação citada passou a
não entendeu e não prestigiou meu sitos e, ao segundo, apurar a lisura contar, estatutariamente, com cargo
propósito. Pelo contrário, mandou nos atos financeiros, inclusive evi- no Conselho de Curadores da FFM.
concordar com a criação de Funda- tando escolha de atalhos não essen- Até agora tal diretor é pessoa reite-
ções privadas em hospitalecos sem ciais. Basta que tudo suceda com radamente eleita em pleitos pratica-
envolvimento com investigação cien- afinco e sem intervalos, precisando mente clandestinos, pois afiguram-
tífica ou ações cabíveis em tais insti- o Curador da Fundação participar se velozes e não divulgados de ma-

49
Dezembro 2001 Revista Adusp
neira suficiente. O Presidente em dos. Entretanto, no ambiente exis- premissas lembradas, alguns desses
apreço, imutável, jamais prestou es- tem várias outras, em número qua- chefes são favorecidos por auto-re-
clarecimentos aos sócios do órgão se que correspondente a dez, com muneração, com anuência da FFM.
que dirige, nunca ouviu sugestões, diferentes designações e constitu- Trata-se de distorção de fato im-
não ajuda a FFM por captação de ídas para apoiar setores específi- própria. Não é possível esquecer
recursos e é totalmente passivo no cos. As sedes e direções têm con- que se desejou reiteradamente, sem
âmbito do Conselho. Este detalhe figurações não obrigatoriamente privilégios circunstanciais, estimu-
configura inadequação e serve para vinculadas ao Complexo FMUSP- lar de forma global a vinculação
fazer com que a Fundação não atin- HC. Parece-me desejável que esses ao regime de dedicação integral à
ja plenamente seus objetivos. instrumentos não procurem par- docência e à pesquisa (RDIDP),
Pelo menos na área da saúde é ticipar e não personalizem suas que requer compensação financeira
indiscutível serem estes os objeti- ações, porquanto para utilizar os atraente e justa; porém, comple-
vos básicos das Fundações priva- mecanismos inerentes às Funda- mentação derivada de Fundação
das: propiciar progresso científico ções os setores pertinentes podem corretamente laboriosa é cabível
e tecnológico; efetuar dispêndios quando insatisfatória a política sa-
sem adotar o complicado sistema larial da Universidade.
de licitações, podendo usar o cri- O custo administrativo das Fun-
tério de coleta de preços; obter re- “Certos setores não dações é elevado. Para geri-las são
cursos extra-orçamentários. O pri- admitidas pessoas sem processo se-
meiro nem sempre é concretizado; podem dispor de boas letivo exigido por órgãos públicos,
o segundo freqüentemente depen- recebendo elas honorários especiais,
de de informações fictícias quando ‘freguesias’ e derivados de livres negociações e
os próprios fornecedores conse- bem superiores à política salarial
guem cotações mais custosas a fim preocupam-se com governamental.
de serem bem sucedidos; o terceiro Certos setores não podem dis-
questões em geral sem
nem sempre conta com esforços por de boas “freguesias”, pois pre-
suficientes. A FFM tem a receita
nexo com transações”
decorrente do SUS essencialmente
como sua sustentação financeira;
contudo, ela serve para compensar
o decrescente orçamento governa- recorrer às de início citadas, exis-
mental ou suprir despesas que não tentes justamente para amparar
deveriam ter vínculo com os bons finalidades comuns.
propósitos fundacionais. Portanto, Os Laboratórios de Investigação
dessas ocorrências advém prejuízos Científica do HC têm íntimo víncu-
para a concretização dos respeitá- lo com a FFM. São chefiados por do-
veis intentos de Fundações. centes da FMUSP, que neles devem
No conjunto FMUSP-HC estão exercer atividades como parte de
três Fundações tidas como “ofi- seus encargos universitários, consti-
ciais”: a FEJZ, a FFM e a Funda- tuídos por busca de novos conheci-
ção Pró-Sangue/Hemocentro de mentos pela pesquisa científica, for-
São Paulo. São aparentes, bem co- mação ou aprimoramento de pro-
nhecidas e regulamentadas, além fissionais e extensão de serviço à
de atuantes em conformidade com comunidade. Mesmo devendo pre-
Conselhos devidamente estipula- valecer o compromisso citado e as

50
Revista Adusp Dezembro 2001
ocupam-se vocacional e universita- tido de concretizar avanços e agir centes do setor de Anestesiologia
riamente com questões em geral com criatividade. Recebe pagamen- constituíram firma para prestar
sem nexo com possíveis transações. to portentoso, quando o cargo fica- atendimento em hospital agregado
São exemplos os de Medicina Pre- ria melhor ocupado por Professor à escola. Cobram através de meca-
ventiva ou de Ética Médica. Eu po- da Faculdade, modestamente gra- nismo que pretende facilitar tal
deria citar vários outros, mas esses tificado. Foi original a escolha de comportamento, deixando de lado
configuram, sem dúvida, ilustra- um leigo, tido com administrador a obrigação de exercer atividades
ções marcantes. capaz. Contudo, Superintendente implícitas na situação de docente,
A FFM paga salários extrema- primoroso pode ser prestimoso exe- que prevê execução de pesquisas,
mente diversificados. Em certo mo- cutivo perante o Conselho Delibe- formação ou aprimoramento de
mento contei sete tipos. Gera des- rativo e também agir por meio de profissionais e extensão de servi-
contentamentos por causa da he- iniciativas personalizadas e muito ços à comunidade.
terogeneidade, não exige seleção elogiáveis, nos campos assistencial, O espírito materialista que faz
como no serviço público, procura científico e social. Estrutura admi- parte de alguns adeptos de Funda-
compensar baixas remunerações nistrativa de boa qualidade o HC ções dissemina-se com facilidade,
pagas pelo Governo e contrata pes- já tem e obedece puramente o Re- infelizmente. Assim gera abusos até
soas em desacordo com o que deve gimento pertinente. ridículos. Ilustro um deles: um ca-
ocorrer para cumprimento do ob- Determinados superintendentes, mundongo comum usado em ex-
jetivo maior de Fundação da área trabalhando segundo esse figurino, perimentação científica é vendido
da saúde: o progresso científico e alcançaram notoriedade e prestígio por cinco reais, sendo que com essa
tecnológico. perante a comunidade, em vários quantia são comprados pelo menos
Cito um fato marcante, a pro- níveis. Vale evitar atalhos e trilhar três frangos. Além disso, é comer-
pósito. O atual Superintendente caminho coerente com o desejado cializado, para setor da mesma ins-
do HC é um engenheiro-mecânico. desempenho da Fundação. tituição, por quem tem obrigação
Não conhece a instituição e, por- Na FMUSP determinados do- de criar tais animais utilizando re-
tanto, deve ser pouco capaz no sen- centes são aquinhoados por salários cursos rotineiros.
até duplicados. As escolhas depen- Como posição final, considero
dem de critérios estipulados por al- que está definida ocasião para que
guns dos próprios beneficiados, que sucedam diálogos e entendimentos
incluem pontuações por determi- construtivos, aptos a preservar os
nadas publicações e até citações bons propósitos de Fundações de
de seus nomes por outros autores. direito privado, na área da saúde ou
Constituem diretrizes personalís- não, e a evitar comportamentos in-
ticas, sedimentadas em interpreta- desejáveis, mormente relacionados
ções não acatáveis sem restrições. com prejuízos sociais para a comu-
Os proventos suplementares advêm, nidade em geral. Nos acertos que
é importante esclarecer, da FFM. deverão advir também convirá que
Vai ficando cada vez mais habi- as Fundações não sirvam para com-
tual escapar de normas e de com- pensar orçamentos públicos de in-
promissos assumidos em institui- suficientes portes ou decrescentes.
ções públicas e, em especial, refi- Almejo que o momento não seja
ro-me à área da saúde, inclusive perdido e que contestações, com
universitária. Ilustra isso ocorrên- conseqüentes posições defensivas,
cia atinente a uma determinada suscitem análises sensatas, arranjos
Faculdade de Medicina. Aí, do- e progressos.

51
Dezembro 2001 Revista Adusp

FUNDAÇÕES PRIVADAS, FILANT


As três principais fundações privadas atuantes nos complexos hospitalares
As fundações privadas que atuam nos complexos Em 1996, a Gerência Regional de Arrecadação do
hospitalares associados às faculdades de Medicina Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) tentou
da USP em São Paulo e Ribeirão Preto revestem-se cassar a condição de entidade filantrópica da FFM e da
de características que as diferenciam fortemente das FZ. Fiscais do INSS, após diligências, lavraram auto de
demais fundações privadas ligadas à universidade. informação fiscal no qual concluiram que as fundações
A começar pelo impacto social direto de suas ativi- não eram entidades beneficentes, vendiam serviços
dades: Fundação Faculdade de Medicina (FFM), Fun- hospitalares, remuneravam seus diretores.
dação Zerbini (FZ) e Fundação de Apoio ao Ensino, Um ministro chegou a telefonar para o gerente do
Pesquisa e Assistência do Hospital das Clínicas de INSS, em defesa das entidades. As fundações defende-
Ribeirão Preto (Faepa) têm o poder de interferir dire- ram-se no processo administrativo e mantiveram sua
tamente na saúde pública, em maior ou menor grau, isenção. Em 1999, também a Faepa conquistou seu
com todos os reflexos “positivos” ou “negativos” que credenciamento como entidade filantrópica.
advenham dessa interferência em atividade essencial. Por fim, outro traço peculiar dessas fundações é
Tais fundações vêm, desde a década de 80 no caso que seus laços com a USP são menos perceptíveis à
da FZ e FFM, gerindo e controlando verbas federais
destinadas à saúde pública, ao mesmo tempo em que
implantam nos hospitais universitários a “dupla porta”,
A DUPLA
por meio da qual pacientes particulares e de convênios Uma senhora, aparentando 70 anos, caminha pelo
médicos são atendidos nesses hospitais. No ano de corredor do Instituto Central do Hospital das Clínicas.
1999, as três fundações principais obtiveram, juntas, Na mão, um papel que indica onde ela deve ir. Ela
uma receita de R$ 329 milhões. pára e pergunta às pessoas em torno onde é que fica
É verdade que a maior parte dessas verbas, hoje aquele tal lugar, em que ela deve fazer seu exame. “É
provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS), é assim o dia inteiro”, explica Alexandre Rodrigues da
aplicada no custeio da saúde pública. É verdade tam- Silva, aluno de Medicina, do terceiro ano, residente
bém que os critérios de distribuição dessas verbas nem da Infectologia. “As pessoas se perdem no hospital e é
sempre são claros e que parte delas têm destinação comum ver gente parando para pedir informações”.
questionável. Também, pudera: o Hospital das Clínicas, ou HC, o
A finalidade filantrópica é outro aspecto que distin- maior complexo hospitalar da América Latina, tem 340
gue, das demais fundações privadas vinculadas à USP, mil m2 de área construída e cerca de 30 quilômetros de
as que atuam nos complexos hospitalares. O certifica- corredores. A senhora que pedia informações é apenas
do de entidade filantrópica, atribuído pelo Conselho uma das 123 mil pessoas que procuram atendimento no
Nacional de Assistência Social (CNAS), isenta seu hospital, todo mês. Gente de todos os lugares do Brasil,
possuidor da obrigação de pagar a contribuição previ- até de países vizinhos, como Bolívia e Paraguai. Muitos
denciária de seus funcionários e contratados. vêem no HC a última chance de tratamento. É o caso
A própria FFM revela as dimensões desse privilégio: de Eliene Maria Paulo, de 16 anos, que veio da pequena
“a contribuição previdenciária aproximada devida, caso cidade de Igreja Nova, Alagoas, para tratar de um
não gozasse de isenção, poderia ser assim demonstra- problema intestinal. Eliene chegou e já foi internada.
da”: R$ 23.783.669 em 1999 e 24.650.356 em 2000 Há também os que moram em São Paulo e se con-
(Demonstrações Financeiras 2000, p. 10).

52
Revista Adusp Dezembro 2001

ROPIA, USP E SAÚDE PÚBLICA


vinculados à USP arrecadaram juntas, em um único ano, R$ 329 milhões
primeira vista, porque mediatizados pela relação que execução de obrigações do Estado, como a saúde, por
guardam com os hospitais, subordinados administrati- agentes privados (fundações, cooperativas, associações
vamente à Secretaria de Saúde. Menos perceptíveis, de médicos), aos quais poderão ser transferidos tam-
porém existentes, determinantes de impactos variados bém equipamentos, bem como recursos humanos e
sobre a vida das faculdades, como ver-se-á a seguir. financeiros de hospitais públicos.
A desenvoltura das fundações privadas no ambiente Nesse ambiente legal propício, as grandes fundações
da saúde pública, e em hospitais universitários, en- privadas da saúde, como a FFM e a FZ, logo viram-se
contra amparo na reforma engendrada pelo governo cercadas de entidades similares. No complexo do HCF-
federal a partir de 1994. O programa denominado de MUSP existem dezenas de fundações, centros e outras
“publicização dos serviços públicos”, capitaneado pelo associações privadas. Nas próximas páginas procura-se
Ministério da Administração e Reforma do Estado examinar as situações criadas por esse mosaico privado
(MARE), hoje extinto, teve como um de seus subpro- enquistado nas salas e corredores da Faculdade e do
dutos a lei 9.637, de 15 de maio de 1998, conhecida Hospital, nos quais os docentes da USP formam novos
como “lei das organizações sociais”, que autoriza a médicos, pesquisam e praticam extensão.

PORTA NA VIDA DO HC, por Bianca Antunes


sultam sempre no HC. Valdete Souza dos Santos, de 61 greve, em setembro de 2001. O outro foi a bolsa de R$
anos, trata-se no hospital há dois anos, de problemas na 1.100,00. “A residência é um treinamento em serviço, e,
tireóide e osteoporose. “O grande problema do HC é a às vezes, não há supervisão o tempo todo. Muitas vezes,
espera”, conta Valdete. “Já teve dia de eu chegar aqui às chegam pacientes graves, que precisam de UTI. E quem
7 horas e sair às duas da tarde.” Se as filas das consultas cuida é residente”, acrescenta Alexandre.
são grandes, as dos exames não ficam atrás. Alguns, Este problema pode se agravar ainda mais no PS,
como a ultra-sonografia, são difíceis de marcar. Tem que atende, em média, 800 pessoas por dia. Mas
gente que chega à noite para marcar exame no dia quem tem convênio pode passar tranqüilo pelas filas
seguinte. Apesar disso, o HC oferece aos pacientes a de espera das consultas, dos exames e até do Pronto-
possibilidade de se marcar e fazer todos os exames lá Socorro lotado. É que eles dispõem de uma entrada
mesmo. E os remédios são gratuitos. especial — a tão conhecida e polêmica dupla porta.
Só no seu Pronto-Socorro, o HC atende 25 mil pes- Eles não entram no Pronto-Socorro “normal”, pois
soas por mês. Quem serão os responsáveis por tal aten- têm o que chamam de “Pronto Atendimento”, especial
dimento, reputado pelos pacientes, aliás, como ótimo? para eles. Também não passam horas na fila, como
Quem responde: “os médicos”, talvez incorra em erro. Valdete. E, quando internados, ainda têm direito a lei-
“Quem toca mesmo esse hospital são os residentes”, diz to especial, com TV, frigobar e acompanhante durante
uma funcionária do InCor que não quis se identificar. todo o dia. “Acaba existindo um tratamento diferente.
Alexandre confirma: “Quem atende é residente, os O exame para o convênio sai mais rapidamente, por
médicos responsáveis apóiam pouco. Se a gente parar, exemplo”, conta Alexandre. “Já tive que cancelar uma
pára o atendimento”. A jornada exaustiva foi um dos cirurgia para um paciente meu do SUS porque a sala
motivos que fizeram os residentes do HC entrar em foi ocupada por um paciente de convênio”, denuncia.

53
Dezembro 2001 Revista Adusp

ATUAÇÃO DA FFM GERA


DISTORÇÕES NA FACULDADE
DE MEDICINA E HC
Antonio Biondi, João Brant, Marcio Kameoka
e Pedro Estevam da Rocha Pomar
Equipe da Revista Adusp

Criada em 1986 com a finalidade de “colaborar com


a Faculdade de Medicina da USP”, a Fundação
Faculdade de Medicina (FFM), entidade privada,
tornou-se gestora das verbas federais recebidas pelo
Hospital das Clínicas. O convênio firmado com o
HC permitiu à fundação acumular R$ 25 milhões em
imóveis, além de R$ 50 milhões em caixa. A utilização
das verbas SUS para complementar salários de docentes
e funcionários da USP (e funcionários da Secretaria da
Saúde) tem gerado privilégios e distorções salariais. Ao
mesmo tempo, ganha força a “dupla porta”, ampliando
o conflito entre o público e o privado

54
N
Revista Adusp Dezembro 2001
Daniel Garcia
o maior complexo racterísticas de
hospitalar da Améri- hospital univer-
ca Latina, constituído sitário.
pelo Hospital das Clí- O Conselho
nicas da Faculdade de Deliberativo to-
Medicina da Univer- ma as principais
sidade de São Paulo (HCFMUSP decisões referen-
ou simplesmente HC), o emara- tes ao hospital,
nhado de relações existente entre dentre elas ela-
três instituições — o próprio HC, a borar a lista trí-
Faculdade de Medicina (FMUSP) plice de onde o
e a Fundação Faculdade de Medi- governador es-
cina (FFM) — é tão intrincado que colhe o superin-
se torna difícil separá-las, distinguí- tendente, princi-
las e entender a quem cabe tomar pal responsável
decisões. pela administra-
Uma das instituições mais res- ção do HC. Nes- Professor Irineu Velasco
peitadas do país, o HC conta com se contexto, surpreende saber que o zados pelo HC, que recebe de acor-
cerca de 1.700 médicos, 8.000 fun- atual superintendente, José D’Elia do com o número de pacientes aten-
cionários e realiza quase um milhão Filho, é um engenheiro. didos. Por ser um hospital-escola,
de atendimentos por mês. É pio- Até hoje as diferentes especia- o HC recebe um bônus de 75% so-
neiro no continente em técnicas de lidades do HC são chefiadas por bre o valor normalmente pago pela
transplantes de órgãos, tratamento professores titulares da Faculdade, tabela SUS. A origem desse bônus
de câncer, entre muitas outras áreas tornando o relacionamento entre as é o Fundo de Incentivo para Desen-
de excelência. Hospital-escola da duas instituições ainda mais inten- volvimento do Ensino e da Pesquisa
Faculdade de Medicina da USP, o so, chegando a ponto de, às vezes, (Fidep).
HC, porém, juridicamente é uma poder-se confundi-las. “A ligação é Nos anos 80, quando as verbas
autarquia estadual, vinculada à Se- muito forte”, concorda a advogada públicas federais recebidas pelo HC
cretaria da Saúde. Sandra Papaiz Refinetti, diretora- saíam do Instituto Nacional de As-
Quando inaugurado, em 1944, geral da FFM. “Às vezes, é difícil sistência Médica e Previdência So-
subordinado à Casa Civil do gover- discernir entre a Faculdade e o hos- cial (Inamps, um dos predecessores
no estadual, as atividades clínicas pital”. Porém, são distintas as fontes do SUS), o HC não recebia do go-
da Faculdade passaram, imediata- de financiamento de cada um. verno estadual, a quem cabia fazer
mente, a ser realizadas nele. Em Enquanto a Faculdade recebe o repasse, a remuneração corres-
1987, o HC deixou a Casa Civil, uma dotação orçamentária da USP, pondente ao número de atendimen-
integrando desde então a rede da o HC possui um orçamento forma- tos realizados. Ou seja, o HC reali-
Secretaria da Saúde. do por três fontes distintas: orça- zava um número x de procedimen-
O diretor da Faculdade é pre- mento definido pelo governo esta- tos, mas era pago por y, sendo que y
sidente nato do Conselho Delibe- dual, verbas do Sistema Único de era sempre menor do que x.
rativo do HC, composto por ele e Saúde (SUS) e receitas oriundas de “Se o governo me dava na época
mais cinco professores titulares. O convênios médicos e de pagamentos 360 e eu faturava mais 20 pelo
diretor-clínico do HC é eleito entre efetuados por particulares. Inamps ou pelo SUS, ao invés de
esses cinco titulares. A presença de As verbas SUS e de convênios ele me dar 360 mais 20, ele me dava
docentes da USP nesses postos-cha- são, na verdade, uma remuneração 340 mais 20”, explica Irineu Tadeu
ve garantiria a manutenção das ca- pelos atendimentos médicos reali- Velasco, diretor da Faculdade e pre-

55
Dezembro 2001 Revista Adusp

Superposição de cargos
FMUSP FFM HCFMUSP

Diretor: Presidente do Conselho Curador: Presidente do Conselho Deliberativo:


Prof. Irineu Velasco Prof. Irineu Velasco Prof. Irineu Velasco
Vice-diretor: Vice-diretor Geral:
Prof. Eduardo Massad Prof. Eduardo Massad
Congregação: Conselho Curador: Conselho Deliberativo:
Prof. José Pinotti Prof. José Pinotti Prof. Eduardo Massad (Vice Presidente)
Prof. Wagner Farid Gattaz Prof. Wagner Farid Gattaz Prof. Wagner Farid Gattaz
Prof. José Franchini Ramires Prof. José Franchini Ramires Prof. José Franchini Ramires (suplente)
Prof. Guido Cerri (diretor clínico do HC)
Prof. Milton de Arruda Martins
Presidente da Comissão de Pós-Graduação
Prof. Guido Cerri
Presidente da Comissão de Pesquisa Presidente do Conselho Diretor (InRad)
Prof. Ricardo Brentani Prof. Ricardo Brentani
Presidente da Comissão de Graduação
Prof. Milton de Arruda Martins

sidente tanto do Conselho Delibe- Tais documentos foram assina-


rativo do HC, quanto do Conselho dos por personagens importantes
Curador da FFM. do meio acadêmico e da saúde pú-
O problema de financiamento es- Em 1988, a FFM blica: os professores Vicente Ama-
taria, portanto, na origem da FFM, to Neto, então superintendente do
fundada em 1986 com o objetivo celebrou seu primeiro HC, José Aristodemo Pinotti, na
estatutário de “colaborar, através de época secretário da Saúde, e Fabio
programas compatíveis com seus ob-
convênio com o HC. Schimidt Goffi, então presidente da
jetivos, com pessoas e entidades in- FFM e diretor da Faculdade.
Seu objetivo, faturar
teressadas no desenvolvimento das Um parêntesis: vivia-se época de
ciências médicas, em especial, com e administrar as mudanças na organização do sis-
a Faculdade de Medicina da Uni- tema público de saúde. Em 1988
versidade de São Paulo, com insti- verbas do Inamps foi aprovada a nova Constituição
tuições públicas e privadas do Bra- Federal; em 1990, a Lei Orgânica
sil e do exterior”, além de “con- da Saúde (lei 8.080) regulamentou
servar o patrimônio da FMUSP, do o SUS, e o SUDS desapareceu; em
HCFMUSP e do Centro Acadêmi- a cobrança dos procedimentos rea- 1993, o Inamps foi extinto e substi-
co Oswaldo Cruz”, entre outros. lizados. No mesmo dia, a FFM ade- tuído pelo SUS.
Em 22 de junho de 1988, a fun- riu, ainda, ao Sistema Unificado e Voltemos a 1988, quando da ce-
dação celebrou seu primeiro convê- Descentralizado de Saúde do Esta- lebração dos convênios que permi-
nio com o HC. Seu objetivo, faturar do de São Paulo (SUDS-SP), por tiram à FFM canalizar as verbas pú-
e administrar as verbas do Inamps meio de Termo de Adesão ao Convê- blicas federais destinadas ao HC:
e de convênios — ou seja, efetuar nio SUDS-SP/87. “Esse modelo foi adotado para que

56
Revista Adusp Dezembro 2001
sem para a Fun- ou R$ 7,2 milhões, à Superinten-
dação Faculdade dência do HC.
de Medicina”. Por ser a FFM assunto vasto e
A rigor, não complicado, e tão elevadas as cifras
se tratava ainda, envolvidas, como visto até agora,
naquele momen- convém pontuar seus desdobramen-
to, do SUS, mas tos. Portanto, para facilitar a leitura
isso é um deta- e o entendimento, faremos uma sé-
lhe. De todo mo- rie de considerações sobre os as-
do, a FFM pas- pectos principais da atividade da
sou a adminis- fundação e sobre as questões mais
trar verbas ano a relevantes em jogo.
ano mais vulto- Primeira consideração: embora
sas. O convênio a FFM tenha repassado em 2000,
com o HC foi re- como se viu, R$ 7,5 milhões para
novado em 1996. uma conta da Faculdade, o professor
Em 1998, os re- Velasco sustenta o entendimento de
passes do SUS que a fundação não mantém víncu-
à fundação fo- los com a USP: “A atividade que a
ram da ordem fundação exerce, de onde ela aufere
de, aproximada- dinheiro, não é na USP. A sua ativi-
mente, R$ 107 dade-fim é no HC, que não tem ab-
Professor Aristodemo Pinotti
milhões; em solutamente nada a ver com a USP.”
o dinheiro do faturamento SUS, ao 1999, de R$ 114 milhões; em 2000, Trata-se de declaração admirável,
invés de ir para o orçamento do Es- de R$ 150 milhões. Porém, as recei- não somente por partir do diretor de
tado, o que não teria nenhuma pra- tas da FFM não se restringem ao uma unidade da USP, mas também
ticidade, fosse para a fundação”, SUS. Em 1999, a receita total da porque é justamente a ligação entre
prossegue o professor Velasco. fundação, que inclui diversas outras o HC e a universidade, que faz dele
Aquelas verbas deveriam ser su- fontes, foi de R$ 152 milhões. No um hospital-escola, o fator deter-
plementares para o hospital, sem ano de 2000, a receita total pode ter minante para que a fundação seja
compor uma parte essencial do seu alcançado R$ 180 milhões. contemplada com o “bônus Fideps”,
orçamento, como aponta o profes- A maior parte das verbas SUS o acréscimo de 75% acima citado, ao
sor Vicente Amato Neto. De acor- cobre os custos do atendimento mé- receber a remuneração pelo atendi-
do com ele, havia um compromisso dico-hospitalar oferecido pelo HC mento aos pacientes do SUS.
do governo estadual de que o orça- aos pacientes atendidos pela rede O superintendente José D’Elia,
mento do HC não seria reduzido pública de saúde. No entanto, fatias em ofício enviado ao secretário es-
(vide artigo na p. 47). expressivas desses recursos têm uma tadual da Saúde, José da Silva Gue-
O professor José Aristodemo Pi- destinação diferente. Assim é que, des, com a finalidade de atender
notti, um dos idealizadores da FFM, em 2000, a FFM reteve 7,5% da pedido de informações de um depu-
completa: “A fundação ganhou cor- verba SUS, nada menos do que R$ tado estadual, assim definiu o HC:
po quando eu, como secretário de 11,25 milhões, a título de custeio “associa-se à Universidade de São
Saúde do governo do Estado, con- do convênio com o HC, ou taxa de Paulo, através da FMUSP, para fins
segui que os recursos faturados con- administração. Outros 5%, ou R$ de ensino, pesquisa e prestação de
tra o SUS deixassem de ir para a 7,5 milhões, foram destinados à Di- ações e serviços à comunidade. Vin-
Secretaria do Planejamento e vies- retoria da Faculdade. Outros 4,8%, cula-se à Secretaria de Estado da

57
Dezembro 2001 Revista Adusp
Saúde, para fins de coordenação pal de Saúde, através do Programa aceitou o corte.
administrativa”. de Saúde da Família. Em ambos os “Era 7,5%, fizemos um enxuga-
No mesmo ofício (262/99), D’Elia casos, a FFM utiliza sua estrutura mento quando mudou a administra-
ainda acrescenta: “A diversidade de interna para selecionar e contratar ção e agora está em 6,5%. Quer dizer,
vinculações do HCFMUSP, as suas pessoal, cobrando uma taxa admi- ela é uma firma que presta serviços,
finalidades voltadas ao bem estar nistrativa de custeio. ela precisa se manter como firma.
social e o avanço tecnológico alcan- Note-se, ademais, que o papel de- Ela não tem finalidade de ter lucro,
çado permitem-lhe ser classificado sempenhado pela FFM no “Parcei- ela tem uma máquina enxuta. Todo
como complexo hospitalar de perfil ros do Futuro” distancia-se de seus dinheiro, esse 1%, foi passado para o
universitário de excelência e de di- objetivos de apoio ao HC: ela atua no hospital”, diz o professor Velasco.
mensão única no País. Difere, por- projeto como gestora de recursos hu- Terceira consideração: os gastos
tanto, de um típico hospital público manos, contratando a mão-de-obra. com pessoal do HC consomem a
da rede SUS, seja geral ou especia- Para realizar tal atividade, a funda- maior parte das verbas da fundação.
lizado” (os grifos são do original). ção receberá cerca de R$ 8 milhões Em 1991, a FFM contratou todo
Também o convênio firmado em o corpo funcional do HC, mais de
1988 inclui entre seus considerandos 9.000 pessoas, para uma “jornada
a “necessidade de estimular a re- extra” de uma a duas horas, segundo
cuperação e desenvolvimento da re- Em 1991, a fundação as regras da Consolidação das Leis
de de hospitais universitários e pré- do Trabalho (CLT). Com esta medi-
universitários” e determina, em sua contratou todo da, o HC e a FFM esperavam ofere-
cláusula segunda, que deve ser “pre- cer salários mais competitivos para
servada a autonomia didático-cientí- o corpo funcional do seus funcionários, que, neste regime,
fica do complexo Faculdade de Me- são chamados pela FFM de “com-
dicina USP/Hospital das Clínicas”. HC, mais de 9.000 plementaristas”. Mas esta iniciativa
Segunda, e breve, consideração: revelou-se problemática para a fun-
a FFM justifica a taxa de gestão de pessoas, para dação. Hoje, não é mais a totalidade
7,5% sobre a verba SUS, que vigo- do quadro funcional que recebe a
rou até recentemente, como neces- “jornada extra” de 2h complementação.
sária para manter uma estrutura de Em 1992, a FFM encontrava-se
cerca de 200 funcionários, encarre- em situação financeira precária: não
gados de gerenciar o total dos re- havia dinheiro suficiente para pagar
cursos. Para além dos questiona- da Secretaria da Educação, dos quais a complementação salarial dos fun-
mentos legais (é admissível cobrar ela reterá uma taxa de administra- cionários e as despesas fixas do hos-
pela gestão de verbas públicas de ção, de valor não revelado. pital. Além disso, passou pelo cons-
destinação exclusiva?), constata-se Em agosto de 2001, a FFM ini- trangimento de sofrer uma inter-
que tais recursos permitiram à fun- ciou um processo de reformulação venção por parte da Curadoria de
dação privada acumular importan- e corte de gastos e, concomitante- Fundações do Ministério Público
tes reservas financeiras, como será mente, baixou para 6,5% a taxa de Estadual, órgão responsável pela
relatado adiante. gestão da verba SUS. O percentual fiscalização das fundações privadas
Atualmente, esta mesma estrutu- da taxa já foi motivo de polêmica e existentes na capital, depois de de-
ra fundacional já presta serviços pa- conflitos entre colegiados. Em 1997, núncias de irregularidades feitas por
ra outros “clientes” além do HC, co- o Conselho Deliberativo do HC, ór- funcionários e pelo deputado esta-
mo a Secretaria do Estado da Edu- gão máximo do hospital, decidira dual Jamil Murad (PCdoB).
cação, através do projeto “Parceiros reduzir a taxa, de 7,5% para 5%. Entre as irregularidades apon-
do Futuro”, e a Secretaria Munici- O Conselho Curador da FFM não tadas, coletas de preços com valo-

58
Revista Adusp Dezembro 2001
res falsos e compras superfatura-
Tabela 1- Receitas totais do HC em R$ 1.000,00 nominais
das. “O diretor técnico da época,
o doutor Chao Lung Wen, compra- Instituição/Ano 1995 1996 1997 1998
Orçamento Estado 271.001 266.618 272.429 297.526
va microcomputadores da própria
Incor/Zerbini 59.230 83.991 84.644 89.432
empresa, a Intec. Ou seja, ele esta- Institutos/FFM 76.839 76.470 101.648 116.142
va dos dois lados do balcão”, lem- Total 407.070 427.079 458.721 503.101
bra o deputado. Fonte: GPO-HCFMUSP, DATASUS-MS, FFM e Zerbini (em documento enviado à Assembléia
O professor Wen repele as acu- Legislativa de São Paulo)

sações. “Todas as denúncias feitas Tabela 2- Composição da receita


pelo deputado foram devidamente Origem/Ano 1995 1996 1997 1998
investigadas pelo Ministério Público SUS 25,35% 25,21% 28,03% 28,18%
e não se constataram irregularida- Não SUS 7,89% 11,89% 12,71% 12,69%
des. Após a intervenção, toda a dire- Orçamento Estado 66,57% 62,43% 59,39% 59,14%
toria da fundação foi reconduzida Fonte: GPO-HCFMUSP, DATASUS-MS, FFM e Zerbini (em documento enviado à Assembléia
Legislativa de São Paulo). Obs: as porcentagens, somadas, não completam 100%
para mais um mandato de quatro
anos”, alega. “Por opção própria, um Tabela 3- Participação das fundações na
ano e meio após ser reconduzido pa- receita do HC em R$ 1.000,00 nominais
ra uma nova gestão, resolvi desligar- Instituição/Ano 1995 1996 1997 1998
me da Diretoria da FFM”. Zerbini 14,55% 19,67% 18,45% 17,78%
No final de 1992, o professor Wen FFM 18,88% 17,91% 22,16% 23,09%
foi contratado pela FFM como as- Fonte: GPO-HCFMUSP, DATASUS-MS, FFM e Zerbini (em documento enviado à Assembléia
Legislativa de São Paulo)
sessor. Ele informa que este contra-
to terminou em 1998. Tabela 4- Origem dos recursos da FFM
Terminada a intervenção do Mi- no HC em R$ 1.000,00 nominais
nistério Público Estadual, a FFM re- Origem/Ano 1995 1996 1997 1998
estruturou tanto a sua estrutura inter- Faturamento SUS 74.475 71.039 92.533 103.608
na quanto o seu estatuto, seguindo al- Faturamento Não SUS 2.364 5.431 9.115 12.534
Fonte: GPO-HCFMUSP, DATASUS-MS, FFM e Zerbini (em documento enviado à Assembléia
gumas das determinações do curador Legislativa de São Paulo)
de fundações da capital, promotor
público Edson Rafael. Em documen- Tabela 5- Receitas da FFM em R$
1998 1999 2000*
to de 1º de julho de 1992, o promotor Receita SUS 106.845.637 114.058.185 150.000.000
revogou a intervenção, determinando Convênios 11.848.477 14.321.299
providências a serem tomadas pela Particulares 1.540.549 1.631.255
FFM e fez algumas sugestões. Receita total 145.960.759 152.430.353 180.000.000*
A ata da primeira reunião do Fonte: 1998-1999: site da FFM. *Estimativa
Conselho Curador após a interven-
ção registra, porém, que os curado- Tabela 6- Aplicações financeiras da FFM (em R$)
res resolveram não acatar integral- Investimento/Ano 1999 2000
mente as determinações do promo- Fundos de investimento 3.219.577 16.414.571
Certificados de Depósitos Bancários 6.901.142 8.486.974
tor: “O Professor Gyorgy [Bohm]
Fundos de renda variável 2.957.676
comunicou que ele estivera com o Swap CDB x CDI 5.040.864 2.562.343
Sr. Curador de Fundações e estava Depósitos em conta de poupança 56.804 61.603
ciente de que em muitos itens a re- Letras Financeiras do Tesouro 21.131
solução, na verdade, estava aberta Fonte: Fundação Faculdade de Medicina – Demonstrações Financeiras 2000
para que os curadores elaborassem

59
Dezembro 2001 Revista Adusp

Tabela 7- Convênios e termos de cooperação da FFM* (em R$)


Instituição/Ano 1999 2000
Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo 4.838.201 4.395.845
Fapesp 3.216.604 2.982.001
Organização Mundial da Saúde (OMS) 626.999
Banco Itaú S.A. 250.000
Harvard AIDS Institute 126.609 237.500
Ministério da Saúde 650.000 198.983
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) 367.028 60.972
Outros 34.525 372.186
Fonte: FFM-Demonstrações Financeiras 2000. *Referentes a subvenções recebidas p/ “utilização restrita em projetos e/ou atividades específicas
ligadas à promoção do ensino, pesquisa e da assistência social.”

uma mudança estatutária madura e selho Curador da FFM); e, por fim, tos, pelos mesmos professores que
que atendesse melhor às necessida- a Congregação da Faculdade. estão na Congregação”, sendo ainda
des da FFM e do complexo FMUSP/ “O Conselho Curador fiscaliza, o “muito difícil existir um choque”.
HC. Deste modo, mais importante Conselho Deliberativo do hospital Quarta consideração: o modo
de tudo era compreender o espírito fiscaliza... E em última instância, ape- como são distribuídas as verbas SUS
geral das modificações propostas no sar de não estar nos regulamentos, entre os diversos setores do HC in-
documento e não uma aceitação ao a Congregação da Faculdade, que dica o grau de interferência da fun-
pé da letra” (Ata de reunião extraor- dação privada na vida da instituição
dinária do Conselho Curador, 2 de pública. Para distribuir os 83,7%
julho de 1992). restantes da verba SUS (já excluídas
Desrespeitou-se, por exemplo, A FFM recusa-se a taxa de gestão e as porcentagens
a determinação do promotor públi- destinadas à Diretoria da Faculda-
co de garantir-se a participação no a fornecer dados de e à Superintendência do HC), a
Conselho Curador, órgão máximo FFM imaginou estruturas paralelas
da FFM, de “um representante dos sobre a dotação à do HC, mas que se confundem
funcionários do Hospital das Clíni- com esta.
cas e um representante dos funcio- dos centros de Cada instituto do hospital —
nários da Faculdade de Medicina” Central, de Psiquiatria, da Criança,
(Resolução nº 03/92 da Curadoria gerenciamento (CGs) de Radiologia, de Ortopedia e hos-
de Fundações). Até hoje, a inclu- pitais auxiliares — possui certo nú-
são dos funcionários não foi efe- criados no Hospital mero de “centros de gerenciamen-
tivada nesse colegiado, composto to”, ou CGs, que funcionam como
por nove conselheiros — na sua centros de custo e possuem estru-
maioria, professores titulares da tura e verbas quase que inteiramen-
Faculdade, reproduzindo a estrutu- é o órgão máximo que paira sobre te virtuais. Exceção: o Instituto do
ra de poder desta. tudo. Não está no estatuto, mas se o Coração (InCor), gerenciado dire-
Além do Conselho Curador, ou- assunto é grave, vai estar na Congre- tamente pela Fundação Zerbini. Ca-
tros colegiados têm influência dire- gação”, comenta a diretora-geral da da CG corresponde, na maioria dos
ta ou indireta nas ações da FFM: o FFM, Sandra Papaiz Refinetti. casos, a determinada especialidade
Conselho Consultivo da entidade; O professor Velasco, por seu tur- do instituto em que funciona, e é
o Conselho Deliberativo do HC, ór- no, assegura que a fundação “é de responsabilidade de um ou mais
gão máximo do hospital (e que pos- apoio ao hospital, e as coisas são mui- professores titulares da Faculdade
sui membros em comum com o Con- to discutidas no hospital, nos institu- de Medicina.

60
Revista Adusp Dezembro 2001
O critério que determina a verba Discussão de Políticas Universitá- ção do Instituto de Ciências Bio-
que cada Centro de Gerenciamento rias da USP, em novembro de 2000. médicas (ICB), a matéria básica da
recebe é, hoje, puramente quantita- Os dados financeiros de cada área de Medicina deixou de ser ofe-
tivo: o número de procedimentos CG, inclusive a porcentagem que os recida na Faculdade. E a pesquisa
médicos realizados, seja para pa- respectivos chefes têm total liberda- básica também passou a ser realiza-
cientes SUS, seja para pacientes de de para decidir como gastar, deixa- da no ICB.
convênios ou particulares. De acor- ram de ser informados à Revista Para que a pesquisa pudesse vol-
do com o professor Velasco, a FFM Adusp. Também o professor titular tar a ser realizada pelos docentes
pretende reformular esse critério, do Departamento de Cirurgia da e alunos da Faculdade, foram cria-
passando a privilegiar o caráter aca- Faculdade de Medicina, Erasmo To- dos os LIMs, os quais, segundo o
dêmico e a ligação das atividades losa, ex-superintendente do Hos- professor Velasco, seriam, do ponto
dos CGs com os projetos dos depar- pital Universitário da USP, ficou de vista administrativo, laboratórios
tamentos da Faculdade. sem resposta quando tentou obter do HC, financiados pelo hospital,
O professor Adib Jatene, ex-presi- os mesmos dados. mas localizados fisicamente na Fa-
dente do Conselho Curador da FFM, Em 20 de agosto de 1999, o pro- culdade. “É mais uma questão filo-
ex-diretor da Faculdade de Medicina fessor Tolosa enviou um documento sófica, de o HC apoiar a pesquisa
e ex-ministro da Saúde, complemen- solicitando à FFM a “relação das também”, diz.
ta: “Os CGs buscam equilibrar essas retiradas financeiras individuais e Os 62 LIMs, considerados em
distorções de áreas que geram re- não autorizadas, feitas pelos res- seu conjunto como um instituto do
ceita e que não geram receita. Há ponsáveis dos Centros de Geren- HC, recebem uma pequena porcen-
uma boa parte da verba que vai para ciamento”, além de relatórios e es- tagem da verba SUS: 0,3%. Nem
pessoal, e você tenta equilibrar essas clarecimentos sobre o “movimento todos os LIMs, note-se, recebem
distorções. Há professores que recla- financeiro das verbas atribuídas à uma parcela dessa verba quase sim-
mam que recebem pouco pelo que Diretoria da Faculdade de Medicina bólica. Uma comissão científica dos
captam. Mas eles têm que trabalhar e à Superintendência”, bem como laboratórios, composta por docen-
por toda a instituição.” uma “descrição das complementa- tes da Faculdade, determina para
Vendo-se a questão por outro ân- ções salariais” autorizadas pela Di- onde vão os recursos, através da ela-
gulo, constata-se que a instituição retoria, Superintendência, Conse- boração de um ranking que deter-
dos CGs cria novas atribuições para lho Deliberativo do HC e Conselho mina essa distribuição.
os professores titulares da Faculda- Curador da fundação. De acordo com o professor Velas-
de: “De maneira geral, a cada cen- O pedido solicitava resposta no co, a FFM entra apenas como execu-
tro de gerenciamento corresponde prazo de quinze dias, e apesar de tora do que a comissão determina,
uma unidade do Hospital das Clíni- fundamentar-se também na “natu- não tendo qualquer influência nos
cas, que, por sua vez, guarda relação reza pública da verba carreada pelo critérios do ranking. Além das verbas
com uma disciplina ministrada na SUS à Fundação Faculdade de Me- repassadas pela fundação, que giram
Faculdade de Medicina da USP, de dicina”, o professor não conseguiu em torno de R$ 2 mil por mês para
tal sorte que, em regra, o professor o que queria. “Informavam de uma cada laboratório, os LIMs também
titular dessa disciplina é, simultane- maneira maquiada. Eu acho que captam recursos de agências e pro-
amente, responsável pela unidade qualquer pessoa tem o direito de sa- gramas de fomento, como Fapesp e
do Hospital das Clínicas correlata e ber quanto tem e para que foi desti- Pronex (Programa de Financiamen-
pelo, também correspondente, cen- nado”, explica. to de Áreas de Excelência).
tro de gerenciamento da Fundação Outra estrutura do HC que se Quinta consideração: a FFM viu
Faculdade de Medicina”, apontou o confunde com a Faculdade são os sua situação complicar-se em 1998,
ex-deputado estadual Pedro Dallari, Laboratórios de Investigação Médi- quando o então presidente do Con-
advogado da FFM, no I Fórum de ca, ou LIMs. Em 1968, com a cria- selho Curador da fundação, dire-

61
Dezembro 2001 Revista Adusp
tor da Faculdade e também presi- adotar diversas medidas de con- regido pelas regras da CLT, estava
dente do Conselho Deliberativo do tenção de gastos. sujeito a reajustes e dissídios. O fato
HC, professor Marcello Marcon- O caixa da fundação caiu de R$ é que, com o tempo, a remuneração
des Machado, comandou a reali- 27,5 milhões no início de 1999 para pelas horas adicionais se tornaria
zação de negócios imobiliários de R$ 19 milhões em agosto. As con- mais alta do que o salário do HC, o
vulto. Três imóveis foram adqui- tratações de novos funcionários fo- que levou a uma distorção.
ridos pela fundação, que desem- ram suspensas. Os gastos nos CGs Para sair dessa fórmula, a FFM
bolsou nas transações cerca de R$ foram cortados e foi preciso buscar criou uma outra, de remuneração
26 milhões. “É como uma empresa outras fontes de receitas, como os variável — a variação ocorria de
privada: tem que ter um patrimô- projetos contratados com o poder acordo com a arrecadação. Os sa-
nio, se eu tiver que demitir meus público. lários passaram a basear-se no nú-
funcionários”, justifica o professor Para entender-se a nova crise, é mero de atendimentos mensais. O
Velasco, sucessor do professor Mar- preciso retornar ao início da década Sindicato dos Empregados em Es-
condes Machado. de 90. O HC emprega mais de 8.000 tabelecimentos de Saúde do Estado
A transação mais polêmica foi a de São Paulo (Seesesp) entrou com
compra, por R$ 20 milhões, de um uma ação contra o salário variável,
prédio da Febem pertencente ao para que se fizesse o pagamento so-
governo do Estado e tombado pelo Em 1998, três imóveis bre o salário fixo, já em fins de 1992,
Condephaat. A aquisição provo- exigindo a fixação e correção dos sa-
cou a renúncia de todo o Conselho foram adquiridos lários. O Seesesp venceu a ação em
Curador e a saída de um membro todas as instâncias: Junta de Con-
do Conselho Consultivo, o profes- pela fundação, ciliação, Tribunal Regional do Tra-
sor do Instituto de Biociências e balho e Tribunal Superior do Traba-
ex-ministro Paulo Nogueira Neto que gastou nas lho. Agora, aguarda o pagamento
(leia texto na p. 73). dos funcionários.
Os recursos para a compra dos transações cerca Somente em 1998 a FFM deci-
imóveis vieram do fundo de reserva diu acabar com o salário variável e
da fundação, constituído principal- de R$ 26 milhões fixar o valor dos salários, criando
mente por verbas SUS. Os 10% das uma tabela. Mas isto gerou um no-
verbas SUS destinados a esse fundo vo tipo de problema: “O peso dos
eram investidos em papéis finan- recursos humanos foi crescendo”,
ceiros (CDBs). A mudança no tipo funcionários não médicos. Desde aponta a diretora-geral da funda-
de investimento teria sido sugerida 1992, quase todos possuem dois con- ção, referindo-se aos gastos com
pelo curador de fundações do Mi- tratos de trabalho: um com o HC, a verba SUS. “Era de 40% [com a
nistério Público Estadual, promotor outro com a FFM. Apesar de ins- folha de pagamentos], mais 10%
Edson Rafael. tituído como opcional, foi raro o [para o fundo de reserva]. Hoje em
Além de trazer o modo de pen- funcionário que recusou o contrato dia, está em 95%”.
sar e os problemas do setor priva- adicional. O segundo contrato, de De qualquer forma, com a ex-
do para uma instituição pública, até duas horas adicionais por dia, tinção do salário variável, em 1998
a criação de uma estrutura admi- teria sido uma tentativa da funda- deixou-se de separar anualmente a
nistrativa privada não impediu o ção de atribuir remuneração mais respeitável fatia de 10% da verba
HC de enfrentar problemas tidos competitiva e diminuir a rotativida- SUS para o fundo de reserva, cujo
como exclusivos do setor público. de de pessoal. Proporcionalmente, montante acumulado até então, co-
Em 1999, a FFM se viu diante de este segundo contrato pagava me- mo já se viu, foi empregado na con-
uma crise de caixa, passando a lhor do que o Estado. Além disso, trovertida aquisição de imóveis.

62
Revista Adusp Dezembro 2001
“Os CGs eram autônomos e gas-
tavam mais do que deviam, sem uma
visão global”, diz o diretor da Facul-
PERGUNTAS SEM RESPOSTA
dade de Medicina. O professor Ve-
lasco explica que, em 2000, foi feito Muitas das perguntas feitas pela Revista Adusp para esta reportagem
um diagnóstico para que o Conse- não foram respondidas. Boa parte diz respeito ao modo como as verbas
lho Curador da FFM tivesse uma SUS são utilizadas pelos centros de gerenciamento, os CGs.
visão global da situação e também Depois de tentar, por mais de dez dias, marcar uma entrevista com o
“para evitar que os CGs gastassem superintendente do HC, José D’Elia Filho, combinamos com o assessor
com atividades não acadêmicas ou de imprensa do hospital que as perguntas seriam feitas por e-mail.
assistenciais”. Elas foram enviadas no dia 22 de outubro. O cancelamento da entrevis-
O professor Jatene explica que ta, porém, nos foi comunicado por pager, logo no dia 24, através da
uma boa parte das verbas vai para seguinte mensagem: “Antonio, retransmito resposta do superintendente:
recursos humanos, “porque a polí- ‘Agradeço a atenção, mas não vou me pronunciar sobre as questões.’
tica de pessoal do Estado não aten- Obrigado, assessoria imprensa HC.” Algumas das perguntas enviadas
de à necessidade do pessoal, os va- a D’Elia:
lores pagos são baixos, não são va- 1) A FFM computa cerca de 9.600 funcionários no HC, entre funda-
lores para diferenciação do pessoal cionais puros e complementaristas, excetuando-se os médicos. Qual o
de um hospital universitário. Há número total de funcionários, incluindo-se os não complementaristas?
quanto tempo o pessoal está sem 2) Existem funcionários do HC que não estão trabalhando em função
correção?” questiona. Ainda se- de problemas com a FFM?
gundo Jatene, “esse problema difi- 3) Quanto a FFM repassou à Superintendência do HC em 2000? E
culta você ter mais recursos para as em 1999? Existe um percentual fixo para esse repasse?
outras áreas.” 4) Com relação à Fundação Zerbini, quais foram os repasses em 1999
A diretora geral da FFM apre- e 2000? Esse repasse é realizado somente por meio da transferência
senta a nova diretriz para os CGs direta de verbas? Houve algum momento em que a Zerbini deixou de
nos seguintes termos: “A idéia é que realizar esse repasse?
o diretor-executivo e os professores A diretora geral da FFM, Sandra Papaiz, acabou não fornecendo os
titulares do instituto façam uma au- dados referentes aos gastos de cada um dos CGs, prometidos durante a
to-gestão dos recursos”. Os CGs re- entrevista realizada no dia 9 de outubro de 2001 e solicitados insistente-
cebem toda a verba do SUS, contro- mente durante mais de dez dias.
lando tanto receitas como despesas,
incluindo pessoal. “A partir do mo- reuniões, viagens, etc., com paga- vido ao HC durante certo período.
mento em que recebe os recursos e mento de um monte de funcioná- De qualquer maneira, a FFM pa-
também paga as pessoas, você tem o rios, além daqueles que a fundação rece ter superado suas dificuldades
estímulo para racionalizar isso. Por- já pagava normalmente.” financeiras. As reservas líquidas em
que tudo o que conseguir economi- Acrescente-se outro motivo a ex- poder da fundação chegam hoje à
zar, você pode reinvestir, comprar plicar a crise financeira enfrentada casa dos R$ 50 milhões, segundo
equipamento, pode fazer rodar me- pelo CG Superintendência do HC sua diretora-geral.
lhor o seu instituto”. em 1999, citado pela diretora-geral Sexta e última consideração: nos
No entender do professor Tolosa, da fundação em uma reunião da últimos tempos, evidenciou-se uma
além de os CGs comprarem o que Congregação da Faculdade em abril situação de disparidade, constatan-
o Estado deveria comprar, ocorria daquele ano: o fato de a Fundação do-se inúmeros casos de funcioná-
também de “eles gastarem mais do Zerbini, também vivendo uma crise rios que exercem a mesma função
que deveriam com retiradas para de caixa, não ter feito o repasse de- mas recebem remuneração diferen-

63
Dezembro 2001 Revista Adusp
te. Isto porque parte deles recebe Este tipo de interferência da fun- 1995 pelo então diretor-geral da
apenas o salário do Estado, ao pas- dação no hospital não pára por aí. FFM, professor Gyorgy Bohm, pela
so que outra parte recebe também O funcionário Silva informa que, diretora-secretária da instituição,
um salário da FFM. A diferença sa- ao questionar os procedimentos da Nancy Emilia Briani, pelo diretor da
larial pode chegar a R$ 1.400,00 no FFM, foi “colocado à disposição” da Faculdade de Medicina, professor
caso de uma enfermeira. diretoria-executiva do Instituto Cen- Marcello Marcondes, e pela vice-
“O mal maior das fundações pa- tral do HC — ou seja, seria transferi- reitora da USP, professora Myriam
ra os servidores são os conflitos e do de área. Eleito diretor da Associa- Krasilchik, por delegação do reitor
a insatisfação que a remuneração ção dos Servidores, Silva pediu seu Flávio Fava de Moraes. O protoco-
diferenciada gera”, aponta Francis- afastamento e, durante dois anos, lo deveria vigorar “pelo prazo de
co Moreira da Silva, funcionário do não pode ser demitido ou transferi- cinco anos, a partir da data de assi-
Setor de Prontuários do prédio dos do, quer pelo HC, quer pela FFM. natura”. Portanto, teve seu prazo
Ambulatórios e diretor da Associa- encerrado em 11 de dezembro de
ção dos Servidores do HC (ASHC). 2000, e o novo acordo ainda não
“Isso desmotiva. Os funcionários havia sido firmado até meados de
não agüentam, vão embora”. novembro — está sendo analisado
A FFM possui
A FFM possui 1.700 funcioná- pela Consultoria Jurídica da USP.
rios conhecidos como “fundacionais Segundo a cláusula primeira do
1700 funcionários
puros”, ou seja, que não são empre- documento de 1995, que trata da
gados do HC, apenas da fundação, chamados de “Natureza da Cooperação”, o pro-
contratados antes da atual política tocolo “abre perspectiva para que
de corte de gastos. Por outro lado, “fundacionais puros” a FFM e a USP promovam entre
em 2000 houve novo concurso públi- si intercâmbio de natureza adminis-
co para o HC, preenchendo 800 va- por não terem trativa, científica e social e outras
gas. Entretanto, estes funcionários formas de cooperação que, com a
não foram contratados pela FFM. vínculos com o HC interveniência da Faculdade de Me-
“Está proibido contratar gente no- dicina da USP, levarão, principal-
va. Só substituição”, resume a dire- mente, ao desenvolvimento das ci-
tora-geral da fundação. ências médicas, ao aperfeiçoamento
Na opinião de Arlindo China- Almir Robson, funcionário do da educação médica e à solução de
glia, deputado federal licenciado Instituto de Medicina Tropical que problemas médico-sociais”.
(PT), ex-presidente do Sindicato representou sua categoria na Con- Na cláusula segunda, que diz res-
Estadual dos Médicos, com esse ti- gregação e no Conselho Técnico- peito à “Execução”, o protocolo es-
po de política “você divide os pro- Administrativo (CTA) da Facul- tabelece que “As iniciativas para a
fissionais, o ímpeto da luta por dade, aponta problemas como a execução do estatuído na Cláusula
melhores salários”, passando a exis- falta de transparência e controle anterior poderão originar-se de am-
tir “uma privatização relativa des- na FFM: “A FFM é, para usar um bas as partes e serão efetivadas atra-
ses equipamentos públicos, ou se- termo da área, uma anestesia para vés de convênios específicos”, os
ja, hospitais, escolas, universidades a dor da situação da saúde. Não é quais “poderão conter, no míni-
etc.” Para Chinaglia, ao privilegiar- a solução”. mo”, informações como as seguin-
se uma parte dos profissionais, “es- E a USP, poder-se-ia perguntar, tes: “metas a serem atingidas” (item
ses se apoderam de uma parte do como se relaciona com a FFM? b), as “etapas ou fases de execu-
dinheiro, em detrimento do prédio Existe um protocolo de intenções ção” (item c), a “confidencialidade”
público, equipamento público, ser- firmado entre ambas as entidades, (item n), “previsão de sobretaxa de
vidores públicos.” assinado em 11 de dezembro de 5% (cinco por cento) dos recursos

64
Revista Adusp Dezembro 2001
totais do convênio, destinados ao atualmente, 73 docentes recebem na CERT. Se ela aprovou isso ou
Fundo de Pesquisa da Universida- complementação. A Faculdade pos- não, eu não sei. O professor Rami-
de” (item i) e “condições de fiscali- sui 322 professores, 129 deles em res está há muito mais tempo do
zação” (item l). RDIDP. que eu”, afirma o professor Corda-
Apesar do disposto nos itens “i” Mais uma vez, a fundação, de ni. “Por força das normas que te-
e “l”, nem a diretora-geral da FFM acordo com o professor Velasco, en- mos, a CERT credencia professores
nem seu assessor, Cherubino Roque tra apenas como executora. Esta ati- em RTC e RDIDP para atividades
Júnior, sabiam qualquer coisa a res- vidade remunerada, aprovada pela simultâneas, analisa caso a caso pa-
peito de repasse ao Fundo de Pes- CERT, deveria ser objeto de um ra ver se está trabalhando dentro
quisa da Universidade. Por outro convênio. O professor José Franchi- do sistema e autoriza ou não essas
lado, perguntada sobre a eventual ni Ramires, titular de cardio-pneu- outras atividades”.
existência de convênio entre a fun- mologia da Faculdade, membro do Finalmente, a “dupla porta”. No
dação e a Faculdade, a diretora-ge- Plano de Trabalho 2000 da FFM
ral admitiu não haver nenhum, não discute-se, à página 5, o destino a
obstante esta instituição seja teori- ser dado ao Edifício Cláudia, fruto
camente “apoiada” por aquela. de um dos investimentos imobiliá-
Não há convênio
O protocolo USP-FFM não alu- rios da fundação em 1998: “Basea-
de ao repasse de 5% das verbas SUS dos em estudos de viabilidade eco-
entre USP e FFM.
à Diretoria da Faculdade, embora nômica a serem confeccionados,
uma das justificativas para a trans- Protocolo de o Conselho Curador da FFM deci-
ferência seja o fato de que o HC dirá pela venda, locação ou utili-
tenha direito ao “bônus Fidep”. A intenções firmado em zação do imóvel como clínicas de
explicação do professor Velasco pa- atendimento a convênios e particu-
ra a destinação dada aos recursos 1995 teve o prazo lares do Hospital das Clínicas da
é simples: “Tanto a FFM quanto Faculdade de Medicina da Univer-
a Zerbini dão 5% do faturamento expirado em 2000 sidade de São Paulo”.
SUS para a Diretoria da Faculdade Nenhuma dessas hipóteses —
para a manutenção do ensino, da venda, locação, clínicas para convê-
pesquisa, e da Faculdade”. nios e particulares — realizou-se.
Os recursos, segundo ele, são Conselho Curador da FFM e tam- O Edifício Cláudia, localizado na
utilizados para resolver “proble- bém membro da Comissão Especial movimentada Avenida Rebouças,
mas das comissões de ensino, gra- de Regimes de Trabalho (CERT) da sedia hoje a administração da FFM
duação, melhoria no biotério, na USP, explica essa ligação da seguin- (convenientemente, porém, a Dire-
biblioteca, na infra-estrutura de te forma: “A Faculdade de Medici- toria da entidade está localizada na
pesquisa do prédio, tudo isso”. O na, igual a Faculdade de Ribeirão própria Faculdade, bem próxima à
dinheiro “é usado sempre dentro Preto, conseguiu junto à USP um, sala da Diretoria desta).
do HC e sempre dentro da Facul- não sei exatamente o termo, ‘creden- A idéia de usar o Edifício Cláu-
dade”, finaliza. ciamento’ global de todos os RDI- dia para abrigar clínicas de atendi-
Apesar de não existir convênio, DP que foram selecionados dentro mento a convênios e particulares
vários professores em RDIDP rece- dos critérios da comissão, para re- do HC foi rejeitada. “Você não po-
bem uma complementação salarial ceber a complementação”. de, com dinheiro SUS, fazer uma
da FFM, determinada por critérios O presidente da CERT, professor coisa para atender convênios e par-
de produtividade estabelecidos pela Umberto Cordani, diz desconhecer ticulares”, declara o professor Ve-
faculdade (ver p. 65). Os professo- a decisão mencionada pelo profes- lasco. “Isto é ilegal, então não fize-
res interessados são classificados e, sor Ramires. “Estou há oito meses mos”. Independentemente dessa

65
Dezembro 2001 Revista Adusp
opção, o atendimento a particu- Bem diferente é a convicção do existem diversas outras formas de
lares e convênios vem ganhando professor Pinotti, também mem- se obter recursos, sem estabelecer
espaço no HC. bro do Conselho Curador da FFM, diferenciação entre pacientes. Ele
A existência da “dupla porta”, que vem atacando a dupla porta cita como exemplo a possibilidade
destinada a pacientes de convê- em artigos nos jornais. O ex-se- de se atender todos os pacientes
nios e particulares, insere-se em cretário da Saúde apresentou uma pelo SUS, e depois pedir o ressarci-
uma discussão que deixa de ter co- denúncia contudente, relacionan- mento diretamente aos planos de
mo ponto central o direito à saú- do centenas de casos de preteri- saúde daqueles pacientes que pos-
de, mudando o foco para as for- ção de pacientes do SUS no HC: suíam convênio, conforme a lei fe-
mas de se obter mais recursos para “Apresentei uma lista com 102 pa- deral nº 9.656.
a área. Na nova lógica, nem todas cientes aguardando cirurgia, com Outra possibilidade seria reti-
as pessoas são iguais, sobretudo diagnóstico ou suspeita de câncer, rar o teto de atendimentos SUS
no que diz respeito a quem pode e com 505 casos, com diferentes imposto ao HC pela Secretaria da
pagar. Passa a existir uma dife- Saúde, ou pelo menos aumentá-
renciação que começa logo na en- lo. “O objetivo da fundação nunca
trada do hospital — daí o apelido foi patrocinar atendimentos a par-
de dupla porta — e se estende ao Atendimento a ticulares. Isso é um desvio dos ob-
local de espera, às acomodações e jetivos”, diz Pinotti. Para ele, de-
aos leitos dos pacientes. convênios e ve-se levantar a seguinte pergunta:
O diretor da Faculdade recorre “Se há pelo menos três outras for-
a uma metáfora de fundo esportivo particulares rendeu mas de se conseguir os recursos,
para argumentar em favor da dupla por que se opta por essa?”
porta. “Imagine o hospital público R$ 10 milhões Já o professor Jatene entende
como um campo de futebol. Você que o sistema de atendimento a
tem o mesmo jogador, a mesma bo- em 2000. particulares e convênios ainda es-
la, o mesmo juiz, o mesmo campo. tá em desenvolvimento. “É possí-
Agora, tem um que senta na nume- É a “dupla porta” vel captar um pouco mais do pri-
rada, outro na arquibancada, outro vado, com os mesmos 6,5% hoje
na geral, estão vendo o mesmo jo- utilizados pela fundação”. Para Ja-
go”, tenta explicar. tene, não haveria razão em dizer-
Os pacientes particulares e de graus de suspeita, matriculados se que a FFM utiliza-se desses
convênios foram responsáveis, em no hospital, aguardando radiogra- 6,5% (cerca de R$ 9 milhões) para
2000, por uma verba adicional de fias, laparoscopias ou cirurgias pa- trazer pouco mais do que isso (R$
cerca de 10 milhões de reais — equi- ra diagnóstico” (Folha de S. Paulo, 10 milhões) pela dupla porta. “Es-
valente a 7% das obtidas com o pa- 27/11, p. 3). ses 6,5% são para captar os 130
gamento dos serviços prestados ao No seu entender, a maioria das milhões de verbas do SUS e para
SUS. Prossegue o professor Velas- clínicas do HC tem nível de ocupa- fazer o hospital funcionar”.
co: “Entra no hospital o indivíduo ção de no máximo 65% (35% de No entender de Arlindo Chi-
que vai ter os mesmos artistas. O ociosidade) em razão do “estrangu- naglia, porém, “uma das maiores
mesmo cirurgião, o mesmo anes- lamento do centro cirúrgico, onde conquistas da Constituição de
tesista, a mesma enfermeira, e tal. vários horários da ginecologia fo- 1988 é o acesso universal à saúde
Agora, um pagou, o plano dele vai ram, apesar de nossas reclamações, e à isonomia”. Portanto, toda vez
pagar melhor o hospital; o outro colocados à disposição dos pacien- que se agride esse direito, “tem-
não pagou, mas ele vai ser atendido tes conveniados”. se uma injustiça, uma agressão à
do mesmo jeito”. O professor Pinotti ressalta que Constituição”.

66
Revista Adusp Dezembro 2001

FACULDADE DE MEDICINA
E FFM ROMPEM ISONOMIA
SALARIAL NA USP

C
om quantos pontos é critos para receber a complementa- tos. Na graduação, a questão dos
possível conquistar um ção. Eles são classificados de acor- valores é ainda mais gritante: exem-
salário adicional de R$ do com uma série de critérios ava- plificando, um crédito-aula minis-
4.000,00? A Faculdade liados anualmente, como número trado pelo professor no semestre
de Medicina utiliza um de horas ministradas em graduação equivale a um ponto.
extenso e rebuscado sis- ou pós-graduação, publicação de As discrepâncias refletem-se no
tema de avaliação para selecionar artigos científicos em revista inde- ranking da complementação sala-
quais professores da unidade em RDI- xada, participação em eventos e car- rial: o primeiro colocado, cujo nome
DP podem receber uma complemen- gos ocupados no HC ou na Faculda- não foi divulgado, possui 12.389,49
tação salarial no final do mês, au- de (leia quadros nas p. 68-72). pontos, mais de quatro vezes a pon-
torizada pela Comissão Especial de Desta forma, os docentes vão so- tuação necessária para a comple-
Regimes de Trabalho (CERT), exe- mando “pontos” e recebem salários mentação máxima. Enquanto o 91º
cutada pela FFM e vista como uma extraordinários, em três faixas: de colocado da lista possui apenas 60,1
flexibilização da dedicação exclusiva. 500 a 1000 pontos, a complementa- pontos, bem longe do mínimo de
A tabela de avaliação foi entre- ção é de R$ 1.500; de 1001 a 3000 500 para receber complementação.
gue à direção da Adusp, em reu- pontos, a complementação é de R$ Mais especificamente, a FFM pa-
nião realizada no dia 30 de outubro 2.500; acima de 3000 pontos, o do- ga R$ 4.000 para 21 docentes, R$
na sede da entidade, pelo professor cente recebe R$ 4.000. 2.500 para 26 e R$ 1.500 para outros
Eduardo Massad, vice-diretor da Não bastasse o fato de quebrar a 26, o que totaliza R$ 188 mil por
Faculdade. Na ocasião, o professor isonomia salarial na USP, o sistema mês, ou R$ 2,256 milhões por ano.
Massad elogiou a seriedade do le- de pontuação em si possui critérios Em números do ano 2000, quando
vantamento realizado pela Revista duvidosos. Exemplo: o exercício da a FFM administrou cerca de R$
Adusp, prestou uma série de esclare- Diretoria Clínica do HC, responsá- 150 milhões de verba SUS, cerca
cimentos e colocou-se à disposição: vel pelos procedimentos do hospi- de 1,5% desse valor foi destinado
“A fundação quer ser transparente”, tal, atribui 300 pontos ao docente. à complementação salarial de do-
enfatizou. Já a publicação de um único artigo centes. É importante lembrar que
Dos cerca de 130 docentes em em revista internacional indexada este valor se refere a somente 73
RDIDP da Faculdade, 91 estão ins- no Current Contents vale 540 pon- professores.

67
Dezembro 2001 Revista Adusp

AS TABELAS DE PREMIAÇÃO POR


DESEMPENHO DA FMUSP
Avaliação do Ensino de Graduação
1. Atividades Voltadas ao Aluno de Graduação PONTOS
1.1 Horas-aula em disciplinas compulsórias ou optativas
da estrutura curricular da FM efetivamente ministradas. Nº de hs/aulas/Ano Ministradas
1.2 Coordenação de disciplinas compulsórias e optativas. n x 15
1.3 Orientação de estagiários, monitores e de alunos.
1.3.1 Sem bolsa. n x 5 (máx. 15)
1.3.2 Com bolsa. n x 10 (máx. 30)
1.4 Supervisão em ligas e associações vinculadas à Graduação. 10 (independente do nº)
2. Atividade de Capacitação e Aperfeiçoamento
2.1 Atividades desenvolvidas no Exterior. 15 (independente do nº)
2.2 Atividades desenvolvidas no País. 10 (independente do nº)
3. Atividades de Produção ou Preparo de Materiais de Ensino
3.1 Criação ou adequação de serviços assistenciais voltados à graduação no âmbito da ação da FM. 10 (independente do nº)
3.2 Publicação de artigo de atualização e divulgação voltado para o ensino de graduação.
3.3 Publicação de capítulo de livro para ensino de graduação n x 15
3.4 Edição ou autoria integral de livro para ensino de graduação n x 30
3.5 Preparo de material didático e audiovisual disponível para auto-instrução ou para uso
de outras Instituições com a chancela da Comissão de Graduação. n x 80
4. Indicadores de Avaliação dos Alunos sobre o Desempenho do Professor
4.1 Homenagem prestada por turma de formandos. n x 15
4.2 Indicação como patrono, paraninfo e nome de turma de formandos. n x 30
4.3 Outras homenagens e distinções prestadas por estudantes. n x 10
4.4 Prêmios por dedicação ao ensino de graduação atribuídos por Entidades ou Instituições. n x 25

Avaliação do Ensino de Pós-Graduação “Stricto Sensu”


1. Orientação de Mestrado Pontos
1.1 Mestrado Concluído n x 60
1.2 Mestrado em Andamento n x15 (máx. 45)
2. Orientação de Doutorado
2.1 Doutorado Concluído n x 120
2.2 Co-orientação de Doutorado Concluído n x 40
2.3 Doutorado em Andamento n x 30 (máx. 90)
3. Publicações Oriundas de Tese ou Dissertação
3.1 Artigo completo publicado em periódico indexado no Current Contents, em co-autoria do Pós-Graduando n x 60
3.2 Artigo completo publicado em periódico não indexado no Current Contents,
em co-autoria do Pós-Graduando n x 30
3.3 Resumos publicados em periódicos, em co-autoria do Pós-Graduando n x 5 (máx. 20)
3.4 Comunicação apresentada em Congresso publicada em Anais
e não publicada em periódicos, com co-autoria do Pós-Graduando n x2 (máx. 4)
4. Atividades Didáticas
4.1 Como responsável por disciplina ministrada na FM e/ou outras Instituições nº créditos da disciplina x 2
4.2 Como professor desenvolvendo atividade didática
em disciplina ministrada na FM e/ou outras instituições nº horas/aula ministradas/ano

Avaliação do Ensino de Pós-Graduação “Lato Sensu”


1. Residência Médica e Aprimoramento, cursos de longa duração da USP, acima de 720h Pontos
1.1 Orientação direta de Residentes e Aprimorandos (ambulat., enferm., salas cirúrg. e outros serviços) 8 horas=1 ponto (máx. 45)
1.2 Atividades didáticas teóricas, como professor junto aos Prog. de Resid. Médica e Aprimoramento Nº horas ministradas (máx. 20)
2. Orientação após Doutorado
2.1 Orientação de Doutores 10 pontos/semestre (máx. 40)
2.1 Orientação de Professores Visitantes (período igual ou superior a um mês) N x 5 (máx. 10)

68
Revista Adusp Dezembro 2001

Avaliação da Produção Científica


Pontos
1. Edição ou Autoria de Livro Internacional n x 100
2. Edição ou Autoria de Livro Nacional n x 80
3. Capítulo de Livro Internacional n x 60
4. Capítulo de Livro Nacional n x 40

5. Artigo Completo Publicado em Periódicos Indexados no Current Contents


5.1 índice de impacto = ou > 1 n x 540
5.2 índice de impacto < 1 n x 360
6. Artigo Completo Publicado em Periódicos não lndexados no Current Contents n x 90
7. Resumos Publicados em Periódicos lndexados no Current Contents n x 15 (máx. 45)
8. Resumos Publicados em Periódicos não lndexados no Current Contents n x 7 (máx. 21)
9. Editoriais, Cartas ao Editor, Monografias n x 3 (máx. 9)
10. Comunicações Apresentadas em Congresso Publicadas em Anais e não Publicadas em Periódicos n x 3 (máx. 9)

11. Eventos Internacionais


11.1 Vídeo/Filme apresentado em Eventos Científicos Internacionais. n x 15 (máx. 30)
11.2 Comparecimento em Eventos Científicos Internacionais. n x 10 (máx. 20)
11.3 Conferência ministrada em Eventos Científicos Internacionais. n x 15 (máx. 30)
11.4 Palestrante/Moderador/Coordenador/Relator/Debatedor em Eventos Científicos Internacionais. n x 10 (máx. 20)
11.5 Coordenação/Organização de Eventos Científicos Internacionais. 30 (independente
do nº de eventos)
11.1 Membro de Comissão Organizadora de Eventos Científicos Internacionais. 10 (independente
do nº de eventos)

12. Eventos Nacionais


12.1 Vídeo/Filme apresentado em Eventos Científicos Nacionais. n x 5 (máx. 15)
12.2 Comparecimento em Eventos Científicos Nacionais. n x 2,5 (máx. 5)
12.3 Conferência ministrada em Eventos Científicos Nacionais. n x 10 (máx. 20)
12.4 Palestrante/Moderador/Coordenador de mesa/Relator/Debatedor em Eventos Científicos Nacionais. n x 5 (máx. 10)
12.5 Coordenação/Organização de Eventos Científicos Nacionais. 15 (independente do nº)
12.6 Membro de Comissão Organizadora de Eventos Científicos Nacionais. 5 (independente do nº)
13. Bolsa Individual de Produtividade em Pesquisa (CNPQ) n x 30

14. Auxílios
14.1 Auxílio individual para desenvolvimento de projeto obtido de agências externas à USP (incluindo Bolsas de Iniciação
Científica, Mestrado ou Doutorado). n x 30
14.2 Auxílio individual para desenvolvimento de projeto obtido em agências da Unidade e da USP. 7,5 (independente do nº)
14.3 Coordenador ou co-responsável por desenvolvimento de projeto integrado ou temático. n x 30
14.4 Recursos financeiros obtidos de agências externas à USP. R$ 100,00 = 1 ponto
15. Prirneiro Prêmio (por atividade de pesquisa) outorgado por Sociedade Científica Internacional estabelecida. n x 100
16. Prímeiro Prêmio (por atividade de pesquisa) outorgado por Sociedade Científica Nacional estabelecida. n x 80

17. Aprovação em Concursos


17.1 Efetivação. 30
17.2 Mestrado. 45
17.3 Doutorado. 75
17.4 Lívre-Docência. 120
17.5 Professor Titular. 150
18. Pós- Doutoramento no Exterior (período mínimo de 12 ano) 150 (independente do nº)
19. Estágio no Exterior (período mínimo de 3 meses) 40 (independente do nº)
20. Estágio ou Visita para aperfeiçoamento no Exterior (igual ou superior
a uma semana e menor do que 3 meses) 10 (Independente do nº)
21. Estágio ou Visita para aperfeiçoamento no Brasil (igual ou superior a uma semana) 5 (Independente do nº)

69
Dezembro 2001 Revista Adusp

Avaliação das Atividades de Extensão Universitária


PONTOS
1. Atividades de Assessoria o Consultoria
1.1 Participação em Comitê de Assessoria Científica de Agências Oficiais de Fomento à Pesquisa. n x 30
1.2 Assessoria “Ad Hoc” de Agências de Fomento Científico. nx7
2. Atividade Editorial
2.1 Editor de Periódicos
2.1.1 lndexados no Current Contents 100 (independente do nº)
2.1.2 Não lndexados no Current Contents. 50 (independente do nº)
2.2 Membro do Corpo Editorial
2.2.1 Periódicos Indexados no Current Contents n x 20
2.2.2 Periódicos Não Indexados no Current Contents n x 10
2.3. Assessoria “Ad Hoc” a Periódicos
2.3.1 Indexados no Current Contents n x 8 (máx. 40)
2.1.1 Não indexados no Current Contents n x 4 (máx. 20)
3. Participação em Bancas Examinadoras
3.1 Como Membro Efetivo
3.1.1 Professor Titular. n x 70
3.1.2 Livre-Docência. n x 50
3.1.3 Doutorado. n x 30
3.1.4 Mestrado. n x 15
3.1.5 Efetivação ou Processo Seletivo para Admissão na Carreira n x 30
3.1.6 Outros Concursos. nx5
3.2 Em Comissões de Entidades Médico-Científicas nx5
3.3 Em Banca Examinadora de Título de Especialista nx5

PONTOS
4. Cursos Ministrados
4.1 Curso de Especialização (carga horária maior que 360 e menor que 720 horas)
4.1.1 Coordenador. 36 (independente do nº)
4.1.2 Docente. n horas x 2 (máx. 36)
4.2 Curso de Aperfeiçoamento
4.2.1 Coordenador. 18 (independente do nº)
4.2.2 Docente. nº horas x 2 .(máx. 18)
4.3 Curso de Atualização 10 (independente do n
4.4 Curso de Difusão Cultural 10 (independente do nº)
5. Participação na Direção (Presidente ou Diretor) de Sociedades Científicas,
Técnicas, Tecnológicas e/ou Profissionais
5.1 Presidente
5.1.1 Internacional. 100 (independente do nº)
5.1.2 Nacional. 50 (independente do nº)
5.1.3 Estadual ou Municipal. 20 (independente do nº)
5.2 Outros Cargos Diretivos ou Técnicos ligados à Sociedades Científicas, Técnicas, Tecnológicas e/ou Profissionais
5.2.1 Internacional. 50 (independente do nº)
5.2.2 Nacional. 25 (independente do nº)
5.2.3 Estadual ou Municipal. 10 (independente do nº)
6. Divulgação Cultural, Científica, Técnica, Tecnológica
(Curso para Nível Secundário, Exposições Culturais, Traduções, etc). n x 3 (máx. 12)
7. Artigo ou Entrevista em Jornais, Revistas e TV. n x 1 (máx. 4)
8. Supervisão Extra-Curricular de Estágios, Treinamentos, Reciclagens, Visitas Monitoradas/Técnicas.n x 1 (máx. 5)
9. Pareceres Técnicos, Laudos, Perícias, Projetos de Lei, Normas Legais, etc. nx7
10. Patentes n x 50
11. Coordenação de Convênios Interuniversitários n x 20
12. Participação em atividades relacionadas com Assistência à Saúde, vinculadas ao Complexo
Médico-Social da FM (excluindo-se horas despendidas com Alunos de Graduação nestas atividades) Nº horas/ano (máx. 480)

70
Revista Adusp Dezembro 2001

Avaliação do Engajamento Institucional


Faculdade de Medicina da USP 19. Instituto de Medicina Tropical
PONTOS 19.1 Diretor 250
1. Diretoria 19.2 Vice-Diretor 150
1.1 Diretor 400 20. Fundação Faculdade de Medicina
1.2 Vice-Diretor. 300 20.1 Diretor 250
2. Membro da Congregação 30 20.2 Vice-Diretor. 150
3. Membro do Conselho Técnico-Administrativo–CTA 30 21. Departamentos
4. Comissão de Graduação 21.1 Chefe de Departamento. 250
4.1 Presidente. 300 21.2 Suplente da Chefia de Departamento. 50
4.2 Membro. 60 21.3 Membro do Conselho de Departamento. 20
4.3 Coordenador do CEDEM. 50 21.4 Coordenador de Área de Concentração - PG. 50
4.4 Coordenador do Centro de Apoio 21.5 Membro da Comissão de
Educacional Psicológico (GRAPAL). 30 Pós-Graduação do Departamento 30
4.5 Coordenador do Programa 21.6 Presidente de Comissões Depart. de Ensino. 50
Especial de Treinamento (PET). 30 21.7 Membro de Comissões Depart. de Ensino. 30
5. Comissão de Pós-Graduação 21.8 Preceptor de Residência Médica. 50
5.1 Presidente. 300 21.9 Membro da Comissão de Residência Médica. 30
5.2 Membro. 60 21.10 Outras Comissões Departamentais.
6. Comissão de Pós-Graduação (Supra-Depar- 21.10.1 Presidente. 20
tamental) – Área de Fisiopatologia Experimental 21.10.2 Membro. 10
6.1 Presidente. 200
6.2 Membro. 40 Hospital das Clínicas da FMUSP
7. Comissão de Cultura e Extensão Universitária
7.1 Presidente. 300 1. Cargos Administrativos
7.2 Membro. 60 1.1 Superintendente. 400
8. Comissão de Pesquisa 1.2 Diretor Clínico. 300
8.1 Presidente. 300 1.3 Presidente do Conselho Diretor 300
8.2 Membro. 60 1.4 Membro Conselho Díretor. 50
9. Comissão de Biblioteca 1.5 Diretor Executivo. 300
9.1 Presidente. 50 1.6 Diretor Executivo Substituto. 100
9.2 Membro. 10 1.7 Diretor de Divisão. 200
10. Comissão de Biotério 1.8 Diretor de Divisão Substituto. 70
10.1 Presidente. 50 1.9 Diretor de Serviço. 150
10.2 Membro. 10 1.10 Diretor de Serviço Substituto. 50
11. Comissão de Informática 1.11 Responsável por LIM. 150
11.1 Presidente. 50 1.12 Responsável por LIM Substituto. 50
11.2 Membro. 10 1.13 Chefe de Seção. 100
12. Comissão Coordenadora da Unidade 1.14 Chefe de Seção Substituto. 40
do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE) 1.15 Encarregado de Setor. 50
12.1 Presidente. 30 1.16 Encarregado de Setor Substituto. 20
12.2 Membro. 10 1.17 Médico Supervisor. 30
13. Comissão de Biossegurança e Núcleo de Radioproteção 2. Membro do Conselho Deliberativo (Tit. e Sup.) 200
13.1 Presidente. 50 3. Comissão de Ética Médica
13.2 Membro. 10 3.1 Presidente. 50
14. Comissão e Assessoria de Recursos Humanos 3.2 Membro. 30
do Conselho Técnico Administrativo 4. Comissão de Bioética
14.1 Presidente. 50 4.1 Presidente. 50
14.2 Membro. 10 4.2 Membro. 30
15. Comissão de Patrimônio 5. Comissão de Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq)
15.1 Presidente. 50 5.1 Presidente. 50
15.2 Membro. 10 5.2 Membro. 30
16. Outras Comissões 6. Comissão de Residência Médica – COREME
16.1 Presidente. 40 6.1 Presidente. 60
16.2 Membro. 10 6.2 Membro. 20
17. Conselho Diretor do Centro de Saúde Escola 7. Centros de Aprimoramento dos Institutos do HC-FMUSP
17.1 Diretor Técnico 150 7.1 Presidente 60
17.2 Membro. 30 7.2 Membro 20
18. SVOC 8. Outras Comissões Permanentes ou Transitórias
18.1 Diretor 100 8.1 Presidente 20
18.2 Vice-Diretor. 30 8.2 Membro n x 10 (máx. 50)

71
Dezembro 2001 Revista Adusp

Administração Central – Reitoria


PONTOS
1. Conselho Universitário
1.1 Representante da Congregação da Unidade 60
1.2 Suplente 15
2. Outros Órgãos Colegiados
2.1 Presidente 200
2.2 Membro 50

O ranking atual
Nº CONTROLE LISTA CLASSIF. NOTA TITULAÇÃO Nº CONTROLE LISTA CLASSIF. NOTA TITULAÇÃO
11 A1 1º 12389.49 T 29 A2 47º 1002.86 D
30 A1 2º 9479.68 T 33 A2 48º 946.38 D
28 A1 3º 7410.74 T 4 A1 49º 939.58 D
27 A1 4º 6761.94 LD 40 A1 50º 935.78 D
17 A1 5º 6155.36 LD 29 A1 51º 930.59 LD
36 A1 6º 4885.00 ASSOC 5 A2 52º 919.88 LD
1 A1 7º 4816.11 LD 32 A1 53º 916.94 D
15 A1 8º 4326.71 LD 16 A1 54º 912.00 LD
51 A1 9º 4106.87 D 3 A2 55º 896.70 D
18 A1 10º 4003.73 T 26 A2 56º 875.96 D
25 A1 11º 3932.30 D 18 A2 57º 872.60 D
26 A1 12º 3852.56 D 10 A2 58º 836.54 D
14 A1 13º 3848.93 D 1 A2 59º 824.60 LD
33 A1 14º 3837.05 LD 9 A1 60º 794.96 LD
39 A1 15º 3680.02 LD 20 A2 61º 793.88 D
23 A1 16º 3394.52 D 34 A1 62º 789.88 D
12 A1 17º 3292.94 T 36 A2 63º 748.75 D
24 A1 18º 3283.71 T 21 A2 64º 688.80 D
10 A1 19º 3170.10 T 52 A1 65º 677.10 LD
38 A1 20º 3160.77 LD 24 A2 66º 673.14 D
37 A1 21º 3053.90 LD 57 A1 67º 661.30 D
31 A1 22º 2835.60 D 31 A2 68º 650.46 D
7 A1 23º 2423.95 LD 37 A2 69º 595.88 D
19 A1 24º 1863.99 D 41 A1 70º 584.80 D
21 A1 25º 1856.35 LD 28 A2 71º 546.65 D
8 A1 26º 1809.66 LD 13 A2 72º 518.35 D
5 A1 27º 1773.57 LD 54 A1 73º 500.00 D
22 A1 28º 1666.70 LD 12 A2 74º 431.00
49 A1 29º 1611.37 T 8 A2 90º 396.40
2 A1 30º 1601.19 D 23 A2 75º 374.67
46 A1 31º 1476.39 D 55 A1 76º 374.46
13 A1 32º 1375.55 D 30 A2 77º 361.10
3 A1 33º 1353.36 LD 9 A2 78º 345.40
47 A1 34º 1334.80 D 4 A2 79º 341.30
44 A1 35º 1246.39 LD 34 A2 80º 321.63
20 A1 36º 1228.33 LD 16 A2 81º 312.00
53 A1 37º 1209.44 D 22 A2 82º 284.20
39 A2 38º 1201.40 D 2 A2 83º 275.40
17 A2 39º 1177.02 D 50 A1 84º 260.70
19 A2 40º 1164.92 D 14 A2 85º 254.43
25 A2 41º 1096.17 D 42 A1 86º 239.40
38 A2 42º 1087.93 D 6 A2 87º 215.40
6 A1 43º 1081.86 D 27 A2 88º 148.40
43 A1 44º 1032.84 LD 32 A2 89º 113.60
7 A2 45º 1015.94 D 35 A2 91º 60.10
15 A2 46º 1011.10 D Fonte: professor Eduardo Massad - FMUSP

72
Revista Adusp Dezembro 2001

A
CONTROVERTIDA
COMPRA DO IMÓVEL
DA FEBEM
Daniel Garcia

O ingresso da FFM no “ramo dos negócios


imobiliários”custou R$ 20 milhões, pagos com verba
SUS ao governo estadual, na compra de um terreno
no Pacaembu onde funcionavam instalações da
Fundação do Bem-Estar do Menor, visto na foto

73
E
Dezembro 2001 Revista Adusp
m julho de 1998, a FFM, Acredito que a Fundação deve seguir Febem. A meu ver, a Fundação não
utilizando-se do “fundo as diretrizes definidas pelos órgãos deveria ingressar no setor de negócios
de reserva” de R$ 56 mi- colegiados do HC e da Faculdade de imobiliários”.
lhões (acumulados gra- Medicina, mas o conselho de curado- Posteriormente, o professor No-
ças à aplicação de 10% res tem que saber de tudo, porque ele gueira protocolou outro documento
das verbas SUS), fechou é, inclusive legalmente, responsável no 5º Cartório, solicitando que a car-
o que pensava ser um “negócio da por isso”, destaca o professor Pinotti. ta não fosse enviada. De todo modo,
China”: a compra, ao governo do Es- “Tanto nós não concordamos que em entrevista à Revista Adusp, ele
tado, de um terreno de 46.130 m2 lo- eu pedi demissão do Conselho Cura- confirmou que foi “contra a com-
calizado no Pacaembu, bairro nobre dor e fui contra”, diz o professor Ja- pra, por considerá-la um mau negó-
de São Paulo, e onde se localizava o tene. “O Marcello (Marcondes) fez cio para a fundação, que até hoje
chamado “Casarão” da Febem — si- aquilo achando que era um grande está engasgado”. De acordo com o
gla pela qual é conhecida a Fundação negócio para a Faculdade, que se ele professor, na reunião do Conselho
Estadual do Bem-Estar do Menor. tivesse um imóvel, ele estava prote- em que a questão foi discutida, “fi-
O negócio, de mais de R$ 20 mi- cou bem claro que a maioria era
lhões, foi conduzido pelo então di- contrária à compra, mas já não era
retor da Faculdade de Medicina da possível voltar atrás”. A transação
Como explicar
USP (e também presidente do Con- imobiliária também foi rejeitada pe-
selho Curador da FFM e do Conse- que um imóvel la Congregação da Faculdade.
lho Deliberativo do HC), professor Há um agravante na história: a
Marcello Marcondes Machado, e pelo adquirido com FFM pagou R$ 20,69 milhões por um
diretor-geral da fundação, Celso Ri- imóvel tombado pelo Conselho para
beiro, sem o aval do Conselho Cura- a verba SUS seja a Defesa do Patrimônio Histórico,
dor. Antes, Marcondes e Ribeiro ha- Arqueológico, Artístico e Turístico do
viam apenas comunicado aos conse- transformado Estado (Condephaat) em processo
lheiros que iriam realizar um estudo iniciado antes da compra. Por essa
visando à aquisição de imóveis para em lotes residenciais razão, o negócio com o casarão é alvo
capitalizar a fundação. Depois, volta- de uma ação civil pública, movida
ram com o negócio já fechado. de luxo? pela Promotoria do Meio Ambiente
A compra “às escondidas” provo- do Ministério Público Estadual, que
cou celeuma e a renúncia coletiva busca anular a venda para a FFM.
dos curadores, professores Adib Jate- gendo esse recurso mais do que se Segundo a ação, “a lei estadual
ne, José Aristodemo Pinotti, Silvano ele estivesse aplicando no banco.” de nº 9.461, de 16 de dezembro de
Raia e Hans Wolfgang Halbe, que Já o professor Paulo Nogueira Ne- 1996, que autorizou a venda do imó-
discordavam da operação imobiliária. to, do Instituto de Biociências (IB), vel situado à Rua Angatuba nº 765,
Estes mesmos curadores, em para- então membro do Conselho Consulti- no Bairro do Pacaembu, é substan-
lelo com o deputado Jamil Murad, vo da FFM, registrou a seguinte carta cialmente inconstitucional e, portan-
moveram ações judiciais na tentativa no 5º Cartório de Registro de Títulos to, a venda realizada pela co-ré Fa-
de impedir a efetivação do negócio, da Capital, datada do dia 18 de agosto zenda Pública do Estado de São Pau-
enquanto levavam a Congregação da de 1998, a ser encaminhada ao profes- lo para a co-ré Fundação Faculdade
Faculdade a criar uma comissão de sor Marcondes: “Venho pela presente de Medicina é nula de pleno direito”
investigação, da qual participaram. solicitar minha demissão do Conselho (processo nº14/053 99 425.238-5, ja-
“Se existe um conselho de curado- da Fundação Faculdade de Medicina neiro de 2000). O processo movido
res, precisa ser consultado para as da Universidade de São Paulo, por pela Promotoria do Meio Ambiente
decisões fundamentais da fundação. discordar da aquisição de imóvel da foi julgado em primeira instância e

74
Revista Adusp Dezembro 2001
considerado improcedente. Agora, a negócios imobiliários: como expli- de das variadas críticas à transação
ação aguarda novo julgamento, no car, por exemplo, que um imóvel ad- que efetuou. Segundo o ex-diretor
Tribunal de Justiça de São Paulo. quirido com a verba SUS seja trans- da Faculdade, a FFM, “respaldada
A sugestão de comprar um imóvel formado em loteamento residencial nas decisões programáticas anterior-
para consolidar o fundo de reserva da de alto padrão? mente aprovadas, lastreada em pare-
FFM, dotando-a de um patrimônio O professor Pinotti afirma que, ceres jurídicos e embasada em laudo
que pudesse cobrir os eventuais passi- após muita insistência sua, o Conse- técnico favorável de empresa idônea
vos trabalhistas da entidade em caso lho Curador da FFM aprovou um de avaliação imobiliária, adquire o
de dificuldades financeiras, teria — processo da Fundação contra o es- imóvel em julho de 1998 pelo preço
segundo a resposta à representação critório imobiliário Partnership que, mínimo estipulado pelo governo”.
judicial contra a compra, datada de segundo ele, “orientou o negócio Ainda de acordo com o texto,
14 de agosto de 1998 — partido do e cobrou um percentual exagerado após a compra do imóvel “a institui-
próprio curador de fundações da ca- sobre a compra também”. ção FFM/FMUSP/HC foi agitada
pital, promotor Edson Rafael. Márcia Elisa de Molina Mandell, por inusitada comoção, com refle-
“O Curador disse: ‘Vocês têm qua- xos na USP e sua Reitoria, na Se-
se 11 mil funcionários. Qual é a segu- cretaria da Saúde, no gabinete do
rança da empresa, se um dia dá uma governador e na imprensa”.
insolvência, de você pagar esses fun- “Havia a certeza O texto resume a avalanche de
cionários? Então comprem um imó- ataques ao negócio: “Houve demis-
vel’. A ótica do Curador de Fundações de que a aquisição sões e renúncias de curadores. Pala-
é perfeita”, argumenta o atual diretor vras como ‘legalidade’, ‘legitimida-
da Faculdade, professor Velasco. O fora lícita, sem de’, ‘imprudência’, ‘nulidade’, ‘Inuti-
problema estaria somente no imóvel lidade’, ‘maquiavelismo’, ‘improbida-
escolhido, o qual, “por ser tombado fraudes”, escreveu de’, ‘oportunismo’ e ‘maniqueísmo’,
e por todos os problemas, não tem a bem como os seus respectivos antô-
liquidez que teria um prédio”. o professor nimos, estiveram presentes nas falas,
A FFM examina outras saídas pa- nos escritos e nas atitudes. Há ações
ra o imóvel, que não a venda, de mo-
Marcondes Machado na Justiça. Houve reuniões extraor-
do que ele possa gerar retorno finan- dinárias da Congregação. Convocou-
ceiro à entidade. Estuda-se a possi- se o Conselho Consultivo da FFM.”
bilidade de dividi-lo em três áreas Ele conclui afirmando que havia,
com utilizações específicas: 1) esta- da Partnership, afirma que passou a porém, “a certeza de que a aquisi-
cionamentos privados, por meio de integrar a empresa apenas a partir ção fora correta, lícita, feita de boa-
parcerias (teriam como clientela os de 2000, não tendo como responder fé, sem simulações e sem fraudes e,
freqüentadores de jogos e eventos no a respeito do negócio realizado em portanto, contaria com a aprovação
Estádio do Pacaembu); 2) loteamen- 1998, nem indicar alguém que pu- irrestrita dos colegiados pertinentes,
tos para a construção de residências desse responder sobre o assunto. porque era boa, próxima, institucio-
de alto luxo; 3) atividades na área Ela afirmou que o escritório deixou nalmente utilizável e com liquidez,
educacional, seja em parceria com a de atuar no ramo de consultoria e como assim se queria. E dessa ma-
Secretaria da Educação do Estado agora concentra suas atividades em neira manifestaram-se vários mem-
ou a Secretaria Municipal da Saúde, venda e locação de imóveis. bros do Conselho Consultivo ao
seja para uso da própria Faculdade. O professor Marcondes não quis tempo em que desaconselharam,
Caso a idéia venha a concretizar- responder às perguntas encaminha- formalmente, o uso de qualquer via
se, contudo, a FFM terá envereda- das pela Revista Adusp. Preferiu en- judicial no caso de se querer desfa-
do definitivamente pelo ramo dos viar um documento em que se defen- zer o negócio”.

75
Dezembro 2001 Revista Adusp

“NOSSO NEGÓCIO É RODAR


PACIENTE. NÃO É INSTITUIÇÃO
DE CARIDADE NEM PREVIDÊNCIA”
Marcio Kameoka e Pedro Estevam da Rocha Pomar
Equipe da Revista Adusp

Daniel Garcia

Advogada e empresária, Sandra Papaiz


Refinetti é a atual diretora-geral da
FFM. O cargo não é remunerado.
A seguir, os principais trechos da
entrevista em que, mesmo sem esconder
o viés privatista, ela adverte que muitos
convênios “estão semi-quebrados” e
“muitas vezes nos mandam só os
‘caroços’, o filé mignon vai para outros
hospitais”. Na sua opinião, a fundação
precisa reduzir custos e buscar fontes
alternativas de receita: “Estamos em um
equilíbrio muito tênue, e com um teto
que limita a gente crescer na parte SUS”

76
Revista Adusp Dezembro 2001
Revista Adusp- Qual o percen- Revista Adusp- A FFM tem ou- lares, a taxa também é de 6,5%.
tual atual da verba SUS que a fun- tros convênios com o setor público?
dação retém? Refinetti- Acabei de assinar com Revista Adusp- Quando se faz,
Refinetti- A porcentagem sobre o secretário municipal da Saúde, den- ou se vier a fazer, contratos com a
a receita SUS que, hoje, a fundação tro da regionalização da saúde eles iniciativa privada, isso não redunda
retém é de 6,5%. Até dois meses vão fazer as equipes de saúde da fa- em algum tipo de prejuízo para o
atrás, essa taxa era de 7,5%. Tenho mília (Projeto de Saúde da Família). atendimento SUS? É a mesma dis-
215 funcionários só meus, na admi- Eles acharam conveniente que a Fa- cussão que se levanta sobre a dupla
nistração da fundação, que fazem culdade, via fundação, assumisse essa porta, sobre os convênios.
todo o faturamento do Hospital das área. Eles me passam os recursos, já Refinetti- Não, porque no aten-
Clínicas. Então, na verdade, esses contratei os agentes comunitários de dimento SUS eu tenho um teto. Por
6,5% não ficam comigo, voltam pa- saúde e agora, em uma segunda fase, exemplo, mês passado eu faturei R$
ra lá, porque tem uma equipe de médicos e enfermeiros. Tem outra 14 milhões, mas recebi R$ 12 milhões
faturamento, uma equipe de recur- área, que estou querendo incremen- do SUS. Não tenho como aumentar o
sos humanos. Rodo mais de R$ 150 tar, que são contratos com a iniciativa faturamento SUS. Assim, não tenho
milhões por ano, tenho tesouraria, dinheiro para comprar e não tenho
tenho contas a pagar, contas a rece- orçamento para isso. Nós estamos li-
ber, compras... O hospital tem dois “Estou querendo mitados. Então, o que atendo de con-
“dinheiros”, o dinheiro do orçamen- vênio é complementar, é uma forma
to e o dinheiro do SUS. Faço a ad- contratos com a de trazer dinheiro. Pago salários, faço
ministração para eles do dinheiro manutenção, compro remédios, faço
do SUS, e isso custa 6,5%. Eu não
iniciativa privada, uma série de coisas que me ajudam no
ponho a mão em doente, mas con- SUS. Fica difícil delimitar. Eu acredito
com laboratórios.
trato gente para eles. Eu brinco, falo que, fazendo coisas com a iniciativa
que eu sou o banco deles: eu guardo Posso testar privada, não estou tirando nada da
o dinheiro, remunero as contas... área pública, muito pelo contrário,
remédios” estou trazendo dinheiro para dentro.
Revista Adusp- Qual a partici-
pação da FFM no projeto “Parcei- Revista Adusp- Esse técnico, es-
ros do Futuro”? privada. São ensaios clínicos. Posso se equipamento que vai ser usado
Refinetti- A Secretaria [da Educa- ter um contrato com um laboratório, para fazer essa análise, esse ensaio,
ção] transfere recursos para a funda- posso pegar dentro do hospital um ele não está trabalhando para o ser-
ção e contratamos os monitores. Da pesquisador específico, posso testar viço público?
mesmo forma, tenho com a Secre- remédios para a iniciativa privada. Refinetti- Do jeito que está, fica
taria da Saúde, que vai colocar nas difícil delimitar. Tem áreas de inter-
escolas agentes de saúde, e, através Revista da Adusp- Qual a taxa seção.
de convênio, eles me dão os recursos, de administração para estes casos?
eu contrato e controlo estas pessoas. Refinetti- Nestes contratos é de Revista Adusp- Mas, para as
A Secretaria da Educação quer fazer 15%. Do SUS é 6,5%, mas se for pessoas que estão na fila, isto é bem
um programa desse tipo [“Parceiros com a área privada é 15%. Eu que- presente.
do Futuro”] nas escolas do Estado, ro trazer dinheiro da iniciativa pri- Refinetti- Você já foi para a In-
nos municípios com menos de cinco vada. Não me interessa subsidiá-la. glaterra? Você sabe quanto tempo
mil habitantes. Como tem um aspecto Se ela pode pagar 15%, ela vai pa- de fila tem para ser atendido? Seis
de saúde, a Secretaria da Educação gar 15% e subsidia o resto. Mas pa- a oito meses. Não tem recurso, por-
resolveu fazer com a FFM. ra os convênios médicos e particu- que os recursos não são infinitos.

77
Dezembro 2001 Revista Adusp
Revista Adusp- Mas o sistema selecionar... Tenho convênio que está ras, o que o convênio paga não cobre
de saúde da Inglaterra era muito me devendo! Que eu faturo, mas me nem um décimo do que você gasta.
bom, não? Pelo menos até a chega- dão canseira para receber. Mesmo Atender convênio também não é essa
da da Margareth Thatcher. atendendo convênio, não é essa ma- maravilha, tem que avaliar os custos.
Refinetti- Na área de medicina, ravilha. Não temos muitas saídas. É Estamos em um equilíbrio muito tê-
tudo está ficando tão caro. Antiga- mais uma solução interna — reduzir nue, e com um teto que limita a gente
mente, o atendimento era meio bá- custos, tentar otimizar os recursos crescer na parte SUS.
sico, o médico pedia um exame ou que a gente tem, comprar melhor, fa-
outro. Hoje em dia, qualquer aten- zer a lição de casa interna — porque Revista Adusp- Como está a saú-
dimento já pede uma bateria de exa- do externo não vêm grandes soluções. de financeira da fundação?
mes desse tamanho... Na Inglaterra, Tem limitantes: em convênios, tem Refinetti- Muito bem, obrigado!
por exemplo, não se faz mais nada que brigar com o Einstein, o Sírio-Li- Está bem. Hoje em dia nosso caixa
com quem tem mais de 65 anos: banês, Beneficência Portuguesa, com total está em torno de R$ 50 milhões,
não se faz transplante, não se aten- “hotéis”, como eu os chamo, com lu- só que também não é essa maravilha,
de... Eles escolhem, mediante regras, porque, só de folha, gasto R$ 9,5
quem vai ser atendido, pois não tem milhões por mês. Então não é que
recurso para atender todo mundo. “Os convênios estão desses R$ 50 milhões você possa sair
fazendo grandes brincadeiras.
Revista Adusp- Mas no Brasil semi-quebrados.
há uma inversão. Acaba-se inves- Revista Adusp- Como esse di-
tindo muito em medicina curativa, Tenho convênio que nheiro reverte para o HC ou a Fa-
porque não há preventiva. culdade?
está me devendo!
Refinetti- Qualquer hospitaliza- Refinetti- Eles têm que apresentar
ção é caríssima. Não adiante botar na um projeto com viabilidade econô-
Convênio não é essa
Constituição que todo mundo tem mica, dizendo “vou investir nisso, nis-
direito a saúde, porque não há recur- maravilha” so e nisso, e com isso vou melhorar
sos. A tabela SUS não é aumentada faturamento”. Ou academicamente.
há anos. É ridícula. Uma consulta Como é um hospital universitário,
é R$ 2,80. Isso porque nós temos Fi- xo. Que o HC não tem. O que atrai temos que ter o lado financeiro, mas
dep, por ser instituição ligada à uni- alguém aqui é o fato de ele estar sen- tem o lado acadêmico e de pesquisa.
versidade, a gente tem 75% a mais. do cuidado por um grupo de pessoas Por isso eles têm que justificar: se
orientado por um professor titular da não for economicamente, tem que
Revista Adusp- Que vem a ser USP, onde se presume que se usa a provar que é importante em termos
Fidep? tecnologia mais moderna. Como nós acadêmicos. Na fundação e no hospi-
Refinetti- É um incentivo ao de- estamos ligados à área pública, não tal, nossa função é assistência médi-
senvolvimento da educação e da pes- tem muita coisa vip. É um SUS me- ca, ensino e pesquisa. Não podemos
quisa, dado aos hospitais universitá- lhorado, não é como o Einstein. E usar o dinheiro para outras coisas.
rios. Então você tem um adicional muitas vezes eles mandam para a gen- Temos que direcionar para comprar
sobre a tabela SUS, que é por volta te “caroço”, as coisas mais caras, que remédios, consertar tomógrafos. Nos-
de R$ 1,7 milhão por mês, de Fidep, não dá para fazer. Ou seja, mesmo so negócio é rodar paciente. Não é
do que a gente arrecada. Mesmo as- com os convênios, a gente ainda tem instituição de caridade e também não
sim é pouco. O convênio paga mais, que negociar muito, porque senão é previdência. Em relação aos funcio-
mas também não é essa coisa... E os você acaba pegando só coisa cara e as nários, não posso estar carregando
convênios estão semi-quebrados. São coisas mais filé mignon ficam com eles no colo, porque o dinheiro que
obrigados a atender tudo, não podem os outros hospitais. E essas coisas ca- eu possuo tenho que usar para saúde.

78
Revista Adusp Dezembro 2001

OS PLANOS FRUSTRADOS
DA FUNDAÇÃO CRIANÇA
Denise Casatti
Jornalista

Impedida de administrar as verbas


do Instituto da Criança do Hospital
das Clínicas, a Fundação Criança,
uma instituição privada, permanece
sem atingir a maioria dos objetivos.
Seu instituidor, professor Antranik
Manissadjian, dispara críticas contra a
Fundação Faculdade de Medicina e a
Promotoria das Fundações da capital

79
A
Dezembro 2001 Revista Adusp
os sete anos de existên-
cia, a história da Fun- Demonstrações Financeiras FC (em R$)
dação Criança (FC), as-
Ano Receitas Patrimônio
sociada ao Instituto da
Criança (ICr) do Hos-
1995 - 22.775,68 123.745,91*
pital das Clínicas, se 1996 - 4.529,53 119.216,38
parece com a de pequenos pacien- 1997 - 14.011,25 105.205,13
tes que precisam de atenção médica 1998 - 22.063,37 83.141,76
para sobreviver. Seu principal insti-
1999 796.020,55 123.745,91*
tuidor, o professor da Faculdade de
* A dotação inicial recebida do Centro de Estudos Pedro de Alcântara foi de R$ 120,330,00.
Medicina da USP Antranik Manis- Fonte: Demonstrações Financeiras da FC registradas no 8º Cartório de Registro de Títulos
sadjian, hoje aposentado, garante
que a FC enfrentou obstáculos antes as unidades “não produtivas” com ce como respaldo para o InCor, sur-
mesmo da criação — e até hoje não verbas do ICr. “Em vez de estimu- giu-me a idéia de criar uma funda-
conseguiu tornar-se “gente grande” lar que as unidades não produtivas ção para dar respaldo para o ICr”.
como a Fundação Zerbini, organi- passassem a produzir, pelo contrá- No final dos anos 80, o professor
zação que tem como modelo. Ao rio, estimulava a acomodação e a Manissadjian realizou um plebiscito
lado de suas irmãs mais velhas e cristalização”, ataca. no ICr, para aferir o grau de aceita-
poderosas, a FC parece sofrer de Titular do Departamento de Pe- ção, na unidade, a uma nova funda-
inanição: em 1999, primeiro ano em diatria da Faculdade até 1994, ano ção. O resultado foi desanimador pa-
que obteve superávit, suas receitas em que se aposentou, ele exerceu ra ele: funcionários e médicos, mui-
foram de apenas R$ 796 mil. cargos importantes: integrou o Con- tos deles remunerados pela FFM,
Um dos objetivos da FC é fir- selho Delibera- tomaram posição
mar um convênio com o Hospital tivo do HC, foi contrária à cria-
das Clínicas e obter isonomia fi- seu diretor clí- “Tivemos oposição da ção de nova enti-
nanceira e administrativa, relativa- nico, presidiu o dade privada.
mente à Fundação Zerbini (FZ). Conselho Diretor FFM que, através do “São interes-
Esta administra todas as receitas do ICr. Também ses em jogo”, fus-
obtidas pelo InCor, sem ter de re- presidiu o Con-
Promotor, apresentava tiga. “Porque o
passá-las à Fundação Faculdade de selho Curador da ICr sempre foi
empecilhos”, denuncia
Medicina (FFM). FC (do qual par- uma unidade ex-
Já no Instituto da Criança, se- ticipa até hoje, o professor Antranik tremamente or-
gundo o professor Manissadjian, como membro) e ganizada sob o
toda verba gerada, seja a obtida integrou o Con- ponto de vista ad-
pelo SUS ou por convênios e segu- selho Curador da FZ. Atualmente, ministrativo e sob o ponto de vista
ros de saúde, vai para a FFM. “De exerce suas atividades privadamen- de faturamento, seja pelo SUS seja
toda receita originada pelo Insti- te. por seguros, extremamente ativa”,
tuto da Criança, tínhamos um re- O professor Manissadjian atribui afirma ele. No entender do profes-
torno de apenas 20%, no máximo a idéia de criar a FC à constatação sor, a saída do ICr da alçada de res-
25%. A FFM ficava com 75% a da existência de dificuldades finan- ponsabilidade da FFM geraria uma
80% da receita gerada”, queixa-se ceiras para manter atualizados sob grande perda de caixa: “são interes-
o professor. o ponto de vista científico e tecno- ses políticos e administrativos por-
O professor Manissadjian critica lógico o complexo e, particularmen- que eles acham, idiotamente, que
a FFM pela forma como distribui te, o ICr: “tendo visto e sentido o isso representaria perda de poder”.
as verbas dos institutos, socorrendo papel que a Fundação Zerbini exer- O professor denuncia que o boi-

80
Revista Adusp Dezembro 2001

EQUIPAMENTOS DE ÚLTIMA GERAÇÃO...


E CRIANÇAS DORMINDO NO CORREDOR
Daniel Garcia
Cícero, 4 anos, fez sua primeira
viagem de avião no dia 1º de ou-
tubro. Saiu de Maceió, Alagoas,
em busca de tratamento médico
no Instituto da Criança (ICr) do
Hospital das Clínicas. “Lá em Ma-
ceió não tem mais tratamento para
ele”, conta Lúcia, mãe do garoto.
Ela trazia um olhar de revolta, can-
saço e descrença na manhã do dia
3 de outubro, depois de passar a
noite praticamente em claro, sen-
tada em uma cadeira ao lado da de Alagoas, por intermédio de uma ele precisou ficar isolado em um
cama do garoto, em um corredor assistente social do Hospital Uni- dos consultórios médicos utilizados
do ICr situado em frente a uma versitário. A família ficaria alojada para atendimento. Quando a médi-
porta de vidro, próxima à saída da na casa de parentes em São Miguel ca descobriu que Rodrigo estava
estação Clínicas do Metrô. Paulista. O pai de Cícero, motorista com leucemia, na noite do dia 2,
“Tinha que ter um quarto fecha- de caminhão, desempregado havia tirou-o do isolamento e logo uma
do. Mesmo que ficassem mil crian- mais de quatro meses, precisou ven- funcionária o levou para o corredor,
ças em uma sala à parte seria melhor der tudo que tinha em Alagoas e onde ficou aguardando uma vaga
do que ficar no corredor. Ali passa alugou a casa antes de viajar. para internação até a manhã do dia
todo mundo e ele está debilitado, Além de passar a noite em um 3. Segundo Maria, que já esteve no
pode pegar alguma doença”, disse corredor, Lúcia conta que a ali- ICr em outra ocasião, acontece com
Maria, mãe de Rodrigo, 8 anos, que mentação demorou a chegar e só freqüência de pacientes passarem a
também passou a noite no corredor, veio porque ela pediu. Naquela ma- noite no corredor.
ao lado de Lúcia e Cícero. nhã do dia 3, já passava das 8h30 e Tanto Rodrigo como Cícero de-
Equipamentos de última gera- o café da manhã das duas crianças pendem do Sistema Único de Saúde
ção e os profissionais altamente e das mães ainda não tinha chega- (SUS) para serem atendidos. No ICr,
qualificados do hospital, dos úni- do. Também não ofereceram ne- pacientes do SUS só podem marcar
cos a possuir brinquedodeca, com- nhum banheiro para que pudessem consultas por telefone se tiverem
putadores e visitas de doutores da tomar banho. Na noite anterior, uma carteirinha do Hospital. Já os
alegria para animar o dia-a-dia das Maria tomou a iniciativa e pergun- que são atendidos por meio de con-
crianças internadas, não impedem tou onde poderia tomar banho. In- vênios e seguros de saúde podem
que ocorram cenas como a descri- formaram-lhe que à noite só havia marcar as consultas por telefone, an-
ta acima, retrato do sucateamento banho gelado e pediram que ela tes mesmo de passar pela triagem.
dos serviços de saúde no Brasil. aguardasse até o dia seguinte. Esclarecimento importante: os
Cícero, que tem cirrose hepática, Maria também tinha passado a quatro brasileiros de que falamos
a mãe, o pai e mais dois irmãos pe- noite anterior sentada numa cadei- nesta matéria tiveram seus nomes
quenos ganharam as passagens para ra. Como havia a suspeita de que mudados, para preservar sua iden-
São Paulo da Secretaria de Saúde Rodrigo estivesse com meningite, tidade e evitar represálias.

81
Dezembro 2001 Revista Adusp
cote à criação da FC envolveu até
mesmo o Ministério Público. “Para FUNDAÇÃO OPTA PELO SILÊNCIO
criar os seus estatutos, tivemos uma
oposição muito grande de vários e “O doutor Paulo Roberto Pereira disse que não vai se pronunciar
vários elementos, principalmente sobre o assunto no momento”, foi a resposta que a Revista Adusp
da FFM que, através do Promotor, recebeu da assessora de imprensa do Instituto da Criança depois de
apresentava mil e um empecilhos insistir em marcar entrevista com o diretor do IC e presidente da
para a concretização dessa criação Fundação Criança e enviar as perguntas, previamente, por e-mail.
pelos estatutos. Sempre apresen- Já o presidente do Conselho Curador da FC, Aluízio Rebello de
tava objeções de que faltava isso, Araújo, marcou entrevista com a repórter e, depois, pediu à secretária
faltava aquilo”. que remarcasse o encontro para outro dia. Na semana da entrevista, a
Os promotores de fundações da secretária voltou a telefonar e disse que o professor Araújo tinha ido à
capital foram procurados para res- Bahia e que não havia previsão para retorno. Ela pediu à repórter que
ponder à acusação do professor, aguardasse um novo contato para remarcação da entrevista, mas não
mas não deram retorno às mensa- houve outro telefonema até o fechamento desta edição.
gens da repórter.
A briga entre as fundações pelo nos estatutos consta que a institui- to, foi escrita antes mesmo dessa
controle do ICr surpreende pelo fa- ção surgiu “para apoiar todos os assembléia.
to de envolver instituições definidas esforços visando assistência, ensino Questionado sobre a carta, o pro-
como sem fins lucrativos. Nos do- e pesquisa em Pediatria” e não para fessor limita-se a dizer que houve
cumentos da FC, que só foi efetiva- obter renda por meio do ICr. “várias tentativas no sentido de se
mente criada em 19 de outubro de Também causa estranheza a exis- ver se se conseguia a isonomia”. Os
1994, registrados no 8º Cartório de tência de uma carta do professor estatutos foram registrados antes de
Registro de Títulos e Documentos e Manissadjian, datada de 6 de junho 1994, acrescenta. Na época em
Registro Civil das Pessoas Jurídicas, de 1994, dirigida ao então presi- que apresentou o pedido de vin-
em São Paulo, saltam aos olhos fra- dente do Conse- culação do ICr
ses de atas de reuniões como essa: lho Deliberativo à FC, ele ainda
“Prof. Antranik lembra que quando do HC, professor Assuntos que dizem ocupava posições
a FC foi instituída havia esperanças Adib Jatene, sa- influentes, pois
de se conseguir um convênio da Fun- lientando autori- respeito ao Instituto era o diretor clí-
dação Criança e Hospital das Clí- zação para que nico do HC.
nicas para formalizar a posição da o ICr se vincu- da Criança do HC Aliás, um pon-
FC como entidade de apoio ao Ins- lasse à Fundação to de difícil solu-
tituto da Criança, à semelhança do Criança. A escri- são decididos na ção nesta histó-
que acontece com a Fundação Zer- tura de institui- ria é delimitar
bini e o Incor. Com tal solução se- ção e constituição esfera da fundação as relações no tri-
riam reforçadas as finanças da Fun- da FC, de 19 de pé composto pe-
dação Criança” (grifo nosso, Ata da outubro de 1994, la Faculdade, HC
19ª Reunião Conjunta Extraordinária informa que ela foi criada em aten- e FC. As instituições envolvidas es-
do Conselho Curador e da Diretoria dimento à assembléia geral extraor- tão tão próximas umas das outras
da FC, 14 de junho de 2000). dinária dos membros fundadores e que é difícil separar quem pertence
O próprio professor Manissad- efetivos do Centro de Estudos Pro- a uma e a outra, criando uma situa-
jian declara em sua entrevista que fessor Pedro de Alcântara, realiza- ção de conflito de interesses.
o ICr representaria para a FC uma da em 9 de junho de 1994. A carta Atualmente, o diretor executivo
boa “fonte de renda”. No entanto, do professor Manissadjian, portan- do ICr, Paulo Roberto Pereira, é

82
Revista Adusp Dezembro 2001
nos mesmos moldes da Fundação
INSTITUTO DO CÂNCER INFANTIL Zerbini com relação ao InCor”. E,
na seqüência: “disse ter absoluta
O prédio onde funcionará o futuro Instituto do Câncer Infantil (ICI) convicção de que, nessas condições,
continua em obras. Localizado na rua Oscar Freire, 2396, o prédio tem não haverá dificuldade em se obter,
uma entrada pela rua Galeano de Almeida e pode ser visto da avenida em campanha de alto nível, os res-
Doutor Arnaldo. tantes 2/3 (oito milhões de reais)
Fruto de convênio entre a Fundação Criança, a Fundação Oncocen- do necessário para a conclusão do
tro de São Paulo (FOSP) e a Ação Solidária Contra o Câncer Infantil mencionado projeto”.
(ASCCI), firmado em 30 de setembro de 1998, o ICI sediará todo o Mais ainda: “Reiterou que tal
atendimento oncológico hoje realizado pelo ICr. intento será realizável se o Gover-
Os custos da obra são arcados por doações, obtidas pelas instituições. A nador, Secretário de Saúde e Con-
FOSP forneceu a estrutura inacabada de um prédio que passou vinte anos selho Deliberativo do HCFMUSP
abandonado. O terreno foi cedido em permissão de uso pela Prefeitura de concordarem com a proposta acima
São Paulo. Coube à FC, por meio das doações recebidas da ASCCI e de referida” (Ata da 15ª Reunião Con-
outras fontes, recuperar as estruturas inacabadas e ampliar o prédio. junta Extraordinária do Conselho
Segundo o Relatório e notas explicativas das demonstrações financeiras Curador e Diretoria da Fundação
encerradas em 31/12/1999, a fundação recebeu as seguintes doações em Criança, 1º de abril de 1998).
1999: pessoas físicas, R$ 950,00; pessoas jurídicas, R$ 13.500,00; ASCCI- Na continuação da discussão, o
ICI-Oncocentro, R$ 815.968,19. De acordo com o mesmo documento, professor Okay afirma, em nome do
nesse mesmo ano foram investidos R$ 810.512,59 na obra do ICI. Departamento de Pediatria, “que
Quando estiver em funcionamento, o ICI será administrado pela FC, não será oportuna uma demora na
sob responsabilidade técnico-científica do Departamento de Pediatria utilização dos recursos disponibili-
e da disciplina de Cirurgia Infantil da Faculdade de Medicina. Um dos zados pelo Governador, pois poder-
andares será destinado ao público da FOSP. se-ia perder tal verba”.
Mais adiante, o professor Okay
diretor presidente da FC; o chefe didos na esfera da fundação. acrescenta que “para utilizar refe-
do Departamento de Pediatria da O caso que serve de exemplo ridos recursos, não é prudente co-
Faculdade, professor Flávio Adolfo mais claro de que a FC, apesar de locar como condição ao Conselho
da Costa Vaz, é membro do Conse- seu limitado raio de ação, exerce Deliberativo a posição idealizada e
lho Curador da FC; o presidente do poder sobre o ICr está na discussão, desejada pela Fundação Criança em
Conselho Diretor do ICr, professor registrada na ata de 1º de abril de relação ao Instituto da Criança.”
Yassuhiko Okay, integra o Conse- 1998, acerca da verba de R$ 3,6 mi- A seguir, tem-se a conclusão do
lho Deliberativo do HC e também o lhões disponibilizada pelo então go- caso: “Ficou, portanto, decidido que
Conselho Curador da FC. vernador Mário Covas para o proje- a direção do Departamento de Pe-
Apesar de o professor Manissad- to de ampliação e reforma do ICr. diatria do Instituto da Criança leva-
jian afirmar que as fundações ape- Palavras do empreiteiro Emílio rá adiante, junto à direção do Hos-
nas atendem às necessidades ad- Odebrecht, membro do Conselho pital das Clínicas, a utilização dos
ministrativas dos institutos em fun- Curador da fundação, no início dos recursos disponibilizados e reinicia-
ção da solicitação dos colegiados de debates: “deveria ser mantida a pro- rá as obras do Instituto da Criança.”
cada instituto, não interferindo na posta, já levada há 4 anos ao Se- Infere-se que a decisão da FC é
orientação técnico-científica dessas nhor Governador, de ser a Funda- que determinou a ação do Departa-
instituições, nos documentos da FC ção Criança, em convênio com o mento, mesmo considerando-se que
aparecem indícios de que assuntos complexo HC, a entidade de apoio a posição vencedora no debate foi a
que dizem respeito ao ICr são deci- e suporte do Instituto da Criança, do professor Okay.

83
Dezembro 2001 Revista Adusp

FUNDAÇÃO ZERBINI
PROCURA SUPERAR
TURBULÊNCIA FINANCEIRA
Bianca Antunes e Pedro Estevam da Rocha Pomar
Equipe da Revista Adusp

Após contrair empréstimo do BNDES no valor de


US$ 55 milhões, em 1998, a gigante do Instituto
do Coração precisou do auxílio generoso do governo
estadual para driblar as dificuldades de caixa.
“Barriga de aluguel” no dizer de seu presidente,
por supostamente haver sacrificado a si mesma na
construção do Bloco II do InCor, hoje está envolvida
em projetos díspares como o Qualis e o InCor
Brasília, entre outros. Filantrópica, nem por isso
deixou de criar empresas comerciais

84
U
Revista Adusp Dezembro 2001
Daniel Garcia
ma das gigantes do se-
tor da saúde, a Funda-
ção Zerbini (FZ), as-
sociada ao Instituto do
Coração (InCor) do
Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da USP,
conta com receitas anuais superio-
res a R$ 100 milhões. Nascida em
1978, é apontada como modelo de
gerenciamento de verbas públicas
por fundações privadas, baseado na
“dupla porta”. No final dos anos 90,
porém, a FZ ingressou numa turbu-
lência financeira de conseqüências
difíceis de prever.
InCor: expansão de serviços
A partir de 1999, a fundação re-
duziu seus repasses ao HC, “em ra- Hoje a dívida com o BNDES agosto de 2001 a FZ decidiu des-
zão da inviabilidade financeira de é da ordem de R$ 70 milhões, po- fazer-se de um apêndice estranho
transferir, por ora, ao HC e FMUSP dendo chegar a R$ 120 milhões no a uma entidade legalmente sem
15% da receita bruta do InCor, por ano 2008, segundo o presidente da fins lucrativos e de finalidades fi-
ser valor muito superior a seu resul- fundação, Fernando Menezes. Ele lantrópicas: a empresa Fisics Bio-
tado operacional”, conforme deci- disse ter ouvido de uma autorida- física Aplicada SA, que produzia
diu o Conselho Curador em 14 de de governamental que essa dívida próteses e as vendia ao próprio In-
dezembro de 1998. é “impagável”, mas discorda do Cor. O capital social da Fisics, co-
Coincidência ou não, desde en- veredito e vem negociando uma mo é conhecida, pertencia à fun-
tão diversos conselheiros importan- redução das taxas de juros cobra- dação. Encerradas as atividades
tes renunciaram a seus assentos nos das pelo banco. da empresa, 29 funcionários se-
órgãos de controle e assessoria da Também são problemáticas, do riam demitidos.
FZ, que são o Conselho Curador e ponto de vista financeiro, as ativi- A extinção da Fisics, contudo,
o Conselho Consultivo (antigo Con- dades que a FZ vem desenvolven- não esgota a participação acionária
selho de Administração). do e que, embora meritórias do da FZ em empreendimentos priva-
A FZ apresentou, em 1999, défi- ponto de vista da saúde pública, dos: uma joint-venture acaba de ser
cit de R$ 16,88 milhões. Em 2000, escapam aos seus fins estatutários criada pela fundação para desen-
foi registrado déficit de R$ 10 mi- de “apoio ao InCor”. A fundação volvimento da tecnologia LDE, de
lhões. Na origem dos prejuízos está emprega mais de 900 funcionários tratamento de câncer. “A iCell The-
o investimento na construção do do Qualis, o programa de saúde rapeutics Corp. é uma empresa
chamado Bloco II do InCor, ou In- familiar do governo estadual. A americana de alta tecnologia com
Cor II. A obra consumiu parte do direção da FZ pensou em repassar sede no Colorado”, informa o pro-
caixa de R$ 40 milhões que a funda- para outra fundação o encargo, o fessor José Franchini Ramires, pre-
ção ostentava em 1998 — e levou-a que não prosperou. Ela também sidente do InCor e do Conselho
a contrair um empréstimo de R$ sustenta a Casa da Aids, mas já Curador da FZ, sobre aquela que
55,6 milhões no Banco Nacional do resolveu que seu auxílio só vai até será a parceira da fundação no
Desenvolvimento Econômico e So- o final de 2001. empreendimento.
cial-BNDES. Não bastasse tudo isso, só em “A participação na sociedade,

85
Dezembro 2001 Revista Adusp
conseguida por meio da conces-
são da patente do produto (LDE) Tabela 1
à empresa, dá direito ao Incor- Receitas da FZ, 1996-2000 (em milhões de R$)
Fundação Zerbini à representa-
ção na diretoria da iCell, resul- 1996 1997 1998 1999 2000
tando também na implantação do 84,4 93 112* 119* 138*
Centro de Desenvolvimento Tec- * Foram contabilizadas apenas as receitas operacionais.

nológico da empresa dentro do


próprio Instituto, em São Paulo”, Tabela 2
explica o professor. Superávit (+) e déficit (-) da FZ
O InCor tornou-se conhecido 1996-2000 (em milhões de R$)
como o hospital das celebridades
do mundo da política. A FZ, base- 1996 1997 1998 1999 2000
ando-se no prestígio pessoal do +14,1 + 7,0 + 7,0 - 16,8 - 10
cirurgião que lhe emprestou o no-
me, professor Euryclides de Jesus Tabela 3
Zerbini (autor do primeiro trans- Origem dos recursos da FZ no InCor
plante brasileiro de coração), nun-
(em R$ 1.000 nominais)
ca enfrentou problemas para atin-
gir seus objetivos. Seus laços com Origem/Ano 1995 1996 1997 1998
o poder aparecem a cada momen- Faturamento SUS 28.726 36.608 36.030 38.146
to de suas atividades. Estão pre- Faturamento Não SUS 30.504 47.383 48.614 51.286
sentes, por exemplo, na próxima Fonte: Superintendência do HC
empreitada da fundação: o InCor
Brasília, que será instalado com Bellotti, então seu presidente, aos do Sistema Único da Saúde (SUS)
verba de R$ 54 milhões do Con- membros do Conselho Curador, compõem parte expressiva e regular
gresso Nacional e funcionará no em outubro de 1997. “Sem prejuí- das receitas do InCor, e portanto
Hospital do Estado-Maior das For- zo da vinculação da fundação, es-
ças Armadas. a Fundação de- sas verbas públi-
Quando a FZ decidiu tomar o verá manter em cas não teriam
empréstimo no BNDES, em 1996, conta especial, e sido oferecidas
foi o governo estadual que veio em remunerada, um Quando a FZ decidiu ao banco como
seu socorro, renovando por dez montante equi- garantia do em-
anos, em 1997, o convênio entre valente a três
tomar o empréstimo préstimo? O atu-
o Hospital das Clínicas e a funda- prestações men- al presidente da
no BNDS, o governo
ção, que permite a esta gerenciar sais. Estima-se o FZ nega essa hi-
completamente o InCor. A reno- valor das presta- estadual a socorreu pótese.
vação por longo período era peça- ções entre R$ 0,9 Em 2000,
chave entre as garantias exigidas milhão e R$ 1,1 diante do déficit
pelo BNDES, dado o alto valor do milhão”, acres- de R$ 16,88 mi-
empréstimo. centou. lhões no balanço
“Como garantia é vinculada a A vinculação das receitas do In- do ano anterior, atribuído a desem-
receita própria da Fundação ao Cor ao pagamento das prestações bolsos imprevistos (“supriu parte
valor das prestações vencíveis até devidas ao BNDES suscita a seguin- da falta de medicamentos para o
a final liquidação”, explicou Paolo te questão: se as verbas oriundas HC, InCor e Casa da Aids” e “prin-

86
Revista Adusp Dezembro 2001
ano: “conseguir verba junto ao Go-
SAÍDA DE verno do Estado, a ser liberada da

CONSELHEIROS, UM SINAL?
seguinte forma: aumentou o teto
de atendimento SUS de 830 AIHs
para 1080 AIHs/mês, a partir de
A composição dos conselhos da FZ é marcada pela presença de setembro de 2000, o que corres-
destacadas figuras do mundo político e empresarial. O Conselho Curador ponde faturar contra o SUS 1 mi-
já foi presidido pelo banqueiro Pedro Conde. Passaram pelo Conselho lhão a mais por mês, no máximo;
Consultivo, entre outros, o senador Romeu Tuma (PFL), a ex-ministra R$ 5 milhões para custeio em 4
Dorothea Werneck e o então vice-governador Geraldo Alckmin (PSDB). parcelas até o final do ano; con-
Mera coincidência ou não, quando a FZ passou a conviver com altos tratação de 272 funcionários para
déficits esses colegiados registraram uma série de baixas, a saber: o Bloco II; crédito concedido pelo
• O professor Adib Jatene, um dos principais nomes da FZ, renuncia Governo do Estado de R$ 5 mi-
ao Conselho Curador em 25 de agosto de 2000 (carta lida na reunião de lhões para investimentos a serem
28 de agosto), sem que o motivo tenha ficado explicitado na ata. liberados após apresentação de
• Na reunião de 22 de janeiro de 2001, deixaram seus cargos os curado- pré-projeto”.
res Plínio Salles Souto, “por razões de ordem pessoal”, e Fábio Monteiro Mais ainda, conforme disse o
de Barros, pelo mesmo motivo. Na ocasião, também deixaram pediram senador na ocasião: “O Sr. Gover-
demissão dos cargos que ocupavam na FZ o superintendente, e ex-diretor, nador do Estado determinou que
Antonio Carlos da Silva Bueno, e o então presidente, Paolo Bellotti. essas verbas se destinem exclusi-
• Na reunião de 27 de agosto de 2001, é comunicada a renúncia, vamente ao InCor e que sejam re-
“em caráter irrevogável e irretratável”, de André Beer, conhecido passadas diretamente à Fundação
executivo da indústria automobilística. Ao longo de inúmeras reuniões, Zerbini”. O Conselho Curador de-
Beer defendeu a posição de que a FZ deveria realizar uma reforma cidiu, assim, “registrar o agrade-
administrativa e controlar melhor seus gastos. cimento do InCor e da Fundação
Zerbini ao Sr. Governador do Es-
cipalmente, financiou o aumento do Em reunião do Conselho Cura- tado pelo oportuno apoio finan-
atendimento SUS-InCor que em 99 dor da fundação, no dia 28 de ceiro ora prestado”.
foi 11% superior ao de 98”, segun- agosto de 2000, o senador Piva re- A mão amiga do poder público
do Paolo Bellotti), a FZ bateu às latou a providência tomada para também compareceu quando foi
portas do Governo do Estado. “consecução de solução provisória preciso renegociar com o BNDES
É possível que a identidade po- para essa emergência” — ou seja, as condições de pagamento do
lítico-partidária entre os dirigen- para superação das dificuldades empréstimo. O montante da dí-
tes da FZ e o governador Mário de caixa: o Estado se dispôs a re- vida foi refinanciado. Na já cita-
Covas (PSDB) tenha facilitado a passar R$ 10 milhões e ainda con- da reunião de agosto do ano pas-
operação de socorro. Entre 1998 cedeu permissão à FZ para esta ex- sado, Bellotti pôde anunciar aos
e 2000, a presidência do Conselho pandir o atendimento a pacientes curadores “a decisão 376/2000, de
Curador da FZ foi exercida por comuns e, portanto, faturar contra 17.7.2000, da Diretoria do BN-
Pedro Piva, que era o primeiro su- o SUS um número de autorizações DES no sentido de autorizar a
plente do senador José Serra (PS- de internação hospitalar (AIHs) alteração dos prazos de utiliza-
DB) e assumiu sua vaga no Senado 30% maior. ção, carência e amortização refe-
quando este foi nomeado ministro Pode-se concluir, com base nas rentes ao Contrato nº 97.2.470.2.1
da Saúde, no início do segundo informações de Piva, que a receita de 04/12/97 e do Aditivo nº 2 a
mandato presidencial de Fernan- obtida com o faturamento SUS ser firmado para tanto”.
do Henrique Cardoso. cresceria em R$ 12 milhões por O próprio senador Piva já teve

87
Dezembro 2001 Revista Adusp
ocasião de direcionar recursos fi- não se esgota, porém, no Bloco II. selho Curador já apontava que
nanceiros do Orçamento da União Ela bem pode ser utilizada para a FZ “tem administrado o Proje-
para a FZ. O Conselho Curador re- descrever a adesão da FZ ao Pro- to Qualis/PSF com sua estrutura
solveu agradecer ao senador por ha- jeto Qualis, em 1998. “Adesão”, atual, absorvendo integralmente
ver “destinado parte de sua verba a bem da verdade, não é a expres- o ônus daí decorrente”. Os conse-
pessoal, prevista na Lei de Diretri- são apropriada ao caso. Pode-se lheiros emitiram um sinal de aler-
zes Orçamentárias, em benefício da afirmar, de fato, que a FZ ajudou a ta, diante dos planos do governo
Fundação Zerbini”. viabilizar o Qualis: ela foi o princi- estadual de ampliar o atendimen-
A FZ chegou a cogitar em trans- pal instrumento por meio do qual to, de 200.000 para 2 milhões de
ferir para o Estado a dívida criada o governo estadual implementou pessoas.
com o BNDES, como admite Fer- esse programa. Portanto, eis aí “Mesmo limitando nosso apoio
nando Menezes: “Foi cogitado, mais um típico fenômeno “barriga às duas unidades atuais, a manu-
sim. Eu conversei isso com o go- de aluguel”. tenção da parceria com o Governo
vernador Geraldo Alkmin, mas O Qualis-Programa de Saúde do Estado implicará a revisão de
não senti necessidade de passar a alguns pontos”, a saber: “ter garan-
dívida. Porque também teria que tia do recebimento da verba orça-
ter uma lei na Assembléia. E há, da” e o repasse ao Projeto, a partir
também, o endividamento do Es- A figura da “barriga de janeiro de 1999, do “custo do
tado. Mas não vejo essa possibili- gerenciamento, no valor estimado
dade a curto prazo. Eles têm uma de aluguel” não se de 3% da verba alocada ao Proje-
série de prioridades”. to, hoje totalmente absorvido pela
O Estado, em suas várias esferas
esgota no Bloco II. Fundação Zerbini”.
de atuação, é um parceiro essencial A FZ incumbiu-se de levar
Ela pode ser utilizada
à sobrevivência da FZ. Mas tal situ- adiante o Qualis antes mesmo de
ação, como veremos, pode ser uma para descrever a qualquer formalização contratual
via de mão dupla. com o Governo do Estado, como
Presidente da fundação há me- adesão ao Qualis evidencia uma ata de reunião de 13
nos de um ano, o executivo finan- de setembro de 1999 do Conselho
ceiro aposentado Fernando Me- Curador: “Aguarda-se da Secreta-
nezes — que fez carreira no Uni- ria de Estado da Saúde a assinatura
banco, uma das maiores corpo- da Família foi apresentado à FZ de convênio com a Fundação Zer-
rações do sistema financeiro pri- pelo professor Adib Jatene. Nos bini, bem como aumento de trans-
vado — usa uma imagem interes- documentos da fundação, o profes- ferências de recursos por parte des-
sante para caracterizar o papel sor é citado mesmo como o “men- sa Secretaria”.
da FZ na expansão do InCor e tor” desse projeto, que consome Em 22 de janeiro de 2001, o
construção do Bloco II: “barriga verba anual superior a R$ 20 mi- Conselho Curador sintetizou do se-
de aluguel”. No seu entender, a lhões. Mas não se trata de uma guinte modo a dupla condição do
FZ “deu seu corpo, deu seu san- convivência tranqüila. As atas do Qualis, o qual, “implantado pela
gue”, para construir um patrimô- Conselho Curador da fundação re- Fundação na periferia da Capital,
nio que, ao cabo e ao fim, perten- gistram desde a celebração do im- no ano de 2000 apresentou expres-
cerá a outra instituição, o Hospi- pacto social positivo do projeto sivo progresso e consolidação”:
tal das Clínicas. E que, pior ain- até as queixas pelo fato de que, na — “assim se estrutura hoje: 14
da!, comprometeu a estabilidade prática, ele não é rentável para a unidades de saúde, 2 ambulatórios
financeira da fundação. entidade privada. de referência, a casa do Parto, 55
A figura da “barriga de aluguel” Em dezembro de 1998, o Con- equipes com 300 agentes comuni-

88
Revista Adusp Dezembro 2001
tários e no total, 926 funcionários. os convênios renderam R$ 22,29 encaminhados ao InCor é crescen-
Dá atendimento a 240.000 pessoas, milhões (35%). te, fazendo declinar a lucrativida-
ao custo per capita/mês de R$ 7,19, De qualquer forma, os resulta- de do sistema e, conseqüentemen-
incluindo atendimento bucal, aten- dos dos anos mais recentes não te, da fundação.
dimento a gestantes e aos indivídu- deixam mal o SUS. Em 1997, quan- Menezes afirma que uma rela-
os com problemas mentais. A as- do a FZ obteve receita líquida de ção de atendimentos SUS versus
sinalar que esse custo era de R$ R$ 93 milhões, dos quais R$ 84,6 convênios mais rentável para a FZ
11,22 em janeiro/98”; milhões deviam-se à remuneração seria de 6:4, mas reconhece que
— “face às explicações solicita- por atendimentos médicos realiza- isso é impossível. “Para o hospital
das e fornecidas, o Conselho deci- dos, o SUS respondeu por “75% ter uma certa rentabilidade, nós
de quanto ao Plano de Atividades e a 77% do atendimento” e por nada tínhamos que trabalhar com 60%
Orçamento para o ano 2001 acima menos do que “44% do faturamen- para o SUS e 40% para convênios.
exposto o que segue: procurar, a to”, em torno de R$ 36 milhões, Mas chegamos a ter 80% SUS.
curto prazo, outra entidade, uma contra R$ 48,6 milhões oriundos Não se pode deixar uma pessoa
fundação, por exemplo, que possa morrer na calçada. Mas o ideal,
assumir essa atividade, em substi- com as novas instalações, é operar
tuição à Fundação Zerbini, confor- com 70%, 72%”.
me negociação a ser mantida com A fundação fatura A pressão da clientela SUS e
a Secretaria da Saúde”. as limitações impostas ao retorno
O Qualis favorece a imagem ins- mais com convênios financeiro desse atendimento ge-
titucional da FZ, ao mesmo tempo ram um paradoxo: a fundação de
em que é uma fonte de instabilida-
do que com o SUS. finalidades filantrópicas, criada
de e preocupações. para dar apoio a um hospital pú-
Mas este ainda gera
Os números da fundação indi- blico de perfil universitário, volta-
cam que o atendimento de pacien- 40% das receitas se mais e mais para o “mercado”
tes SUS ainda supera largamente (grafado assim, com todas as letras,
o mínimo de 60% necessário à sua nos próprios documentos da FZ),
classificação como entidade filan- numa tentativa de obter maior
trópica. Nos últimos anos, ele tem dos convênios e particulares. rentabilidade.
representado entre 70% e 80% A relação se manteve próxima A preocupação da direção da FZ
do total de atendimentos, embora desse patamar em 1998, quando, com a obtenção de maiores receitas
a FZ mantenha nada menos do segundo os dados do HC, a remu- junto ao setor privado surge siste-
que 110 convênios médicos. Ape- neração pelo atendimento a pacien- maticamente nas reuniões do Con-
sar disso, a maior fatia da receita tes do SUS no InCor alcançou R$ selho Curador. São muitos os exem-
da fundação provém dos pagamen- 38 milhões (42,7%), contra os R$ plos disso:
tos realizados por convênios — a 51 milhões (57,3%) recebidos de Pesquisas contratadas. O In-
“segunda porta”. convênios e particulares. Cor é um importante centro de
O SUS, no entanto, já chegou a Ocorre, no entanto, que o valor pesquisas médicas. No início de
representar a maior parte do fatu- pago pelas AIHs não sofre reajus- 2001, os conselheiros souberam
ramento do InCor. Em 1994, por te desde o início de 1999, e pre- que em 2000 houve “crescimento
exemplo, ano em que a receita ope- sentemente as receitas da rubrica significativo no número de proje-
racional da fundação chegou a R$ SUS estão limitadas, no InCor, ao tos de pesquisa contratados com
63,25 milhões, o SUS pagou a ela teto de R$ 3,5 milhões mensais ou a iniciativa privada, no valor total
R$ 40,54 milhões (64% da receita R$ 42 milhões anuais. Ao mesmo de R$ 15 milhões, contribuindo
operacional total), ao passo que tempo, o número de pacientes SUS para a atualização científica e o

89
Dezembro 2001 Revista Adusp
Daniel Garcia
desenvolvimento da pesquisa fun-
damental da instituição”.
“Tele-relacionamento”. Em ou-
tubro de 1999, anunciou-se que
entraria em operação, em curto
prazo de tempo, “a Central de Te-
le-Relacionamento com o merca-
do, moderno sistema de agenda-
mento de consultas e exames” (o
grifo é nosso).
“Clínicas cardiológicas avança-
das”. Em fins de 1999, registrava-se
a entrada em funcionamento da Clí-
nica Rebouças (ou Unidade Rebou-
ças), “em andares alugados” e para
a qual estimava-se “um ganho adi-
Professor Adib Jatene
cional de R$ 2,5 milhões, não ha-
vendo aumento do efetivo”, e a cria- pelo desempenho. Políticas e prá- etc.” Em 22 de janeiro de 2001,
ção da Clínica Boa Vista, “no centro ticas de recursos humanos comple- cogitou-se em investir “em comu-
financeiro, com o apoio do escritó- mentam o salário de recursos hu- nicação externa dirigida a esse
rio Pinheiro Neto Advogados e da manos do InCor segundo políticas público, de forma a otimizar os
Bolsa de Valores”. de mercado”, declarou aos conse- investimentos do Bloco II”.
Fortalecimento da imagem. Em lheiros, em 13 de abril de 1998, Os planos otimistas de expansão
1998 teve início um “programa jun- o então presidente Bellotti. “A da participação privada devem es-
to à Mídia de intensificação da ima- Fundação exerci- barrar, contudo,
gem institucional da Fundação Zer- ta políticas ade- não apenas no li-
bini e InCor”. Foi criado um comi- quadas à conse- mite mínimo de
A FZ decidiu criar
tê de comunicação institucional. cução de recur- atendimento a
Como parte desse esforço, a funda- sos além dos ad- uma clínica pacientes do
ção decidiu obter um certificado de vindos do orça- SUS, mas tam-
conformidade à norma ISO-9002. A mento”. cardiológica no centro bém na dispo-
certificação foi concedida, em 1999, Maior parti- sição dos con-
pela Fundação Vanzolini. Acolheu- cipação privada. financeiro, com apoio vênios de redu-
se por unanimidade, em agosto de “No ano 2000 o zir os pagamen-
2000, sugestão do professor e con- Incor deverá fa- da Bolsa de Valores tos ao InCor pe-
selheiro Giovanni Cerri “para que turar US$ 145 los serviços que
se reforce a imagem visual de in- milhões, poden- este presta aos
terdependência da Fundação Zer- do chegar a US$ 190 milhões”, pacientes conveniados.
bini, Incor, HC, Faculdade de Me- informou Bellotti na mesma oca- Em reunião realizada em maio
dicina da USP”. sião. “Manteremos ao SUS os de 2001, o médico José Manoel
Políticas de mercado. “Nosso 60% de atendimento global e pro- Teixeira, diretor-executivo do In-
sistema de planejamento e contro- curaremos conquistar participa- Cor, explicou ao Conselho Cura-
le difere do Estado, pois este não ção maior no mercado privado, dor da FZ as razões pelas quais
mede desempenho e a Fundação envolvendo seguradoras de saú- as receitas declinam, embora a de-
Zerbini se orienta principalmente de, planos de saúde, particulares manda venha aumentando: “o de-

90
Revista Adusp Dezembro 2001

DESCOBERTA CIENTÍFICA, JOINT-VENTURE E LUCROS.


EIS A ICELL THERAPEUTICS CORPORATION
No início de 2001, o professor Ramires apresentou 300 milhões para um único medicamento. É um inves-
ao Conselho Curador da Fundação Zerbini o projeto timento de alto risco que as indústrias brasileiras não
de “desenvolvimento e posterior comercialização do têm apresentado interesse ou condições de assumir”.
LDE, caracterizado como uma nova tecnologia no A Revista Adusp perguntou ao professor Ramires
diagnóstico e tratamento de câncer a ser realizado quem é o autor do novo processo: se a FZ, o InCor
através de uma joint-venture entre a empresa norte- ou a Faculdade de Medicina, e se haverá reparte dos
americana iCell Therapeutics Corp., a Fundação Zer- possíveis lucros com o HC ou a USP.
bini e o InCor”. O projeto foi aprovado, “pois permite “A partícula foi desenvolvida por pesquisadores
obter recursos para explorar patente existente”. do InCor”, afirma. “A LDE serve de veículo para qui-
O presidente do InCor ora aponta a iCell como mioterápicos e substâncias radioativas no diagnóstico
a empresa parceira da Fundação Zerbini na joint- e tratamento de câncer e, futuramente, poderá ser
venture, ora como a própria joint-venture: “A criação aplicada como transporte de agentes terapêuticos ge-
da iCell se configurou numa saída para o baixo inte- néticos de baixa toxicidade, um dos grandes desafios
resse e alto custo para a indústria nacional nesse tipo da indústria farmacêutica no momento. Produzida ar-
de parceria”. tificialmente em laboratório, a LDE é semelhante ao
De acordo com o professor, “a Universidade e LDL humano e é capaz de transportar quimioterápi-
o hospital universitário não têm estrutura para de- cos diretamente para dentro de células cancerígenas,
senvolvimento e muito menos comercialização dos poupando células sadias. A partícula também é capaz
produtos gerados na pesquisa, mesmo porque não de transportar substâncias radioativas, auxiliando no
é esta a sua missão”, de modo que “a cooperação diagnóstico de tumores”.
universidade-empresa pode ser um caminho para via- O professor utilizou uma frase enigmática para
bilizar o repasse dos ganhos da pesquisa na Academia concluir sua resposta à pergunta sobre a repartição
para a sociedade”. dos eventuais lucros com a comercialização da LDE:
O desenvolvimento de uma nova droga terapêutica “A Fundação Zerbini tem dado apoio a projetos do
dura, diz ele, entre cinco e dez anos, no mínimo, e Hospital das Clínicas da FMUSP, tendo repassado nos
envolve uma série de fases de estudo até sua comer- últimos seis anos cerca de R$ 35 milhões. Portanto,
cialização. “Esses investimentos somam em média US$ tem cobrado apoio.”

créscimo de receita, apesar do au- pria política de remuneração dife- les partiu do próprio senador Piva:
mento no atendimento a pacientes renciada, que permite salários “de “O presidente alertou, novamen-
de convênios e particulares, se de- mercado” para a maior parte dos te, para a alta incidência da folha
ve à renegociação dos valores com funcionários da FZ e, certamente, de pagamentos no faturamento do
tais empresas privadas, através dos uma remuneração (fixa ou variá- InCor”.
chamados ‘pacotes’, sendo certo, vel) bastante elevada para o pe- Se tomarmos como exemplo
outrossim, que o hospital mantém queno grupo de docentes da Fa- 1999, ano em que as receitas ope-
permanente enfoque quanto à ne- culdade de Medicina e os 250 mé- racionais alcançaram R$ 119,29
cessidade de incremento do fatu- dicos do InCor. milhões, as despesas com “salá-
ramento através do atendimento Nos últimos anos, foram recor- rios e encargos sociais” alcança-
privado”. rentes os alertas a respeito no âm- ram R$ 83,54 milhões ou 70% do
Um outro complicador é a pró- bito do Conselho Curador. Um de- total. Se acrescentarmos às recei-

91
Dezembro 2001 Revista Adusp
tas operacionais as receitas finan- InCor, e recebem recursos da FZ, RDIDP”. Ele entende que os do-
ceiras (R$ 9,46 milhões), teremos são o laço evidente com a univer- centes da USP, “inseridos no âm-
uma receita global de R$ 128,75 sidade. É o caso do professor Jo- bito de uma universidade pública
milhões: neste caso, a fatia de sa- sé Franchini Ramires, titular de de ensino e pesquisa, têm a obri-
lários e encargos corresponde a Cardiologia Clínica da Faculdade gação de ministrar aulas e pro-
quase 65% do total, que ainda é de Medicina da USP e diretor- duzir conhecimentos” e que “a
um índice elevado. presidente do InCor. Na USP, ele CERT avalia a produção de do-
As fundações privadas ligadas também integra a Comissão Es- centes em RTC ou RDIDP de
ao HC e à Faculdade de Medicina pecial de Regimes de Trabalho acordo com critérios estabeleci-
operam com finalidade semelhante (CERT), colegiado subordinado à dos pelo CO”.
à das congêneres que atuam em ou- Reitoria. Ainda segundo o professor, “a
tras unidades da USP: garantir alta Atual presidente do Conselho suplementação de salários a do-
remuneração para seus beneficiá- Curador da Fundação Zerbini, o centes da cardiologia clínica e da
rios. Diferentemente das outras, no professor Ramires não vê conflito cirurgia cardíaca não gera nenhum
entanto, as da saúde usam princi- de interesses no fato de ocupar, conflito e não fere regra alguma”.
palmente o mecanismo da comple- “Nenhum dos docentes dessas duas
mentação salarial, por meio do du- áreas é RDIDP — a maioria é RTP
plo emprego. Reduzir a massa sala- e os outros, RTC. No total, somos
A Fundação Zerbini
rial da FZ representaria, assim, um em 13, enquanto o InCor possui
“corte na própria carne”. não recolhe taxas cerca de 250 médicos” (leia entre-
A FZ não recolhe para a USP vista nas páginas 99-102).
quaisquer taxas. A fundação, note- para a USP e não Embora não repasse verbas pa-
se, não se considera ligada à uni- ra a USP, a fundação o faz para o
versidade. “Isso nos honra muito, se considera ligada à HC. Tudo indica que se trata de
mas não é verdade”, comentou o acordo de cavalheiros, sem exigên-
presidente da FZ a propósito da in- Universidade cia contratual de percentuais, tanto
formação de que uma publicação que a FZ sentiu-se à vontade para
oficial da Reitoria, o Jornal da USP, rever, para baixo, os valores re-
incluiu a entidade no rol de funda- simultaneamente, cargos no In- passados. Em 1999, o valor aponta-
ções vinculadas. Cor: “Se você tem um cargo de di- do na rubrica “transferências para
Não deixa de ser uma situação retoria executiva, aí poderia haver HC/FMUSP” foi de R$ 6,07 mi-
intrigante: a fundação constituiu-se conflito de interesse”. Pergunta- lhões ou 5% da receita operacio-
para “dar apoio” a um instituto, o mos a ele, ainda, se “na condição nal (ou 4,7% da receita global).
InCor, que não possui personalida- de membro da CERT, e, portanto, Em 2000, teria sido de aproxima-
de jurídica própria, sendo (do ponto fiscal do cumprimento do RDIDP, damente R$ 7 milhões.
de vista formal e legal) mero depar- e ao mesmo tempo membro de Ao tratar de tais transferências,
tamento do HC; este, porém, vincu- conselhos curadores de duas fun- as atas da fundação mencionam,
la-se efetivamente à USP, por meio dações privadas que concedem quase sempre, “HC e FMUSP”. Mas
da sua Faculdade de Medicina; do- complemento salarial a docentes na Coordenadoria de Administra-
centes e estudantes desta unidade da USP (FFM e FZ)”, ele nunca ção Geral da USP (Codage) não há
da USP praticam ensino e pesquisa se sentiu em situação de conflito registro algum da entrada de va-
no complexo do HC, do qual faz de interesses. lores da FZ para a Faculdade de
parte o InCor. De acordo com o professor Ra- Medicina, e o próprio presidente da
Mesmo que se queira negar, os mires, “os membros da CERT não fundação assegura que os repasses
docentes da USP que atuam no são fiscais do cumprimento do limitam-se ao HC.

92
Revista Adusp Dezembro 2001

FERNANDO MENEZES

“ISSO AQUI TEM SIDO


UM TREM FANTASMA:
CADA CURVA TEM
UM ESQUELETO”
Bianca Antunes e Pedro Estevam da Rocha Pomar
Equipe da Revista Adusp

Fernando Eugênio D’Oliveira


Menezes, ex-diretor do Unibanco,
assumiu em fevereiro de 2001 a
presidência da Fundação Zerbini,
cargo não remunerado. “Quando
eu recebi o convite, o professor
Ramires precisava de uma pessoa
mais ligada à área financeira”,
diz, referindo-se ao presidente do
Conselho Curador. Menezes nega
que a entidade esteja em crise, mas
admite que encontrou “esqueletos”
de cuja existência não o avisaram:
“Logo que assumi, demorei um
mês para descobrir a Fisics”

93
Dezembro 2001 Revista Adusp
Revista Adusp- A Fundação te- nós estamos fazendo agora, à iniciativa bem. O que ocorreu? No começo da
ve superávit de R$ 14 milhões em privada. São projetos que apresenta- década de 90, as taxas eram elevadas.
1996, R$ 7 milhões em 1997, déficit mos. Quando queremos reformar de- Isso dava uma receita financeira ele-
de R$ 16 milhões em 1999 e de R$ terminada área nós fazemos um pro- vadíssima às fundações. Essa receita
10 milhões em 2000. A Fundação jeto. Não gosto da palavra lobby, que financeira encobria atos administra-
Zerbini está em crise? surgiu nos EUA. O lobista pode deixar tivos nem sempre corretos ou rentá-
Menezes- Em crise ela não está. cair alguma coisa no meio do cami- veis. De 1996 para cá, com a queda
Ela tem problemas na situação finan- nho. Mas algumas fundações devem das taxas inflacionárias — não só nas
ceira. Uma crise administrativa, uma ter o seu lobista, sim. fundações, mas principalmente nas
crise funcional ela não tem. Uma crise fundações — foi a hora da verdade.
de comando ela não tem. Uma crise Revista Adusp- O senhor sabe O lago secou. E aí se começou a viver
de trabalho ela não tem. É até ao con- de alguma que tenha? realmente da sua receita. Nessa épo-
trário, porque a casa está funcionando. Menezes- Não, não conheço. Eu ca, tínhamos R$ 40 milhões em caixa,
Mas estamos fazendo uma redução de com dólar a um por um, tínhamos
custos, e dando muita transparência. US$ 40 milhões. E aí, resolveram
Minha linha é de respeito ao dinheiro construir o InCor II. E a Fundação foi
público, transparência e ética. Além usada como barriga de aluguel. Por-
do mais, sou voluntário, e isso me aju- “Se estivesse no que não é dona do InCor. Foi criada
da muito. A Fundação Zerbini foi cria- como auxílio ao InCor e a entidades
da com uma finalidade: dar apoio. O BNDES, não daria ligadas à saúde, pesquisa, ensino. Bas-
professor Zerbini tinha uma idéia mas ta dizer que hoje nós temos 200 pro-
não tinha uma dotação financeira. Re-
o empréstimo. fessores fazendo pesquisa. Mas acon-
cebeu várias doações, mas não tinha teceu o seguinte: “vamos construir o
O BNDES deu uma
um patrimônio. Você não pode dizer Bloco II”. Na verdade, essa decisão
que hoje a Fundação Zerbini tem um taxa até especial foi há 16 anos. Em 1996, o Conselho
prédio com uma renda. Eu, se fosse decidiu inaugurar o esqueleto, ia virar
ministro, não permitiria mais a criação para nós” um segundo esqueleto ali (você tinha
de fundações de apoio se não tivessem o esqueleto do Quércia atrás). Então,
atrás um patrimônio. Se não, você vai usaram parte desses R$ 40 milhões.
criar uma série de fundações que vão E parte cobriu os prejuízos apresen-
sair da lei 8.666, vão nomear pessoas tados. Todos os prejuízos apresen-
fora de concurso, terão todas as rega- não tenho e não gostaria de ter. Pre- tados estão cobertos. Eu não digo
lias, mas não terão uma cobertura fi- firo apresentar um projeto a uma em- crise. Mas houve prejuízos. Há três
nanceira. E acho — não tenho certeza, presa. Ir a Brasília, pedir verba a um anos, resolveram também pedir um
não vou ser leviano — que algumas deputado, isso tem que ser feito pela empréstimo ao BNDES de R$ 70 mi-
fundações foram criadas com esse ob- própria fundação. Apresentando o lhões para o término do prédio. Não
jetivo. De facilitar algumas áreas, mas balanço, as necessidades da funda- quero voltar ao passado: se foi bem
sem ter estrutura atrás. Não passa na ção. No ano passado, tivemos quatro negociado ou mal negociado. Eu, se
minha cabeça uma fundação de apoio deputados que participaram. Se nós estivesse aqui, não tomaria o emprés-
não ter um patrimônio. E uma renda, formos verificar o número de deputa- timo. Se estivesse no BNDES, não
porque como vai dar apoio se não tem dos e senadores que foram operados daria o empréstimo. Só que o gover-
recurso para sua própria manutenção? pelo InCor, mais de 50, nem eles coo- no do Estado não tinha condições de
E fundação que não tem essa capaci- peraram. Quer dizer, não houve um tomar o endividamento do emprés-
dade tem que recorrer a verbas gover- trabalho de agressividade junto a eles. timo. Então, pediram à Fundação.
namentais, a outras doações. Como A fundação, financeiramente, está Hoje, seriam R$ 70 milhões, que ven-

94
Revista Adusp Dezembro 2001
cem em 2008, em R$ 120 milhões. O Revista Adusp- Esse dinheiro Revista Adusp- As unidades
BNDES deu uma taxa até especial volta? Qualis geridas pela FZ continuam
para nós. Ele fez 1,5% ao ano de ju- Menezes- Demora, no mínimo, funcionando?
ros, agora estamos negociando uma uns seis, sete anos para voltar. Ter- Menezes- O Qualis está dividido
redução. Quando entrei, tomei co- minando o hospital, como preten- entre outras entidades do Estado de
nhecimento desse empréstimo e uma demos terminar até janeiro total- São Paulo. Nossa prioridade é o In-
alta autoridade falou: “mas esse em- mente, você aumenta sua capacida- Cor. Mas o Qualis veio para a Funda-
préstimo é impagável”. Falei que não, de de enfermagem. Você tem que ção para nós colaborarmos e adminis-
porque trabalhei em banco e a úl- ter um maior número de funcioná- trarmos, indicar o seu administrador,
tima palavra que citaria na minha rios. Você tem que comprar mais. que é funcionário da Fundação, e to-
vida é a palavra impagável. Será ad- São profissionais de níveis altíssi- dos os funcionários passariam a ser
ministrado. Pagar hoje, não temos mos, 7% dos funcionários do InCor funcionários da Fundação. Hoje, o
condições, mas vamos administrar o são livre-docentes. Você tem muitos Qualis tem 911 funcionários. São fun-
pagamento. Porque o BNDES cap- recém-formados ou residentes. cionários da Fundação Zerbini. Inclu-
tou esse dinheiro. Ele tem o direito sive o diretor geral, o Carlos Jatene.
de receber. Com esse dinheiro do Revista Adusp- Não há nenhum Toda a equipe Qualis, médicos, en-
BNDES, a fundação virou, realmen- risco de verbas SUS serem utiliza- fermeiros, todos são funcionários da
te, uma barriga de aluguel. Porque das no pagamento dessa dívida? Fundação Zerbini. Que ocorre? Você
ela deu seu sangue, deu seu leite, Menezes- Do SUS não. já viu uma empresa como a nossa,
deu seu corpo. Ela gerou um filho que tem 60 funcionários e respon-
que não pertence a ela. Porque o Revista Adusp- Quais são os sável por mais 3800 no InCor, fazer
Bloco II, como o Bloco I, pertence convênios que o InCor trabalha? uma folha de 911 funcionários? A
ao Instituto do Coração e ao HC. Menezes- São 110 convênios. dor de cabeça? Eu tenho três funcio-
Então tomamos uma dívida que nos nários. São funcionários full time, só
atrapalhou muito. Alguns andares Revista Adusp- Mantidos pelo da Fundação, que só trabalham para
foram inaugurados, mas não adianta InCor? o Qualis e não recebem um tostão do
só inaugurar a construção, você tem Menezes- Não, pela Fundação. Qualis. Então, houve uma proposta
que equipar. E houve investimentos Porque o InCor, na verdade, não que não foi autorizada, de receber-
da fundação em equipamentos. existe, não tem personalidade jurí- mos uma parte, 3%, que iria cobrir
dica, quem tem é a Fundação. E há os nossos custos operacionais. O car-
Revista Adusp- A grande causa um contrato assinado pelo qual ela go de presidente, a ambulância que
do prejuízo foi o investimento no administra o prédio até 2010. Des- o Qualis tem, a gasolina, tudo nós
InCor II? de o começo da Fundação existe pagamos. Então, senti a necessidade
Menezes- Foi o investimento. Se esse convênio. E deve existir em dessa cobrança. E eu pleiteei até a
não tivéssemos feito o InCor II, a outros institutos também. Agora, última reunião. Estive com o Guedes,
Fundação não teria problema de cai- para o hospital ter uma certa ren- o secretário da Saúde, duas vezes. Eu
xa. Isso realmente afetou financeira- tabilidade, nós tínhamos que traba- disse da possibilidade e ele falou que
mente a fundação, eu acho, de uma lhar com 60% para o SUS e 40% é muito difícil. Porque na época que
maneira louvável. Porque hoje te- para convênios. Mas chegamos a assumi havia um entendimento muito
mos mais 150 leitos, devemos inau- ter 80% SUS. Não se pode recusar. forte de que o Qualis passaria total-
gurar mais 80 leitos daqui a dois Não pode deixar uma pessoa mor- mente à Prefeitura. Seria administra-
meses. Estamos melhorando nossa rer na calçada. Mas o ideal, com do pelo Eduardo Jorge. Fui informa-
área de pesquisa. O Bloco I está as novas instalações, é operar com do de que nesse plano de assistência
muito apertado, foi o preço que ti- 70%, 72%. E 72% do SUS nos dão médica familiar da Prefeitura o Qua-
vemos que pagar. 20% da nossa receita. lis seria absorvido. A gente cogitou

95
Dezembro 2001 Revista Adusp
isso, discutiu. Quase concretizou. É comercial. A concorrência é desleal Revista Adusp- E quanto recebe
até uma reivindicação de quatro anos, e até com problemas jurídicos. Não por ano do MEC?
porque a Fundação está fugindo um sei como isso correu tanto tempo. Menezes- Neste ano recebemos
pouco de seu principal objetivo, o R$ 3,2 milhões, a fundo perdido.
InCor. Temos no Qualis um excelente Revista Adusp- Ela fornecia só A verba deste ano é maior, para a
trabalho de população, pode fugir ao InCor? implantação também, não só para
realmente do objetivo principal. Mas Menezes- Só ao InCor. Mas cada manutenção, porque nós estamos
está um pouco parado. Vai demorar médico tem seu jeito, gosta de seu ampliando. Agora, nós estamos fa-
uma definição se o Qualis vai sair da catéter. O próprio professor Jatene zendo uma série de parcerias para
Fundação ou não. tem uma companhia que bate muito manutenção do Cefacs. Mas não ha-
com a Fisics, com essas membranas. verá verba para manutenção.
Revista Adusp- O que é a em- E existem mais três, quatro compa-
presa Fisics? Ela é da Fundação nhias de alta qualidade. Não faz sen- Revista Adusp- E a transferên-
Zerbini? cia de dinheiro ao HC? Há algum
Menezes- Nós estamos fechando acordo para mudar a maneira de
a Fisics. Aliás, a meu pedido. Ela transferência?
foi criada para fabricar membranas Menezes- O que realmente esta-
para a parte cardiológica. Mas eu “Estamos fechando va ocorrendo é o seguinte: eles têm
não conseguia entender sua existên- participação na receita, não no re-
cia, porque fundação não pode ter a Fisics. Fundação sultado final. Quer dizer, mesmo a
uma empresa comercial. Fundação dando prejuízo, eles re-
tem isenções e cebem essa verba. Se a fundação
Revista Adusp- No antigo esta- deu prejuízo, na verdade ela não po-
não pode ter empresa.
tuto isso era permitido. O sr. mu- deria dar nada. A Fundação repassa-
dou isso? A concorrência va 15%. Recebia remédio, recebia
Menezes- Mudei isso no estatuto. algumas coisas mais. Hoje nós temos
A Fisics não estava dando lucro. E é desleal” quase 200 funcionários da Fundação
nem podia dar lucro. E era uma em- que estão trabalhando do HC. Quer
presa comercial que pertencia a uma dizer, isso entra nesse valor. Esse
fundação. Logo que assumi, demorei valor não é só financeiro, ele é con-
um mês para descobrir que tinha es- tabilizado. O carro do D’Elia e o
sa Fisics, eu não sabia. Muitas coisas tido técnico, jurídico, uma fundação carro do Irineu pertencem à Funda-
aqui não me contaram. Pena que o ter uma empresa comercial. Isso não ção [N.R.: refere-se a José D’Elia, su-
Walt Disney faleceu, porque eu po- batia, quando eu vi pedi na primeira perintendente do HC, e Irineu Velasco,
deria sugerir a ele fazer um trem assembléia o fechamento da Fisics. diretor da Faculdade de Medicina]. A
fantasma que ele nunca viu na vida. gasolina do D’Elia sou eu que pago.
Porque isso aqui tem sido um trem Revista Adusp- O Centro de O valor não é só dinheiro, existe um
fantasma: cada curva tem cada es- Formação Avançada e Profissiona- pacote. Mas esse pacote, esse ano,
queleto... Quando me contaram so- lizante (Cefacs) está em atividade? foi reformulado, o D’Elia pediu para
bre a Fisics, pensei que, evidente- Ele recebe verbas federais? reformular. Sentiu que era realmen-
mente, era impossível mantê-la. Em Menezes- Está em atividade há te absurdo uma empresa que está
primeiro lugar, porque ela tinha só muito tempo. Tem verbas federais e dando prejuízo dar uma parte da re-
um cliente, que era o InCor. Em se- é uma escola que tem a idade do In- ceita. Se fosse tirar ao pé da letra,
gundo lugar, uma fundação, que tem cor, que forma uma equipe de pri- hoje, do nosso resultado, é quase
isenções, não pode ter uma empresa meira ordem. 37%. Se fosse só de uma receita lí-

96
Revista Adusp Dezembro 2001
Daniel Garcia
dada pelo Congresso. Está dentro do
Hospital das Forças Armadas. E já
foi aprovada uma verba de R$ 30 mi-
lhões para o custeio do ano que vem,
desta verba. Entrei há seis meses aqui
e esse processo começou há dois anos.
É um fato irreversível, deve ser inau-
gurado em janeiro, fevereiro. O An-
tônio Carlos Magalhães lutou muito
por isso. Acho que o Serra tem outra
opinião sobre o hospital. E outras
pessoas também têm outra opinião.

Menezes: investimento no Bloco II retorna em seis ou sete anos Revista Adusp- Quando o se-
nhor entra, comenta que percebe
quida, 6%. O ano passado deu uns Revista Adusp- E a transferên- o impacto das contas do Bloco II.
R$ 7 milhões. cia líquida de recursos? E fala sobre os gastos com a obra.
Menezes- Isso não existe. Pode re- Questiona os gastos com empresas
Revista Adusp- Há um convênio presentar R$ 1 milhão, R$ 2 milhões. que construíram. Tem isso mesmo,
entre a Fundação Zerbini e o HC? Mas são 200 funcionários que nós pa- ou é impressão minha?
Menezes- Não é bem um con- gamos na folha que são da Fundação. Menezes- É um pouco impressão
vênio. São atas de conselhos que sua.
fizeram. Não há um convênio dire- Revista Adusp- Quando o se-
tamente entre a Fundação Zerbini e nhor diz funcionários, eles são só Revista Adusp- Também é um
o HC. Existem atas e compromissos da Fundação Zerbini? pouco verdadeiro?
do Conselho Curador. Existia um Menezes- É complementarista. Menezes- Evidentemente, em um
convênio pelo qual determinados Tem duplo vínculo. Mas que não tra- cargo assim, eu pedi uma prestação
serviços seriam prestados pelo HC balha no InCor. Trabalha no HC, ou de contas. E acertamos um detalhe,
e seriam pagos pelo InCor. Agora, na Faculdade, como o professor Iri- porque tínhamos uma companhia
para você fechar essas contas é um neu. Mas nós não temos nenhum vÍn- que fazia a medição. Não fazia mui-
trabalho de mandraque. Porque vo- culo com a Universidade, nem víncu- to sentido, porque o próprio hospi-
cê não sabe, se analisar bem, se eles lo com o HC. Ela é uma fundação de tal poderia fazer a medição. Então,
não têm que devolver alguma coisa apoio independente e privada. Temos tiramos a empresa. Não tinha nada
a nós. O que existiram foram brigas um vínculo de ajudar o InCor. Mas o contra a empresa, mas achávamos
enormes entre a diretoria anterior e InCor usa nosso CGC. E nós somos que era um gasto desnecessário.
o HC. Não tinham um bom relacio- privados, não tem nada que ver com
namento. Tudo isso, também, por aquelas fundações da USP criadas, Revista Adusp- A preocupação
causa dessas verbas. não tem nada, nada a ver. foi apenas de enxugar custos?
Menezes- E ter informações que
Revista Adusp- Mas, mesmo não Revista Adusp- O InCor Brasília, eu não tinha. De prestações de con-
concordando, vocês contribuem to- que está sendo construído, não vai tas. Porque a partir de quando en-
do ano? ser um estabelecimento de elite, pa- trei e assinei, passo a ser responsá-
Menezes- Ela é feita mensalmen- ra atender deputados e ministros? vel. Eu sou voluntário, não ganho
te. Indiretamente. O carro do D’Elia Menezes- É um hospital com in- nada, e ainda vou responder a um
tá lá. Todo mês tem uma despesa. vestimento de R$ 54 milhões, verba processo amanhã?

97
Dezembro 2001 Revista Adusp

FISICS, A EMPRESA QUE CAUSA ESPANTO


Que muitas fundações privadas li- é nosso). A reforma de junho de 1999 EBM – Equipamentos Biomédicos.
gadas à USP se constituem, na prática, manteve essa redação. Em 1988, a fundação recebeu pro-
como empresas, já não é surpresa para “A Fisics era até motivo de uma postas de empresas interessadas em
ninguém. Porém, causa espanto que discussão interna no InCor. Nem to- comprar a EBM, entre elas a de um
uma fundação privada “sem fins lucra- dos concordavam que existisse uma grupo francês interessado em ven-
tivos”, isenta de impostos e declarada empresa. Nós mesmos não éramos der marcapassos no Brasil.
como de finalidades filantrópicas, seja favoráveis a uma empresa que tem A EBM quase teve seu controle
detentora do capital social de uma caráter comercial, industrial, vin- acionário transferido para um grupo
empresa legalmente constituída. culada ao nosso sistema”, revela o chamado, nas atas do Conselho Cura-
Pois esse é exatamente o caso da diretor-presidente do InCor, pro- dor, de “médicos do Norte/Nordeste”.
Fundação Zerbini, que criou a Fi- fessor José Franchini Ramires. Na época, 1988, o conselho chegou a
sics Biofísica Aplicada SA, para de- A existência da Fisics sempre in- discutir as formas de pagamento: “O
senvolver “novos produtos na área comodou alguns curadores. Já em 19 grupo se propõe a comprar 90% em
da eletrônica médica e na produção de dezembro de 1996, o então presi- 12 meses e os restantes 10% ao final
de fármacos, em estreita colabora- dente do Conselho Curador, Fulvio deste período”, registra uma ata.
ção com o Instituto Butantã”, con- Pileggi, “deixou claro que indepen- Mas a EBM permaneceu sob co-
forme registro do Conselho Cura- dentemente do estudo a ser apresen- mando da FZ. Talvez porque o pro-
dor em 3 de outubro de 1995. tado, em sua opinião, a Fisics deveria fessor Euryclides de Jesus Zerbini,
As direções da empresa, da fun- ser desligada da Fundação Zerbini e na época participante do Conselho
dação e do InCor misturavam-se. O viver sua vida autonomamente”. Curador, tenha discordado da ven-
balanço de 1994 da Fisics foi apre- Não obstante, a empresa seguiu da. Talvez não. O que se sabe é que,
sentado ao Conselho por Paulo An- em frente. Em setembro de 1999, alguns anos depois, a EBM trocaria
thero Soares Barbosa, diretor da informava-se que, após “reestrutu- de nome. Passava a chamar-se Fisics.
empresa e superintendente da FZ. ração”, a Fisics “apresenta resulta- “Foi apenas uma troca de razão
O professor Adolfo Leirner, presi- dos positivos”. Em janeiro de 2001, social”, comenta o empresário Pau-
dente da Fisics, era diretor da Divi- novo informe otimista: a empresa lo Anthero Soares Barbosa, que já
são de Bioengenharia do InCor. “apresenta-se saneada e equilibra- exerceu interinamente a presidên-
Os estatutos da FZ permitiam, até da, mas sua consolidação estratégi- cia da FZ.
recentemente, o controle acionário ca depende de seu market share”, “As universidades têm um grande
de empresas. Nos estatutos aprova- ou seja, de encontrar seu lugar no problema: elas pesquisam, mas não
dos em novembro de 1997, que re- mercado. têm como industrializar seus produ-
ceberam o aval do promotor Carlos Foi o atual presidente da FZ, Fer- tos”, explica Barbosa, que partici-
Francisco Bandeira Lins, o parágrafo nando Menezes, que tomou a ini- pou da criação da EBM. “Há duas
II do artigo 2º (que trata das finalida- ciativa de propor o fechamento da saídas: ou vender a uma empresa,
des da fundação) determina que a Fisics. O encerramento das ativida- ou criar uma empresa que indus-
fundação “poderá celebrar convênios des da Fisics “foi deliberado, por trialize. Na época, muita gente quis
e contratos com entidades públicas unanimidade”, na reunião de 27 de que a própria fundação fabricasse.
ou privadas, nacionais e internacio- agosto de 2001 do Conselho Cura- Mas eu fui contra, argumentei que
nais, bem como participar do capital dor, que aprovou, igualmente, uma era melhor abrir uma empresa, pois,
de sociedades de qualquer natureza, nova versão dos estatutos. se a fundação fabricasse, teria isen-
destinando os recursos daí advindos à Quando surgiu, na década de 80, ção de impostos e seria uma con-
realização de seus objetivos” (o grifo a Fisics tinha outra razão social: corrência desleal”.

98
Revista Adusp Dezembro 2001

F RA N C H I N I RA M I R E S

“A USP, AQUI NO INCOR,


É BEM PEQUENININHA”
Bianca Antunes e Marcio Kameoka
Equipe da Revista Adusp

José Antonio Franchini Ramires é professor-titular


de cardiologia clínica da Faculdade de Medicina
da USP, diretor do InCor, presidente do Conselho
Curador da Fundação Zerbini, membro da CERT.
Nesta entrevista ele discorre sobre o relacionamento
entre USP e InCor e fala sobre o credenciamento
coletivo de docentes em RDIDP para receber
complementação salarial

99
Dezembro 2001 Revista Adusp
Revista Adusp - Que cargos o Com isto, vai ser feito o pagamento. sos. Enquanto que 75% do SUS dá
sr. ocupa? só 35%. Se nós não tivéssemos esse
Professor Ramires - A nossa fi- Revista Adusp - Já houve algum 65%, não existiriam os outros 35%.
losofia no InCor é de nunca ter mé- pagamento? Jamais. Tem gente que às vezes diz o
dico ocupando cargo de direção na Professor Ramires - A Fundação seguinte: mas e se fosse 100% SUS?
Fundação Zerbini. Então, entre os Zerbini está renegociando a dívida Ele não existiria. Como nenhum hos-
diretores da Fundação Zerbini não para continuar mantendo os pa- pital do Brasil existe 100% SUS.
tem nenhum médico. Os membros gamentos. Já houve o pagamento
do Conselho Diretor do InCor são da primeira prestação. No começo, Revista Adusp - O InCor já fun-
membros do Conselho Curador da houve o pagamento dos juros. Por- cionou só SUS?
Fundação Zerbini. E eu, como dire- que no período de carência você pa- Professor Ramires - Já. E quase
tor do InCor, era vice-presidente ga parcela dos juros. Depois, você foi enterrado.
do Conselho Curador. Hoje sou o começa a pagar o principal.
presidente do Conselho Curador. Revista Adusp - Não tinha re-
Revista Adusp- De onde vêm os curso?
Revista Adusp - Qual a atual situa- recursos da FZ? Na maioria, de Professor Ramires - Não tinha re-
ção financeira da Fundação Zerbini? convênios? curso. O grande problema do orça-
Professor Ramires - Hoje, ela já Professor Ramires - Em termos mento público é que ele é fixo. Então,
está voltando para situação do azul de dinheiro, sim. Em termos de per- com aquele dinheiro, você tem de pa-
de novo. Por um motivo muito sim- centual de atendimento não. gar despesa do hospital o ano inteiro.
ples: quando se observou, primeiro, Não tem condições de expandir. Quan-
o gasto com o prédio novo e, segun- Revista Adusp - Quanto está ho- do você expande, é um paradoxo: você
do, a necessidade de uma reestrutu- je esse percentual de atendimento? aumenta gasto. Vai aumentar fronha,
ração do hospital, do complexo de Professor Ramires - Ele varia his- vai aumentar remédio. Aí não tem di-
uma forma geral, foi feito um redi- toricamente, com 75% SUS e 25% nheiro para comprar tudo isso. Então,
recionamento dos investimentos. convênios e privados. Quando nós o que mudou, quando começamos a
temos um volume maior de SUS que criar os leitos do convênio? Ele via-
Revista Adusp - Foi uma con- precisamos absorver, nós aumenta- bilizou os leitos do SUS. Por isso o
tenção de gastos? mos a parcela SUS. Quando aumenta serviço SUS não funciona 100%. O
Professor Ramires - É. Um redi- o volume do lado de cá, aí desvia para próprio HC tem leitos fechados. Tem
recionamento. Foram cortadas vá- cá. Mas a média dá 75%, 25%. Isso um andar fechado. Se você for ao He-
rias coisas que antes nós fazíamos e é histórico, desde que foi implantado liópolis hoje, você tem dois andares fe-
deixamos de fazer e redirecionamos. esse sistema. Não foi uma opção. chados. Vai ao Hospital Ipiranga hoje,
você tem leito fechado.
Revista Adusp - Por causa da cons- Revista Adusp - O dr. Menezes
trução do Bloco II, a FZ assumiu uma falou que o ideal, para não haver Revista Adusp - Aqui no HC tem
dívida grande com o BNDES. A fun- déficit, seria 60% SUS e 40% con- leito fechado? Onde?
dação vai conseguir pagar? vênios. E que isso seria possível Professor Ramires - Tem, tem leito
Professor Ramires - Assumiu, com o novo bloco. Isso está aconte- desativado. No oitavo andar. Não há
tem que pagar. Apesar de ser um cendo ou vai acontecer? hospital público que consiga, com as
patrimônio que é público. O InCor Professor Ramires - Não, não vai. verbas orçamentárias, manter 100%
II não é um patrimônio da Funda- Uma coisa é o ideal, outra coisa é da capacidade dele. Então, se você
ção Zerbini, é um patrimônio do o real. Tudo o que nós prestamos de não vai buscar esse financiamento em
Estado de São Paulo. Ela tem é que serviço, que são serviços pagos, 25% uma outra fonte, você não viabiliza
redirecionar, renegociar a dívida. dos convênios dá 65% desses recur- nem aquela fonte e perde a eficiência.

100
Revista Adusp Dezembro 2001
Revista Adusp - O senhor é for necessário. Para tratamento dos só Fundação Zerbini. Para nós, tanto
membro do Conselho Curador da pacientes e para ensino. Então, ele faz se o contrato dele original é USP,
FFM e também membro da CERT. faz mais coisas para a USP do que se o contrato original é Estado, se o
Conhece algum convênio entre a a USP pode exigir dele. Tanto que, contrato original é Fundação Zerbini.
FFM e a USP? Pergunto isso por- quando vão os currículos das pessoas Os únicos que são exigência de ser
que alguns professores, ranquea- do InCor para a CERT, você vê os da USP é o meu cargo e o cargo do
dos, recebem complementação sa- currículos dos nossos RTPs. Muito professor Sérgio Oliveira, porque os
larial. Conversei com a diretora ge- RDIDP não conseguiria ter aquele titulares são obrigados a ser os direto-
ral, e ela comentou que esse regime currículo. Mas ele fez porque ele é res do serviço. Na Faculdade de Me-
é regulamentado pela CERT. RTP? Não, ele fez porque é tempo in- dicina, por causa dos LIMs, a quanti-
Professor Ramires - A Faculdade tegral InCor. E por ser tempo integral dade de RDIDP era grande. E eles
de Medicina, igual a Ribeirão Preto, InCor, ele consegue uma produção corriam o risco de perder estas pes-
conseguiu junto à USP um, não sei científica monstruosa, uma atividade soas: por desistirem da vida acadêmi-
exatamente o termo, “credenciamen- ca ou, ainda, passar para RTC e ir
to” global, de todos os RDIDPs que embora para o mercado. Qual foi a
foram selecionados dentro dos crité- lógica? Não vamos perdê-los. O mo-
“A Faculdade
rios da comissão, para receber a com- delo InCor deu certo, conseguiu fixar
plementação. Igualzinho a Ribeirão conseguiu junto à os docentes no hospital, fixar os mé-
Preto, que é um sistema em que, em dicos no hospital. Já que esse modelo
vez de credenciar um a um, houve USP credenciamento deu certo, por que nós não vamos
um credenciamento global para que transferir para a Faculdade de Medi-
todos fossem suplementados dentro global dos RDIDP cina? E foi o que eles fizeram. Só
das regras que a Faculdade de Me- que eles tinham que ajustar para o
dicina de Ribeirão Preto havia es- selecionados para RDIDP. E existia a barreira de que
tabelecido. Aqui foi mais ou menos não era permitido dar esse credencia-
a mesma coisa. Só que, em vez de complementação” mento dessa forma. Depois de uma
fazer indiscriminado para todos, eles negociação do professor Marcello
fizeram para aqueles que haviam sido Marcondes, que era o diretor na épo-
selecionados dentro dos critérios. de ensino muito grande, uma atividade ca, com o professor Fava, que era o
de assistência grande e faz um senhor reitor, explicando qual era o propósi-
Revista Adusp – Isso acontece currículo. Mas isso é a característica lo- to dessa remuneração e fixação desse
no InCor também? cal. Na Faculdade de Medicina, como pessoal, houve um reconhecimento
Professor Ramires - Não, isso não existem muitos laboratórios de investi- por parte da Universidade e uma au-
tem nada a ver com o InCor. O InCor gação médica básica, eles têm muito torização para que isso fosse feito.
não tem RDIDP, são todos RTPs ou RDIDP. Os nossos laboratórios nós Então, todos os médicos RDIDP da
RTCs. E todos recebem suplemen- mantemos com RTCs ou RTPs — os Faculdade de Medicina que haviam
tação pelo período em que não têm poucos que são da universidade. A sido selecionados tiveram condições
nada a ver com a USP. Agora, em USP, aqui dentro do InCor, é pequeni- de receber a suplementação salarial.
termos de trabalho, eles fazem para ninha, bem pequenininha.
a USP aquilo que o horário da USP Revista Adusp - E quais os cri-
não cobre. Se eu fosse exigir de um Revista Adusp - E comparando térios dessa seleção?
cirurgião cardíaco que está em RTP com a Secretaria da Saúde? Professor Ramires - É um sistema
aqui, ele ficaria duas horas aqui. Mas Professor Ramires - O resto é tu- de pontuação igual ao de Ribeirão
eles ficam aqui sábado, domingo, à do Secretaria da Saúde. Alguns são Preto. Cada coisa que você faz, você
noite, madrugada, fazendo tudo que só InCor e existem aqueles que são soma pontos. Em cada item, tem um

101
Dezembro 2001 Revista Adusp
mínimo de pontos. Quando você atin- foi a Ribeirão Preto. “Professor Krie- Quanto a USP gastou para a gradua-
ge esse mínimo, há uma soma de tudo ger (que era o professor de fisiologia ção dentro do InCor? Zero! Quanto
o que você fez. Se essa soma for su- de Ribeirão), o senhor quer ir para a USP desenvolveu nos programas
perior ao mínimo global, aí você pode São Paulo, no InCor, montar um gru- pedagógicos do InCor? Zero! Quan-
receber a suplementação salarial. po experimental de hipertensão?”. to a USP precisou gastar para desen-
Ele pediu aposentadoria na USP, se volver nossa biblioteca, todo nosso
Revista Adusp - São os chama- transferiu para São Paulo e está pro- sistema de interação via internet? Ze-
dos pontos gregorianos? duzindo até hoje aqui. A USP paga a ro! Quanto a USP gasta para impri-
Professor Ramires - É. Se ele aposentadoria dele, mas não perdeu mir o material educacional? Zero!
está bem colocado, se apresenta. a produção científica dele. Todos os Tudo InCor, Fundação Zerbini. Se
Se não, vai melhorar e depois se nossos pólos de pesquisa foram de- você for olhar o que se gasta em ensi-
apresenta. Para deixar de ser um senvolvidos com docentes USP que no, a USP só tem vantagens. Porque
critério subjetivo. recebiam suplementação de salário toda a glória vai para a USP, o que é
e puderam transformar seus labora- óbvio. Nós somos associados à USP.
Revista Adusp - Como esses cri- tórios em centros de referência mun- Mas os recursos não são da USP.
térios foram definidos? dial. O professor Jorge Kalil veio
Professor Ramires - Foi uma co- contratado do exterior para ajudar a Revista Adusp - Mas esse em-
missão feita especificamente para desenvolver a parte imunológica do bricamento é comum, pela própria
isso. Na época, o professor Marcello transplante de todo o complexo. Hoje natureza do HC.
Marcondes constituiu uma comissão ele é o titular de imunologia/alergia Professor Ramires - Ainda bem!
na Faculdade, envolvendo diferentes da Faculdade de Medicina. E ele, ao Não é ruim! Nem quero o dinheiro da
áreas. Uma comissão específica que mesmo tempo, é professor de imuno- USP. Imagina se nós, com um com-
o diretor instituiu para estabelecer logia do HC, da Faculdade de Medi- plexo destes, chegássemos na USP
critérios. Eles ficaram durante meses cina, lá no HC. Mas é um médico do para exigir recursos. Seria o caos, por-
pensando em uma solução. InCor, recebe salário pelo InCor e, que a USP teria de tirar de alguém. O
pela Faculdade de Medicina, é pro- que eu quero dizer é que esta simbio-
Revista Adusp - Isso acontece fessor titular em RTC. Mas ele se de- se permite alavancar coisas que não
só na FFM ou na Zerbini também? dica até 9 horas da noite todo dia. existiriam. E foi o que fez com que a
Professor Ramires - A Zerbini é Não é pelo salário da USP. Nós temos USP passasse a ter, no Complexo HC,
totalmente distinta. No InCor, disse- uma Comissão de Ensino do InCor. e no InCor em especial, uma grande
mos: vamos fazer os médicos serem Cujos membros, hoje, por coincidên- bandeira da área médica. Porque ela
tempo integral no InCor. O que nós cia, não há nenhum da USP. Eles tra- tem três bases que nenhuma universi-
queremos primeiro é contratar os mé- zem todas as coisas a serem discuti- dade no mundo tem: o complexo HC,
dicos que vão produzir recursos. En- das para mim uma vez por mês. Mas o InCor — porque ele conseguiu se
tão, aqui, em 1979, quando se iniciou quem toca a comissão de graduação diferenciar dentro do HC — e Ri-
a contratação dos médicos em tempo são os médicos que coloquei lá. Um beirão Preto. Qual é a universidade
integral, nós não avaliávamos se ele eu designei para ser responsável pelo do mundo que consegue ter três coi-
era docente, se ele produzia cientifica- 3º, outro pelo 4º, 6º, residência, outro sas deste porte vendendo o nome da
mente ou não. Nós contratamos mé- pelos estágios. Cada um faz um pla- universidade? E a universidade não
dicos. Quando os médicos que pro- nejamento, nós reunimos, discutimos põe um tostão, mas é a USP que leva
duziam dinheiro conseguiram fazer o planejamento comum, o que eles a fama. E é para ela que a gente tem
do InCor uma instituição que tinha levam para a Comissão de Ensino, que fazer essa fama, porque ela é
recurso suficiente, decidimos: “Agora que não tem nada a ver com a USP, que foi o berço disso tudo. Mas nós
vamos pagar os que fazem pesquisa”. e aplicam isso aos alunos. Qual é a podemos tirar dela a responsabilida-
O que o InCor fez? Em 1983, 1984, verba da USP para tudo isso? Zero! de de gastar.

102
Revista Adusp Dezembro 2001

MEDICINA E HC
REVELAM-SE “BERÇÁRIOS”
DE FUNDAÇÕES E CENTROS
Almir Teixeira
Jornalista

Em torno das disciplinas da Faculdade de


Medicina da USP gravitam mais de 30
entidades privadas, na sua maioria “centros
de estudos”, alguns das quais oferecem cursos
pagos. Um desses centros, o Cedao, deu origem
à Fundação Otorrinolaringologia, que em
dois anos recebeu do FNDE R$ 11,5 milhões para
uma campanha de combate à surdez

103
O
Dezembro 2001 Revista Adusp
s números do Hospi- como já aconteceu na Otorrinola- ramento e publicações.
tal das Clínicas da Fa- ringologia e na Ortopedia. Outro exemplo: o Centro de Es-
culdade de Medicina Já o presidente do Centro de Es- tudos Avançados em Otorrinolarin-
da USP são grandio- tudos Dermatológicos Aguiar Pupo, gologia (Cedao), criado para auxi-
sos. De acordo com professor Evandro Rivitti, afirma que liar os médicos, adquirindo publica-
o Relatório de Desem- o surgimento das pequenas funda- ções e equipamentos e financiando
penho de 2000, foram atendidos na- ções e a própria existência dos cen- viagens a congressos.
quele ano 1.478.597 casos nos am- tros (que em muitos casos são bastan- Inicialmente, todos sustentavam-
bulatórios, efetuadas 31.000 cirur- te antigos) somente são necessários se cobrando anualidades, mensali-
gias e realizados 6.833.986 exames porque as grandes fundações ainda dades ou semestralidades de seus
laboratoriais. Neste quadro, a enor- não deram respostas aos problemas congregados. À medida que se de-
me diversidade de pesquisas e ser- locais de médicos e docentes. Mas senvolveram, as receitas dos centros
viços executados fez florescer uma Rivitti acredita que, com o passar do se diversificaram. Alguns continua-
série de iniciativas desconhecidas tempo, estas carências devem ser sa- ram a cobrança, como o Cedao e
para quem está do lado de fora. o Cegom, outros se abstiveram de
Nas pontas do sistema estão mais cobrar, sobrevivendo com novas re-
de 30 entidades privadas, ditas sem Quase todos os ceitas, como o Aguiar Pupo.
fins lucrativos, captando e adminis- Entre as fontes de recursos, em
trando recursos, promovendo ativi- centros promovem quase todos os centros, está a reali-
dades que vão da aquisição de livros zação de cursos pagos. O Centro de
e revistas para uso dos congregados
cursos pagos. Seus Estudos em Psicologia da Saúde (Cep-
à realização de cursos de especiali- sic), por exemplo, iniciará, em março
diretores consideram
zação, com mensalidades pagas. de 2002, cursos de especialização com
Geralmente denominadas “cen- a atividade benéfica duração de 500 horas nas áreas de Psi-
tros de estudos”, e organizadas em cologia Hospitalar e Neuropsicologia,
torno das diferentes disciplinas mé- para a USP com mensalidades de R$ 320,00.
dicas existentes na Faculdade de Me- Questionados sobre a possibilidade
dicina, tais entidades têm como ob- de a realização de cursos pagos vir a
jetivo principal facilitar a obtenção nadas e os centros terão menor im- chocar-se com os interesses da USP,
de receitas, em tese para beneficiar portância na estrutura do complexo. os presidentes do Cedao, Cegom e
as atividades ligadas às respectivas es- O surgimento dos centros con- Aguiar Pupo coincidem na argumen-
pecialidades. Portanto, um caminho funde-se com a própria história do tação de que tais atividades somente
quase natural para elas é sua trans- HC. O Centro de Estudos Godoy enriquecem a comunidade acadêmica.
formação em fundações de apoio. Moreira (Cegom), por exemplo, co- O Cegom, explica seu presiden-
O presidente da Associação dos meçou a nascer com a criação do te, professor Alberto Tesconi Croci,
Médicos do HC, Antônio Foronda, Instituto de Ortopedia e Traumato- realiza anualmente 24 cursos de dois
considera que as grandes fundações logia, em 1952. Também o Centro de dias, seguindo uma agenda bem ela-
presentes no complexo — a Funda- Estudos Dermatológicos Aguiar Pu- borada. “A agenda tem de ser cui-
ção Faculdade de Medicina (FFM) po, fundado em setembro de 1979, dadosa para que não surjam diver-
e a Fundação Zerbini — provaram como uma sociedade civil de caráter gências entre as especialidades, pois
que podem “trazer benefícios tanto científico e cultural sem fins lucrati- os médicos se interessam muito em
aos doentes como ao hospital”, e vos, teve gestação parecida com a dar os cursos, uma vez que o dinhei-
que isso está fazendo com que as do Cegom. Seus objetivos: realiza- ro arrecadado é revertido para a es-
clínicas acordem para a possibilida- ção de pesquisas, jornadas científi- pecialidade do grupo que ministrou
de de criar suas próprias fundações, cas, congressos, cursos de aprimo- as aulas”.

104
Revista Adusp Dezembro 2001
Daniel Garcia
dentes das entidades devem ser os
professores titulares das disciplinas
a que eles estão agregados. Isso ge-
ra uma crítica do presidente da As-
sociação dos Médicos, que conside-
ra necessário que a administração
dos centros e fundações seja inde-
pendente, para que os mecanismos
de fiscalização sejam mais efetivos.
As fundações Otorrinolaringo-
logia e Ortopedia foram criadas a
partir dos centros Cedao e Cegom,
respectivamente. Seus dirigentes ale-
gam que as fundações permitem
maior autonomia no gerenciamento
de recursos, maior facilidade de as-
sociar as entidades a empresas e ór-
gãos governamentais e maior facili-
dade de receber doações.
Faculdade de Medicina abriga mais de 30 instituições privadas No caso da Fundação Ortopedia,
Em nenhum dos três centros en- são também fontes para algumas por exemplo, no ano 2000 as doa-
trevistados os médicos são remune- fundações, como a Otorrinolaringo- ções totalizaram R$ 226.776,00, o
rados por realizarem cursos. Todos logia. As fundações possuem maior que representou 69% da receita de
os cursos do Cedao são curtos, du- facilidade de gerenciamento dos re- R$ 325.260,00. A grande facilidade,
rando três ou quatro dias. No caso cursos, por não terem necessidade no caso das fundações, é que os do-
do Aguiar Pupo, os cursos são sem- de reverter todo o dinheiro em adores podem descontar suas doa-
pre de um único prol da especia- ções do Imposto de Renda.
dia e ocorrem fo- lidade ou do De- Já o presidente da Fundação
ra do Hospital, partamento, co- Otorrinolaringologia, professor Ed-
Em 2000, a Fundação
sendo que a pró- mo acontece com gar Rezende de Almeida, aponta
pria sede do cen- Otorrinolaringologia os centros. que outro forte motivo de se criar
tro, desde sua Outra receita fundações é a facilidade de se ligar
criação, não se geriu R$ 6,5 milhões difícil de adminis- a empresas públicas e privadas. É
encontra no com- trar pelos centros o caso dos cursos pagos, nos quais
plexo. Quanto à do FNDE, usados em são as doações, as empresas doam equipamentos ou
situação dos do- seja de pessoas fí- patrocinam eventos. Mas, ao que
centes da USP, no campanha escolar sicas ou jurídicas. parece, a presença do poder público
Cedao não existe Este seria um dos é mais intensa.
nenhum em RDI- motivos do nasci- A Fundação Otorrinolaringologia
DP. No Aguiar Pupo, o único do- mento de fundações do HC. teve uma receita de R$ 6,6 milhões
cente em RDIDP é diretor de um As questões administrativas dos em 2000, em números redondos. A
laboratório e não ministra cursos. centros podem suscitar controvér- maior parte dos recursos, R$ 6,5 mi-
Outras fontes de recursos de al- sia. Há alguns centros no HC, como lhões, veio do Fundo Nacional do
guns centros são pesquisas enco- é o caso do Aguiar Pupo, nos quais Desenvolvimento da Educação (FN-
mendadas por laboratórios. Estas consta nos estatutos que os presi- DE). No entanto, segundo informa-

105
Dezembro 2001 Revista Adusp
ções da sua tesouraria, a entidade
encarrega-se somente de adminis-
Receitas da Fundação Otorrinolaringologia
trar as verbas do FNDE, destinadas ANO 1999 2000
à campanha “Quem ouve bem, es- Convênio FNDE 4.969.000,00 6.531.000,00
tuda melhor”. Desse modo, todo o Gastos FNDE 4.969.000,00 6.531.000,00
dinheiro do convênio teria sido apli- Outras fontes* 86.652,00 106.792,00
cado na própria campanha. Total das receitas 5.055.652,00 6.637.792,00
Gastos totais 5.059.927,00 6.625.792,00
Trata-se de um raro procedimen-
Resultado - 4.275,00 + 12.000,00
to, pois o usual, em se tratando de
*Doações, cursos, patrocínios. Fonte: Fundação Otorrinolaringologia
convênios com órgãos públicos es-
taduais e federais para realização de Os centros não repassam verbas pelo então presidente da Fundação,
projetos, é que as fundações priva- para a USP. Isso ocorre porque, co- Ivan Dieb Miziara.
das recolham um determinado per- mo geralmente consta nos próprios Desse modo, o convênio contraria
centual pela gestão dos recursos. estatutos, os centros têm de aplicar o artigo 10 do Regimento da USP,
Nos anos 1999 e 2000, a Funda- todas as verbas diretamente na espe- modificado pela Resolução 4135/94,
ção Otorrinolaringologia adminis- cialidade onde elas foram geradas. que determina que entidades priva-
trou R$ 11,5 milhões oriundos do Também a Fundação Otorrino- das podem associar-se à universidade
FNDE. Porém, apesar de canalizar laringologia e a Fundação Ortope- para fins didáticos e científicos, desde
toda essa verba, a fundação apre- dia deixam de repassar verbas para que preenchidos, entre outros requi-
sentou um déficit de R$ 4.725,00 a USP. O presidente da Fundação sitos, os seguintes: “exame dos aspec-
em 1999, seguido do superávit de Otorrinolaringo- tos jurídicos” pela
R$ 12.000,00 no ano seguinte. logia argumenta Comissão de Le-
O Centro Aguiar Pupo, por seu que ela não usa Nenhuma das gislação e Recur-
turno, considera que passou a ter na recursos do HC. sos (CLR) e de
FFM uma aliada, como nas questões Mas a entidade li- entidades privadas mérito pela Co-
de gerenciamento de verbas, e não ga-se à Faculdade missão de Ativida-
planeja criar nova fundação. “O ideal de Medicina por vinculadas às des Acadêmicas
é a FFM crescer em recursos e melho- meio do Departa- (CAA) e “aprova-
especialidades da
rar sua administração para que não mento de Oftal- ção da proposta
haja necessidade de as especialidades mologia e Otor- pelo voto de dois
Medicina repassa
procurarem soluções autônomas”, en- rinolaringologia, terços dos mem-
tende o professor Rivitti, para quem a ligação essa que verbas para a USP bros do Conselho
fiscalização seria mais fácil se o núme- determina muitas Universitário”.
ro de entidades fosse menor. das atividades da No convênio
Já o presidente da Associação de fundação. em exame, houve conflito de interes-
Médicos pensa que a proliferação O convênio realizado em 1998 ses: o professor Miniti, que assinou
não é fruto das insuficiências das entre a Fundação Otorrinolaringo- o convênio como chefe de Departa-
grandes fundações, mas de seus bons logia e o Departamento de Oftalmo- mento, era também, na mesma época,
exemplos: “Antigamente, desde ou- logia e Otorrinolaringologia da Fa- presidente do Conselho Curador da
tubro até fevereiro, o hospital prati- culdade de Medicina pode ser ques- Fundação Otorrinolaringologia.
camente parava devido à estrutura tionado em alguns pontos. O primei- O presidente da entidade privada,
de verbas do próprio governo, pois ro diz respeito à própria validade professor Almeida, procura minimi-
era uma época de inflação muito alta do convênio, uma vez que somente zar: “O que há é uma soma de esfor-
e ficava dificílimo de administrar o foi assinado pelo chefe do Departa- ços, porque as entidades se propõem à
dinheiro”, diz Antonio Foronda. mento, professor Aroldo Miniti, e mesma finalidade”.

106
Revista Adusp Dezembro 2001

O MAPA DAS PEQUENAS FUNDAÇÕES


E CENTROS DE ESTUDOS DA FMUSP
Departamento de Cárdio-Pneumologia Departamento de Neurologia
• Centro de Formação e Aperfeiçoamento • Fund. Tenuto p/ Progresso da Neurocirurgia e
em Ciência da Saúde – Cefacs Neuro-radiologia – Funproneuro
• Centro de Estudos de Pneumologia Clínica e • Centro de Estudos de Neurologia Prof. Antônio
Experimental de São Paulo Branco Lefévre
• Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica Departamento de Obstetricia e
– SBEB Ginecologia
Departamento de Cirurgia • Fundação para Assistência Integral à Saúde da
• Fundação do Fígado Mulher – Faism
• Ass. Pós-Grad. Da Disc. Cirurgia de Cabeça e • Centro de Estudos Avançados em Ginecologia
Pescoço – Pegeusp • Centro de Estudos e Pesquisas da Clínica
• Centro de Estudos Anísio Costa Toledo Obstétrica da FMUSP
• Centro de Estudos Professor Gilberto Menezes • Centro de Estudos e Pesquisas da Clínica
de Goes Obstétrica
• Centro de Estudos de Anestesiologia e Departamento de Oftalmologia e
Reanimação – Cedar Otorrinolaringologia
• Liga de Controle do Câncer da Cavidade Oral • Fundação Otorrinolaringologia
Departamento de Clínica Médica • Seminário Oftalmológico J. Brito
• Fundação para o Desenvolvimento Departamento de Ortopedia e
da Reumatologia Traumatologia
• Centro de Estudos de Nefrologia e Hipertensão • Fundação Ortopedia
Arterial • Ass. dos Ex-Estagiários do Departamento de
• Soc. Brasileira de Endocrinologia e Ortopedia e Traumatologia – AEOT
Metabologia – Reg. São Paulo – Sbemosp • Centro de Estudos Godoy Moreira – Cegom
• Sociedade Brasileira para o Estudo do Departamento de Pediatria
Metabolismo Ósseo e Mineral – Sobebom • Fundação Criança
Departamento de Dermatologia • Ação Solidária Contra o Câncer Infantil
• Centro de Estudos Dermatológicos Aguiar • Centro de Estudos Professor Pedro
Pupo – Cedap de Alcântara
Departamento de Gastroenterologia Departamento de Psiquiatria
• Centro de Estudos e Desenvolvimento de • Centro de Estudos de Psiquiatria Infantil - Cepi
Gastroenterologia • Centro de Estudos do IPq – CEIP
• Instituto Doenças e Transplante de Órgãos do • Centro de Pesquisa em Fisiologia Cerebral
Aparelho Digestivo – Fungastro Humana – Ceneps
Departamento de Medicina Legal, Ética Departamento de Radiologia
Médica e Med. Social e do Trabalho • Centro de Estudos Radiológicos Raphael de
• Centro de Estudos do Instituto Oscar Freire – Barros
Ceiof Fonte: Superintendência do HC

107
Dezembro 2001 Revista Adusp

FAEPA CONTROLA HC
DE RIBEIRÃO PRETO
E VERBAS DO SUS
José Chrispiniano
Jornalista

Fundação privada, a Faepa gere toda a verba extra-


orçamentária do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto, que no ano de 2000
chegou a R$ 71,9 milhões. A introdução da “segunda
porta” no hospital inclui o atendimento a convênios
— e a Clínica Civil permite a docentes da USP ofertar
atendimento médico a particulares. A Faepa emprega
parte das verbas do SUS para contratar docentes para
a Faculdade, vinculados à Faepa e não à USP

108
C
Revista Adusp Dezembro 2001
riada em agosto de professor Maciel. O primeiro foi a prestação de contas da entidade
1988, a Fundação de Ayrton Custódio Moreira, atual di- feita à Promotoria das Fundações do
Apoio ao Ensino, Pes- retor da Faculdade de Medicina, Ministério Público Estadual.
quisa e Assistência do presidente do Conselho Delibera- Apesar de serem receitas extra-
Hospital das Clínicas tivo do HCRP e membro do Con- orçamentárias, a origem da maior
da Faculdade de Medi- selho Curador da Faepa. O outro, parte deste dinheiro também é pú-
cina de Ribeirão Preto (Faepa) é Marcos Felipe Silva de Sá, diretor- blica. A principal fonte são os paga-
uma fundação de direito privado executivo da fundação quando da mentos realizados pelo governo fe-
gerida por docentes da área clínica assinatura do contrato de cessão da deral por atendimentos feitos pelo
da USP, mas não tem, como função Clínica Civil, desde o início do pri- Sistema Único de Saúde (SUS), que
principal, o apoio à Faculdade meiro mandato do governador Má- desde 1993 são repassados à Faepa
de Medicina de Ribeirão Preto rio Covas, em 1995, é o superinten- e não ao HCRP. No ano passado,
(FMRP). Seu diretor-executivo, dente do HCRP. R$ 59,843 milhões, que representa-
professor Benedito Carlos Maciel, A interação entre as três entida- ram 83% da receita da fundação, ti-
argumenta que a entidade tem vin- des é tamanha, que é a Faepa que veram origem nesse reembolso pelo
culação “indireta” à USP. Sua atendimento público.
principal relação seria com o Hos- Outros R$ 5,029 milhões vieram
pital das Clínicas de Ribeirão Preto A Faepa contratou 14 do próprio governo estadual, em
(HCRP), o qual, em caso de extin- verbas destinadas a programas es-
ção da Faepa, ficaria com todo o docentes para a USP, pecíficos como o de medicamentos
seu patrimônio. de alto custo. Ou seja, são públicas
Um convênio assinado com a Se- pagos com verbas do 90% das verbas extra-orçamentárias
cretaria de Saúde do Estado de São do HCRP que a Faepa gere. Além
Paulo permite à Faepa gerir parte SUS e vinculados disso, em novembro de 2000 foi as-
das verbas do HCRP, além de admi- sinado um novo convênio, com a
nistrar a Clínica Civil do hospital, à Faepa Prefeitura de Ribeirão Preto.
onde são prestados exclusivamente Como justificativa deste modelo,
serviços médicos remunerados. Ou- que transfere a uma fundação pri-
tro convênio, este da Faepa com a faz o repasse de 95% da renda dos vada a gestão de recursos públicos
USP, permite aos docentes da uni- aluguéis das lanchonetes que exis- de um órgão estatal, o diretor da
versidade prestarem serviços na Clí- tem dentro do hospital para o Cen- Faepa cita a maior agilidade que a
nica Civil. tro Acadêmico Rocha Lima, dos es- fundação daria ao processo admi-
Difícil é determinar as fronteiras tudantes da FMRP. A atividade está nistrativo e também a precaução con-
entre as instituições envolvidas: Fa- descrita no relatório da fundação tra a dispersão dos recursos gerados
culdade de Medicina, HCRP e Fae- como “apoio ao Centro Acadêmico dentro da Secretaria da Saúde.
pa sobrepõem-se constantemente. Rocha Lima”. O papel da Faepa no gerencia-
“Cada uma delas tem a sua inde- A Faepa responde pela gestão mento das verbas do SUS é contes-
pendência”, sustenta Maciel, admi- dos recursos extra-orçamentários do tado, no entanto, em carta enviada
tindo porém que “a relação funcio- HCRP, ou seja, por todas as verbas à Promotoria das Fundações pelo
nal é muito grande”. que não sejam as previstas no Orça- Centro Médico de Ribeirão Preto,
A sobreposição se dá também na mento do Estado e repassadas pela assinada por Maria Terezinha Infan-
direção das três instituições. Dois Secretaria de Saúde para a Supe- tosi Vannuchi, presidenta da entida-
outros professores da USP ocupa- rintendência do hospital. São somas de, e por Juvenal Setolin, presidente
ram anteriormente o principal car- elevadas. Em 2000, esse valor repre- do Fórum de Defesa Profissional.
go da fundação, hoje exercido pelo sentou R$ 71,931 milhões, segundo O Centro Médico é uma entidade

109
Dezembro 2001 Revista Adusp
Fotos Júlio Sian
de representação profissional extra-
sindical, existente desde 1934. Os
signatários questionam por quê o
HCRP se privou do acesso direto às
verbas do SUS. “Por que uma verba
pública não pode ser recebida dire-
tamente por uma outra instituição
pública? Por que houve necessidade
de um intermediário?”
De acordo com os representan-
tes do Centro Médico, “a interme-
diação dessa fração orçamentária
ocorreu através de ações que visa-
vam contornar dispositivos legais
que impediam uma desejável male-
abilidade na aplicação destas ver- Centro de Convenções construído pela Faepa em área do HCRP
bas. Estranha atitude porque dispo- p. 45, lê-se: “Desse modo, a FMRP apoio a projetos de docentes, alu-
sições legais não se justificam se pode amenizar as dificuldades de nos ou médicos ligados ao HCRP
contrariam o interesse público. Se reposição de docentes enfrentadas ou à FMRP.
este era o caso deviam ser modifica- pela Universidade de São Paulo”. A pedido da Superintendência do
das, até revogadas, mas não contor- Embora contratados com a finalida- hospital, em 2001 o valor dessa taxa
nadas”, criticam. de de dar aulas, esse professores não de gestão caiu para 2,5% das verbas
“Preferiram criar uma outra ins- são ligados à USP nem respondem a do SUS. Para suprir a diferença, a
tituição para administrar a verba; ela, mas sim à Faepa. diretoria da Faepa conta com o au-
uma fundação, a Faepa. Criou-se Quem explica é o diretor-execu- mento de receitas provenientes de
um absurdo: uma relação de depen- tivo da Faepa: “São docentes con- outras fontes. Em texto publicado
dência, ainda que em pequeno grau, tratados pela Faepa, para atuar nas no Relatório de Gestão 1996-2000,
do HCRP a ela, fundação.” áreas clínicas do hospital. Então es- a ampliação de fontes de receita é
Outra polêmica explosiva está tamos incrementando com isso o considerada necessária para tornar a
na aplicação de verbas do SUS em número de docentes da Faculdade instituição “mais sólida”.
projetos de ensino e pesquisa. Dos de Medicina. Só que eles não são Uma das iniciativas para diver-
recursos do SUS, 2% são destina- vinculados à Faculdade. São vincu- sificar as fontes de recurso da Faepa
dos a um programa chamado “Ativi- lados à Faepa, mas exercem ativi- foi a criação de um centro de con-
dades Acadêmicas da Presidência dades como se fossem docentes da venções, dentro de um terreno per-
do Conselho Deliberativo”. No ano Faculdade”. tencente ao HCRP, na área central
de 2000 isso resultou numa verba Este não é o único caso de des- de Ribeirão Preto, com vários audi-
de R$ 1,2 milhão, colocada sob con- tinação de parcelas das verbas do tórios e capacidade de receber até
trole do diretor da FMRP. SUS a outros fins que não a remu- 2500 participantes. Na mesma área
Os recursos foram utilizados prin- neração pelo atendimento médico- funciona um estacionamento tercei-
cipalmente para a contratação de hospitalar no HCRP. Até 2000, 5% rizado, onde 72,3% da renda são
quatorze “docentes-colaboradores” das verbas do SUS (aproximada- destinados à Faepa. O objetivo, se-
(foram abertas dezoito vagas, mas mente R$ 3 milhões naquele ano) gundo o professor Maciel, é que o
quatro não foram preenchidas) para eram retidas pela direção da Faepa centro de convenções sirva como
a área clínica da FMRP. No Relatório a título de remuneração dos custos um “investimento” que gere recei-
de Atividades da Faepa no Ano 2000, da sua estrutura administrativa e tas para serem reaplicadas, pela Fa-

110
Revista Adusp Dezembro 2001

Receitas Faepa 1996-2000 (em R$)

Origem 1996 1997 1998 1999 2000


SUS 29.435.352 41.884.073 44.906.743 50.235.189 59.029.784
Clínica Particular e convênios 822.964 1.099.994 929.645 1.012.249 1.438.581
Subvenção Secret. de Saúde 1.654.225 58.700 916.735 5.029.748
Prefeitura de Ribeirão Preto 418.211 801.527
Financeira 3.500.000 2.656.421 2.939.318 2.898.733
Outras 192.058 431.581 804.783 1.730.620 5.618.893*
Total 33.950.374 47.686.294 50.057.400 57.595.053 71.931.008
Fonte: Relatório de Gestão da Faepa 1996-2000
*Prestação de contas da Faepa do ano de 2000 ao Ministério Público. Neste ano as receitas financeiras foram incluídas dentro do item “Outras”

epa, no hospital. ria de Saúde, eles dispõem, em tese, atividades 2000, p. 33), quando a
Outras áreas do hospital estão de apenas 3 horas para atender na universidade deveria ter recebido,
passando para o controle da fun- Clínica Civil. Usando o espaço, o se mantidas as porcentagens ante-
dação. A Central de Esterilização nome e a infra-estrutura do HCRP, riores, o triplo deste valor.
teve seu gerenciamento cedido pelo cobram honorários e atuam como Essa simples alteração significou
HCRP em 1999. O objetivo seria, num consultório privado. uma perda de recursos para a FMRP,
uma vez mais, “otimizar a utilização A USP recolhe 10% do valor apenas entre 1998 e 2000, de R$
daquele setor e ampliar as fontes de destas consultas. Até 1998 recolhia 1.073.766,00. Diferença esta que foi
arrecadação do hospital” (Relatório 30%, dos quais 5% iam para a Rei- apropriada pelos professores que
de Atividades 2000, p. 41). Isso seria atendem na Clínica Civil.
obtido com a utilização da Central Além disso, o dinheiro corres-
na prestação de serviços pagos a em- pondente aos 5% da unidade é ge-
Os 129 docentes em
presas de saúde. renciado pela Faepa. Os recursos,
A Faepa também obtém recursos RDIDP repassam à encaminhados para uma conta es-
com o atendimento de particulares e pecífica, atendem a FMRP, mas são
clientes de convênios feito na Clínica Faculdade somente controlados pela fundação.
Civil. Trata-se da “segunda porta” Para Edmundo Raspanti, médico,
do hospital, aquela pela qual passam 5% do que ganham ex-docente da USP, um dos articula-
os pacientes que pagam pelo atendi- dores de ação pública contra a Clíni-
mento. Desde 1989, quando foi ce- na Clínica Civil ca Civil, a razão de ser do esquema
dida gratuitamente à Faepa, a segun- é incrementar o salário dos docentes
da porta vem ganhando importância da área clínica da FMRP. “Todo esse
naquele complexo hospitalar. toria e 25% para a unidade. O que aparato é montado para beneficiar
Os únicos médicos autorizados mudou foi que a unidade, que pode uma casta de professores. Com ra-
a atender dentro da Clínica Civil escolher uma porcentagem de reco- zão, porque eles ganham muito mal.
são os docentes da área clínica da lhimento entre 5% e 45%, e que até Mas não transformando a clínica pú-
FMRP. São 129 docentes em regi- então cobrava 25%, optou naquele blica em clínica particular.”
me de dedicação integral (RDIDP) ano pela porcentagem mínima. Isso Do restante da receita arreca-
cadastrados para atuar na Clínica se refletiu em uma redução do va- dada com a segunda porta, 30%
Civil. Como já cedem 5 horas, das 8 lor total repassado para a USP, de são destinados a projetos da Faepa
horas do RDIDP, para atividades no R$ 445.534,00 em 1997, para R$ e os demais 70% a programas da
hospital, onde recebem da Secreta- 232.274,00 em 1998 (Relatório de Superintendência do HCRP, nos

111
Dezembro 2001 Revista Adusp
quais se incluem empréstimos a
servidores do hospital. Em 2000,
segundo os dados oficiais da fun-
RETALIAÇÃO
dação, a arrecadação da Clínica Ci- Professor titular aposentado, ex-diretor clínico do HCRP, José Carlos
vil, excluidos os honorários médi- Manço foi desligado em setembro de 1999 da Comissão de Ética do
cos, ficou em R$ 954.400,00. Verba Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, na qual estava no segundo
extra-orçamentária, gerida inteira- mandato.
mente pela fundação. Seu desligamento da Comissão foi pedido pelo representante do
Quando a Faepa utiliza equipa- Conselho Regional de Medicina, o professor Nelson Okano. Ele alegou
mentos do HCRP, tem de remunerá- que Manço não tinha vínculo com o HCRP, condição exigida para fazer
lo por esse uso. A remuneração, con- parte da Comissão.
tudo, pode ser feita na forma de ma- Okano baseou-se em informações obtidas no setor de recursos
teriais ou medicamentos. E, afinal de humanos do hospital. Entretanto, o professor Manço continuava mi-
contas, é uma operação meramente nistrando aulas na pós-graduação, realizando pesquisas clínicas no
contábil, pois a fundação realiza o hospital. Além disso, foi indicado para a Comissão de Ética pelo próprio
pagamento para si mesma. Departamento de Medicina Clínica da FMRP.
Os estudos para a implementa- O desligamento ocorreu pouco após o professor Manço ter solicita-
ção de atendimento a convênios pri- do que o diretor-executivo da Faepa e o superintendente do HCRP
vados no HCRP tiveram início em comparecessem à Comissão de Ética, para fornecer informações sobre a
1997. Os primeiros atendimentos implantação da “segunda porta”, estudada na época.
ocorreram em 2000, sob uma série O convite foi noticiado pelo jornal Folha de S. Paulo. “Por conta
de regras definidas pelo Conselho disso a reunião foi mais para me atacar do que para eles explicarem
Curador da Faepa. O primeiro con- os convênios”, relata Manço. “Eu estava preocupado com os aspectos
trato foi fechado com o Ministério éticos, que é a função da comissão, não econômicos, nem legais. E foi
do Exército. Na mesma época em isso que desencadeou todo esse processo, a acusação de que eu havia
que iniciava o atendimento aos pa- vazado informações para a Folha, informações que não eram sigilosas,
cientes de convênios, a recepção mas de qualquer forma não fui eu que repassei.”
dos pacientes SUS no HCRP foi al-
terada, num desmentido cabal da como os da Bradesco Seguros e da se outras receitas de serviços pres-
afirmação dos defensores da “dupla Caixa Econômica Federal, geraram tados pelo HCRP, a remuneração
porta” de que ela não prejudica a para a fundação a receita total de total em serviços privados atingiu
vida dos usuários comuns. R$ 235.130,00. A baixa arrecadação R$ 1,43 milhão, de acordo com a
De acordo com as novas regras, se explica pelo fato de que o atendi- prestação de contas feitas à Promo-
as consultas só poderiam ser feitas se mento aos pacientes de convênios toria das Fundações (veja tabela).
marcadas previamente em um posto ainda dava os primeiros passos. Seis O valor equivale a menos de 1%
de saúde. As novas medidas exigiam das nove empresas que firmaram dos R$ 149 milhões em verbas pú-
que até os casos de urgência e emer- contratos com a Faepa começaram blicas de vários níveis governamen-
gência teriam que de ser triados, ini- a ser atendidas somente no último tais investidas no hospital. Apesar
cialmente, num posto de saúde, e trimestre de 2000. Porém, como ob- disso o atendimento privado já ocu-
que somente autorizados poderiam serva o relatório de atividades da pa, segundo o professor Maciel, 2%
ter acesso ao HCRP. A mudança foi fundação, o número de consultas de sua capacidade. Mas a justifica-
implantada no dia 17 de janeiro de cresce progressivamente. tiva do atendimento privado é jus-
2000. Vinte dias depois começou o Os atendimentos aos convênios e tamente a busca de alternativas de
atendimento do primeiro convênio. à Clínica Civil renderam R$ 1,18 mi- recursos para aperfeiçoar e ampliar
Em 2000 os convênios privados, lhão naquele ano. Acrescentando- o atendimento público.

112
Revista Adusp Dezembro 2001

Flagrante da dupla porta no HC de Ribeirão Preto

Financiar o atendimento público ceita”, comenta Setolin. Clínica Civil foi parar na Promotoria
através do privado é impossível, no Parecer de Henrique Carlos Gon- das Fundações. Em janeiro de 2000
entender do médico Juvenal Setolin. çalves, do Conselho Regional de firmou-se um acordo entre a Faepa,
Ele argumenta que a única maneira Medicina de São Paulo (Cremesp), o HCRP e o promotor de fundações
de hospitais privados obterem algum datado de abril de 1999, define que em Ribeirão Preto, Sebastião Sérgio
lucro com convênios é estabelecer não há problema em uma fundação da Silveira, do qual resultou um Ter-
uma série de restrições e um rígido ou instituição receber pagamentos mo de Ajuste de Conduta para o aten-
controle de custos (como tempo limi- de planos de saúde e seguradoras, dimento privado no hospital.
tado de permanência na unidade de desde que todos os pacientes sejam O documento estabelece que a
tratamento intensivo e terceirização) atendidos em fila única, sem qual- prestação de serviços a clientes priva-
que um hospital público, ainda mais dos não pode prejudicar os pacientes
universitário, não pode estabelecer. SUS, proíbe tratamento privilegiado
Quando, nos hospitais particula- e estabelece 6% da capacidade do
O HCRP restringiu
res, seus gastos superam os valores hospital como teto ao atendimento
previstos no convênio, o paciente vê- o acesso ao SUS da Clínica Civil, além de proibir a esta
se obrigado a pagar o tratamento di- o uso de funcionários públicos. Uma
retamente para o hospital. No HCRP, em 17/1/2000. Vinte comissão foi criada para acompanhar
público, o paciente passaria do con- a aplicação do Termo de Ajuste.
vênio para o SUS, só que através de dias depois passou a O acerto ainda está em tramita-
um atalho privilegiado, já que o hos- ção dentro do Conselho Superior
pital, pela própria universalidade do atender convênios do Ministério Público Estadual. O
SUS, não poderia rejeitá-lo. Dessa Centro Médico não concordou com
forma, para o presidente do Fórum o Termo de Ajuste. Na carta envia-
de Defesa Profissional o que ocorre quer discriminação. da ao promotor, condena in totum o
é justamente o contrário: o público O parecer conclui que, embora a atendimento privado em um hospi-
subsidiando e cobrindo as áreas de ética médica não se oponha à cobran- tal público. “Por que este cidadão,
atuação do privado. ça de serviços prestados, não pode arrenegado, pôde se tornar fonte de
“Eles dizem, por exemplo, que admitir que o médico participe de dis- lucro, numa relação intermediada
10% dos pacientes são de convênios e criminações em instituições destina- pelas empresas de plano de saúde
geram 20% das receitas. Agora, es- das à prestação de serviços públicos, e não pôde ser aceito, antes, numa
sa não é a questão. A questão é: mantidas pelo conjunto da sociedade. relação direta com o HCRP, como
quanto da receita esses 10% dos pa- Por iniciativa do Centro Médico contribuinte? Que contorcionismo
cientes consumiram? Porque eles de Ribeirão Preto, em 1996 a discus- contábil e legal será capaz de escon-
podem ter consumido 25% da re- são sobre o atendimento privado na der estas contradições?”

113
Dezembro 2001 Revista Adusp

BENEDITO MACIEL

“A REGULAMENTAÇÃO
NÃO MUDA NADA
PARA NÓS”

O professor Benedito Carlos Maciel, diretor-executivo


da Faepa, rebate a acusação de que falta
transparência às atividades e finanças das fundações:
“Nosso relatório de atividades está na Internet”.
Publicamos aqui os trechos principais da entrevista
concedida à Revista Adusp, em que ele explica a
intrincada relação entre Faepa, HCRP e FMRP e
declara que a proposta de regulamentação em poder
do Conselho Universitário da USP não mudaria nada
para a fundação que dirige

114
Revista Adusp Dezembro 2001
Júlio Sian
Revista Adusp- Qual o papel da
Faepa?
Maciel - Como o próprio nome
dela já diz, a vinculação principal
é com o Hospital das Clínicas. E
considerando que o HCRP tem
uma vinculação intrínseca, acaba
tendo uma interação com a FMRP,
que é da Universidade de São Pau-
lo. Então, no sentido rigoroso, se
você fosse ver, embora a Faepa
seja citada como uma fundação
vinculada à USP, esta vinculação é
por via indireta.

Revista Adusp- Mas os mem- Professor Benedito Maciel


bros da Faepa são todos docentes
da USP. recursos de outras atividades do Revista Adusp- Desses 64 mi-
Maciel - Veja bem, os diretores Hospital que de alguma forma lhões quanto era verba do SUS?
sim. A Faepa, do ponto de vista da tem algum tipo de pagamento. Por Maciel- Do SUS, R$ 58 milhões.
estrutura organizacional, tem uma exemplo: estágio de médicos adi- Varia muito ano a ano. Este ano por
diretoria que é formada por dois dos, que vêm fazer estágios espe- exemplo temos vários programas
diretores, um diretor executivo e cializados. O que é importante, eu com o Ministério da Saúde, que não
um diretor científico, que são do- vi a reportagem de vocês, é que to- tínhamos no ano passado. Inclusive
centes da USP. Ela tem entre os dos os recursos são aplicados inte- o programa Saúde da Família, um
seus outros órgãos diretivos o Con- gralmente no hospital ou na FMRP. programa da Faculdade de Medici-
selho Curador e um Conselho Con- A fundação não tem nenhum cará- na para a implantação de um pólo
sultivo. O Conselho Curador é pre- ter lucrativo, ela é sem fins lucra- regional, que a fundação se envol-
sidido pelo diretor da FMRP, tam- tivos e os recursos que ela aufere veu para viabilizar isso, porque era
bém presidente do Conselho Deli- são aplicados na instituição. a única maneira de o Ministério re-
berativo do HCRP. Tem todos os passar dinheiro para esse programa.
membros do Conselho Delibera- Revista Adusp- Qual a fonte
tivo do HCRP, e também outros dos recursos orçamentários do Revista Adusp- O Ministério
membros de departamentos clíni- hospital? não poderia repassar direto para a
cos da Faculdade. Maciel- Do Governo do Estado, Faculdade?
do Orçamento, o HC é uma autar- Maciel - Pelo que eu saiba ela
Revista Adusp- E a fonte de re- quia. Negociado todo ano. não é uma estrutura que tenha os
ceitas? mecanismos. Ela não poderia con-
Maciel - A Fundação gerencia Revista Adusp- Qual a porcenta- tratar pessoal, por exemplo, e isso
os recursos extra-orçamentários do gem da receita vinculada ao SUS? envolve a contratação de médicos,
HCRP, o que inclui todos os recur- Maciel- Vou ter que checar, mas de agentes da saúde, que são pesso-
sos de serviços prestados ao SUS. me parece que o Orçamento do Es- as daquela área de atuação. A fun-
Ela gerencia os recursos gerados tado para o ano passado era da or- dação entra aí para viabilizar isso. A
pelo atendimento de pacientes par- dem de R$ 85 milhões. O que a Fa- Faculdade entra como partícipe. Na
ticulares ou de convênio. Gerencia epa gerenciou era R$ 64 milhões. verdade é um convênio tripartíte,

115
Dezembro 2001 Revista Adusp
e envolve contratação de médicos, credenciamento, o que é uma das par- não têm envolvimento direto no aten-
agentes de saúde, a Prefeitura, a te principais da proposta. Agora, pres- dimento se beneficiam deste progra-
Secretaria de Saúde estadual, que tação de contas, relatório de ativida- ma da mesma maneira. Temos o pro-
é através de quem o Ministério faz des, isso tudo nós fazemos. Nosso re- grama de bolsas de estudo, como de
a transferência dos recursos. Então latório está na internet, www.Faepa.br. auxílio de projeto de pesquisa. Claro
ele passa via HCRP. Este convênio Por isso, quando vocês falam que não que nossa atividade no auxílio a pro-
que permite à Faepa gerenciar os re- tem transparência, não entendo. Mais jetos de pesquisa, ela é muito restrita,
cursos do hospital é um convênio Fa- transparência que isso? nós não temos recursos em grande
epa-HCRP-Secretaria de Saúde, au- escala, mas para ajudas pequenas em
torizado pelo governador. Do mes- Revista Adusp- Qual a impor- projetos, os docentes podem se bene-
mo modo que nossa vinculação com tância da Faepa para a manuten- ficiar, tanto os da área clínica quanto
a USP, embora exista esta “regula- ção dos docentes dentro da USP? os da área básica, que não tem rela-
mentação” que está sendo propos- Maciel - A única coisa que ela re- ção direta com as atividades do hos-
ta, independentemente disto, a nos- passa são os honorários para os do- pital. Os docentes tem benefícios in-
sa relação com a USP sempre foi centes na Clínica Civil. Na verdade, diretos, não é salário, não é dinheiro,
formalizada. Desde o momento em são benefícios que melhoram as con-
que os docentes da universidade fo- dições de trabalho e aprimoramento
ram autorizados a prestar as asses- “Os docentes têm de docentes e funcionários. Só para
sorias com a [resolução] 3533, de você ter uma idéia, esse programa,
1989, desde o momento em que a benefícios indiretos, de auxílio a projetos de 1996 a 2000,
Faepa passou a gerenciar a Clínica começou com 732, no ano passado
Civil, onde os docentes atendem pa- não é dinheiro, foi 1550.
cientes particulares, e passou a fa-
zer a gestão desses recursos, isso foi são ajudas pequenas Revista Adusp- O incremento
feito com a maior transparência. Há salarial se dá então através da Clí-
um convênio assinado entre as três em projetos” nica Civil, dentro das 8 horas?
partes, a Faepa e FMRP, que está Maciel - Veja bem. Eles não gas-
em fase de renovação na Consulto- tam as oito horas. Existe um convênio
ria Jurídica da universidade, mas é ela nem recebe esse dinheiro, ele nem entre o HCRP e a USP. Não envolve
uma coisa que já vem. Para nós não entra na Faepa. Como ela gerencia, a fundação. Ela não tem nada a ver
muda nada essa regulamentação, ela pega o dinheiro do paciente e de- com isso. Os docentes gerenciam ativi-
porque já temos os convênios de posita em uma conta dos docentes. dades do hospital. São coordenadores
longa data, repassamos os recursos E retira daí os 10% regimentais, e de laboratórios, da residência médica
diariamente para a universidade e isso vai para a USP, em todo tipo de etc. São definidas 5 horas semanais
prestamos conta para a Diretoria da honorário médico. Agora, a Faepa que não têm nada a ver com a funda-
FMRP destes recursos, mensalmen- indiretamente beneficia não só os do- ção. Nisso, eles recebem um recurso
te e de maneira detalhada. centes, mas todo aqueles que traba- da Secretaria de Saúde que vai direto
lham no hospital. Ela tem um progra- para a USP, recurso orçamentário do
Revista Adusp- Então o sr. não ma de auxílio bastante amplo, que hospital. Então, complementação sa-
tem posição sobre a regulamenta- envolve aprimoramento de recursos larial eles têm através deste programa
ção? humanos, participação em congres- regulado pela 3533, e a universidade
Maciel - Não, acho que a universi- sos, cursos de aprimoramento técni- retém 10% deste valor, na participa-
dade precisa regulamentar. Para nós, co. Isso não é só para docentes, isso ção dela nesse valor. Na Clínica Civil o
aquela regulamentação, tal qual como também é para funcionários, e mes- docente tem de duas a três horas por
proposta, ela vai representar nosso mo os docentes de área básica que semana para atender.

116
Revista Adusp Dezembro 2001

DEACUSADA
CONCORRÊNCIA DESLEAL,
FIPAI VENCE EM
DUAS INSTÂNCIAS
José Chrispiniano
Jornalista

Ligada à Escola de Engenharia de São Carlos


(EESC), a Fipai, Fundação para o Incremento da
Pesquisa e Aperfeiçoamento Industrial, enfrentou na
justiça ação movida por uma empresa por ter obtido,
sem licitação, um contrato com a Prefeitura de
Ribeirão Preto, mas venceu na primeira e segunda
instâncias. Em 2000 a Fipai teve receita de R$ 3,7
milhões, superávit de R$ 586 mil e repassou à EESC
o valor de R$ 103.112,48 ou 3,5%

117
A
Dezembro 2001 Revista Adusp
Fundação para o Incre- impacto ambiental (Rima). Acabou reclamação ao CREA sobre o regis-
mento da Pesquisa e sabendo, pela leitura do Diário Ofi- tro e a habilitação da entidade para
Aperfeiçoamento Indus- cial do município, que a Fipai havia a prestação de serviços de engenha-
trial (Fipai), ligada à Es- sido contratada para o serviço com ria. Para o presidente da Fipai, pro-
cola de Engenharia de dispensa de licitação, baseada na sua fessor Odilson Coimbra Fernandes,
São Carlos (EESC), atua ligação com a USP e no inciso XIII não há por que a Fipai ser regis-
de duas formas diferentes. De um la- do artigo 24 da lei de licitações. trada no CREA da mesma forma
do, fecha convênios em nome da esco- Para barrar a contratação, Telles que uma empresa, apesar de prestar
la com instituições públicas de fomen- impetrou ação judicial, argumentan- serviços de engenharia.
to à pesquisa: a Financiadora de Estu- do que a dispensa de licitação reti- “O CREA quer tratar a Fipai
dos e Projetos (Finep) e o Conselho rou de sua empresa o direito de par- como uma empresa de engenharia,
Nacional de Desenvolvimento Cientí- ticipar da concorrência: “Enquanto com um responsável técnico pela
fico e Tecnológico (CNPq). De outro uma empresa privada tem que pa- entidade. Só que a Fipai não é uma
lado, presta serviços de consultoria na gar impostos e obter uma certidão empresa de engenharia, é uma fun-
área de engenharia e arquitetura para dação”, argumenta o professor Fer-
empresas privadas e órgãos públicos. nandes. “Cada contrato tem um pro-
São duas as justificativas para fessor, que é o coordenador, como
que os convênios sejam firmados
CEF contratou Fipai seu responsável técnico. Eu sou en-
com a fundação, ao invés de com a genheiro mecânico. Não posso ser
por R$ 1,76 milhão,
USP. Uma é a agilidade na captação o responsável por um projeto de
e gestão dos recursos pela funda- para desenvolver engenharia química.”
ção. Outra, os problemas da relação A ausência da Fipai nos regis-
burocrática entre a universidade e o metódo de avaliar tros do CREA também foi citada na
governo federal. ação judicial. Mas, no voto em que
“A USP tem que entregar muitas programas do FGTS o desembargador Lineu Peinado,
prestações de contas, e qualquer coisa relator do processo no Tribunal de
que atrasa, às vezes por causa de um Justiça, nega o recurso apresentado
docente que atrasa uma prestação de de que não está devendo nada para por Telles, ele afirma que “a inexis-
contas, já a torna irregular perante as participar de licitações, uma funda- tência de registro do CREA da Fun-
agências de financiamento. Eu mesmo ção sequer tem que pagar impostos, dação pode ser suprida pela exis-
ia fazer um projeto e fechá-lo pela e ainda pode escapar da licitação.” tência de registro dos profissionais
USP, mas o próprio órgão financiador Telles perdeu a ação em primeira por ela indicados para a realização
pediu para pôr a fundação”, explica e segunda instância. “Para nós, isso do trabalho preterido”.
Eugênio Foresti, diretor da EESC. é uma profissão. Para eles (a Fipai) Para o professor Fernandes, tam-
No outro lado da atuação da Fi- é bico. Eles cobraram muito mais pouco a Fipai pratica concorrência
pai, as consultorias, a entidade en- caro do que o mercado. Eu teria co- desleal, apesar de oferecer ao setor
frentou e venceu, por ora, uma acu- brado muito mais barato. Tiraram público serviços também prestados
sação de concorrência desleal. O o meu direito de participar da con- por empresas privadas, já que a fun-
questionamento surgiu do engenhei- corrência”, declara. O engenheiro dação, “por princípio”, não participa
ro e empresário Ivens Benedito Blo- afirma que seria capaz de prestar de licitações. “Quando eles pedem
ch Telles. Em 1998, Telles esperava o mesmo serviço por cerca de meta- carta-convite, a gente nem entra,
participar de uma concorrência para de do preço de R$ 85.200,00 que o porque somos dispensados de licita-
a Prefeitura de Ribeirão Preto, onde município pagou à fundação. ção. Justamente para evitar isso. A
possui uma empresa de engenharia Além da ação na justiça comum, gente não pode concorrer com em-
ambiental que elabora relatórios de o engenheiro também apresentou presas legalmente estabelecidas.”

118
Revista Adusp Dezembro 2001
Fac-símile
O nicho mais forte de consulto- São Carlos, Luiz
rias para a Fipai está, segundo seu Carlos Santos
presidente, nas áreas de saneamento Oliveira, tam-
básico e transportes, e grande parte bém não quis
dos contratos são firmados com pre- disponibilizar a
feituras ou serviços autônomos de prestação de
água e esgoto. Os contratos que en- contas, e insistiu
volvem verbas mais volumosas são que antes de ver
aqueles firmados com o setor públi- qualquer docu-
co. O maior deles é um projeto para a mento seria re-
Caixa Econômica Federal (CEF), fe- comendável a
chado em 1999, com duração de um reportagem con-
ano e no valor de R$ 1.769.940,00. sultar a Fipai.
O objetivo do projeto está descrito Os docu-
da seguinte forma: “prestação de ser- mentos obtidos Documento do CREA sobre a Fipai
viços pelo Departamento de Arquite- não permitem constatar com exa- a adiantamentos, que consta no balan-
tura e Urbanismo da EESC da USP, tidão o nível de remuneração dos ço que foi analisado, o Presidente do
através da Fipai, de desenvolvimento docentes envolvido nos projetos da Conselho colocou em discussão esse
de Metodologia de Avaliação dos Pro- Fipai. Com pequeno quadro fixo de assunto. Após acalorada discussão,
gramas dos Recursos do FGTS, con- funcionários, a fundação contrata o Conselho decidiu que, a partir do
forme determinado pelo Conselho prestadores de serviços de acordo próximo 01/04/2001, o valor máximo
Curador do FGTS” (ata da 64ª reu- com os projetos apresentados. Na para adiantamentos aos docentes que
nião ordinária do Conselho Curador prestação de contas, o pagamento prestam serviços dentro dos diversos
da Fipai, 28 de agosto de 1999). aos docentes é incluído junto ao dos projetos que são desenvolvidos pela
É comum nos contratos da funda- demais trabalhadores contratados Fipai será de 100 salários mínimos e
ção a descrição dos seus projetos, tan- por projeto pela fundação, no item o prazo para prestação de contas do
to para o setor público quanto para “Serviços de Terceiros”. Em 1999, mesmo será em 60 dias. Novo adianta-
o privado, como serviços prestados por exemplo, a Fipai gastou em paga- mento só poderá ser concedido após
por um determinado departamento mentos a terceiros R$ 1.820.792,67. liquidação do adiantamento anterior.”
da EESC, mas “através da Fipai”. Outra cifra capaz de dar uma O convênio firmado entre a Fi-
Os documentos foram obtidos idéia de quanto os docentes ganham pai e a EESC permite que qualquer
junto ao cartório da comarca de São por meio da Fipai vem de um deba- professor ligado à escola coordene
Carlos, após o diretor-presidente da te sobre adiantamento de pagamen- projetos da fundação. Esta apenas
Fipai ter indicado que só o diretor tos referentes a projetos, ocorrido gerencia e fornece infra-estrutura
da EESC poderia fornecer os va- na reunião do Conselho Curador da administrativa.
lores dos repasses e os relatórios Fipai de 22 de março de 2001. O Segundo o professor Fernandes,
de atividades à Revista Adusp. “A assunto provocou uma “acalorada o Conselho Curador da Fipai é o pró-
gente não tem repassado, porque discussão”, mencionada na ata, de- prio Conselho Técnico-Administra-
são assuntos pertinentes ao campus. pois da qual ficou acertado um valor tivo (CTA) da escola. “O Conselho
O diretor da escola recebe esse rela- máximo de adiantamento para cada Curador é o CTA. O que o Conselho
tório, é a ele que você deve pedir.” docente que presta serviço à Fipai. Curador tem a mais é uma represen-
O diretor da EESC, por sua vez, O teto foi definido em 100 salários tação discente e uma de funcionários.
não respondeu ao pedido de entrega mínimos, ou R$ 18.000,00, a cada dois Mas é praticamente o CTA, porque
dos documentos, encaminhado por meses: “Tendo em vista o valor eleva- a maioria absoluta do CTA está no
escrito. O promotor de Fundações de do (mais de R$ 600.000,00) referente Conselho Curador da Fipai.”

119
Dezembro 2001 Revista Adusp
Trata-se de uma situação típica
de conflito de interesses, pois o CTA RECEITAS DA FIPAI E REPASSES
é o órgão encarregado de fixar os À EESC (EM R$) 1997-2000
valores que a fundação deve pagar
à unidade, no caso da utilização de 1997 1998 1999 2000
prédios e equipamentos desta, bem Receita 2.605.197 5.783.541 3.869.385 3.708.206
como o percentual a ser recolhido Superávit 327.211 -54.298 524.984 586.846
pelos docentes relativamente à Re- Repasses 9.789 7.763 48.188 93.422
solução 4543. No entanto, na opi- Contribuições 16.652 12.956 14.260 9.689
nião do diretor da EESC o controle Fonte: prestação de contas à Promotoria das Fundações do MPE. Obs.: os valores decimais
foram suprimidos
da unidade sobre a fundação é “re-
lativamente grande”.
“Eu gostaria de que fosse maior, Segundo os dados da unidade, em rencia uma série de convênios com
mas aí a gente teria que ter um acor- 1999 a Fipai teria repassado à EESC a Finep e o CNPq, e cada vez que
do de mudança no arcabouço insti- R$ 604.060,00, valor que corresponde um convênio termina a gente pede
tucional da fundação”. Embora a a 15,5% da receita da fundação na- doação do equipamento. Se ele for
unidade e a Fipai tenham se negado quele ano. Já nos números apresenta- repassado, a gente repassa para a
a fornecer dados financeiros para dos à Promotoria o total que a escola escola, e isso pode ter entrado as-
a reportagem, o professor Foresti recebeu, entre repasses e contribui- sim”, diz o professor Fernandes.
declarou-se favorável à ampla divul- ções, é de R$ 62.449,47, equivalente O professor Foresti, por sua vez,
gação das contas da instituição pri- a 1,6% da receita explica que a Fipai
vada. “Eu gostaria que a secretaria naquele ano. atua apenas como
financeira da EESC controlasse as O mesmo pro-
Dados apresentados intermediária nos
contas da Fipai. E sou favorável a blema ocorre com convênios ou pes-
à Promotoria
que se abrisse à comunidade toda, as contas de 2000. quisas financiadas
os estudantes têm que ver.” Naquele ano, con- indicam que a Fipai pelo Finep ou pe-
Para ele, a fundação funciona co- forme os dados lo CNPq. Os con-
mo fonte de recursos emergenciais, submetidos à Pro- repassou à EESC tratos com a Fun-
para uma captação de recursos ex- motoria, a Fipai dação de Apoio a
ternos cada vez mais necessária dian- obteve receita de 1,6% da receita Pesquisa no Esta-
te do aumento da demanda sobre o R$ 3,7 milhões, re- do de São Paulo
ensino público, e esse papel das fun- passando à EESC em 1999 (Fapesp) seguem
dações deveria ser mais destacado. a quantia de R$ outro modelo, pois
Há diferenças gritantes nos valo- 103.112,48 ou são feitos direta-
res dos repasses feitos pela Fipai, 3,5% do montante auferido. São cifras mente com o docente.
quando são comparados, aos núme- muito inferiores aos R$ 431.927,00 De acordo com essa explicação, a
ros que constam nas prestações de anunciados pela unidade e divulgados maior parte do que foi apresentado
contas à Promotoria das Fundações, pela Codage, que corresponderiam a como repasses da Fipai pela Codage
aqueles apresentados pela Codage quase 12% da receita. não foram taxas recolhidas sobre ser-
no Conselho Universitário. Os nú- A razão para a superestimativa viços prestados pela Fipai, mas sim
meros apresentados pelo órgão da estaria em outra importante fonte verbas de órgãos públicos de pesquisa
Reitoria na tabela “Recolhimento de contratos para a fundação. A ver- repassadas para a universidade, inter-
das fundações de apoio à USP para ba considerada como repasse viria mediadas e geridas pela fundação, que
unidades de ensino e HCAC” foram das entidades federais de financia- recolheu uma taxa administrativa so-
fornecidos pela EESC. mento à pesquisa. “A fundação ge- bre elas para sua própria manutenção.

120
Revista Adusp Dezembro 2001

FDTE GERA TOTAL DE


R$ 10 MILHÕES PARA
DOCENTES EM 2000
Fernanda Franklin
Equipe Adusp

Uma das mais antigas fundações privadas, criada


em 1972, a Fundação para o Desenvolvimento
Tecnológico da Engenharia (FDTE) mantém
atualmente 36 diferentes projetos. Em 2000,
atividades remuneradas realizadas pela fundação
geraram uma remuneração total de R$ 10,6 milhões
para os docentes em RDIDP. A FDTE — que tem
entre seus dirigentes o professor Antonio Massola,
diretor da Politécnica — negou-se a fornecer seus
dados financeiros para a reportagem

121
T
Dezembro 2001 Revista Adusp
Daniel Garcia
arefa difícil é achar da-
dos sobre o demonstra-
tivo financeiro da Fun-
dação para o Desenvol-
vimento Tecnológico da
Engenharia (FDTE),
criada em 1972. Desde sua origem,
a fundação contabiliza 816 projetos
(36 ativos atualmente), não só em
parceria com a Escola Politécnica
da USP, mas também com empre-
sas estatais, como os Correios, e
privadas, como Ericsson, Nokia,
Professor Antonio Massola
Compaq e outras.
A alegação do presidente da 2.619.794,77 (veja tabela). pondem proporcionalmente à totali-
FDTE, Nelson Zuanella, para não Como a Polítécnica fixou em dade das receitas das fundações. A
fornecer os dados é de que “como 13% o valor total do repasse devi- busca por números para tentar tra-
instituição privada, que mantém do pelos docentes em RDIDP que çar um perfil das fundações atuantes
contratos com empresas privadas e atuam nas fundações a ela vincula- na USP é condenada pela professora
estatais contendo as habituais cláu- das, podemos estimar que o mon- Edith Ranzini, que ocupa o cargo de
sulas de confidencialidade, a FDTE tante declarado das atividades re- diretora-tesoureira na FDTE.
não divulga os dados econômico- muneradas desenvolvidas por esses “O pessoal fala ‘ah, transferiu
financeiros solicitados”. Tampouco docentes na FTDE, no período pouco’, mas a grande transferência
esses dados são registrados em car- 1998 a abril de 2001, foi de R$ [da fundação para a universidade]
tório pela entidade. 20.152.261. Em 2000, o repasse to- não foi monetária, para a Poli eu
Segundo informações da Dire- tal foi de R$ 1.379.509,34, o que acho que não foi monetária, foi os
toria da Escola Politécnica, entre permite calcular em R$ 10,61 mi- professores se manterem atualiza-
janeiro de 1998 e abril de 2001 a lhões o montante apurado pelos dos, você ter chance de fazer disser-
fundação teria repassado à Rei- docentes, antes dos repasses. tações diferentes, teses diferentes”,
toria R$ 452.860,22, além de R$ Conclui-se, desse modo, que a re- afirma a professora Ranzini.
204.229,30 para a Diretoria e R$ ceita da FDTE em 2000 situou-se Outro ponto contestado por ela
1.962.705,25 para departamentos acima desse patamar, pois os repas- é o argumento de que os docentes
da Politécnica, totalizando R$ ses efetuados à USP jamais corres- dão aulas ruins por terem sua ener-

Repasses da FDTE conforme a Resolução 4533


Ano Reitoria Diretoria Departamento Total
1988 54.616,75 32.770,05 395.461,72 482.848,52
1999 94.554,65 36.024,99 336.959,22 467.538,86
2000 196.706,92 105.435,94 1.077.366,48 1.379.509,34
2001* 106.981,90 29.998,32 152.917,83 289.898,05
TOTAL 452.860,22 204.229,30 1.962.705,25 2.619.794,77
Fonte: Escola Politécnica. * Até abril

122
Revista Adusp Dezembro 2001
gia consumida em atividades desen-
volvidas através das fundações. “Na PECE ARRECADA R$ 3 MILHÕES
realidade quem gerou isso foi a pró-
pria USP, que ao avaliar o docente
EM CURSOS PAGOS NA POLI
não dá a mínima importância para O Programa de Educação Con- cias acadêmicas: “Departamento, de-
as atividades de graduação. Só ser- tinuada em Engenharia (Pece), ins- pois a Comissão de Cultura e Ex-
vem os artigos, os papers, as pesqui- tituído pela Escola Politécnica, é tensão da Escola Politécnica (CCEx/
sas, foi isso o que afastou muito o gerenciado por meio de convênios EP), constituída por um representan-
professor da graduação”, diz. com a FUSP e a FDTE. Dos cerca te de cada departamento, e dentro
Atualmente os maiores projetos de 500 docentes da Politécnica, dessa comissão existe uma subcomis-
da FDTE, segundo a professora Edi- aproximadamente 40% atuam no são de cursos. Pega uma parte da
th, são parcerias com empresas pri- programa, que oferece cursos de CCEx, são cinco professores, esses
vadas, que desde meados da década atualização, especialização e MBA, professores fazem um pente fino so-
de 90 passaram a investir em pes- a um custo médio de R$ 600, se- bre aquele curso e emitem um pare-
quisas por conta da Lei de Incentivo gundo sua coordenação. cer, aprovando ou não o curso. Uma
à Informática, regulamentada pelo Nesse caso, portanto, a privati- vez aprovado o curso, o Pece vai lá e
Ministério da Ciência e Tecnologia. zação do ensino envolve uma ini- implementa esse curso”.
A FTDE também gere, regular- ciativa da própria unidade. O nú- O professor Vahan Agopyan, que
mente, recursos do Pece, o Progra- mero de bolsas integrais concedi- também integra a coordenação do
ma de Educação Continuada em das, 380 no ano de 2000, corres- Pece, frisa que são cursos oficiais da
Engenharia da Politécnica, que ofe- ponde a cerca de 10% do número USP. “O diploma é USP, quer dizer,
rece cursos pagos, tem milhares de total de alunos, em torno de 4.000. Pece é Poli, curso é USP, ou seja,
alunos e arrecadou mais de R$ 3 Os números financeiros do Pe- o aluno que fizer o curso, assistir
milhões em 2000 (veja texto nesta ce são expressivos: em 1999, sua às aulas, tirar as notas, recebe um
página). receita alcançou R$ 2.137.833. diploma de USP. Se fizer a discipli-
A coordenação geral do Pece ca- No ano seguinte sua receita cres- na de um curso de especialização
be ao diretor da Politécnica, pro- ceu quase 50%, chegando a R$ ele sai especialista da USP, portanto
fessor Antonio Marcos de Aguirra 3.051.000, dos quais R$ 907.000 cada disciplina passa por toda essa
Massola, e ao coordenador geral do foram destinados à remuneração rotina porque é como se fosse uma
programa, professor José Roberto de docentes (nem todos perten- disciplina da USP. Formalmente isso
Cardoso, do Departamento de En- centes aos quadros da USP). tudo vai para o Conselho de Cultura
genharia de Energia e Automação “Quando o professor Romeu e Extensão, passa pelo Conselho de
Elétricas, o que caracteriza conflito Landi foi diretor da Escola e eu Cultura e Extensão.”
de interesses. vice-diretor, criamos o Pece. Ele é Ainda de acordo com o professor
Consultando a composição atual um programa da Escola, gerido pe- Agopyan, a Politécnica tem atual-
dos órgãos diretivos da FDTE, en- la Diretoria da Escola Politécnica mente “quase o mesmo número de
contramos o professor Massola como e tem um coordenador eleito por alunos de graduação, de pós-gradu-
presidente do Conselho Curador e indicação do diretor da Escola Po- ação strictu senso e de pós-gradua-
o professor Cardoso como diretor- litécnica”, define o professor Anto- ção latu senso”, ou seja, “quase 4.500
secretário da fundação. O coorde- nio Massola, diretor da unidade. alunos de graduação, mais de 4.000
nador geral do Pece é remunerado O professor José Roberto Cardo- alunos de pós-graduação e mais de
por essa função. No demonstrativo so, coordenador geral do Pece, expli- 4.000 profissionais, principalmente
financeiro do Pece relativo ao ano de ca que os cursos do programa são engenheiros, fazendo educação con-
2000, à rubrica “coord. geral do Pece” submetidos à aprovação das instân- tinuada”. Na opinião do professor, a
corresponde o valor de R$ 70.028.

123
Dezembro 2001 Revista Adusp
educação continuada “é a área que
nós julgamos importante expandir
muito mais, porque há uma deman-
da reprimida muito grande”.
O coordenador geral do Pece afir-
ma que o programa foi criado com a
premissa de não onerar a Politécni-
ca. “Esse ‘não onerar’ significa, por
exemplo, não usar laboratório sem
remuneração desses laboratórios;
não usar os funcionários da Escola
para gerenciamento desse programa,
é um pessoal contratado para isso;
então ele foi gerado assim. Então Os professores Agopyan (em pé) e Cardoso com a repórter
entram recursos no Pece, mas como
o Pece não é juridicamente constitu- Demonstrativo financeiro do PECE - 2000
ído, ele lança mão de fundações pa-
RECEITA 3.051.000,00
ra nos auxiliarem no gerenciamento DESPESAS
desses recursos”. Fundação 258.528,00
O excedente financeiro resultante Coordenadores subprogramas 246.000,00
do Pece é dividido no final do curso: Professores 907.000,00
40% para a Politécnica e 60% para Livros 91.960,00
o departamento. “É feita uma conso- Apostilas – xerox 95.124,00
DESPESAS INDIRETAS
lidação anual na qual eu, como coor-
Coord. Geral do PECE 70.028,00
denador geral, faço um resumo, um Pessoal – PECE 240.000,00
balanço detalhando todos os itens em Pessoal – órgãos centraois – diretoria 172.327,00
que foram utilizados esses recursos Outras despesas – diretoria 4.600,00
auferidos aqui e submeto isso à apro- Material Permanente (mesas/carteiras/micros/etc.)106.517,00
vação do CTA da Escola Politécnica. Manutenção material permanente 24.580,00
Faço uma apresentação de como foi a
Telefone 4.480,00
Correio 34.000,00
evolução do Pece naquele ano, sobre- Taxi/ônibus/kilometragem 4.400,00
tudo sobre os recursos financeiros”, Material de escritório – transparências 19.480,00
diz o professor Cardoso. Outras 9.500,00
Ele garante que há limites para Publicidade 172.000,00
a remuneração dos docentes em Coffee break/encerram. cursos/almoço alunos 50.503,00
RDIDP engajados no Pece. “Nor- CPMF 8.748,00
Limpeza 8.100,00
malmente, num curso de 30 horas,
RUSP 82.335,00
o professor pode receber de R$ 3 Diretoria 62.092,00
mil a R$ 5 mil. Um curso nosso Departamentos 113.784,00
normalmente custa em torno de R$
600, nossa média é de 20 alunos, dar curso continuamente. O profes- mestre, ganha R$ 5 mil, mas R$ 5
então daria R$ 12 mil, uns 40% sor em RDIDP só pode dar 36 horas mil no semestre. Ele não pode dar
ficam para o professor”, informa. de curso de extensão por semestre. cursos à vontade, ele é limitado e
“Mas ele é limitado, ele não pode Quer dizer: ele dá um curso por se- nós temos esse controle aqui”.

124
Revista Adusp Dezembro 2001

CPI INVESTIGA ATUAÇÃO DA


FIPECAFI NA PRIVATIZAÇÃO
DO BANESPA
Katia Abreu e Pedro Estevam da Rocha Pomar
Equipe da Revista Adusp

Suspeita de fraudes no processo de privatização do


Banespa expôs Fipecafi a investigação na Câmara
Federal: a fundação privada sem fins lucrativos foi
contratada sem licitação como “empresa de notória
especialização”, mas subcontratou uma consultoria.
Além disso, coordenou reuniões entre os avaliadores do
banco, influenciando a definição do preço de venda

125
A
Dezembro 2001 Revista Adusp
Fipecafi, que se nota- terceirizou seu trabalho, subcon- tral, exceto no que se refere a infor-
bilizou publicamente tratando a empresa BDO Directa mações das quais dependa a execu-
quando noticiado que Consultores S/C Ltda. ção do objeto deste contrato” (cláu-
obtivera do Ministé- Um dos sócios da BDO Directa sula quinta, parágrafo d).
rio da Educação per- é o professor Ernesto Rubens Gel- A privatização do Banespa foi
missão para abrir uma bke, do Departamento de Contabi- precedida por uma avaliação do
faculdade particular, está sob in- lidade e Atuária da FEA. Institui- patrimônio do banco, a cargo de
vestigação, por motivos outros. dor e ex-diretor da Fipecafi, o pro- dois consórcios independentes, um
Uma Comissão Parlamentar de In- fessor Gelbke atuou intensamente contratado pela União (e liderado
quérito (CPI) instaurada na Câ- no processo de avaliação do Banes- pelo Banco Fator), o outro con-
mara Federal em agosto de 2001 pa, como demonstram relatórios tratado pelo Estado de São Paulo
para investigar irregularidades no da própria Fipecafi. (consultorias Booz Allen Hamil-
processo de venda do Banespa co- Figuravam entre as tarefas da ton do Brasil Consultores Ltda e
locou a Fipecafi sob suspeita de fundação, previstas na cláusula 1ª Deloitte Touche Thomatsu Con-
prática de fraudes na operação. do contrato com o Banco Central: sultores S/C Ltda).
Seu relator, deputado Robson Tu- “sugerir a metodologia de traba- As avaliações deveriam ser in-
ma (PFL -SP), anunciou, em de- lho a ser utilizada no processo de teiramente estanques. Entretan-
zembro, que pediria a quebra do avaliação do Banespa”, “definir to, a Fipecafi, na condição de co-
sigilo bancário da fundação, para os parâmetros a serem obedecidos ordenadora do processo, promo-
apurar se a entidade recebeu van- para a avaliação do preço de ven- veu troca de informações entre
tagens financeiras indevidas. da”, “elaborar edital para seleção os avaliadores, o que pode ter in-
São duas as acusações de frau- de empresa avaliadora”, “exercer fluenciado o preço final da venda
de. Uma diz respeito à contratação a coordenação do processo de do Banespa. Um relatório enca-
da Fipecafi pelo Banco Central. avaliação do Banespa” (Contrato minhado pela Fipecafi ao Banco
A outra tem a ver com o papel de- Secre/Direm 001/98, p. 1-2). No- Central, em março de 2000, rela-
sempenhado pela fundação num te-se que o contrato permite, em ciona reuniões realizadas entre
suposto esquema para subavaliar sua cláusula 21ª, “a subcontratação representantes do Banco Fator,
o preço de venda do banco e favo- dos trabalhos a critério da Funda- do consórcio Booz Allen-Deloit-
recer a União, em detrimento do ção, desde que necessários à con- te, do Banco Central e da própria
Tesouro Estadual. secução do objeto”. Fipecafi, entre janeiro de 1999 e
A Fipecafi foi contratada pelo O contrato entre o Banco Cen- fevereiro de 2000.
Banco Central, em 1998, sem lici- tral e a Fipecafi tem outras parti- Sobre reunião realizada em
tação, para “estabelecer um plano cularidades. Uma delas é que não 5.3.99 entre representantes do
de ação para viabilizar o processo somente a fundação está obrigada Booz Allen-Deloitte, do Banespa
de privatização do Banespa”, por a manter sigilo em relação a assun- e da Fipecafi, diz o relatório: “O
R$ 2,9 milhões. tos confidenciais do banco. Também objetivo maior consistia em que,
No extrato de inexigibilidade de o Banco Central compromete-se a respeitados os critérios e ponde-
licitação, mandado publicar pelo “manter em sigilo todas as informa- rações individuais de cada ava-
Banco Central no Diário Oficial da ções de que venha a tomar conheci- liador, o processo de avaliação
União de 28.4.98, consta a seguinte mento em razão da execução deste pudesse ser culminado com resul-
justificativa: “serviços técnicos de contrato, nada divulgando sem a tados finais que sinalizassem o
natureza singular realizados por aprovação da Fundação, por escri- valor mínimo de avaliação econô-
empresa de notória especializa- to, e fazendo essa exigência a seus mica do Banespa, para ser levado
ção” (inciso II do artigo 25 da servidores, às empresas contratadas a leilão, com divergência não su-
Lei 8.666/93). Porém, a fundação ou subcontratadas pelo Banco Cen- perior a 10% entre os avaliado-

126
Revista Adusp Dezembro 2001

Fac-símile de relatório da Fipecafi

res”. E explica: “Ocorrendo di- consórcios”. do de São Paulo) poderiam con-


vergência nas avaliações em mon- A rodada de reuniões prosse- cluir suas tratativas e definir o va-
tante superior a esse limite, os guiu e, no dia 18.11, houve novo lor final da transferência do con-
termos do contrato entre a União encontro, desta vez na sede do trole acionário do Banespa sem
e o Estado de São Paulo requerem Banco Fator, “entre representan- que houvesse necessidade de con-
um terceiro avaliador, na quali- tes do Banco Fator, do Booz Al- vocar um terceiro avaliador”.
dade de árbitro ou partidor”. len, da Fazenda-SP, do Banespa O relatório da Fipecafi, em pa-
Mais adiante, o relatório, ao tra- pel timbrado da fundação, é as-
tar de reunião ocorrida em 26.3.99, sinado por dois especialistas que
menciona “o início da troca de in- não integram o quadro de docen-
formações entre os avaliadores”. No Relatório da Fipecafi tes da FEA: Ary Oswaldo Mattos
dia 16.4.99, houve reunião em São Filho, ex-presidente da Comissão
Paulo entre representantes do Ban- é assinado por dois de Valores Mobiliários (CVM), e
co Central e da Fipecafi, para “tro- Arthemio Bertholini, ambos pro-
ca de informações entre os consór-
professores da FGV, fessores da Fundação Getúlio Var-
cios”. No dia 30.9.99, o “Banco Fa- gas. Bertholini é um dos sócios da
um deles sócio da
tor apresentou a versão preliminar BDO Directa.
de sua avaliação do Banespa, bem BDO Directa “A comissão ficou surpresa com
como encaminhou ao Booz Allen o relatório, em que se confessa
certas informações”, com as quais explicitamente que o objetivo da
“este poderia atualizar sua avalia- fundação era garantir que a di-
ção, para a mesma data-base”. e da Fipecafi, onde foram clari- ferença nas avaliações não ultra-
No dia 4.11.99, houve reunião ficadas e discutidas as metodolo- passasse 10%, o que acarretaria a
“na Fipecafi, em São Paulo, entre gias, critérios, premissas e hipóte- contratação de uma terceira em-
os representantes do Banco Fator, ses praticadas pelos dois consór- presa”, conta o deputado Ricado
do Booz Allen e da Fipecafi, onde cios avaliadores, do que resultou Berzoini (PT-SP).
se discutiu e clarificou (sic) alguns (sic) valores cujo distanciamento Ao final do processo, o Banespa
pontos de divergência na interpre- foi inferior a 10%. Dessa forma, as foi avaliado em cerca de R$ 2 bi-
tação de certos fatos entre os dois partes (União e Governo do Esta- lhões e vendido ao banco espanhol

127
Dezembro 2001 Revista Adusp

Fac-símile da página 6 do contrato entre o Banco Central e a Fipecafi

Santander por R$ 7,050 bilhões. pecafi, coordenadora do processo teresses de grupos econômicos. “É
Mas o Estado de São Paulo somente de avaliação, uma vez que foi da conveniente para o Banco Central
recebeu R$ 2,074 milhões. A União “média aritmética das avaliações” contratar pessoas de sua confiança, e
ficou com R$ 4,975 bilhões. e não mais da “alienação das ações usam a fundação para fazer isso sem
Isso ocorreu porque foram mo- no leilão de privatização” que resul- licitação”, acrescenta.
dificados os termos originais do tou o preço final do Banespa. A CPI ouviu representantes dos
contrato entre Estado e União, pre- Graças à mudança, o valor a ser consórcios envolvidos, bem como
vistos no “Aditivo ao Contrato de pago pela União ao Estado foi pré- membros da Fipecafi, entre eles o
Promessa de Compra e Venda de definido em R$ 2,074 bilhões, inde- professor Eliseu Martins, hoje dire-
Ações do Capital Social” do Ba- pendentemente do valor que viesse a tor da FEA e membro do Conselho
nespa, de 23 de dezembro de 1997. ser obtido no leilão de privatização Curador da Fipecafi. O professor pre-
Nesse aditivo, definia-se que “o do Banespa. Por considerarem que sidia a Fipecafi quando da contra-
preço definitivo da venda e compra o Tesouro Estadual sofreu prejuízo, tação pelo Banco Central e foi um
ora pactuada será obtido pela alie- parlamentares do PT e PSB entraram dos quatro coordenadores da equipe
nação das ações do Banespa, no com ação popular em que requerem da fundação, participando de quase
leilão de privatização”. o pagamento ao Estado, pela União, todas as reuniões citadas no relatório.
O acordo foi reformulado em 30 dos R$ 4,975 bilhões restantes. O prazo da CPI foi prorrogado
de novembro de 1999, pelo “Terceiro “Até que ponto a atuação da Fi- por 60 dias. Para esclarecer essas
Termo Aditivo ao Contrato”, o qual pecafi não influenciou nesse valor?”, questões, além de pedir a quebra de
fixou em R$ 1,522 bilhão o preço do questiona o deputado Marcelo Bar- sigilo bancário da Fipecafi, a CPI
chamado bloco principal de ações bieri (PMDB-SP). O presidente da pretende convocar os depoentes pa-
do Banespa (9,547 bilhões de ações CPI, deputado Luiz Antonio Fleury ra prestarem novos esclarecimentos.
ordinárias, representando 51% do Filho (PTB-SP), também indaga: Os parlamentares também anuncia-
capital votante e 25,5% do capital to- “Se eram dois consórcios indepen- ram a disposição de requerer à fun-
tal) e em R$ 0,552 bilhão o preço do dentes para fazer a avaliação, por dação a relação de contratos firma-
chamado bloco complementar (2,932 que eles se reuniram para chegar a dos com a União e de contratos de
bilhões de ações ordinárias, repre- um acordo sobre ela?” terceirização deles derivados, para
sentando 15,67% do capital votante Berzoini acredita que a subcon- que se investiguem eventuais irregu-
e 7,83% do capital total). tratação “é uma porta aberta para o laridades em outros processos.
De acordo com o “Terceiro Ter- desvio de dinheiro público e a falta Solicitamos à assessoria de im-
mo Aditivo”, o “preço total ajusta- de transparência na gestão pública”. prensa da Fipecafi um contato com
do para a compra e venda” de am- Na sua opinião, o argumento de que os professores Eliseu Martins e Er-
bos os blocos “corresponde propor- as fundações privadas desempenham nesto Rubens Gelbke, para que co-
cionalmente ao resultado da média importante papel no fortalecimento mentassem as acusações da CPI.
aritmética das avaliações”. É onde das universidades serve como des- Não houve resposta até o fechamen-
entra a contestada atuação da Fi- culpa para que sejam garantidos in- to desta edição.

128
Revista Adusp Dezembro 2001

CPI
DE LIMEIRA VÊ
IRREGULARIDADES
EM CONTRATO ENTRE
FIA E PREFEITURA
José Chrispiniano
Jornalista

Contratada sem licitação por R$ 449 mil, para


elaborar projeto de reforma administrativa, a
fundação defende-se com base na Lei de Licitações.
A “CPI da FIA-USP” encontra seis irregularidades no
contrato e decide enviar a documentação ao TCE e
ao Ministério Público

129
M
Dezembro 2001 Revista Adusp
uito pouca gente para como um município que sem- quatro meses após o encerramento
soube, mas o no- pre alegava falta de recursos para do processo administrativo que
me da USP ba- a saúde e a educação fechava um contratou a FIA. Em depoimento
tizou uma Co- contrato de alto custo com dispen- à CPI, Fernando Luís de Camargo,
missão Parlamen- sa de licitação. superintendente técnico legislativo
tar de Inquérito Cassado por falta de decoro da Prefeitura, admitiu a possibili-
(CPI) na Câmara Municipal de Li- parlamentar, por razões alheias à dade de “a própria FIA-USP ter
meira, a apenas 150 Km da capital. CPI, Paulo Sérgio de Oliveira foi obtido as outras duas propostas”.
O nome da instituição apareceu co- substituído na presidência dos tra- Após o depoimento, Camargo
lado ao da Fundação Instituto de balhos pela vereadora Elza Tank enviou carta para a CPI retifican-
Administração, FIA. Ou FIA-USP (PTB). O relatório final elaborado do suas declarações, declarando
para os vereadores locais. pelo vereador José Joaquim Ra- que a Prefeitura realizou a pesqui-
A “CPI da FIA-USP”, que en- poso (PV), que considerou irregu- sa de preços. A carta, registrada
cerrou seus trabalhos no dia 17 de lar o contrato firmado, foi aprova- em cartório, foi, segundo o profes-
outubro de 2001, considerou irre- do por quatro votos a um (veja sor Custódio, resposta a um pedi-
gular, por seis razões diferentes, quadro). A documentação reunida do da FIA.
a contratação da FIA pelo pre- foi enviada pela CPI ao Tribunal “Nós exigimos dele, ligamos pa-
feito Pedro Khül (PSDB) por R$ de Contas do Estado e ao Ministé- ra ele, pedimos para ele. Falamos:
449.648,00, para a realização de rio Público Estadual. a partir do momento que a Prefei-
um projeto de reforma adminis- Uma das questões centrais da tura tem alguma dúvida da serie-
trativa, conduzido pelo professor CPI é se houve ou não pesquisa de dade da coisa, a primeira ação é
Isaías Custódio, do Departamento preços por parte da Prefeitura. Por suspender o contrato. Imediata-
de Administração. essa razão, além do professor Custó- mente. Ao tomarem consciência
“Antes de instaurar a CPI, eu dio, outro docente da USP depôs no de que aquilo podia dar problema
fui de moto próprio lá, explicar o inquérito. O professor Edson Casti- até para eles, essa mesma pessoa
que era o contrato e o que era a lho foi a Limeira representando a que fez o depoimento fez uma car-
FIA”, relata o professor Custódio. Fipecafi. A fundação envolveu-se ta de retificação”. Porém, a CPI
“Naquele dia eu deixei claro para no caso porque a Prefeitura infor- não aceitou a carta e a alteração
eles, porque já estavam os jorna- mou à CPI ter realizado pesquisa no depoimento.
listas chamando de FIA-USP, que de preços consultando outras duas O professor Custódio argumen-
não foi a USP que foi contratada, instituições, a Fipecafi e o Instituto ta que a declaração de Camargo
mas a fundação. Disse isso aos jor- Municipal de Ensino Superior de perante a comissão foi induzida, já
nalistas. O tempo inteiro nós fize- São Caetano (Imesc). que a pergunta foi formulada em
mos questão de dizer e está gra- Tais propostas, entretanto, ja- forma de hipótese. “A presidenta
vado isso. Foi a fundação, não a mais foram registradas oficialmen- da CPI me fez exatamente a mesma
USP. Mas nos honra muito o víncu- te. No seu depoimento, o professor pergunta. Eu disse a ela o seguinte:
lo com a USP, e nos causa muito Castilho confirmou o contato com a no campo da possibilidade, tudo é
prazer por conta deste contrato re- Prefeitura e afirmou que a proposta possível. Agora, é provável? Não,
verter recursos para a USP.” da Fipecafi para o serviço nunca não é provável e não houve.”
A comissão foi proposta pelo foi protocolada por uma falha do Para o coordenador da FIA, não
vereador Paulo Sérgio de Oliveira motoboy contratado pela fundação cabe à fundação saber se a Prefei-
(PTN). Seu pedido de abertura de para levar o projeto a Limeira. tura fez ou não fez pesquisa de pre-
inquérito citava a recusa da Pre- De qualquer forma, as alegadas ço com outras instituições. Até por
feitura em enviar o contrato para consultas à Fipecafi e ao Imesc considerar a própria pesquisa des-
o legislativo, chamando a atenção só foram citadas pela primeira vez necessária de acordo com a lei.

130
Revista Adusp Dezembro 2001
Grande parte do debate sobre
as fundações privadas gira em tor- IRREGULARIDADES APONTADAS
no da lei 8666/93, que trata das li-
citações. Esta é a lei que, na argu- “A justificativa de preços exigida pela Lei de Licitações (artigo 26,
mentação dos defensores das fun- parágrafo único, inciso III da lei 8666/93) não foi realizada a contento,
dações, retira agilidade à adminis- uma vez que sequer foi feita uma contra-oferta à fundação contratada
tração pública. As fundações priva- ou às empresas supostamente pesquisadas”.
das de apoio teriam sido criadas “A dispensa de licitação foi publicada no Diário Oficial do Municí-
justamente para driblá-la, flexibili- pio, sendo certo que, dado o valor do contrato, tal dispensa deveria ter
zando a gestão de recursos. sido publicada no Diário Oficial do Estado, para maior publicidade da
Segundo o próprio professor Cus- mesma e possível questionamento por outras empresas interessadas”.
tódio, “essa lei não impede a cor- “Não foi elaborado o documento de impacto orçamentário e finan-
rupção, ela é tão complicada que ceiro, conforme determina o artigo 16, inciso I, da Lei Complementar
só aumenta o preço da corrupção”. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal)”.
“E nenhum órgão público consegue “Não foi feita a declaração do ordenador da despesa de que o aumento
contratar em menos de seis meses tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e
o que quer que seja. Comprar lápis, compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentá-
caneta, quanto mais um prédio ou rias, conforme exigido pelo artigo 16, inciso II, da mesma lei acima citada”.
uma consultoria. Não consegue”. “Não foi enviado à Câmara Municipal o contrato firmado com a
Entretanto há um dispositivo des- FIA-USP, consoante o que determina a Lei Municipal número 2820/97”.
ta lei que é sempre invocado, inclu- “Causa estranheza o fato de uma fundação sem fins lucrativos, ligada
sive pelo coordenador da FIA. É o a uma universidade estadual bancada com dinheiro público, cobrar valores
inciso XIII do artigo 24, que diz que tão altos (quase meio milhão de reais) para a realização do projeto, e
podem ser contratadas com dispensa exagerar na apresentação de documentos que se propõem a legitimar a
de licitação instituições brasileiras contratação com dispensa de licitação, se a dita fundação não visa lucro”.
incumbidas de pesquisa, de ensino
ou de desenvolvimento institucional, apoio intelectual e técnico da uni- mentos da CPI, a FIA designou um
desde que não tenham fins lucrativos dade universitária”. Conclui que a assessor de imprensa com a função
e detenham inquestionável reputa- FIA é apta à dispensa de concor- específica de cuidar do caso de Li-
ção ético-profissional. Esse artigo foi rência, de acordo com a lei 8666/93. meira. E o professor Custódio fez
citado como justificativa na declara- É justamente a “inquestionável questão de apresentar à Revista
ção de voto do vereador Jurandir reputação ético-profissional” da FIA Adusp uma declaração solicitada pe-
Pereira (PSDB), o único da CPI a que a CPI de Limeira colocou em la fundação ao promotor de funda-
votar contra o relatório final. risco, na avaliação do professor que ções da capital, Paulo José de Pal-
A FIA enviou à comissão docu- coordenou o projeto. Segundo Cus- ma, registrada em cartório e datada
mentação de vários outros contratos tódio, o prejuízo do contrato de Li- de 8 de outubro de 2001, na qual ele
feitos com dispensa de concorrên- meira supera muito seu valor. “Por- declara não ter proposto qualquer
cia, bem como parecer do advogado que nos coloca diante de uma cir- ação judicial em desfavor da FIA,
Eros Grau, professor da Faculdade cunstância de outros possíveis con- bem como não ter notícia de propo-
de Direito do Largo São Francisco. tratantes de serviços nossos, como sição anterior.
Nas palavras do parecer, a consul- saiu na imprensa, como a Adusp pu- O contrato investigado pela CPI
tante “está jungida à Faculdade de blicou, de se perguntarem se há re- não é o único da FIA com a Prefei-
Economia e Administração da USP almente alguma coisa. E aí, o estra- tura de Limeira. Em 1998, a funda-
em razão do convênio com ela ce- go você não desfaz mais.” ção recebeu R$ 392 mil para reali-
lebrado, valendo-se do concurso e Preocupada com os desdobra- zar um concurso público.

131
Dezembro 2001 Revista Adusp

GOTA D’ÁGUA
NO OCEANO
Pedro Estevam da Rocha Pomar
Editor da Revista Adusp

Dados oficiais divulgados pela Coordenadoria de


Administração Geral demonstram que as
contribuições das fundações privadas foram irrisórias
nos anos 1999 e 2000: somados, os repasses de 21
delas não superam 1,5% do orçamento da USP. Foi
a primeira vez que o Conselho Universitário teve
acesso, ainda que parcial, aos números das fundações
privadas. Foram omitidas as cifras relativas a 1998,
ano em que entrou em vigor a Resolução 4543

O
dia 9 de outubro de Geral (Codage). Os dados também fornecidos pela Codage diz respeito
2001 passará à his- foram enviados à Revista Adusp, que à cronologia dos repasses. Não há
tória da USP como os solicitara no dia 5 de julho. dados a respeito de 1998, ano em
aquele em que os Constata-se, inicialmente, que que deveriam ter início os repasses
membros do Conse- somente repassam verbas à USP sistemáticos. Na circular Codage
lho Universitário pu- vinte e uma fundações privadas, das 099/98, lê-se claramente: “Devem
deram tomar conhecimento, pela trinta listadas pela Reitoria no Jor- ser recolhidos à Reitoria e às Unida-
primeira vez, dos dados oficiais re- nal da USP (27 de agosto a 2 de des os percentuais sobre convênios/
lativos aos recolhimentos efetuados setembro de 2001, p. 10-11). Tam- contratos em vigor desde a edição
pelas fundações privadas por força bém são computados os repasses da Resolução 4543, em 20 de março
da Resolução 4543/98. Os números feitos pela Fundação para o Vesti- de 1998, que ainda não o tenham
foram apresentados, sem alarde, pe- bular (Fuvest), que é pública. sido. Todos os recolhimentos ainda
la Coordenadoria de Administração Outra omissão crucial nos dados pendentes devem ser regularizados

132
Revista Adusp Dezembro 2001
até a data limite de 30 de novembro
de 1998”. REPASSES DAS FUNDAÇÕES PRIVADAS (em R$)
Essa circular é assinada pelo pro-
ANO Taxas de Repasses para Totais
fessor Hélio Nogueira da Cruz, que convênios unidades anuais
era o coordenador da Codage à épo-
ca — e ainda é. Paira no ar a per- 1999 1.129.744 7.976.042 9.105.786
gunta: se houve os recolhimentos 2000 3.223.971 10.024.542 13.248.513
devidos, por que as cifras não são 2001* 1.886.894 4.727.188 6.614.082
divulgadas pela Codage? Totais do período 6.240.609 22.727.772 28.968.381
Foram dadas a conhecer pela Co- Fonte: Codage * Até julho
dage duas tabelas, correspondentes
às contas “Recolhimentos das fun- em 2000, anos em que a fundação los, então presidente da entidade,
dações de apoio à USP no Fundo arrecadou respectivamente R$ 49,7 ao estudante Pedro Barros, repre-
de Taxas de Convênio (overhead)” milhões e R$ 50,3 milhões. A con- sentante discente no CO, é de que
e “Recolhimentos das Fundações tribuição dessa fundação para a esse valor foi de R$ 2,3 milhões.
de Apoio à USP para Unidades USP ficou, assim, em 3,87% e 5,6% Ou seja, uma diferença de R$ 0,5
de Ensino e HCAC”, ambas refe- respectivamente. milhão a menos.
rentes somente ao período janeiro Outro dado interessante é que Também estão incorretos os valo-
de 1999-julho de 2001. o montante dos repasses à USP no res atribuídos aos repasses da Fun-
As cifras da Codage confirmam: período dado (janeiro de 1999 a ju- dação Vanzolini no ano 2000. En-
os repasses das fundações privadas lho de 2001), de R$ 28,96 milhões, quanto a Escola Politécnica informa
são irrisórios seja quando compara- é inferior por exemplo à receita ob- que o total dos repasses realizados
dos às dotações orçamentárias da tida pela Fipecafi em um único ano, pela fundação naquele ano foi de
USP, seja quando comparados à re- o de 2000, quando arrecadou R$ R$ 728.472, a Codage menciona R$
ceita das entidades. De acordo com 29,75 milhões. 906.828. O contraste torna-se gri-
os dados da Codage, em 1999 as vin- Embora seja estimulante cons- tante quando este valor é cotejado
te e uma fundações privadas teriam tatar que a Codage viu-se levada a com os dados da própria Fundação
repassado à USP um total de R$ divulgar os números dos repasses, Vanzolini, registrados na Promoto-
9,106 milhões; em 2000, R$ 13,248 deve-se atentar para o fato de que ria das Fundações da capital, que
milhões; e em 2001, até julho, R$ existem não poucas discrepâncias indicam cifra ainda menor que a
6,614 milhões. O total no período entre esses números e os declarados citada pela Politécnica: R$ 468.000.
soma R$ 28,96 milhões. oficialmente pelas fundações priva- Outro caso de repasses superes-
O orçamento da USP foi de R$ das. Em vários casos, a Codage for- timados pela Codage é o da Fipai
918 milhões em 1999 e R$ 1,173 bi- neceu cifras mais alentadas do que (leia texto na p. 117). A origem das ci-
lhão em 2000. Os repasses das vin- as encontradas na documentação do fras inflacionadas estaria na Escola de
te e uma fundações privadas equi- Ministério Público Estadual ou indi- Engenharia de São Carlos (EESC),
valem a, respectivamente, apenas cadas pelas diferentes unidades. unidade à qual a fundação é vincula-
1% e 1,5% do total do orçamento Retornemos ao caso da FIA. A da. A Fipai teria repassado à EESC
da universidade. Codage, como vimos acima, infor- R$ 604.060 em 1999 e R$ 431.927 em
O valor dos repasses também se ma que a FIA recolheu R$ 2,851 2000, informa a Codage com base nos
mostra bastante modesto quando se milhões à USP em 2000, entre taxas dados da unidade. À Promotoria das
tomam as receitas das fundações co- de convênios e repasses à FEA. Mas Fundações de São Carlos, porém, a
mo parâmetro. Os repasses da FIA, a informação oficial da própria fun- Fipai declarou ter transferido à EESC
por exemplo, são de R$ 1,925 mi- dação, disponível em ofício enviado somente R$ 62.449 e R$ 103.112,
lhão em 1999 e R$ 2,851 milhões pelo professor Eduardo Vasconce- respectivamente.

133
Dezembro 2001 Revista Adusp

RECOLHIMENTOS DAS FUNDAÇÕES DE APOIO À USP NO FUNDO DE TAXAS DE CONVÊNIO (OVERHEAD) (em R$)
FUNDAÇÕES NOME DAS FUNDAÇÕES UNIDADES 1999 2000 2001 (1)
FIERP Fundação Instituto de Enfermagem de Ribeirão Preto EERP 2.104 3.163 2.029 7.296
FIPAI Fundação Para o Incremento da Pesquisa e do Aperfeiçoamento Industrial EESC 5.838 38.489 12.088 56.415
FCAV Fundação Carlos Alberto Vanzolini EP 76.584 249.436 55.289 381.308
FDTE Fundação Para o Desenvolvimento Tecnológico Da Engenharia EP 95.877 140.664 158.447 394.988
FEALQ Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz ESALQ 28.387 7.936 36.323
FUPAM Fundação Para Pesquisa Ambiental FAU 12.501 23.781 5.428 41.710
FUNDEFARP Fundação Para o Ensino E Pesquisa Em Ciências Farmacêuticas De Ribeirão Preto FCFRP 4.165 1.367 5.532
FAFE Fundação De Apoio À Faculdade De Educação FE 35.076 60.839 95.915
FIA Fundação Instituto De Administração FEA 357.944 1.075.053 1.175.207 2.608.205
FIPE Fundação Instituto De Pesquisas Econômicas FEA 164.400 660.372 51.000 875.772
FIPECAFI Fundação Instituto De Pesquisas Contábeis, Atuariais E Financeiras FEA 338.056 616.836 211.778 1.166.670
FUNDACE Fundação Para Pesquisa E Desenvolvimento Da Administração. Contabilidade E Economia FEARP 58.015 208.876 68.384 335.275
FAEPA Fundação De Apoio Ao Ensino, Pesquisa E Assistência Do Hc Da Fmrp FMRP 66.072 66.073 132.145
FUMVET Fundação De Medicina Veterinária FMVZ 20.417 20.417
FUNDECTO Fundação Para O Desenvolvimento Científico E Tecnológico Da Odontologia FO 5.500 10.051 500 16.051
FUNBEO Fundação Bauruense De Estudos Odontológicos FOB
FUNORP Fundação Odontológica De Ribeirão Preto FORP 12.926 37.469 9.671 60.066
FUNCRAF Fundação Para Estudos E Tratamento Das Deformidades Craniofaciais HRAC
FAFQ Fundação de Apoio À Física E Química IFSC.IQSC 4.018 189 4.207
FUNDESPA Fundação de Estudos E Pesquisas Aquáticas IO 1.644 669 2.313
FUSP Fundação de Apoio À Universidade De São Paulo RUSP -
FUVEST Fundação Universitária Para O Vestibular 359.325 342.402 701.727
TOTAL ANO 1.489.069 3.566.373 1.886.894 6.942.336
FONTE : Contabilidade Geral da USP 1) Posição em JULHO/2001

RECOLHIMENTOS DAS FUNDAÇÕES DE APOIO À USP PARA UNIDADES DE ENSINO E HCAC (em R$)
FUNDAÇÕES NOME DAS FUNDAÇÕES UNIDADES 1999 2000 2001 (1) TOTAL
FIERP Fundação Instituto de Enfermagem de Ribeirão Preto EERP 1.100 6.566 6.763 14.429
FIPAI Fundação Para o Incremento da Pesquisa e do Aperfeiçoamento Industrial EESC 604.060 431.927 200.642 1.236.629
FCAV Fundação Carlos Alberto Vanzolini EP 452.550 657.392 31.230 1.141.172
FDTE Fundação Para o Desenvolvimento Tecnológico Da Engenharia EP 6.963 809.407 190.499 1.006.869
FEALQ Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz ESALQ 439.215 557.673 467.814 1.464.702
FUPAM Fundação Para Pesquisa Ambiental FAU 67.239 85.218 52.752 205.209
FUNDEFARP Fundação Para o Ensino E Pesquisa Em Ciências Farmacêuticas De Ribeirão Preto FCFRP 3.633 6.050 9.683
FAFE Fundação De Apoio À Faculdade De Educação FE -
FIA Fundação Instituto De Administração FEA 1.567.775 1.776.070 988.625 4.332.470
FIPE Fundação Instituto De Pesquisas Econômicas FEA 1.748.454 1.692.180 697.854 4.138.488
FIPECAFI Fundação Instituto De Pesquisas Contábeis, Atuariais E Financeiras FEA 878.517 891.654 559.747 2.329.918
FUNDACE Fundação Para Pesquisa E Desenvolvimento Da Administração. Contabilidade E Economia FEARP 237.204 211.398 178.360 626.962
FAEPA Fundação De Apoio Ao Ensino, Pesquisa E Assistência Do Hc Da Fmrp FMRP 448.725 538.310 316.291 1.303.326
FUMVET Fundação De Medicina Veterinária FMVZ -
FUNDECTO Fundação Para O Desenvolvimento Científico E Tecnológico Da Odontologia FO 234.837 358.672 521.174 1.114.683
FUNBEO Fundação Bauruense De Estudos Odontológicos FOB 170.637 12.252 182.889
FUNORP Fundação Odontológica De Ribeirão Preto FORP 55.865 28.125 83.990
FUNCRAF Fundação Para Estudos E Tratamento Das Deformidades Craniofaciais HRAC 817.891 806.728 206.576 1.831.195
FAFQ Fundação De Apoio À Física E Química IFSC.IQSC 37.430 53.459 20.380 111.269
FUNDESPA Fundação De Estudos E Pesquisas Aquáticas IO 64.056 23.396 17.106 104.558
FUSP Fundação De Apoio À Universidade De São Paulo RUSP 199.389 1.052.742 237.200 1.489.331
FUVEST Fundação Universitária Para O Vestibular -
TOTAL ANO 7.976.042 10.024.542 4.727.188 22.727.772
FONTE : Informações fornecidas pelas Unidades 1) Posição em JULHO/2001

134

Você também pode gostar