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2005
A Política de Crédito do
BNDES: Conciliando a Função
de Banco de Desenvolvimento
e os Cuidados com o Risco
SEBASTIÃO BERGAMINI JUNIOR
FABIO GIAMBIAGI*
1. Introdução
1 É importante deixar claro que, no cenário financeiro nacional, inexiste substituto para o BNDES
como agente financeiro especializado em apoiar projetos de grande porte no longo prazo.
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2 O dever fiduciário é constituído por um conjunto de obrigações que o gestor de recursos de terceiros
tem com esses terceiros e implica um gerenciamento conservador desses recursos, bem como o
fornecimento de informações, de forma ampla e abrangente, sobre esse gerenciamento.
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A Função do BNDES
3 Registre-se que organismos financeiros multilaterais não seguem formalmente as regras específicas
estabelecidas pelo Acordo de Basiléia, mas aderem aos princípios genéricos de administração de
risco. Por exemplo, o Banco Mundial submete ao mercado financeiro, de forma transparente, a sua
política de administração de liquidez e de gerenciamento do risco financeiro, de forma distinta do
modelo preconizado no Acordo de Basiléia, mas muito convergente com relação aos princípios nele
existentes, salientando que a sua política financeira é, de forma geral, muito conservadora: está
classificado no nível de risco AAA, detém um índice de capitalização ponderado por risco de 36%
e capta 100% dos seus recursos ordinários no mercado financeiro.
4 O CMN também autoriza exceções, a exemplo da Resolução 3.105, que concedeu um prazo mais
dilatado ao BNDES para o enquadramento de suas aplicações de recursos no ativo permanente.
5 “Artigo 8º – O BNDES, diretamente ou por intermédio de empresas subsidiárias, agentes financei-
ros ou outras entidades, exercerá atividades bancárias e realizará operações financeiras de
qualquer gênero...
Artigo 9º – O BNDES poderá também:... inciso VI – realizar, como entidade integrante do sistema
financeiro nacional, quaisquer outras operações no mercado financeiro ou de capitais, em confor-
midade com as normas e diretrizes do Conselho Monetário Nacional.”
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Um Modelo Auto-Sustentável
8 Essa conclusão decorre da convenção, utilizada pelos analistas financeiros, de associar os ativos
aos passivos, vinculando a liquidez dos primeiros à exigibilidade dos segundos. Portanto, o ativo
permanente é associado diretamente ao patrimônio líquido, pois o primeiro é o item patrimonial
ativo menos líquido e o segundo é o item patrimonial passivo menos exigível.
9 Nos dois últimos anos essa diretriz mudou, com a decisão de capitalizar ou manter em reservas de
lucros os resultados positivos obtidos.
36 A POLÍTICA DE CRÉDITO DO BNDES
12 Note-se que, em certas situações, deve se dar um entendimento amplo ao conceito de auto-sus-
tentação econômico-financeira, pois a busca dessa auto-sustentação, por um banco público,
constitui necessariamente uma medida prudencial de risco. Por exemplo, a garantia concedida pelo
Tesouro Nacional assegurando a um banco público a cobertura financeira de eventuais perdas ou
subsídios, concedidos de forma seletiva a determinadas atividades ou setores, pode permitir ao
banco a assunção de operações de crédito de elevado risco junto a essas atividades ou setores, sem
que haja a flexibilização dos princípios de prudência bancária.
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13 A escolha das letras não segue estritamente o padrão das classificadoras de risco e visa apenas dar
uma idéia ao leitor do espírito da proposta. Da mesma forma, os números foram construídos com
certa dose de arbitrariedade, para que, elevando gradualmente a taxa, se chegue a 2,5%, mas
obviamente se algo assim fosse adotado os valores efetivos teriam de ser estudados cuidadosamente.
14 No trabalho é demonstrado como se obtém o spread médio a partir da fórmula.
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Tabela 1
Matriz Tentativa de Spreads
RATING PRIORIDADES
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
AAA 0,7 0,9 1,1 1,3 1,5 1,7 1,9 2,1 2,3 2,5
AA 0,9 1,1 1,3 1,5 1,7 1,9 2,1 2,3 2,5
A 1,1 1,3 1,5 1,7 1,9 2,1 2,3 2,5
BBB 1,3 1,5 1,7 1,9 2,1 2,3 2,5
BB 1,5 1,7 1,9 2,1 2,3 2,5
B 1,7 1,9 2,1 2,3 2,5
CCC 1,9 2,1 2,3 2,5
CC 2,1 2,3 2,5
C 2,3 2,5
D 2,5
15 Os sistemas de classificação de risco não devem ser confundidos com os sistemas de credit scoring,
pois os primeiros têm uma densidade técnica e analítica muito maior do que os segundos. A
classificação de risco baseia-se em informações quantitativas e qualitativas, de natureza retros-
pectiva e prospectiva, tanto da empresa de per se como do contexto operacional na qual elas operam,
e leva em conta, adicionalmente, a natureza, a liquidez e o valor de realização das garantias
vinculadas à operação. Por outro lado, o credit scoring está fortemente fundamentado na parame-
trização estatística de uma grande massa de dados retrospectivos, sendo aplicável ao cliente pessoa
física ou ao micro ou pequeno empreendedor, e geralmente não envolve considerações sobre a
qualidade de eventuais garantias mobilizadas para lastrear a operação.
16 A adoção de uma política de crédito ativa é essencial para o BNDES, pois representa a busca de
legitimação para o crédito direcionado e para os critérios de escolha de um público-alvo restrito,
cujos investimentos sejam considerados estratégicos e alinhados ao projeto de desenvolvimento
econômico do governo.
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17 Este artigo não tem a pretensão de abordar a política de crédito pelo lado da priorização de
estratégias de desenvolvimento, dadas a abrangência e a complexidade do tema. No entanto, é
necessário explicar o que vem a ser “a busca da legitimação do crédito direcionado”, a qual
ocorrerá na medida em que a política de crédito do banco público esteja alinhada à política do
governo. Essa convergência estará assegurada desde que: a) determinadas políticas praticadas por
um banco público estejam efetivamente alinhadas às diretrizes governamentais; e b) uma eventual
transferência de renda de um banco de desenvolvimento para uma determinada classe de mutuários
tenha o respaldo legitimador do Congresso.
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t X = t C + t B + t R + t PO (1)
onde:
Observa-se que lógicas distintas se impõem no cálculo de cada uma das três
taxas acima: a t R segue um raciocínio microeconômico de recomposição
das perdas esperadas por inadimplência, ao passo que a t PO é, em última
análise, uma questão de prioridade de governo e reflete a disposição de
incentivar um determinado programa (e, em decorrência, priorizando seto-
res, localização ou porte dos empreendimentos). Dessa forma, fica evidente
que a variável ativa de controle da política financeira do BNDES, que vinha
sendo a t B, se alterou nos últimos tempos, conforme visto adiante. Note-se
que dois conjuntos de vetores, resumidos no quadro a seguir, são essenciais
para o adequado cálculo da t B, estando ligados aos custos operacionais e à
remuneração dos acionistas.
19 Note-se que o nível de recuperação está fortemente associado ao tipo de garantia vinculada à
operação, que no caso do BNDES é plena para operações padronizadas, para as quais são exigidas
garantias reais, representando 130% do valor do financiamento concedido, e garantias pessoais,
representadas por aval e/ou fiança até o nível do controlador pessoa física [Borges e Bergamini
Jr. (2001)].
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Tabela 2
Taxa de Risco (t R) para os Diferentes Níveis de Risco
NÍVEL DE RISCO FIXADO TAXA DE RISCO ATÉ MARÇO TAXA DE RISCO APÓS
PELO BNDES DE 2002 MARÇO DE 2002
AAA 0 0,100
AA+ 0,5 0,125
AA 0,5 0,250
AA- 0,5 0,375
A+ 1,0 0,500
A 1,0 0,625
A- 1,0 0,750
BBB+ 1,5 1,000
BBB 1,5 1,250
BBB- 1,5 1,500
BB+ 2,0 1,750
BB 2,0 2,000
BB- 2,0 2,250
B+ 2,5 2,625
B 2,5 3,625
B- 2,5 4,625
Fonte: BNDES.
As Alterações de 2003/04
Em 30.09.03, a diretoria alterou a cobrança da t R (Resolução 1.060/03), que
foi uniformizada em 1,5% para todos os clientes, independentemente de seu
nível de risco. Em 09.02.04, a diretoria definiu uma t B de 2% (Resolução
1.072/04), de forma associada a um novo conjunto da t PO, diferenciando
projetos com relação ao porte do empreendedor, setor de atividades e
localização do empreendimento.
A Tabela 3 a seguir apresenta as taxas mínima e máxima decorrentes da
nova precificação, a partir da soma da t B (2% ao ano) e da t R (1,5% ao
ano), revelando a opção da nova administração do BNDES pela intensifica-
ção do processo de subsídios cruzados e que foi, por esse motivo, objeto de
ampla divulgação na mídia.
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Tabela 3
Composição do Custo de Repasse Direto do BNDES
SUBTOTAL (t B + t R) TAXA DE POLÍTICA TAXA TAXA FAIXA DE
OPERACIONAL (t PO) MÍNIMA MÁXIMA SUBSÍDIO
CRUZADO
Porte Setor Local
A Tabela 3 revela que todas as MPMEs têm subsídio, que vão de um mínimo
de 1% a um máximo de 2,5%, enquanto algumas das grandes empresas
podem obter um nível de subsídio cruzado de até 0,5%. Note-se, ainda, que
as MPMEs têm uma taxa máxima de 2,5%, o que não cobre os 3,5%
necessários, ou seja, elas não participam ativamente da cobertura do subsí-
dio cruzado. As grandes empresas podem ter uma taxa máxima de 4,5%, o
que sinaliza a possibilidade de uma participação ativa na cobertura do
subsídio cruzado.
Essa situação constitui um novo cenário operacional, que exige o constante
e acurado monitoramento, visando medir a capacidade de um determinado
mix de carteira em proporcionar a auto-sustentação econômico-financeira
para as operações do BNDES. Ademais, as grandes empresas que adotaram
a estratégia de implementar planos de investimentos plurianuais e, em
decorrência, passaram a postular apoio a um grande número de projetos de
pequeno valor, tiveram incentivos para encaminhar seus projetos aos agen-
tes financeiros do BNDES, nos quais as taxas de risco, os prazos de
tramitação e as exigências são geralmente menores.
No contexto da nova forma de precificar, fica evidente que a variável de
ajuste deslocou-se da t B para a t PO, exigindo um intenso trabalho de
monitoração. Senão, vejamos:
• Com relação à t B: A avaliação da suficiência da t B atualmente cobra-
da dos clientes, com base em uma estimativa de 2% ao ano, depende de
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A Inconsistência Intertemporal da t R
O que ocorre, à luz disso, quando, ao invés de operar com diferentes taxas
ri, a instituição credora passa a adotar a mesma média resultante das
operações precedentes para todas as operações, ou seja, a mesma taxa ri para
todas as faixas? Nesse caso, a taxa cobrada vai aumentar para aquelas
empresas de rating bom que pagavam taxas pequenas e vai cair para as
empresas de rating ruim que pagavam taxas elevadas.
Na fórmula (2) acima, isso significa que a expressão [ri . αi – (1 – αi) . pi],
que inicialmente podia ser nula para cada faixa, vai deixar de sê-lo, pois,
admitindo que os termos αi e pi sejam estruturais e não mudem – por estarem
associados às características da empresa –, as alterações do valor de ri vão
fazer com que um resultado do termo entre as chaves, que antes era nulo,
agora deixe de sê-lo. Matematicamente, isso pode não afetar o valor médio
de r em (1), desde que, ao aumentar o valor de ri para os melhores ratings,
se gere um lucro nas operações com as maiores empresas que possa
compensar os prejuízos incorridos nas operações com grau de inadimplência
e perdas maiores.
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4. Conclusões
As mudanças no cenário econômico e nas estratégias de financiamento das
empresas devem ser periodicamente reavaliadas com o objetivo de alinhar
as políticas funcionais do BNDES ao novo contexto, principalmente no que
se refere ao estabelecimento da política de crédito.
21 Note-se que essa conclusão parcial refere-se à definição de uma política de crédito com foco
exclusivamente na gestão de risco. É essencial que esse foco deva ser complementado e compati-
bilizado com os elementos decorrentes da implementação de uma estratégia global de financiamen-
to do desenvolvimento.
22 A utilização de um orçamento-programa compreende planejar, conceder e controlar as operações
de crédito por beneficiário, de forma associada e integrada ao seu respectivo nível de risco, porte,
setor de atuação e localização do empreendimento, bem como por programa operacional, o que já
é parcialmente realizado de forma não integrada.
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