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Fabiana Muniz Lima

A aplicação do Código de Defesa do Consumidor


aos contratos de financiamento do BNDES

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da PUC-Rio
como requisito parcial para obtenção
do título de Especialista em Direito
Empresarial.

Rio de Janeiro
Janeiro de 2014
À minha família pela educação e contribuição
na minha formação.
AGRADECIMENTOS

À minha mãe, pelo apoio e preocupação.


À amiga Paula Bagrichevsky de Souza, por me
acompanhar nesse curso.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................... 5
1 O FINANCIAMENTO COM RECURSOS DO BNDES ............................. 1
1.1. O BNDES e sua função institucional ............................................... 1
1.2. Formas de apoio do BNDES............................................................ 9
1.2.1. Operações Diretas .................................................................. 10
1.2.2. Operações Indiretas e Mistas .................................................. 11
1.3. Beneficiários e produtos financeiros do BNDES ............................ 13
2 A INCIDÊNCIA DO CDC ....................................................................... 16
2.1. Consumidor e relação de consumo ............................................... 18
2.2. Equiparação a consumidor – art. 29 do CDC ................................ 21
2.3. O reconhecimento da vulnerabilidade ........................................... 24
2.4. Da Administração Pública como consumidora............................... 26
3 O FINANCIAMENTO BANCÁRIO ......................................................... 28
3.1. O processo de concessão de financiamento ................................. 29
3.2. O direito do consumidor nos contratos bancários .......................... 30
4 A APLICAÇÃO DO CDC AOS CONTRATOS DE FINANCIAMENTO DO
BNDES ................................................................................................. 41
4.1. A jurisprudência sobre contratos do BNDES ................................. 43
4.2. Nossa visão acerca da vulnerabilidade da beneficiária em
operações de colaboração financeira reembolsável do BNDES.... 49
CONCLUSÃO........................................................................................... 52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 53
INTRODUÇÃO

Desde a sua edição, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor


previu que as relações bancárias estariam albergadas sob suas normas, ao dispor,
em linhas gerais, nos artigos 2º e 3º que: é consumidor aquele que utiliza um
serviço como destinatário final; é fornecedor aquele que desenvolve prestação de
serviço; e que serviço pode ser compreendido como qualquer atividade fornecida
no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive de natureza bancária,
financeira, creditícia e securitária.
Com efeito, depois de longa discussão no Supremo Tribunal Federal, em
2006, a constitucionalidade da disposição constante do parágrafo 2º do artigo 3º
da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, foi reconhecida e não há como se
afastar a aplicabilidade do diploma protetivo às relações bancárias de consumo.
Não obstante, é preciso ter em conta que a exata configuração da relação
bancária como relação de consumo é tema que exige rigor técnico e ainda é
discussão que comumente vem à lume, como no caso dos contratos de
financiamento.
Em que pese seja indiscutível que a incidência do CDC a qualquer relação
contratual dependa da correta identificação de um consumidor, de um lado, e um
fornecedor, do outro, seja o objeto da relação um contrato bancário ou qualquer
outro, como uma obra ou uma compra e venda, a análise da jurisprudência
demonstra que nem sempre são verificados esses aspectos com a precisão
necessária antes de se proclamar se a relação é, de fato, de consumo.
Assim é que, a aplicabilidade do CDC aos contratos bancários não
depende apenas da identificação de uma instituição financeira, mas sim da
finalidade do contrato, mormente no caso do financiamento, que pode ter um viés
empresarial ou se destinar ao consumidor final do serviço. Portanto, cabe perquirir
qual o campo de abrangência do diploma protetivo.
Nesse diapasão, abordaremos os contratos celebrados pelo Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), os quais têm inegável
importância no cenário socioeconômico brasileiro, especialmente nos últimos
anos em que foi necessária a ampliação de sua atuação na busca de uma medida
anticíclica em momentos de crise.
6

O BNDES tem o papel relevante de prover o financiamento de longo prazo


para o suprimento a carência de investimentos em diversos setores da economia,
desde as grandes indústrias e obras de infraestrutura a micro, pequenas e médias
empresas, além de apoiar o setor público e o terceiro setor. Esse leque de
possibilidades deve receber o adequado tratamento jurídico, quando se trata da
análise e proteção contratual. O objetivo do presente trabalho é investigar se os
mutuários dos contratos de financiamento bancário do BNDES são ou não
passíveis de receber a tutela da Lei nº 8.078, de 1990.
O primeiro capítulo dedica-se a apresentar o BNDES como instituição
governamental de fomento, as formas de apoio financeiro por ele oferecidas, bem
como quem são os destinatários de seus recursos.
No segundo capítulo, abordamos o conceito de consumidor de serviço
bancário à luz da doutrina e jurisprudência, inclusive no que se refere ao
julgamento da ADIn 2.591 e o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de
Justiça, capitaneando a orientação da interpretação do direito privado.
No terceiro capítulo, apresentamos os contornos do contrato de
financiamento, esclarecendo o processo de concessão de crédito bancário e
apresentando a visão da doutrina e da jurisprudência sobre a incidência do CDC
nos contratos bancários.
Finalmente, no quarto capítulo são apresentados e avaliados alguns arestos
sobre casos relativos a financiamentos com recursos do BNDES, em que a
aplicabilidade do CDC foi enfrentada.
1 O FINANCIAMENTO COM RECURSOS DO BNDES

O ponto de partida de nosso estudo é justificar a relevância dos contratos de


financiamento do BNDES como objeto de estudo da aplicação do Código de
Defesa do Consumidor a um contrato bancário. Vale dizer que, embora esses
contratos sejam usados para contextualizar nossa discussão, não se pode deixar de
alertar que as conclusões adiante são, provavelmente, válidas para outros
contratos de financiamento e mesmo para alguns outros tipos de contrato
bancário, de modo que acreditamos que a análise a seguir possa ser de utilidade
em outras circunstâncias.
Nos referiremos ao BNDES também como “Banco” nesse texto, a fim de
evitar repetições.

1.1. O BNDES e sua função institucional

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi


criado como autarquia federal pela Lei nº 1.628, de 20 de junho de 1952, e
qualificado como empresa pública federal em 1971, com a edição da Lei nº 5.662,
em 21 de junho (vide art. 1º). Inicialmente vinculado ao Ministério da Fazenda,
hoje o BNDES encontra-se ligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior.
Desde sua origem1, os contornos de sua atividade de financiamento foram
delineados: a Lei nº 1.628, de 1952, deu-lhe a tarefa de executar o programa de
reaparelhamento e fomento da economia nacional, conforme diretrizes da época,
bem como outras operações que visassem ao desenvolvimento da economia
nacional; com a Lei nº 5.662, de 1971, essa função foi apenas reiterado.
Em 2002, cunhou-se sua missão institucional de “principal instrumento de
execução da política de investimento do Governo Federal”, nos termos do art. 3º

1
Art. 8º da Lei nº 1.628, de 1952: “Art. 8º Para dar execução aos objetivos desta Lei, bem como
da Lei nº 1.518, de 24 de dezembro de 1951 e do art. 3º da Lei nº 1.474, de 26 de novembro de
1951, é criado, sob a jurisdição do Ministério da Fazenda, o Banco Nacional do Desenvolvimento
Econômico, que também atuará, como agente do Govêrno, nas operações financeiras que se
referirem ao reaparelhamento e ao fomento da economia nacional.”
8

de seu Estatuto2, e ao longo do tempo, foi sendo ampliado seu espectro de


atuação, que atualmente abrange diversos segmentos econômicos, possibilitando o
financiamento de longo prazo indispensável para uma variada gama de
investimentos de que depende a economia brasileira para seu desenvolvimento e
crescimento.
Sobre a função do BNDES, Nelson Nery Junior3 comentou:
A exata compreensão da ratio essendi do BNDES é de suma
relevância para se saber quando ele cumpre ou não
sua finalidade institucional e, por conseguinte, o
próprio interesse público.
Nesse sentido, é importante compreender-se o BNDES não
como um banco comercial, e, sim, como um banco de fomento
econômico, aos moldes do que também ocorre, por exemplo,
com o Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID]. Ou
seja, a finalidade dessas instituições não é a de atuar como
banco comercial; ao revés, traduzem-se em importante
mecanismo para fomentar “setores da economia [que] não se
desenvolveriam a contento se deixados ao mero jogo da
iniciativa privada”.
O próprio Governo já atua no setor bancário ordinário por meio
de outras duas importantes instituições, o Banco do Brasil [BB]
e a Caixa Econômica Federal [CEF (esta última, também
enquadrada na condição de empresa pública)].
Deste modo, para atuações ínsitas e ordinárias à atividade
bancária (taxas de juros, concessões de crédito e microcrédito
a pessoas físicas e jurídicas etc.), o Governo atua e intervém
na economia por meio daquelas instituições [BB e CEF], além,
evidentemente, de atuação na economia por meio do Banco
Central [BACEN].
Contudo, a razão de ser do BNDES é diversa da atuação
ordinária e comercial de atividade bancária. Nesse contexto, o
BNDES atua e intervém na economia como importante
instrumento de fomento econômico e de viabilização de setores
da economia que são imprescindíveis à nação [infra-estrutura,
setor energético, agronegócio, exportações, v.g.].
Assim, o BNDES cumpre sua finalidade institucional [ratio
essendi] e, igualmente, atende o interesse público quando atua
como fomentador econômico e quando estimula a iniciativa
privada em setores relevantes da economia do país, que não
podem ficar ao alvedrio exclusivo do da iniciativa primada, sob
pena de não se desenvolverem pari passu com as
necessidades do país.

Em suma, pode-se afirmar que o apoio financeiro concedido pelo BNDES


assume uma função de extrema relevância no estímulo ao desenvolvimento da

2
Art. 3º do Decreto nº 4.418, de 11 de outubro de 2002: “Art. 3º: O BNDES é o principal
instrumento de execução da política de investimento do Governo Federal e tem por objetivo
primordial apoiar programas, projetos, obras e serviços que se relacionem com o desenvolvimento
econômico e social do País.”
3
JUNIOR, Nelson Nery. Contrato administrativo do BNDES. In: Soluções Práticas – Nery. v. 1.
p. 535. Set. 2010. DTR\2012\626.
9

economia do país, apoiando grandes empreendimentos e também destinando


recursos à economia familiar, inclusive agrícola, aos setores de pesquisas, cultura,
esportes e projetos sociais.

1.2. Formas de apoio do BNDES

No exercício de sua finalidade institucional, qual seja a de servir de


instrumento de fomento à economia e à iniciativa privada, o apoio financeiro
desse banco público federal pode se dar por meio de financiamentos
reembolsáveis, fornecimento de recursos não reembolsáveis ou pela subscrição de
valores mobiliários.
De maneira sintética, encontramos as seguintes informações em seu Portal
na Internet4:

O apoio do BNDES se dá por meio de financiamentos a


projetos de investimentos, aquisição de equipamentos e
exportação de bens e serviços. Além disso, o Banco atua no
fortalecimento da estrutura de capital das empresas privadas e
destina financiamentos não reembolsáveis a projetos que
contribuam para o desenvolvimento social, cultural e
tecnológico.

Por causa de sua relevância para o Sistema Financeiro Nacional, igualmente


o portal do Banco Central do Brasil aborda as formas de apoio do BNDES5:

Suas linhas de apoio contemplam financiamentos de longo


prazo e custos competitivos, para o desenvolvimento de
projetos de investimentos e para a comercialização de
máquinas e equipamentos novos, fabricados no país, bem
como para o incremento das exportações brasileiras. Contribui,
também, para o fortalecimento da estrutura de capital das
empresas privadas e desenvolvimento do mercado de capitais.
A BNDESPAR, subsidiária integral, investe em empresas
nacionais através da subscrição de ações e debêntures
conversíveis. O BNDES considera ser de fundamental
importância, na execução de sua política de apoio, a
observância de princípios ético-ambientais e assume o
compromisso com os princípios do desenvolvimento
sustentável. As linhas de apoio financeiro e os programas do
BNDES atendem às necessidades de investimentos das
empresas de qualquer porte e setor, estabelecidas no país. A
parceria com instituições financeiras, com agências
estabelecidas em todo o país, permite a disseminação do

4
BNDES. O banco nacional do desenvolvimento. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/
SiteBNDES/bndes/ bndes_pt/Institucional/O_BNDES/A_Empresa/>. Acesso em: 30 out. 2013.
5
BRASIL. Banco Central do Brasil. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/composicao/
bndes.asp>. Acesso em: 2 nov. 2013.
10

crédito, possibilitando um maior acesso aos recursos do


BNDES.

Como se pode notar, embora o BNDES não preste colaboração financeira


tão somente por meio de contratos de financiamento, essa é, certamente, a
modalidade mais comum de disponibilização de recursos e que alcança estratos
mais diversificados sob o ponto de vista socioeconômico.
Outro ponto que merece ser destacado é que o BNDES não atua sempre
diretamente, conforme a modalidade de apoio e as regras operacionais. Os
recursos desse Banco podem ser disponibilizados também por meio das chamadas
operações indiretas, em que o financiamento é realizado com a presença de um
agente financeiro, que é uma instituição financeira credenciada pelo BNDES para
celebrar em nome próprio o contrato e que figura como responsável em todas as
obrigações contratuais perante o Banco.
Essa forma de contratação permite ampliar o alcance da atuação do BNDES,
diante da falta de capilaridade dessa instituição, uma vez que o Banco não conta
com agências espalhadas pelo país. Por conseguinte, a participação dos agentes
financeiros no processo de distribuição dos recursos torna possível o atendimento
pulverizado e o alcance mais eficaz em todas as regiões de um país com as
dimensões continentais do Brasil. Esses agentes financeiros são normalmente
outros bancos, os quais podem ser privados ou públicos, como o Banco do Brasil.
Feito este breve introito, passaremos a apresentar maiores detalhes sobre as
formas de apoio já mencionadas.

1.2.1. Operações Diretas

As operações diretas do BNDES são aquelas em que o processo de


concessão de colaboração financeira é totalmente realizado pelo Banco, o qual
atua diretamente em todas as fases contratuais, desde as tratativas até a execução
do objeto.
O interessado em obter o financiamento, designado pelo Banco como
“postulante”, apresenta o seu pedido ao BNDES, cabendo a essa instituição
financeira enquadrá-la conforme suas políticas operacionais e proceder à análise
de viabilidade, bem como de atendimento dos requisitos legais, ambientais e
socioeconômicos porventura aplicáveis. Aprovada a operação, pode ser celebrado
11

o contrato, quando então a parte financiada, a mutuária, passa a ser denominada


“beneficiária”.
Mesmo em operações diretas o BNDES, por vezes, exerce o papel de agente
financeiro. Essa hipótese se dá normalmente quando é instituído algum fundo por
lei, atribuindo-lhe a função de repassador de recursos6. Nesse caso, as diretrizes
complementares à lei são fixadas por resolução do Conselho Monetário Nacional
(CMN), as quais parametrizam os itens financiáveis, os possíveis beneficiários, os
juros, os prazos de carência e amortização, entre outros aspectos. À guisa de
exemplo, podemos citar o Fundo da Marinha Mercante7 e o Fundo Nacional sobre
Mudança do Clima8.
O que definirá o enquadramento de uma operação como “direta”, consoante
informações disponíveis no portal do BNDES na rede mundial de computadores,
é, geralmente, o valor, isto é, o pedido de financiamento deve ter como montante
mínimo dez milhões de reais9. Contudo, há outras hipóteses em que,
independentemente do valor, o apoio financeiro também é concedido diretamente,
conforme exceções constantes do próprio portal.
Assim, no caso daqueles projetos de financiamento que não se enquadrem
no requisito geral de valor, ou tampouco nas exceções, os postulantes devem
formular seus pleitos perante os agentes financeiros credenciados.

1.2.2. Operações Indiretas e Mistas

Como dito anteriormente, o apoio financeiro com recursos do BNDES


nem sempre é obtido contratando-se diretamente com a instituição. Assim, a
parceria com outras instituições financeiras é o que permite que todo o país tenha
acesso aos seus recursos, mesmo para projetos de menor expressão econômica.
Denomina-se indireta a operação em que o contrato de financiamento com
recursos do BNDES é firmado entre a postulante e um agente financeiro. Nessa
hipótese, o risco financeiro da operação é assumido pelo agente financeiro, que

6
Art. 8º, II do Estatuto do BNDES.
7
Vide Lei nº 10.893, de 13 de julho de 2004.
8
Vide Lei nº 12.114, de 9 de dezembro de 2009.
9
BNDES. O banco nacional do desenvolvimento. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/
SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/formas_apoio.html>. Acesso em: 30
out. 2013.
12

assume o papel de financiador perante a financiada, a qual, nesse caso, após a


formalização do contrato, passa a ser denominada como “beneficiária final”.
As operações indiretas são denominadas “contratos de repasse”, em que o
BNDES libera recursos ao agente financeiro, para que esse efetue o repasse à
“beneficiária final” da relação. Vale notar que, cabe ao BNDES fixar parâmetros
relativos às condições contratuais a serem seguidos pelos agentes financeiros
quando da avaliação dos pleitos de financiamento.
Existem, de fato, duas relações jurídicas distintas numa operação indireta:
a do BNDES com o agente financeiro responsável pelo repasse dos recursos e a
desse último com o interessado, que é o beneficiário final dos referidos recursos.
Entretanto, há um liame entre elas, de maneira que, em caso de impossibilidade de
continuação do contrato pelo agente financeiro – numa situação de liquidação ou
falência da instituição financeira, por exemplo, ou de perda do credenciamento
com o Banco – o BNDES assume a posição de financiador do contrato, ocorrendo
uma substituição do credor. Essa transmissão do crédito decorre de expressa
previsão legal:

Lei 9.365, de 16 de dezembro de 1996.

Institui a Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP, dispõe sobre a


remuneração dos recursos do Fundo de Participação PIS-
PASEP, do Fundo de Amparo ao Trabalhador, do Fundo da
Marinha Mercante, e dá outras providências.
......................................................................................................
Art. 14. Nas hipóteses de falência, liquidação extrajudicial ou
intervenção em instituição financeira agente do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES ou da
Agência Especial de Financiamento Industrial - FINAME, estes
sub-rogar-se-ão automaticamente, de pleno direito, nos
créditos e garantias constituídos em favor do agente financeiro,
decorrentes das respectivas operações de repasse.

Ainda sobre a operação indireta, esta pode se processar de duas maneiras:


com ou sem participação do BNDES no processo de análise. No primeiro caso,
tem-se a operação indireta não automática. A consulta para o financiamento é
apresentada ao agente financeiro, porém esse a encaminha ao BNDES para análise
individualizada. Aprovada a operação, o contrato é celebrado pelo agente
13

financeiro. O valor mínimo para essas operações é, atualmente, dez milhões de


reais10.
Na segundo hipótese, chama-se operação indireta automática: o pleito é
dirigido diretamente ao agente financeiro, que efetua a análise e a aprovação do
crédito, cabendo ao BNDES a homologação e liberação dos recursos. O valor
máximo para essa forma de apoio é de vinte milhões de reais11.

1.3. Beneficiários e produtos financeiros do BNDES

O BNDES em sua função precípua de complementar as carências


financeiras dos setores público e privado12, atende a uma ampla gama de setores
da economia, desde a indústria de base e grandes obras de infraestrutura ao setor
de comércio e serviços, da agroindústria à pequena produção rural. O Banco
financia o investimento de empresas nacionais no exterior, bem como a
exportação de produtos e serviços; fornece apoio ainda a programas de ensino e
pesquisas científicas ou tecnológicas, a projetos que promovam a cultura (museus,
filmes, restauração do patrimônio histórico), investimentos de caráter social, na
área de meio ambiente e desenvolvimento regional.
Portanto, desde logo se depreende que, de um lado há uma grande variedade
de possíveis investimentos, e de outro há uma correspondente diversidade de
possíveis mutuários ou beneficiários dos recursos do BNDES. Diante das
informações colhidas no portal do BNDES, é possível delinear um quadro de
eventuais beneficiários desses recursos:
• as sociedades com sede e administração no país, de controle nacional
ou estrangeiro, empresárias ou simples, tais como cooperativas;
• as pessoas físicas residentes e domiciliadas no país, tais como
produtores rurais, microempreendedores e empresários individuais;
• os entes da Administração Pública direta ou indireta, em geral;
• as associações e fundações.

10
Conforme informações disponíveis no Portal do BNDES em: <http://www.bndes.gov.br/
SiteBNDES/bndes/ bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/formas_apoio.html>. Acesso em: 10
out. 2013.
11
Idem.
14

Entre as sociedades, vale salientar que podem ser verificados alguns


aspectos que levam à identificação de perfis diversos, como o porte
(microempresa, pequena, média, grande), o capital (aberto ou fechado), o controle
(nacional ou estrangeiro), a atividade (empresária ou não), a governança, entre
outros.
Mesmo na Administração Pública há matizes a serem consideradas, pois não
estão na mesma situação os Estados-membros e os milhares de pequenos
municípios existentes no Brasil, essencialmente no que toca à estrutura
administrativa.
Assim, há um universo de programas, produtos e linhas de financiamento,
criados com vistas a enquadrar essas peculiaridades e que, com base nelas, fixam
condições financeiras (juros, prazo, percentual financiável), definem itens
financiáveis, modalidade de negócio, etc. Esse conjunto de regras recebe o nome
de “políticas operacionais”.
De certo, o acesso a cada produto financeiro depende do atendimento de
condições estabelecidas não só pelo BNDES, mas também por outros atores no
processo de financiamento, como, por exemplo: o Ministério da Fazenda, em
relação a créditos subvencionados; o Senado Federal, no que tange às diretrizes
para operações com o Setor Público; ou, o Conselho Monetário Nacional (CMN),
que edita normas sobre operações de crédito, especialmente no que toca ao crédito
rural, também nas operações com o Setor Público, ou naquelas em que o BNDES
atua na qualidade de agente financeiro.

Portanto, de maneira sintética, o que se pretendeu demonstrar nesse capítulo


foi que:
1) existe grande diversidade entre os possíveis mutuários do BNDES,
que podem ser pessoas jurídicas, empresárias ou não, pessoas
físicas ou mesmo o Estado;
2) a colaboração financeira com recursos do BNDES em caráter
reembolsável pode ser obtida em contrato celebrado diretamente

12
LOURENÇO, Gilmar Mendes. O BNDES e a matriz do crescimento. In: Análise Conjuntural. v.
29. n. 05-06. p.19. maio/jun. 2007. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e
Sustentável. Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/webisis.docs/bol_29_3e.pdf>. Acesso
em: 8 nov. 2013.
15

com este Banco ou com instituição financeira credenciada para


tanto, respectivamente uma operação direta ou indireta; e
3) as condições contratuais não são fixadas de forma totalmente livre
pelo BNDES, o qual, segue diretrizes governamentais, sejam elas
mais gerais, como por exemplo aquelas encontradas na lei de
diretrizes orçamentárias, ou mais estritas, como as que são oriundas
dos regulamentos emanados do CMN, em sua função de orientação
da aplicação de recursos das instituições financeiras oficiais13.

Optamos por dar ênfase no presente estudo às operações de financiamento


de caráter reembolsável, à vista de ser a essência da atividade desenvolvida pelo
BNDES.
Apresentaremos no capítulo a seguir um breve estudo sobre a incidência do
CDC, para depois retomarmos o financiamento pelo BNDES.

13
Conforme a Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que, entre outros, dispõe sobre a Política
e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias e cria o Conselho Monetário Nacional: “Art.
3º A política do Conselho Monetário Nacional objetivará: (...) IV - Orientar a aplicação dos
recursos das instituições financeiras, quer públicas, quer privadas; tendo em vista propiciar, nas
diferentes regiões do País, condições favoráveis ao desenvolvimento harmônico da economia
nacional; (...) VII - Coordenar as políticas monetária, creditícia, orçamentária, fiscal e da dívida
pública, interna e externa. Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes
estabelecidas pelo Presidente da República: (...) XXII - Estatuir normas para as operações das
instituições financeiras públicas, para preservar sua solidez e adequar seu funcionamento aos
objetivos desta lei;”.
2 A INCIDÊNCIA DO CDC

Antes mesmo de avaliar a incidência do Código de Defesa do Consumidor,


cabe estudar o porquê de sua aplicação e quais são os reflexos disso.
Segundo Claudia Lima Marques14:

Se o direito privado, no século XIX e início do século XX, era


considerado como disponível (no individualismo preponderante
como valor da época) e subsidiário (no regime negativo da
organização política, um laissez faire que revelava a hierarquia
inferior dos valores e da função do direito privado), a ser usado
apenas quando a vontade das partes não regulasse o fato, pois
o interesse privado prevalente o guiava, no século XXI
sabemos todos que o direito privado tem uma função social,
acima do interesse dos indivíduos, e é guiado pela ordem
pública constitucional.

(...) a atual função do direito privado é a proteção da pessoa


face aos desafios da sociedade massificada, globalizada e de
serviços atual, que deve necessariamente envolver o
reconhecimento da pessoa como consumidora (arts. 1º e 4º, I
do CDC). Função esta que só pode ser perseguida com uma
nova visão e interpretação do direito privado, especialmente
valorizando as diferenças materiais e formais nos poderes e
liberdades das pessoas, procurando a igualdade, não excluindo
as pessoas dos mercados, mas ao contrário, incluindo-as e
protegendo-as nestes contextos sociais atuais. O
reconhecimento do papel do consumidor na sociedade (art. 5º,
XXXII da CF/1988) e a necessidade de sua proteção no
mercado (art. 170, V da CF/1988) são elementos inerentes
deste novo direito privado.

É certo que o microssistema de proteção do consumidor encerra uma ótica


contratual diversa daquela decorrente tão somente da aplicação do Código Civil,
em que pese o explícito reconhecimento da função social e da boa-fé como
elementos norteadores das relações privadas. A autonomia da vontade dos
contratantes é um cenário bastante distinto daquele em que há a proteção de uma
das partes, o consumidor, por normas cogentes, com a correspondente existência
de novos deveres para a outra, o fornecedor.

14
MARQUES, Claudia Lima. O novo direito privado brasileiro após a decisão da ADIN dos
bancos (2.591): observações sobre a garantia institucional-constitucional do direito do consumidor
e a drittwirkung no Brasil. Artigo publicado em: Revista de Direito do Consumidor. V. 61. p. 40.
jan-2007. Revista dos Tribunais Online. Disponível em: <http://www.rtonline.com.br>. Acesso
em: 10 out. 2013.
17

Dessa maneira, o CDC veicula normas protetivas de caráter material e


processual com o fito de conferir uma situação de igualdade jurídica entre partes
que não são, de fato, iguais. Justamente, esse é o papel e a função social desse
diploma diante da contratação da sociedade de massa e do livre mercado.
Um contrato sobre o qual incida esse regramento estará sujeito à
observância, entre outras, de normas relativas à oferta, à publicidade, às práticas
comerciais, à forma de cobrança de dívidas, ao tratamento de bancos de dados,
bem como à proteção contratual, que encerram disposições sobre a abusividade de
cláusulas e contratos de adesão.
A grande questão é, portanto, a definição da relação de consumo e a
delimitação do campo de atuação da lei, haja vista que o objetivo de um código
especial é conferir a tutela que possibilite atenuar a disparidade entre partes em
desequilíbrio, seja esse de ordem técnica ou econômica, originário da detenção de
uma posição negocial privilegiada por uns e da perda da liberdade contratual por
outros, como precisamente aponta Adalberto Pasqualotto15:

No direito do consumidor, há uma relação jurídica típica, a


relação jurídica de consumo. O que a peculiariza entre as
demais relações jurídicas são os seus sujeitos, não o objeto.
Tratando-se de um direito especial, o direito do consumidor é
centrado na figura da pessoa que ele busca proteger. O risco
de não identificá-la corretamente corresponde ao erro que se
comete em descaracterizar a relação jurídica de consumo,
aplicando o Código de Defesa do Consumidor fora de sua
destinação constitucional, que é garantir a defesa dos
vulneráveis no contexto da ordem econômica.

A definição de “consumidor”, como é sabido, perpassa a divergência entre


as correntes finalista e maximilista que podem ser distinguidas resumidamente16 e
de modo prático, da seguinte forma:

A jurisprudência pátria vivenciou incisiva controvérsia na


adoção das duas teorias, principalmente nas situações em que
um empreendedor de atividade econômica adquire um produto
no bojo de seu empreendimento, mas não o utiliza para fins de
transformação ou comercialização, usando-o apenas como

15
PASQUALOTTO, Adalberto. O destinatário final e o “consumidor intermediário”. Artigo
publicado em: Revista de Direito do Consumidor. v. 74. p. 7. abr. 2010. Revista dos Tribunais
Online. Disponível em: <http://www.rtonline.com.br>. Acesso em: 10 out. 2013.
16
PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Código de Defesa do Consumidor e Sistema
Financeiro Nacional: primeiras reflexões sobre o julgamento da ADIn 2.591. In. Aplicação do
Código de Defesa do Consumidor aos Bancos. Ed. Revista do Tribunais, 2006, p. 295-296.
18

finalidade instrumental. É o caso, por exemplo, de uma


montadora de automóveis que compra aparelhos de ar-
condicionado para os seus escritórios. Neste caso, ela não irá
transformar ou revender os aparelhos, tendo adquirido eles
apenas para utilizá-los de forma indireta no desenvolvimento
de sua atividade econômica. Para a teoria maximalista haveria
relação de consumo no exemplo acima, uma vez que o produto
é retirado da escala de produção. Assim, para tal teoria, para
ser consumidor basta que o adquirente seja o destinatário
fático do produto. Já para a teoria finalista não haveria relação
de consumo, visto que os produtos em questão foram
adquiridos em razão do desenvolvimento (ainda que de
maneira indireta) de uma atividade empresarial e, assim, a
empresa adquirente não será o destinatário econômico do
bem.

A posição que prevalece na jurisprudência é a finalista17. Apesar disso,


veremos no tópico a seguir que a expressão “destinatário final” é um conceito
jurídico indeterminado e, em assim sendo, carece de uma conceituação18 – o que
acabou por temperar a visão finalista atualmente adotada.

2.1. Consumidor e relação de consumo

O CDC estabelece em suas disposições gerais o que se entende por


consumidor, fornecedor, produto ou serviço, a fim de fixar os contornos da
relação jurídica de consumo, ou seja, as partes e seus possíveis objetos:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire


ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica , pública ou


privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.

17
Sobre o tema, remetemos à obra de Claudia Lima Marques, Contratos no código de defesa do
consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. Ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2002.
18
Segundo Claudia Lima Marques, na mesma obra Contratos no código de defesa do
consumidor..., “O legislador brasileiro, parece ter, em princípio, preferido uma definição mais
objetiva de consumidor. (...) Na definição legal, a única característica restritiva seria a aquisição ou
utilização do bem como destinatário final. Certamente, ser destinatário final é retirar o bem de
mercado (ato objetivo), mas e se o sujeito adquire o bem para utilizá-lo em sua profissão, adquire
como profissional (elemento subjetivo), com fim de lucro, também deve ser considerado
‘destinatário final’? A definição do art. 2º do CDC não responde à pergunta, é necessário
interpretar a expressão ‘destinatário final’”.
19

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, mater ial ou


imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no merc ado de
consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Segundo José Geraldo Brito Filomeno19, um dos autores do anteprojeto do


CDC, o conceito de consumidor adotado pela lei tem caráter exclusivamente
econômico, de modo que o consumidor é

(...) o personagem que no mercado de consumo adquire bens


ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário
final, pressupondo-se que assim age com vistas ao
atendimento de uma necessidade própria e não para o
desenvolvimento de outra atividade negocial.

Sobre a relação de consumo, o mesmo autor esclarece20:

(...) toda relação de consumo: a) envolve basicamente duas


partes bem definidas: de um lado, o adquirente de um produto
ou serviço (“consumidor”), e, de outro, o fornecedor ou
vendedor de um produto ou serviço (“produtor/ fornecedor”); b)
tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada
do consumidor; c) o consumidor, não dispondo, por si só, de
controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação
de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se
ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e
serviços.
O traço marcante da conceituação de “consumidor”, no nosso
entender, está na perspectiva que se deve adotar, ou seja, no
sentido de se o considerar como hipossuficiente ou vulnerável,
não sendo, aliás, por acaso que o mencionado “movimento
consumerista” apareceu ao mesmo tempo que o sindicalista,
principalmente a partir da segunda metade do século XIX, em
que se reivindicaram melhores condições de trabalho e
melhoria da qualidade de vida, e pois, em plena sintonia com o
binômio “poder aquisitivo/aquisição de mais e melhores bens e
serviços”.

Esta posição reforça que o CDC incide quando se está diante de uma
relação jurídica em que há uma situação de manifesta desigualdade entre as partes.
Nesse sentido cabe trazer à baila a lição de Claudia Lima Marques21:

(...) a noção de igualdade irá influenciar a aplicação casuística


do novo Código Civil de 2002, que é um Código para iguais, e

19
FILOMENO. José Geraldo Brito, GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa
do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. p. 28. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2001.
20
Idem.
21
MARQUES, Claudia Lima. O novo direito privado... Op cit.
20

a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que está


ligado a um novo paradigma de diferença, de tratamento de
grupos ou plural, de interesses difusos e de equidade, em uma
visão mais nova do moderno ou pós-moderna, é um Código
para desiguais. Note-se que essa visão de igualdade e do
tratamento igual/desigual para os iguais/desiguais, no caso
concreto, está intrinsecamente ligada a noção moderna – tão
importante em matéria contratual – da equidade (justiça para o
caso concreto)...

Estabelecida a premissa de que o CDC destina-se à tutela de uma parte


mais fraca, o grande problema ao identificar o consumidor surge quando se está
diante de uma pessoa jurídica.
José Geraldo Brito Filomeno22 propôs verificar se a pessoa jurídica
adquiriu bens de capital ou não, pois caso o bem entre na cadeia produtiva, nada
terá a ver com o conceito de destinação final; ou, no caso de serviço, se o
contratou para satisfazer uma necessidade que lhe é imposta por lei ou pela
natureza de seu negócio. O autor acrescenta ainda que a vulnerabilidade
econômica deve ser levada em conta também quando da distinção.
Por tal razão, há quem defenda que as pessoas jurídicas só deveriam ser
consideradas consumidoras quando apresentassem características que denotassem
hipossuficiência, como no caso daquelas que não têm fins lucrativos, o que
excluiria assim o próprio fornecedor como consumidor, por se tratar de um agente
econômico.
Com conclusões similares a essas, Adalberto Pasqualotto sugere que a
identificação da relação jurídica de consumo deve ser definida pela sua tipicidade
e não pelo conceito abstrato de consumidor23.
De acordo com esse autor, pode-se depreender do conceito de fornecedor
estatuído pelo art. 3º do CDC que se trata de pessoa que desempenha uma
atividade econômica, tal qual o empresário referido no art. 966 do Código Civil,
entendendo-se como atividade econômica não o ato isolado de fornecer um
produto ou serviço, mas que engloba desde o planejamento, a aquisição de
insumos, a produção, etc. Ou seja, para exercer a atividade econômica, o
fornecedor percorre um iter, desenvolve um processo para colocar à disposição do
mercado um produto ou serviço, durante o qual participa de diversas relações
jurídicas autônomas (contratos de trabalho, transporte, compra e venda, entre

22
FILOMENO, José Geraldo Brito. Op cit.
23
PASQUALOTTO, Adalberto. Op cit.
21

outros). O consumidor, por outro lado, age com finalidade estranha ao exercício
de uma atividade profissional24.
O autor arremata:

Exemplificando: o padeiro é tão padeiro ao vender o pão


quanto ao comprar farinha. É impossível que um único sujeito
ocupe posições distintas na mesma relação típica – o que é
implicitamente aceito por quem admite que um agente
econômico figure como fornecedor em relação jurídica com
outro fornecedor.
Relação jurídica de consumo é uma só, porque é típica: aquela
em que intervem dois sujeitos com qualificações distintas, um
como fornecedor (sujeito que desenvolve atividade econômica)
e outro como destinatário final (sujeito que não desenvolve
atividade econômica). Quando ambos desenvolvem atividade
econômica, relação de consumo não haverá. (sic)

A corroborar a ideia de que aquele exerce atividade econômica não pode


ser considerado consumidor, foi aprovado o seguinte enunciado na 1ª Jornada de
Direito Comercial do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça
Federal (CJF)25, realizada em outubro de 2012:

20. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos


contratos celebrados entre empresários em que um dos
contratantes tenha por objetivo suprir-se de insumos para sua
atividade de produção, comércio ou prestação de serviços.

Em que pese esses posicionamentos, continuamos diante da possibilidade


de incidência do CDC aos empresários em decorrência da interpretação do art. 29,
o que tem levado, repita-se, ao abrandamento da corrente finalista na
jurisprudência.

2.2. Equiparação a consumidor – art. 29 do CDC

A doutrina e a jurisprudência concordam que a incidência ou não do


diploma protetivo consumerista depende de uma análise casuística, haja vista que,
afinal, a legislação não limitou sua proteção à figura do destinatário final
imediato. Bastante elucidatório, nesse sentido, o voto do Min. Luís Felipe

24
Idem.
25
BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-
Coedi/jornadas-cej>. Acesso em: 20 nov. 2013.
22

Salomão, na relatoria de recurso especial representativo do entendimento do


Superior Tribunal de Justiça26, do qual extraímos excertos e grifamos:

4. Não se olvida que o dinamismo e a complexidade das


relações sócio-econômicas levaram à necessidade de
aprofundamento desses critérios, criando uma tendência
nova na jurisprudência, concentrada não apenas na figura
do consumidor final imediato, mas também na noção de
vulnerabilidade, conforme o teor do art. 4º, I, do CDC:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por


objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o
respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de
seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de
vida, bem como a transparência e harmonia das relações de
consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no


mercado de consumo;

A vulnerabilidade é a pedra de toque do direito


consumerista, mormente no que tange aos contratos,
podendo ser conceituada como "a situação permanente ou
provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece
o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de
consumo". (MARQUES, Claudia Lima. Op. Cit. p. 73)

Surge, então, a figura do consumidor por equiparação,


prevista no art. 29 do CDC, aplicável à pessoa jurídica que
comprova a sua vulnerabilidade e cujo contrato com o
fornecedor encontra-se fora do âmbito de sua
especialidade.

É o que se extrai do art. 29 do CDC, inserto no capítulo


referente às práticas comerciais:

Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-


se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não,
expostas às práticas nele previstas.

Recorrendo mais uma vez ao magistério de Cláudia Lima


Marques:

O art. 29 supera, portanto, os estritos limites da definição


jurídica de consumidor para imprimir uma definição de política
legislativa. Para harmonizar os interesses presentes no
mercado de consumo, para reprimir eficazmente os abusos de
poder econômico, para proteger os interesses econômicos dos
consumidores finais, o legislador colocou um poderoso
instrumento nas mãos daquelas pessoas (mesmo agentes
econômicos) expostas às práticas abusivas. Estas, mesmo não
sendo "consumidores stricto sensu", poderão utilizar as normas
especiais do CDC, seus princípios, sua ética de
responsabilidade social no mercado, sua nova ordem pública,
para combater as práticas comerciais abusivas. (Comentários

26
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 932.557-SP. Órgão julgador: Quarta
Turma. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Julgamento em 7/2/2012.
23

ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora


Revista dos Tribunais, 2010, p. 635)

A doutrina e a jurisprudência interpretam que o art. 29 do CDC, ao


estender a proteção do diploma legal em comento àqueles que se denominam
“pessoas expostas”, criou a necessidade de se verificar a presença do elemento
vulnerabilidade, consistente na existência de uma situação de sujeição ou de
impotência tanto daqueles que contratam no mercado de consumo, como também,
de maneira difusa, daqueles que sofrem a influência de práticas comerciais,
invocando assim a proteção prevista nos Capítulos V e VI do CDC, sejam estes
vulneráveis pessoas naturais ou jurídicas.
Logo, a diferença cunhada pela jurisprudência entre o consumidor padrão
do art. 2º (destinatário final de um produto ou serviço) em relação à figura do
consumidor equiparado do art. 29 é que, no primeiro caso, a vulnerabilidade seria
presumida, principalmente em se tratando de pessoas naturais; para as pessoas
jurídicas exige-se a demonstração da situação desfavorável. Já no segundo caso, é
consumidor quem está exposto às práticas comerciais previstas no Capítulo V, tais
como a publicidade enganosa ou abusiva – ou seja, trata-se da proteção de caráter
difuso, pois sequer é preciso que haja a aquisição de um produto ou serviço – ou,
no caso do Capítulo VI, o contratante que está em situação de debilidade face ao
fornecedor.
Neste contexto, o STJ se utilizou por vezes da expressão “consumidor
intermediário”27, considerarada atécnica por alguns28, com o fim de admitir a
aplicação do CDC a agentes econômicos em posição de desvantagem frente à
contraparte. Chegado este ponto, mister se faz desvelar o que se tem entendido
sobre a já mencionada “vulnerabilidade”.

27
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSUMIDOR. RELAÇÃO
DE CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. DESTINAÇÃO FINAL FÁTICA E ECONÔMICA DO
PRODUTO OU SERVIÇO. ATIVIDADE EMPRESARIAL. MITIGAÇÃO DA REGRA.
VULNERABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA. PRESUNÇÃO RELATIVA. 1. O consumidor
intermediário, ou seja, aquele que adquiriu o produto ou o serviço para utilizá-lo em sua atividade
empresarial, poderá ser beneficiado com a aplicação do CDC quando demonstrada sua
vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica frente à outra parte. 2. Agravo regimental a que se
nega provimento. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento nº 1316667/RO. Órgão julgador: Terceira Turma. Relator: Min. Vasco Della Giustina
(desembargador convocado do TJ/RS). Julgamento em 15/2/2011.
24

2.3. O reconhecimento da vulnerabilidade

De acordo com Cláudia Lima Marques, a vulnerabilidade pode ser técnica,


jurídica ou fática29.
A primeira é aquela em que “o comprador não possui conhecimentos
específicos sobre o objeto que está adquirindo e, portanto, é mais facilmente
enganado quanto às características do bem ou quanto à sua utilidade”.
Já a “vulnerabilidade jurídica ou científica é a falta de conhecimentos
jurídicos específicos, conhecimentos de contabilidade ou de economia”. Nesse
aspecto, quanto às pessoas jurídicas, a presunção é que devem possuir tais
conhecimentos para obrigar-se30.
Finalmente, a vulnerabilidade fática ou socioeconômica, tem por foco o
fornecedor, seja por sua posição de superioridade econômica, pela essencialidade
do serviço prestado. Essa noção aproxima-se da que reconhece a hipossuficiência
da outra parte31.
Sobre esse tema, vale colacionar o seguinte aresto relatado pela Ministra
Nancy Andrighi32, que chancela essas orientações, expõe a tese do finalismo
aprofundado, mitigado ou temperado e ainda apresenta outra hipótese de
vulnerabilidade, a informacional:

CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA.


REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO.
CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE.
1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido
de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em
regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que,
numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera
destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico
do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.
2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o
consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo
produto retorna para as cadeias de produção e
distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final)
de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser

28
Como Adalberto Pasqualotto, na obra citada e Bruno Miragem em Fundamento e finalidade da
aplicação do código de defesa do consumidor às instituições financeiras – comentários à súmula
297 do STJ. Revista de Direito do Consumidor. vol. 82. Abr-2012.
29
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. Op cit.
30
Idem.
31
Ibidem.
32
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.195.642-RJ. Órgão julgador:
Terceira Turma. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Julgamento em 13/11/2012.
25

considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº


8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou
serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de
consumo.
3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de
consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC,
tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria
finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a
doutrina vem denominando finalismo aprofundado,
consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses,
a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço
pode ser equiparada à condição de consumidora, por
apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade,
que constitui o princípio-motor da política nacional das relações
de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do
CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.
4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três
modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de
conhecimento específico acerca do produto ou serviço
objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento
jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na
relação de consumo) e fática (situações em que a
insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica
do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao
fornecedor).
Mais recentemente, tem se incluído também a
vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o
produto ou serviço capazes de influenciar no processo
decisório de compra).
5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies
de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas
formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do
CDC à relação de consumo. Numa relação
interempresarial, para além das hipóteses de
vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela
jurisprudência, a relação de dependência de uma das
partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar
uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº
8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e
autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à
condição de consumidora.
6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama
indenização por danos materiais derivados de defeito em suas
linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios
publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de
potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não
caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o
referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo
essencial à consecução do seu negócio. Também não se
verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à
condição de consumidora frente à prestadora do serviço de
telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie,
nos termos do art. 257 do RISTJ, fica mantida a condenação
26

imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186 e 927


do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias
ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo
defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta
deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de
veículos.
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(grifos nossos)

Em suma, a vulnerabilidade, seja de que ordem for, tem em si, como traço
característico, o reconhecimento de um desequilíbrio entre as partes, uma
desigualdade que reclama a incidência de uma norma protetiva.

2.4. Da Administração Pública como consumidora

De acordo com o exposto no capítulo anterior, os contratos de


financiamento com recursos do BNDES podem ter uma série de beneficiários, que
podem ser pessoas naturais exercendo atividades produtivas, pessoas jurídicas,
empresárias ou não, ou mesmo a Administração Pública, sobre a qual cabe falar
antes de adentrarem-se os problemas relativos ao financiamento bancário e o
CDC.
Cabe esclarecer que a doutrina e a jurisprudência divergem quanto à
aplicabilidade do CDC à Administração Pública.
Normalmente a questão é analisada sob o enfoque dos contratos
administrativos, hipótese em que, para alguns, seria inaplicável a legislação
consumerista porque a Administração Pública está em posição de superioridade,
seja porque a Lei de Licitações outorga-lhe proteção específica, seja porque tem o
poder de definir a prestação objeto do contrato33.
Outros, ao revés, defendem que o CDC é aplicável à Administração
Pública por algumas razões. A uma, por ausência de previsão legal que afaste de
plano sua aplicabilidade34. A duas, conforme defende Jatir Batista da Cunha35,

33
Posições de Pedro Paulo Cristófaro e Marçal Justen Filho, consoante Flávio Amaral Garcia (O
Estado como consumidor. Revista de Direito Processual Geral. 2006.). Temos ainda precedente do
STJ, também citado no artigo de Garcia: REsp 527137/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado
em 11.5.2004.
34
SZKLAROWSKY, Leon Frejda. O código de defesa do consumidor e os contratos
administrativos. Revista Tributária e de Finanças Públicas. vol. 27. abr. 1999. / Doutrinas
Essenciais de Direito do Consumidor. vol. 5. abr. 2011.
35
CUNHA, Jatir Batista da. Aplicabilidade do código de defesa do consumidor aos contratos
administrativos. Revista do Tribunal de Contas da União. vol. 32. n. 87. jan-mar 2001.
27

porque é possível, no caso em concreto que o ente ou entidade esteja em situação


de vulnerabilidade face ao fornecedor.

ao órgão ou entidade pública contratante, a despeito de sua


supremacia jurídica, presumida por lei, estar numa posição de
vulnerabilidade técnica, científica, fática ou econômica perante
o fornecedor. Imagine-se, a título de exemplo, a situação de
uma pequena autarquia ou uma pequena prefeitura de interior,
ao contratar produtos ou serviços de alta tecnologia.

Mesmo entre os defensores dessa corrente, ainda assim é preciso que o


Estado esteja na posição de destinatário final36, o que, decerto não ocorre no caso
dos financiamentos do BNDES.

36
Idem.
3 O FINANCIAMENTO BANCÁRIO

O financiamento bancário é tratado normalmente ao lado do contrato de


mútuo ou empréstimo bancário, embora, em regra, possa se dizer que a doutrina
tradicional dedica-se primordialmente a tratar desses últimos, diante de sua
similaridade.
É que tanto no caso do empréstimo bancário, como no do financiamento,
tem-se um contrato em que o cliente recebe da instituição financeira uma quantia
que deverá ser devolvida em prazo determinado, acrescida dos juros acertados.
Sobre financiamento, extraímos o seguinte conceito da consagrada obra
Vocabulário Jurídico, de Oscar José de Plácido e Silva37:

FINANCIAMENTO. Derivado de finança, quer significar na


técnica mercantil e industrial, o apoio financeiro prestado ao
comércio ou à indústria ou a qualquer outro empreendimento
de ordem pública ou particular, mediante fornecimento de
numerário indispensável à realização pretendida.
É, assim, o adiantamento em dinheiro feito por alguém para
que se executem ou se realizem objetivos de ordem pública ou
particular, tais como execução de serviços públicos ou
exploração de negócios comerciais ou industriais.
Financiamento. Em sentido restrito, é o vocábulo empregado
na significação de custeio, ou seja, o pagamento de tudo que
se refere à execução de uma obra ou de qualquer outra
realização, feita por conta de alguém, mesmo sem o sentido ou
o compromisso de uma restituição. (sem grifos no original)

Percebe-se do conceito supra que o financiamento pode ser um mútuo ou


uma doação. Porém, sob a ótica do presente estudo em que enfocamos
principalmente as operações de crédito38 reembolsáveis, o grande traço distintivo
do contrato de financiamento em relação ao de empréstimo é que a finalidade do
dinheiro recebido pelo financiado é relevante, ou seja, há uma destinação
específica a ser cumprida.

37
DE PLÁCIDO E SILVA, Oscar José. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
38
De acordo com o art. 29, III, da Lei de Responsabilidade Fiscal, considera-se operação de
crédito o “compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e
aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da
venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas,
inclusive com o uso de derivativos financeiros” (BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio
de 2000. Disponível em: <HTTP://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>.)
29

É importante ressaltar, por fim, dois aspectos. O primeiro é que, na


legislação, por vezes o vocábulo “empréstimo” é empregado no lugar de
“financiamento” e é comum que ambos recebam o mesmo tratamento jurídico. O
segundo é que a formalização de um financiamento pode se dar não apenas por
meio de contrato, mas também por outros instrumentos, tais como títulos de
crédito (cédulas de crédito bancário, rural e industrial) ou por meio de subscrição
de debêntures, entre outros.

3.1. O processo de concessão de financiamento

A concessão de um financiamento ou de um empréstimo bancário é uma


atividade que consiste, primordialmente, em um exame relativo à capacidade de
pagamento do mutuário.
Essa avaliação minuciosa é necessária para a manutenção do equilíbrio
entre as diversas relações celebradas por essas instituições e, consequentemente,
para sua sobrevivência e do sistema financeiro nacional. Tal análise é conhecida
como risco de crédito, cuja definição pode ser encontrada em normativo do
Conselho Monetário Nacional39:

Resolução CMN nº 3.721, de 30 de abril de 2009.

Art. 2.° Para os efeitos desta resolução, define-se o risco de


crédito como a possibilidade de ocorrência de perdas
associadas ao não cumprimento pelo tomador ou contraparte
de suas respectivas obrigações financeiras nos termos
pactuados, à desvalorização de contrato de crédito decorrente
da deterioração na classificação de risco do tomador, à
redução de ganhos ou remunerações, às vantagens
concedidas na renegociação e aos custos de recuperação.

Dessa forma, a atividade de financiamento realizada pelas instituições


financeiras demanda a existência de uma estrutura de gerenciamento de risco de
crédito compatível com as suas operações, bem como o estabelecimento de uma
política de crédito, que é a base para a fixação das condições financeiras
aplicáveis a cada produto, quais sejam, as taxas de juros, prazos, garantias e nível
de risco associado a cada tipo de operação.

39
BRASIL. Banco Central do Brasil. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/
busca/normativo.asp?tipo=res&ano=2009&numero=3721.> Acesso em: 15 nov. 2013.
30

A análise do risco do crédito tem como objetivo determinar a


probabilidade de adimplemento, auxiliando a decisão de concessão, bem como
fornecendo parâmetros para a estrutura do contrato em concreto40.
Em se tratando do financiamento a projetos industriais, de infraestrutura e
empreendimentos de maior porte ou com características especiais, as variáveis
relativas ao objeto a ser financiado e a melhor forma de estruturação contratual
tornam essa análise mais complexa. Mais ainda, no caso de um financiamento a
ser concedido pelo BNDES, em que outros aspectos devem ser considerados, por
se tratar de uma instituição financeira oficial e que tem como missão o
desenvolvimento econômico e social.
Assim, na análise prévia à concessão de um financiamento, outros riscos
devem ser considerados de acordo com as características do projeto, como
questões relativas à regularidade ambiental e fundiária, além do atendimento a
outras eventuais exigências legais.
Esses pontos são relevantes porque o operador do direito que vislumbre a
aplicação do CDC a uma hipótese de contrato bancário deve ter em conta que a
não aprovação de um financiamento, por exemplo, pode derivar desse processo.

3.2. O direito do consumidor nos contratos bancários

Com a edição da Súmula 297 em 2004, pela Segunda Seção do Superior


Tribunal de Justiça (“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às
instituições financeiras”), a jurisprudência já havia se inclinado para admitir que
as instituições financeiras poderiam ser consideradas “fornecedores”. A pá de cal
veio com o julgamento da ADIn 2.591 pelo Supremo Tribunal Federal.
Destacamos trecho da ementa final publicada em 2007, após julgamento dos
embargos de declaração41:

ART. 3º, § 2º, DO CDC. CÓDIGO DE DEFESA DO


CONSUMIDOR. ART. 5º, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA
CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO

40
Para uma abordagem mais aprofundada sobre o tema do risco de crédito, remetemos ao artigo de
CARRION, Thiago Zucchetti. O delito de fraude em financiamento (art. 19 da lei 7.492/1986):
por uma compreensão a partir da gestão de risco de crédito. Revista Brasileira de Ciências
Criminais. vol. 95/2012. p. 405. Mar. 2012. DTR\2012\2717.
41
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração na Ação direta de
inconstitucionalidade nº 2.591. Órgão Julgador: Pleno. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:
14.12.2006.
31

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. 1.
As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela
incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do
Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de
Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que
utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e
de crédito.

Mesmo após a referida decisão, a definição de consumidor não ficou livre


de discussões, como é cediço, visto que o acórdão do Supremo não teve o mérito
de auxiliar na elucidação de uma definição precisa. Esse cenário propiciou e ainda
propicia em uma aplicação do CDC pelo Judiciário sem o devido cuidado na
verificação dos critérios aceitos pela própria jurisprudência. Bruno Miragem42
coloca a questão com exatidão:

Ocorre que, passados alguns anos da decisão em questão, o


conteúdo da aplicação do CDC (LGL\1990\40) a estas relações
jurídicas permanece dando ensejo a importantes reflexões,
especialmente no tocante à caracterização do consumidor
destinatário da proteção legal, em relação ao fornecedor
instituição financeira. Neste particular, seja a técnica de
equiparação legal a consumidor de que tratam os arts. 17 e 29
do CDC (LGL\1990\40), seja a aplicação acrítica do
entendimento afirmado na Súmula 297, dão causa a uma
sensível extensão do sentido das normas de proteção do
consumidor a relações que a priori não seriam de consumo. Ou
melhor, que se amoldam ao enquadramento de relação
empresarial, nos termos do art. 966 do CC/2002
(LGL\2002\400), afastando, inclusive o exame do critério de
destinação final, fixado no art. 2.º, caput, do CDC
(LGL\1990\40).
Daí é que a oportunidade de revisar, a partir do entendimento
fixado na Súmula 297, e depois afirmado, com eficácia
vinculante, pela decisão do STF na ADIn 2.591/DF, quanto à
aplicabilidade das normas de proteção ao consumidor às
relações havidas com instituições financeiras, permite que se
refine a própria interpretação da norma no tocante à distinção
essencial, qual seja: de que se é correto afirmar que o CDC
(LGL\1990\40) é aplicável a relações de consumo mantidas
com fornecedor instituição financeira, por outro lado, nem toda
a relação bancária, financeira, de crédito e securitária
configura-se como relação de consumo, atraindo a aplicação
do CDC (LGL\1990\40). E da mesma forma, que a aplicação de
que trata a Súmula 297 pressupõe a compreensão de todo um
microssistema normativo de proteção do consumidor, cuja
incidência é deflagrada pela identificação da relação de
consumo. Não pode o juiz aplicá-lo somente em parte, como se
dá em situações nas quais se invoca regra de outra natureza,
para impedir a eficácia da norma consumerista – caso do
entendimento sufragado pela Súmula 381 (MIX\2010\1629) do

42
MIRAGEM, Bruno. Fundamento e finalidade da aplicação do código de defesa do consumidor
às instituições financeiras – comentários à súmula 297 do STJ. Revista de Direito do Consumidor.
vol. 82. p. 359. Abr-2012.
32

STJ, ao vedar o reconhecimento de ofício da abusividade das


cláusulas contratuais nos contratos bancários, em flagrante
contrariedade ao disposto no art. 51 do CDC (LGL\1990\40).

Os contratos bancários podem ser de várias espécies. Assim, na lição de


Ruy Rosado de Aguiar, trazida no artigo de Bruno Miragem43, o contrato bancário
pode ser definido sob dois pontos de vista: numa visão subjetiva, tem-se que uma
das partes contratantes é um banco ou instituição financeira; numa ótica objetiva,
o objeto do contrato deve estar vinculado à intermediação do crédito, que é
essencialmente a atividade bancária.
Note-se que, quando do julgamento da ADIn 2.591, o Min. Carlos Velloso,
relator, e o Min. Nelson Jobim votaram no sentido de afastar a aplicação do CDC
às operações de crédito. Apontaram distinções entre as figuras do consumidor, do
poupador e do mutuário, bem como a existência de regimes jurídicos específicos
para cada um deles. Diferenciando serviços bancários de operações bancárias44,
concluíram que apenas no caso daqueles seria aplicável o CDC.
Todavia, este entendimento não prosperou. O Min. Eros Grau, em voto-
vista que capitaneou a vitória da tese de aplicação do CDC às instituições
financeiras, repeliu a alegação de afronta ao art. 192 da Constituição Federal,
afirmando que a exigência de lei complementar refere-se apenas à regulamentação
da estrutura do sistema financeiro, não abrangendo os encargos e obrigações
impostas pelo CDC às instituições financeiras, julgando improcedente o pedido
formulado pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro.
Asseverou, ainda, que a relação entre banco e cliente configura uma
relação de consumo, estando, entretanto, excluída da sujeição ao CDC a definição
do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas
pelas instituições financeiras, matéria sobre a qual deve dispor o Poder Executivo,
ao qual compete a fiscalização e a fixação da taxa-base de juros praticável no
mercado financeiro.

43
Idem.
44
Segundo Nelson Abrão, as operações bancárias dividem-se em típicas ou fundamentais e
acessórias. As típicas são aquelas em que “os bancos exercitam sua negociação de crédito”, podem
ser passivas – como o depósito, o redesconto e a conta corrente – ou ativas – como o empréstimo,
a abertura de crédito, o desconto, etc. As operações acessórias, por sua vez, são os serviços
bancários, como a custódia de valores, a locação de cofres, a cobrança de títulos, etc. (ABRÃO,
Nelson. Direito bancário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 53.)
33

É certo que o STF não afirmou que a lei consumerista é aplicável às


instituições financeiras em toda e qualquer hipótese e, portanto, resta imaculado o
fato de que o CDC não será aplicável aos contratos bancários quando o cliente não
se encaixar na definição legal de consumidor.
Registre-se também, que a mesma interpretação se estende à Súmula nº
285 do STJ, a qual estatui que “nos contratos bancários posteriores ao Código de
Defesa do Consumidor incide a multa moratória nele prevista”. Nesse sentido,
extraímos trechos do voto do Relator, o Min. Luís Felipe Salomão45, em Recurso
Especial apreciado pelo STJ em 2010:

2.3. Por outro lado, é entendimento sedimentado no âmbito


desta Corte que o Código de Defesa do Consumidor é
diploma aplicável a instituições financeiras, não havendo
óbice de sua incidência em cédulas de crédito rural, comercial
ou industrial, conforme diversos precedentes (AgRg no REsp
948.276⁄MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 19⁄03⁄2009; AgRg no AgRg no
REsp 962.999⁄RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, QUARTA TURMA).
Não obstante, o Tribunal a quo, à luz das circunstâncias
fáticas verificadas na espécie, não vislumbrou nos
recorrentes, sobretudo na pessoa jurídica, a assunção
da posição de destinatário final de produtos ou serviços a
autorizar a incidência das normas protetivas do
consumidor, notadamente a limitação da multa contratual
prevista no art. 52, § 1º, do CDC, conclusão infensa à
valoração desta Corte, nos termos das Súmulas 5 e 7. (grifos
nossos)

Por esse motivo, Bruno Miragem46 explica que o conceito de fornecedor é


relacional, isto é, se por um lado pode-se afirmar não haver dúvidas de que uma
instituição financeira é empresária, exerce atividade mercantil, por outro, não se
pode dizer que sempre será fornecedora:

Sabe-se que o conceito de fornecedor é relacional e


dependente da definição de consumidor. Só há em dada
relação jurídica um fornecedor, se há consumidor e vice-versa.
Daí porque apenas se pode dizer da instituição financeira como
fornecedora, na medida em que exista um consumidor como
sujeito da mesma relação jurídica. E nesse ponto, ou há
incidência do art. 2.º, caput , do CDC (LGL\1990\40), e
correspondente identificação de um destinatário final de
produto ou serviço, ou há as hipóteses de equiparação legal a
consumidor.

45
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 468.887-MG. Órgão julgador: Quarta
Turma. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Julgamento em 4/5/2010.
34

No capítulo anterior, enfrentamos a questão da identificação do


consumidor, com relevância para o caso das pessoas jurídicas.
Quando a pessoa que contrata com um banco é um empresário, na acepção
técnica da palavra, o contrato classifica-se também como um contrato empresarial,
isto é, um contrato no qual, a presunção é de que se trata de uma relação entre
iguais. Nesse sentido, outro enunciado da 1ª Jornada de Direito Comercial do CJF:

21. Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser


mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações
interempresariais.

No entanto, nem sempre essa simetria está presente. Em artigo publicado


em 1991, intitulado “O direito do consumidor e suas repercussões em relação às
instituições financeiras”, Arnoldo Wald47 esclareceu:

1.11 O Direito do Consumidor é, pois, um Direito aplicável


não a pessoas específicas, mas sim a atos determinados,
que podemos denominar os atos ou as relações de
consumo. Examinando-o, no tocante às suas finalidades,
podemos dizer que o Direito do Consumidor traz, aos
mecanismos econômicos, os corretivos sociais
indispensáveis para a adequada defesa do consumidor,
colocando-o em situação de igualdade com o produtor. Por
outro lado, no plano contratual, a sua finalidade consiste
em restabelecer o equilíbrio contratual, que deve existir
entre as partes na relação de consumo e que, muitas
vezes, é rompido pela superioridade fática do profissional,
que, no plano técnico e econômico, tem condições e
conhecimentos muito mais amplos do que o consumidor. Já se
falava, no passado, na responsabilidade acrescida do
profissional em relação ao não-profissional. Agora, essa
responsabilidade passa a ser institucionalizada para
restabelecer um equilíbrio jurídico que se presumia existir, mas
que se verificou ter desaparecido, em virtude da desigualdade
de fato existente entre as partes (fornecedor e consumidor).
(grifos nossos)

Sobre o direito do consumidor e a assimetria nos contratos Pasqualotto48,


por sua vez, ensina:

A tipificação das relações de consumo consolidou no direito


brasileiro uma dicotomia entre contratos paritários e contratos
assimétricos. São paritários os contratos celebrados entre
contratantes com forças negociais equivalentes. Duas espécies
são identificadas nessa categoria: os contratos empresariais,
nos quais as empresas tem condições de negociar livremente

46
MIRAGEM, Bruno. Op cit.
47
WALD, Arnoldo. Revista dos Tribunais. vol. 666. p. 7. abr 1991.
48
PASQUALOTTO, Adalberto. Op cit.
35

os seus interesses, estabelecendo um regulamento contratual


resultante de consenso dialético; e os contratos entre
indivíduos que, no contrato, agem por interesses não
profissionais, celebrados em condições bilaterais de liberdade
contratual. (...) Os contratos paritários, entre empresas ou entre
não profissionais são regidos pelo Código Civil. (sic)
Os contratos assimétricos, opostamente, caracterizam-se pela
disparidade de força negocial entre os contratantes. O negócio
jurídico permanece formalmente bilateral, mas há
unilateralidade na formulação do conteúdo. Essa disparidade
genética caracteriza os contratos de consumo, assim como já
houvera distinguido o contrato de trabalho. A liberdade jurídica
do contratante fraco fica comprometida pela sua inferioridade
socioeconômica, acarretando um predomínio da vontade do
contratante forte. A finalidade da lei é devolver uma razoável
paridade a esses contratos, mediante a imposição de ônus e
deveres ao forte e a atribuição de favores e benefícios ao fraco.
Ao lado das duas categorias de relações contratuais descritas,
deve ser considerada a existência de uma terceira: a dos
contratos entre empresas desiguais. (...) Nessa categoria, os
dois contratantes pertencem à mesma esfera de interesses da
lógica econômica, a da produção. Há entre eles, todavia, uma
assimetria de posições jurídicas, reproduzindo-se em alguma
medida, a polaridade forte-fraco das relações de consumo.
(...) Para a regência dessa terceira categoria, tem sido
invocado o art. 29 do CDC, particularmente pela teoria
maximalista (...).

Pasqualotto aborda o tema ainda no direito comparado, com espeque na


lição do doutrinador italiano Giuseppe Amadio, segundo a qual, existe uma
dicotomia entre os modelos contratuais: os contratos B2B (business to business) e
B2C (business to consumer). A partir daí, surge um “terceiro contrato”, que é o
B2b, entre uma empresa forte e uma débil. Defende esse autor que, sem embargo
de uma assimetria em abstrato existente entre essas empresas, no plano concreto
não se pode afirmar que haverá um abuso dessa situação49.
Em outras palavras, é preciso que, de fato, na análise do caso concreto, se
verifique que o contratante fraco não teve participação na estipulação contratual.
Assim sendo, se houver um consumidor padrão, a assimetria deve ser presumida;
do contrário, nos contratos interempresarias, essa assimetria deve ser
comprovada50. Aparentemente, foi assim que se posicionou a Corte Superior em
decisão veiculada no Informativo nº 53051:

DIREITO DO CONSUMIDOR. CONSUMIDOR POR


EQUIPARAÇÃO.

49
Idem.
50
Ibidem.
51
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 567.192-SP. Órgão julgador: Quarta
Turma. Relator: Min. Raul Araújo. Julgamento em 5/9/2013.
36

Em uma relação contratual avençada com fornecedor de


grande porte, uma sociedade empresária de pequeno porte
não pode ser considerada vulnerável, de modo a ser
equiparada à figura de consumidor (art. 29 do CDC), na
hipótese em que o fornecedor não tenha violado quaisquer dos
dispositivos previstos nos arts. 30 a 54 do CDC. De fato, o art.
29 do CDC dispõe que, “Para os fins deste Capítulo e do
seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas".
Este dispositivo está inserido nas disposições gerais do
Capítulo V, referente às Práticas Comerciais, e faz menção
também ao Capítulo VI, que trata da Proteção Contratual.
Assim, para o reconhecimento da situação de vulnerabilidade,
o que atrairia a incidência da equiparação prevista no art. 29, é
necessária a constatação de violação a um dos dispositivos
previstos no art. 30 a 54, dos Capítulos V e VI, do CDC. Nesse
contexto, caso não tenha se verificado práticas abusivas na
relação contratual examinada, a natural posição de
inferioridade do destinatário de bens ou serviços não
possibilita, por si só, o reconhecimento da
vulnerabilidade. REsp 567.192-SP, Rel. Min. Raul Araújo,
julgado em 5/9/2013.

Esse julgado é interessante por conferir uma nova leitura ao art. 29 do


CDC, na linha defendida por Pasqualotto, isto é: a situação de vulnerabilidade não
decorreria apenas de um olhar para a parte supostamente mais fraca da relação, a
qual busca a equiparação ou o reconhecimento como consumidora, mas também
exige avaliar a conduta do fornecedor.
Então o reconhecimento da parte vulnerável depende de verificar se: 1) o
cliente do contrato bancário está em situação de inferioridade técnica, jurídica ou
econômica; 2) o fornecedor incorreu em alguma das práticas comerciais abusivas
elencadas pela norma ou o contrato contém cláusulas abusivas52, para somente aí
se reclamar a sua tutela. Em que pese o julgado acima, não podemos afirmar que
essa é a posição dominante da jurisprudência.
Claudia Lima Marques ao analisar a jurisprudência do STJ, menciona que
há uma espécie de “presunção de vulnerabilidade” dos clientes bancários pessoas
físicas e que o Tribunal tem aceitado fácil prova de vulnerabilidade concreta dos
clientes profissionais pessoas jurídicas, se pequenos comerciantes, empresários
individuais, empresários de porte médio etc. Em situação oposta, contudo, se
inclina o mesmo tribunal face a grandes quantias financiadas, ainda mais se
37

internacionais e em contratação não massificada, ficam fora do âmbito de


aplicação do CDC. A autora esclarece que53:

...os contratos entre o banco e os profissionais, nos quais os


serviços prestados pelos bancos estejam, em última análise,
canalizados para a atividade profissional destas pessoas físicas
(profissionais liberais, comerciantes individuais) ou jurídicas
(sociedades civis e comerciais), devem ser regidos pelo direito
comum, direito comercial e leis específicas sobre o tema. Só
excepcionalmente, por decisão do Judiciário, tendo em vista a
vulnerabilidade do contratante e sua situação equiparável ao
do consumidor stricto sensu, serão aplicáveis as normas
especiais do CDC a estes contratos entre dois profissionais.

Quanto aos contratos bancários de financiamento ou mútuo, alguns


parâmetros podem auxiliar a investigação da vulnerabilidade em concreto, como o
porte do financiado, o tipo de financiamento, o montante envolvido, a fim de
definir se o tomador do crédito pode ser tido como consumidor. Vale salientar que
a situação dos contratantes deve ser avaliada à época da celebração do negócio
jurídico.
Nesse sentido, colhemos trechos de ementas de alguns julgados do STJ e
grifamos:

(...) A relação de consumo existe apenas no caso em que uma


das partes pode ser considerada destinatária final do produto
ou serviço. Na hipótese em que produto ou serviço são
utilizados na cadeia produtiva, e não há considerável
desproporção entre o porte econômico das partes
contratantes, o adquirente não pode ser considerado
consumidor e não se aplica o CDC, devendo eventuais
conflitos serem resolvidos com outras regras do Direito das
Obrigações. (REsp 836.823/PR, Rel. Min. Sidnei Beneti,
Terceira Turma, Julgamento em 12.8.2010).

PROCESSO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. EXCEÇÃO DE


INCOMPETÊNCIA. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO.
CONTRATO DE EMPREITADA NO ÂMBITO DO PROGRAMA
DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - PAR.
INAPLICABILIDADE DO DIPLOMA CONSUMERISTA. AÇÃO
DE INDENIZAÇÃO. NATUREZA PESSOAL.
INAPLICABILIDADE DO ART. 95 DO CPC. CONTRATO DE
PORTE EXPRESSIVO. AUSÊNCIA DE INFERIORIDADE
INTELECTIVA E TÉCNICA NO MOMENTO DA
CELEBRAÇÃO. EMPRESA EM CONCORDATA

52
Frise-se que, de acordo com o verbete sumular nº 381 do STJ, “nos contratos bancários, é
vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.”
53
MARQUES, Claudia Lima. Op cit, p. 455-456.
38

PREVENTIVA. DEBILIDADE ECONÔMICA. DIFICULDADE DE


ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO. REJEIÇÃO DA EXCEÇÃO
DE INCOMPETÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
(...) 2. O CDC não encontra aplicação para os contratos de
empreitada
celebrados entre a CEF, na condição de operacionalizadora do
Programa de Arrendamento Residencial - PAR, e a empresa
contratada para construir as residências que serão
posteriormente objeto de contrato de arrendamento entre a
mesma instituição financeira e as pessoas de baixa renda, para
as quais o programa se destina.
(....)
5. A cláusula que estipula eleição de foro em contrato de
adesão é,
em princípio, válida, desde que sejam verificadas a necessária
liberdade para contratar (ausência de hipossuficiência) e a não
inviabilização de acesso ao Poder Judiciário. Precedentes.
6. O porte econômico das partes quando da celebração do
contrato e a natureza e o valor da avença são
determinantes para a caracterização da hipossuficiência.
Verificado o expressivo valor do contrato, não há que se
falar em hipossuficiência.
(....) 9. Recurso especial não provido. (REsp 1.073.962/PR,
Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julgamento em
20.3.2012)

BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA DE


REVISÃO DE CONTRATO DE MÚTUO E DE CÉDULAS DE
CRÉDITO INDUSTRIAL. EMBARGOS DO DEVEDOR.
DEVOLUÇÃO EM DOBRO DE QUANTIA EXECUTADA
INDEVIDAMENTE. ART. 1.531CC. MÁ-FÉ CARACTERIZADA.
INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. CABIMENTO.
REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. NÃO EVIDENCIADA
SUPERIORIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
AFASTADA A APLICAÇÃO DO CDC. LIMITAÇÃO DOS
JUROS REMUNERATÓRIOS. LEI 1.521/51. INVIABILIDADE.
NÃO DEMONSTRAÇÃO DA EXCESSIVIDADE DE LUCRO NA
INTERMEDIAÇÃO. TAXA MÉDIA DE MERCADO. AUSÊNCIA
DE DISCREPÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O Tribunal local demonstrou de forma pormenorizada a má-
fé da instituição financeira, condenando-a à devolução em
dobro da quantia indevidamente exigida em execução,
encontrando-se em harmonia com o entendimento desta Corte
Superior, no sentido de que a sanção do artigo 1.531 do
Código Civil de 1916 somente pode ser aplicada se
demonstrada a má-fé do credor.
2. (...).
3. Embora consagre o critério finalista para interpretação
do conceito de consumidor, a jurisprudência do STJ
também reconhece a necessidade de, em situações
específicas, abrandar o rigor desse critério para admitir a
aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e
39

sociedades-empresárias em que fique evidenciada a


relação de consumo.
4. Afastada a aplicação do CDC, visto que não ficou
caracterizada a superioridade técnica, jurídica, fática ou
econômica da instituição financeira, a revelar a
excepcionalidade do caso a fim de abrandar o rigor do
critério subjetivo do conceito de consumidor.
5. Conquanto na regência da Lei n.º 4.595/64 não estejam os
juros bancários limitados a 12% ao ano, as notas de crédito
rural, comercial e industrial acham-se submetidas a regramento
próprio (Lei nº 6.840/80 e Decreto-Lei 413/69), que conferem
ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a
serem praticados. Diante da omissão desse órgão
governamental, incide a limitação de 12% ao ano, prevista no
Decreto n.º 22.626/33 (Lei da Usura).
6. Não se revela viável a redução dos juros nos contrato de
mútuo financeiro com base na Lei n° 1.521/51, sem u ma
demonstração cabal da excessividade do lucro da
intermediação financeira, diante dos termos da Lei n° 4.595/64
e da jurisprudência predominante, abrigada na Súmula n° 596,
do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
7. Devem ser mantidas as taxas de juros remuneratórios
pactuadas nos contratos de repasses de recursos externos e
contratos de abertura de crédito, uma vez que não há
demonstração de lucro excessivo ou discrepância com a taxa
média de mercado, nos termos em que exigido pela
jurisprudência do STJ.
8. Recurso especial do Banco do Nordeste do Brasil S.A.
parcialmente provido. Prejudicado o recurso adesivo. (REsp
1196951/PI, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,
Julgamento em 14/02/2012)
COMPETÊNCIA. FINANCIAMENTO. CÉDULA DE CRÉDITO
INDUSTRIAL E NOTA PROMISSÓRIA. AÇÃO DE ANULAÇÃO
DE NEGÓCIO JURÍDICO. RELAÇÃO DE CONSUMO.
SENTENÇA. AUSÊNCIA DE APELAÇÃO. AGRAVO DE
INSTRUMENTO PENDENTE DE JULGAMENTO.
INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA.
- A interposição de agravo de instrumento impede a preclusão
da decisão impugnada, ficando a eficácia da sentença
condicionada ao desprovimento daquele recurso. Situação
peculiar à espécie.
- Não é de ser tida como consumidora a entidade
empresarial que toma emprestada vultosa quantia junto a
instituição financeira, para o fim de instalar um parque
industrial em Brasília-DF.
Recurso conhecido, em parte, mas negado provimento. (REsp
258.780/ES, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma,
Julgamento em 20/05/2003)

Finalmente, vale lembrar que o afastamento do CDC não implica em total


desproteção de um dos contratantes, especialmente porque a contratação bancária
40

de massa reveste-se da forma de contratos de adesão, os quais contam com


normas de proteção ao aderente nos arts. 423 e 424 do Código Civil, que se
assemelham a algumas disposições do CDC54.

54
MIRAGEM, Bruno. Op cit.
4 A APLICAÇÃO DO CDC AOS CONTRATOS DE
FINANCIAMENTO DO BNDES

Já está claro que o BNDES concede financiamentos que se enquadrem em


uma política de desenvolvimento econômico, de maneira que os recursos
emprestados devem ter uma finalidade que realize esse propósito. Dessa maneira,
para obtenção desses recursos, o postulante deve apresentar, via de regra, um
projeto que demonstre sua aplicação econômica.
Por esse motivo, se avulta a relevância da destinação contratual dos
recursos recebidos pelo financiado, tanto que sua alteração à revelia do
financiador, isto é, o desvio doloso dos recursos constitui ilícito penal:

55
Lei 7.492, de 16 de junho de 1986
Define os crimes contra o sistema financeiro nacional

Art. 20. Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou


contrato, recursos provenientes de financiamento concedido
por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada
para repassá-lo:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

É relevante salientar que esse dispositivo legal está em consonância com a


necessidade de proteção da correta destinação de recursos que recebem tratamento
diferenciado (em termos de taxas, condições de amortização, etc), como é o caso
das verbas emprestadas por instituições financeiras oficiais de fomento, pois,
esses recursos devem seguir uma política de aplicação prevista na lei anual de
diretrizes orçamentárias, conforme disposto no § 2º do art. 165 da Constituição
Federal.
Portanto, as características peculiares do crédito concedido pelo BNDES,
isto é, sua natureza de fomento, a subvenção pública dos recursos e as regras
legais de captação dos recursos (ex: a já citada Lei 9.365, de 1996, que institui a
TJLP e dispõe sobre a remuneração dos recursos do Fundo de Participação PIS-
PASEP, do Fundo de Amparo ao Trabalhador e do Fundo da Marinha Mercante)
devem ser levados em conta quando da análise desse tipo de contrato. É certo que,
de outro giro, os financiamentos do BNDES abrangem um setor amplo de

55
BRASIL. Lei 7.492, de 16 de junho de 1986. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci
vil_03/Leis/l7492.htm>. Acesso em: 16 nov. 2013.
42

atividades e de categorias de beneficiários, particularidades essas que não podem


ser olvidadas. Assim, o reconhecimento da incidência do CDC pelo julgador não
pode descuidar dos aspectos distintivos do crédito do BNDES, que não equivale a
uma operação de crédito comum celebrada por outras instituições financeiras.
Diante dessa multiplicidade de cenários, a nosso ver, não se pode afirmar
sem ressalvas a não incidência do CDC aos contratos de financiamento do
BNDES. Entendemos que essa deve ser a regra a ser considerada, pois está claro
que o intuito do financiamento é o emprego dos recursos em atividade produtiva,
podendo ser afirmado que o beneficiário não está na posição de destinatário final.
Cite-se, a propósito, a lição de Nelson Nery Júnior56:

Havendo outorga do dinheiro ou do crédito para que o devedor


o utilize como destinatário final, há a relação de consumo que
enseja a aplicação dos dispositivos do CDC. Caso o devedor
tome o dinheiro ou crédito emprestado pelo banco para
repassá-lo, não será destinatário final, e portanto não há que
se falar em relação de consumo.

Diante disso, o que caberá perscrutar é se o beneficiário em questão está


em situação de vulnerabilidade, sob pena de desvirtuação da lei consumerista, que
tem como finalidade precípua restabelecer o desequilíbrio de forças entre os
contratantes:

AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE


SERVIÇOS. EBCT. CUMPRIMENTO DO CONTRATO.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
INAPLICABILIDADE. HONORÁRIOS. 1. Não ficou
comprovada a situação de vulnerabilidade da ré, seja
jurídica, econômica, fática ou técnica. Em vista disso, não
se pode querer aplicar o CDC a pessoas que não estejam
em posição de desequilíbrio frente ao outro contratante,
sob pena de se desvirtuar a intenção do legislador, que
quis dar abrigo àqueles que são, de fato, hipossuficientes.
Ademais, a autora não firmou com a ré um contrato de
prestação de serviços, como consumidora final, mas como
intermediária. 2. A atuação do Poder Judiciário sobre a vontade
das partes limita-se a verificar se o acordo firmado viola a lei,
bem como se as condições fixadas são ilícitas. No caso, não há
que se falar em abusividade das cláusulas contratuais. 3.
Reformada a sentença quanto aos honorários advocatícios
para fixá-los em 10% sobre o valor atualizado da causa,
conforme o disposto no art. 20, § 3º, do CPC e de acordo com
57
o entendimento da Turma .

56
JUNIOR, Nelson Nery. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense,
1991, p. 305.
57
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível 2005.70000019150. Órgão
julgador: Quarta Turma. Rel. Des. Marga Inge Barth Tessler. Julgado em 21/10/2009.
43

4.1. A jurisprudência sobre contratos do BNDES

Encontramos nos Tribunais Regionais Federais diversos julgados


envolvendo operações do BNDES, em que foi afastada a aplicação do CDC. O
principal motivo, repisando o magistério de Nelson Nery Júnior, está consignado
no seguinte julgado relativo a uma operação indireta sub-rogada:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CABIMENTO DA AÇÃO


MONITÓRIA. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA QUE SE
RECONHECE. CAPACIDADE POSTULATÓRIA PRESENTE.
RELATÓRIO E FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE DA
SENTENÇA. NÃO CABIMENTO. CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. CONEXÃO.
IMPOSSIBILIDADE DE REUNIÃO. PRESCRIÇÃO.
INOCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DA CLÁUSULA LEGAL
EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS. DEVIDO
PROCESSO LEGAL NÃO OBSERVADO. APLICAÇÃO DAS
GARANTIAS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE DIREITO
PRIVADO. PRECEDENTE DO STF. PROVIMENTO DOS
RECURSOS DE APELAÇÃO. (...) 2. O BNDES é parte legítima
para figurar no polo ativo da presente ação monitória, por ter se
sub-rogado nos créditos e garantias constituídos em favor do
Banco Banfort S/A, em razão da liquidação extrajudicial deste
último, em razão do art. 14 da Lei nº 9.365/96. Precedentes
desta Corte Regional. (...) 8. Não se aplica o Código de
Defesa do Consumidor no âmbito dos contratos de
financiamento para fomentar atividade empresarial e que
tenha por finalidade a atividade lucrativa da empresa.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que
"Não se aplica o CDC ao contrato de mútuo tomado por
empresa junto à instituição financeira destinada ao
fomento da atividade empresarial" (REsp 773927, Relator
Ministro Sidnei Beneti, DJe 14/12/2009). (...). 15. Provimento
dos recursos de apelação.
(TRF 5ª Região. Apelação Cível nº 00177128820114058100.
Segunda Turma. Rel. Des. Federal Marco Bruno Miranda
Clementino. Julgado em 19/3/2013)

Alguns julgados tiveram por base o fato de que empresários em fomento


financeiro não são destinatários finais ou não ostentam o atributo da
vulnerabilidade, necessário à configuração do status de consumidor, a exemplo
dos seguintes:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.


RELAÇÃO CONTRATUAL CELEBRADA ENTRE O BNDES E
A PESSOA JURÍDICA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. I. A relação contratual celebrada entre o
BNDES e a pessoa jurídica (fl. 33) para fins de aplicação em
sua atividade, não se submete à disciplina do Código de
Defesa do Consumidor, haja vista que pessoas empresárias
do ramo, não ostentam o atributo da vulnerabilidade,
44

necessário à configuração do status de consumidor, aliado


ao fato de que na hipótese, não se configura relação de
consumo, mas atividade de consumo intermediária, que
não goza dos privilégios da legislação consumerista. II.
(...). III. A hipossuficiência que a norma exige do
consumidor é de caráter técnico, jurídico e econômico (...).
IV. Agravo de instrumento do Autor a que dá provimento.
(TRF 1ª Região. Agravo de Instrumento 0011225-03.2010.
4.01.0000/MG. Sexta Turma. Rel. Juíza Federal Convocada
Hind Ghassan Kayath. Julgado em 6/2/2012. Unânime) (grifos
nossos)

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO


EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO
CELEBRADO COM O BNDES. Não existe relação de
consumo entre empresas e o BNDES, já que o empresário,
ao receber fomento financeiro para suas atividades, atua
com o padrão do especialista, e não do destinatário final
da cadeia de consumo. Falta, pois, a figura do consumidor.
De outro lado, não se demonstrou ilegalidade nas estipulações
contratuais relativas à incidência de juros. Aplicação do
princípio pacta sunt servanda e das Súmulas 288 e 596 do
STF, bem como da Súmula nº 296 do STJ. Apelação
desprovida.
(TRF 2ª Região. Apelação Cível nº 200251010033938. Sexta
Turma Especializada. Rel. Des. Federal Guilherme Couto.
Julgado em 26/7/2010)

Outros incluem também o valor do financiamento como critério para


rechaçar o reconhecimento de relação de consumo:

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E


APREENSÃO. FINANCIAMENTO. BNDES. ALIENAÇÃO
FIDUCIÁRIA. AQUISIÇÃO DE BENS. GARANTIA
REFERENTE A PARCELA DO CRÉDITO (SUBCRÉDITO "B").
ILIQUIDEZ DO TÍTULO. DESCARACTERIZADA A
ALEGAÇÃO. EXCESSO DE GARANTIA. INVIABILIDADE DE
APLICAÇÃO DO CDC. COAÇÃO MORAL. IMPROCEDÊNCIA
DO RECURSO. 1. Hipótese de ação de busca e apreensão,
fundada em inadimplemento contratual de financiamento
bancário (R$ 8.800.000,00), (...) 4. O caso dos autos não
revela relação de consumo, pois a empresa utilizou o
financiamento na qualidade de insumo, destinado a
impulsionar a sua atividade empresarial, pelo que, seja
adotando a teoria finalista (subjetiva), seja nos termos da
dita teoria maximalista, não é possível visualizar a
caracterização de relação consumeirista. Não bastasse,
ainda de acordo com a teoria finalista, a qual ganhou
guarida na jurisprudência do col. STJ, não é possível
identificar a hipossuficiência da empresa. 5. Nesses
termos, faz-se necessário rechaçar os pedidos referentes à
utilização do CDC, referentes à suposta abusividade de
cláusulas da avença, juros e multa contratuais, como,
outrossim, a possibilidade de vencimento antecipado do
débito. 6. (...). 7. A alegação é destituída de qualquer
viabilidade jurídica. Não calha, em absoluto, a afirmação de
que a empresa ALUMINIC tenha sofrido constrangimento
quanto a sua participação na tratativa. Deveras, dada a
vultosa quantia objeto do contrato, se mostra natural que a
45

entidade financeira busque meios aptos a guarnecer seu


crédito, diminuindo o risco da operação, possibilitando,
inclusive, oferecer os recursos com taxas mais atraentes
do que as cobradas no mercado. Apelação improvida.
(TRF 5ª Região. Apelação Cível nº 200683000013331. Primeira
Turma. Rel. Des. Fed. José Maria Lucena. Julgado em
5/8/2010. Unânime) (grifos nossos)

ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO


DE FINANCIAMENTO COM O BNDES. RELAÇÃO
CONTRATUAL NÃO REGULADA PELA NORMATIVA
CONSUMERISTA. VALOR VULTOSO. AUSÊNCIA DE
VULNERABILIDADE. ABUSIVIDADE DAS CONDIÇÕES
CONTRATUAIS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PREVALÊNCIA
DO PACTA SUNT SERVANDA. (...) 3) Não há que se falar,
outrossim, em aplicação do CDC, uma vez que a relação
contratual entre o BNDES e os embargantes não é de
natureza consumerista, haja vista que os ora recorrentes,
pessoas empresárias do ramo da agroindústria, não
ostentam o atributo da vulnerabilidade, necessário à
configuração do status de consumidor. 4) Descabe o
afastamento, portanto, da presunção de não
vulnerabilidade das pessoas jurídicas, in casu,
considerando-se a vultuosidade do valor contratado (circa
nove milhões e meio de reais). Outrossim, como ressaltou o
decisum, “os embargantes obtiveram o financiamento no
BNDES em condições bem mais vantajosas do que as que
seriam capazes de obter em instituições privadas”. 5) Nego
provimento ao recurso.
(TRF 2ª Região. Apelação Cível nº 2002.51.01.024478-0.
Oitava Turma Especializada. Rel. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund.
Julgado em 27/10/2009. Unânime) (sic) (grifos nossos)

Há ainda precedente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região em que é


afastado o CDC e admitida a aplicação de multa convencional em patamar
superior ao fixado no § 1º do art. 52 daquele código, ao Instituto de Educação do
Espírito Santo, que firmou contrato destinado à aquisição de equipamentos e
realização de investimentos, conforme o voto do Desembargador Federal
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, do qual extraímos os seguintes trechos:

16. Com efeito, a relação jurídica existente entre as partes


encontra regramento em legislação específica, a saber, a Lei nº
9.365/96, e não se reveste das qualidades próprias da relação
de consumo, motivo pelo qual não se submete às disposições
genéricas do CDC.
Note-se que os embargantes contrataram empréstimo
objetivando o fomento a projetos de desenvolvimento
econômico, no que difere essencialmente da definição contida
no art. 3º, §2º da Lei nº 8.078/90.
(...)
20. Também não procede a alegação de que a multa aplicada
nos cálculos da execução não poderia ser superior a 2% sobre
o valor da prestação (art. 52 da Lei nº 8078/90), eis que, como
visto, no caso dos autos, não se aplicam as disposições
46

genéricas do CDC, mas a legislação específica destinada aos


contratos firmados com o BNDES.
21. A pena convencional encontra-se prevista no artigo 42 das
Disposições Aplicáveis aos Contratos do BNDES e decorre
unicamente da mora do devedor. (...)
(TRF 2ª Região. Apelação Cível nº 2009.50.01.014557-5. Sexta
Turma Especializada. Julgado em 19/3/2012. Unânime.)

Localizamos alguns arestos sobre financiamentos do BNDES nos quais se


reconheceu a existência de relação de consumo com base tão-somente no perfil do
BNDES. Por conseguinte, os julgadores entenderam que, se é instituição
financeira é fornecedor, sem levar em conta o outro polo da relação. Essa
avaliação nos parece perfunctória e confronta-se com o estudo que apresentamos
até então, invertendo a lógica da identificação da relação de consumo, cujo foco é,
essencialmente, perquirir se a outra parte enquadra-se na figura de consumidor
padrão ou equiparado:

Analisando os autos, verifico que, ao contrário do que se


decidiu no bojo do ato monocrático combatido, a relação
jurídica estabelecida entre as partes litigantes afigura-se-me
como de consumo, devendo-se, por conseguinte, aplicar-se-lhe
os ditames do Código de Defesa do Consumidor, (...).

Nesse sentido, cita o art. 3º, §2º, do Código Consumerista, "in


verbis":

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou


privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.
[...]
§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de
consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista.
(...)
(TRF 5ª Região. Agravo de Instrumento nº 2006.05.00.012705-
3-CE. Terceira Turma. Rel. Des. Fed. Élio Siqueira. Julgado em
31/1/2008. Unânime.)

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. CONTRATO


BANCÁRIO. FINANCIAMENTO PELO BNDES. APLICAÇÃO
DO CDC. ENCARGOS NO PERÍODO DE INADIMPLÊNCIA.
COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE
CUMULAÇÃO COM OUTROS ENCARGOS. REFORMATIO IN
PEJUS. IMPOSSIBILIDADE DE REFORMA DA SENTENÇA. 1.
De acordo com o enunciado da Súmula 297 do STJ, o
Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) é aplicável
às instituições financeiras. 2. É lícita a cobrança de comissão
de permanência no período de inadimplemento contratual,
desde que pactuada, mas esta não pode ser cobrada
47

cumulativamente com outros encargos decorrentes da mora


(juros remuneratórios/taxa de rentabilidade, juros moratórios,
correção monetária e multa contratual). 3. No caso em exame
deve ser mantida a sentença que determinou a exclusão da
comissão de permanência e o cálculo de multa de mora à base
de 2% (dois por cento) sobre o valor da dívida para evitar a
hipótese de reformatio in pejus, uma vez que interposto recurso
somente pelo BNDES e a exclusão de encargos moratórios
ensejaria a redução do débito a ser pago à parte apelante
(consignado). 4. Nega-se provimento ao recurso de apelação.
(TRF 1ª Região. Apelação Cível nº 2003.35000196674. Quarta
Turma Suplementar. Julgado em 25/6/2013.)

Em acórdão do TRF da 2ª Região, recortamos trechos do voto da


relatora58, no qual confere contorno consumerista à situação, com enfoque na
beneficiária e sua vulnerabilidade econômica, observado o valor de seu capital
social (apenas R$ 20.000,00) e o valor do financiamento (inferior a R$
100.000,00):

O cerne da vexata quaestio paira acerca da definição de


consumidor e da caracterização da relação de consumo em
contrato de financiamento cujo propósito foi possibilitar o
incremento da atividade empresarial da pessoa jurídica, e por
conseguinte, da aplicação dos regramentos do CDC,
especialmente da Lei n. 9.298/96, no tocante à limitação da
multa moratória ao percentual de 2%, aos empréstimos
bancários pactuados posteriormente à vigência do supracitado
estatuto legal.
(...)

Em que pese prevalecer o entendimento de que


consumidor é aquele que figura como destinatário final,
exigindo-se total desvinculação entre o destino do produto
ou serviço consumido e qualquer atividade produtiva
desempenhada pelo utente ou adquirente, tem-se admitido
a aplicação extensiva do CDC a hipóteses em que, não
obstante a vinculação entre o serviço e a atividade
empresarial, esteja presente a vulnerabilidade de uma das
partes diante da outra.

(...) admite-se o temperamento da teoria finalista, com fulcro no


art. 4º, I, do CDC, fazendo a lei consumerista incidir sobre
situações em que, apesar de o produto ou serviço ser adquirido
no curso do desenvolvimento de uma atividade empresarial,
haja vulnerabilidade de uma parte diante da outra, a qual pode
ser técnica, jurídica ou econômica, o que deve ser avaliado no
caso concreto.

No caso em apreço, resta caracterizada a vulnerabilidade


econômica da sociedade empresária, da qual o apelado é sócio
gerente, considerando-se, mormente, o capital social da

58
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 200851040000974. Órgão
julgador: 7ª Turma Especializada. Rel. Desembargadora Federal Salete Maccaloz. Julgado em
12/5/2010.
48

empresa (no valor de R$ 20.000,00) e o próprio valor do


financiamento concedido pela instituição financeira (R$
99.977,00), (...).

Dessarte, malgrado o empréstimo ter sido tomado pela


sociedade empresária para incremento de suas atividades
lucrativas, aplica-se-lhe, excepcionalmente, as regras do CDC,
diante da vulnerabilidade econômica. (grifos nossos)

Acórdão de outra turma do mesmo tribunal, em operação indireta sub-


rogada pelo BNDES em decorrência de liquidação extrajudicial do Agente
Financeiro, considerou o incremento do estabelecimento empresarial (aquisição de
bens de capital), como hipótese de destinatário final. Na hipótese, o contrato tinha
valor originário de R$ 60.000,00, mas o montante não foi destacado nas razões de
decidir. Selecionamos trecho:

Sobre a temática, insta salientar, ainda, que o posicionamento


adotado pelo julgador de primeiro grau, ao aplicar in casu as
regras do CDC, coaduna-se com a orientação do STJ sobre a
matéria, no sentido de que “para caracterizar-se como
consumidora, a pessoa jurídica deve ser destinatária final
econômica do bem ou serviço adquirido” (AgRg nos EDcl nos
EDcl no REsp 1281164/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2012, DJe 04/06/2012).
Assim, levando em conta que a Cédula de Crédito Industrial
Fiduciária examinada no caso concreto (firmada em
27/09/1999, cf. fls. 36/42) tinha como finalidade “aumentar em
cerca de 350,00 m² a planta física da empresa, com
implementação de reformas em geral e adequação da planta
industrial com redistribuição de suas máquinas da linha de
produção, melhoria das áreas comuns: banheiro, copa,
59
cozinha”, considero configurada a relação de consumo .

Em contraste com o julgado supra, ainda no mesmo tribunal encontramos


acordão de outro órgão julgador em que se observa que o fato de o financiamento
estar destinado à reforma de embarcação para a atividade produtiva da
beneficiária foi o fundamento pelo qual não se reconheceu a incidência do CDC.
Destacamos trecho da ementa:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA


DO CONSUMIDOR. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE
DÍVIDA CUMULADA COM CONDENAÇÃO DE REPETIÇÃO
DO INDÉBITO EM RAZÃO DO EXCESSO DE COBRANÇA.
REVISÃO JUDICIAL DE CONTRATO. FINANCIAMENTO
COM RECURSOS DO FUNDO DE MARINHA MERCANTE -
FMM. ALTERAÇÃO DO CRITÉRIO DE CORREÇÃO CAMBIAL
DETERMINADO PELO ARTIGO 7º DA LEI 9.365/1996.

59
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 200450010025912. Órgão
julgador: 8ª Turma Especializada. Rel. Des. Federal Vera Lucia Lima. Julgado em 12/4/2013.
49

ADOÇÃO DA TJLP COMO FATOR DE CORREÇÃO DAS


PRESTAÇÕES CONTRATUAIS. FINALIDADE DO
EMPRÉSTIMO: REFORMA DE EMBARCAÇÃO. ATIVIDADE
PRODUTIVA. NÃO INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DO
CONSUMIDOR. EXEGESE DO ARTIGO 6º DA LEI
8.880/1994. O PRINCÍPIO DA BOA FÉ CONTRATUAL.
EXCEPCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE PRESTAÇÕES DE
DINHEIRO COM BASE EM ONEROSIDADE EXCESSIVA.
ELEVAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. 1. Carece de
fundamento o pedido de declaração de inexistência de dívida,
cumulado a outro de repetição de indébito, oriundo do excesso
de cobrança, sob a só alegação de que, se adotada a TJLP -
Taxa de Juros de Longo Prazo - restaria comprovada a
quitação da dívida, tal como demonstra o laudo pericial
contábil. 2. Destinando-se o financiamento à reforma de
embarcação, descabe falar-se em relação de consumo,
posto que o dinheiro alocado visa ao fomento de atividade
produtiva da empresa, que não se enquadra, nesse
sentido, no conceito de destinatário final, previsto no
artigo 2º da Lei 8.078/1990, que instituiu o chamado Código
de Defesa do Consumidor. (...). 6. Recursos conhecidos, para
dar provimento às Apelações dos réus, reformando em parte a
sentença, apenas no tocante à sucumbência honorária,
elevada ao percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da
causa, pelo que, e nessas condições, a Apelação da autora é
60
desprovida. (grifos nossos)

Em resumo, podemos perceber que há grande variabilidade na


jurisprudência ao enfrentar a caracterização de relações de consumo, mesmo em
se tratando de um nicho de contratos bancários, qual seja os de financiamento com
o fim de fomento empresarial.

4.2. Nossa visão acerca da vulnerabilidade da beneficiária em


operações de colaboração financeira reembolsável do BNDES

Para a elucidação da posição vulnerável da beneficiária, a jurisprudência


por vezes valida os critérios do vulto do contrato e do porte. Assim mesmo, os
julgados demonstram também falta de uniformidade no que tange à verificação do
conceito de destinatário final.
A análise do risco de crédito inerente ao processo de concessão do
financiamento pode levar à conclusão de que empresários de menor porte tomarão
créditos menores, convergindo os dois critérios. Contudo, nada impede que uma
sociedade empresária de grande porte contrate um financiamento de menor
expressão.

60
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 200351010095158. Órgão
julgador: 5ª Turma Especializada. Rel. Des. Federal Nizete Antonia Lobato Rodrigues. Julgado
50

Conforme indicado no primeiro capítulo, no caso das operações diretas e


também no das indiretas não automáticas, o valor mínimo é de dez milhões de
reais. Embora sob o ponto de vista do montante de recursos desembolsados por
essa instituição financeira esse valor não seja expressivo, sob a ótica do homem
médio, não se pode dizer o mesmo, como se pôde verificar em aresto do Tribunal
Regional Federal da 2ª Região relativo a contrato de aproximadamente nove
milhões de reais.
Já nas operações indiretas automáticas, que podem ter valor máximo de até
vinte milhões, o que significa a possibilidade de alcance de um universo mais
amplo e diversificado de beneficiárias.
Ainda assim, não podemos dizer que esse critério torna a questão objetiva,
mas tendemos a afastar de plano a aplicação do CDC em operações diretas e
indiretas não automáticas, cabendo um aprofundamento na análise da
vulnerabilidade no caso das operações indiretas automáticas.
Um caso que vale ser mencionado também é o das operações com a
Administração Pública. Esse tipo de financiamento tem como finalidade propiciar
investimentos públicos em obras e serviços que se relacionem com o
desenvolvimento econômico do país. Não se trata de um contrato administrativo,
mas sim de um contrato privado da Administração.
Entendemos que, em se tratando do apoio à Administração Pública não se
verificam os aspectos que podem ser relacionados para a caracterização da
vulnerabilidade.
Primeiro, pelo fato de que as unidades federativas devem dispor de corpo
técnico especializado que avalie a captação e gestão de recursos, tanto sob o
aspecto econômico-financeiro, quanto sob o ponto de vista jurídico. Afinal, os
Estados e Municípios são dotados de órgãos responsáveis pelas finanças e de
procuradorias para sua assessoria jurídica, em que seus servidores são contratados
por meio de concurso público, de modo que não se pode falar em vulnerabilidade
técnica ou jurídica.
Lembre-se que, no caso dos Estados-membros e especialmente dos
Municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo, existem tribunais de contas aos

em 23/2/2011.
51

quais cabe a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e


patrimonial.
Além disso, a capacidade de endividamento dos entes federativos é
analisada pela Secretaria do Tesouro Nacional, posto que o crédito ao Setor
Público segue regramento próprio estabelecido pelo Conselho Monetário
Nacional, pelo direito financeiro e orçamentário, com destaque para a Lei de
Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4.5.2000) e as Resoluções
nº 41 e 43 do Senado Federal, que condicionam e limitam o acesso às fontes de
recursos. Logo, é necessária uma expertise da pessoa jurídica de direito público
para realizar operações de crédito, haja vista as regras do orçamento público.
Em segundo lugar, porque quanto à vulnerabilidade fática ou econômica,
vemos que os tribunais e a doutrina consideram-na decorrência da relação de
superioridade econômica existente entre as partes e que possa gerar abuso de
poder por parte do fornecedor. Em relação aos Estados-membros e a diversos
municípios brasileiros, não há que se falar em inferioridade econômica, mormente
se considerado o vulto das colaborações financeiras concedidas.
CONCLUSÃO

O papel institucional do BNDES já é indicativo de que aqueles que


recebem seus recursos não podem ser destinatários finais deles e, portanto, não
podem se enquadrar como consumidores na definição do caput do art. 2º da Lei nº
8.078, de 1990. Isto é, considerando que as colaborações financeiras do BNDES,
sejam elas de caráter reembolsável ou não reembolsável – que não foram objeto
deste estudo – enquadram-se no escopo de fomento, de desenvolvimento
econômico e social, consequentemente, aqueles que recebem esses recursos
devem empregá-los em uma atividade econômica produtiva, o que frustra a
configuração do consumidor padrão.
A despeito disso, a doutrina e a jurisprudência reconhecem a existência de
relação de consumo excepcionalmente quando, apesar de não se tratar de um
destinatário final, uma das partes contratantes está em situação de debilidade,
desvantagem face a outra, exegese que se tem dado ao art. 29 do CDC e que
implica na avaliação da existência da denominada vulnerabilidade.
A vulnerabilidade é comumente relacionada a três aspectos, quais sejam o
técnico, o jurídico e o fático ou econômico, sem embargo da possibilidade de, na
situação em concreto, decorrer de outra característica não elencada.
Esses parâmetros são igualmente aplicáveis em se tratando de contratos
bancários, os quais não são abalados pela edição da Súmula 297 do Superior
Tribunal de Justiça ou pelo emblemático julgamento da ADIn 2.597 pelo Supremo
Tribunal Federal, as quais só firmaram o necessário entendimento à época de que
bancos e instituições financeiras podem ser fornecedores. Tais paradigmas
jurisprudenciais em momento algum infirmam a necessidade de se avaliar o outro
polo contratual, pois, como visto, a figura do fornecedor é relacional – depende de
que no outro polo da relação tenha-se identificado um consumidor.
Nos financiamentos do BNDES, em se tratando de operações diretamente
analisadas e contratadas por essa instituição, devido às suas políticas operacionais,
segundo as quais o valor mínimo para a análise do projeto pode ser considerado
vultoso à luz de parâmetros jurisprudenciais, não há que se falar em
vulnerabilidade econômica, o que, consequentemente, terá como impacto uma
presunção de equilíbrio em termos técnicos e jurídicos.
53

A questão, por outro lado, muda de figura em se tratando de operações


indiretas, justamente por conta de possíveis valores menores nesses contratos,
bem como, diante da possibilidade de se verificar, sob o ponto de vista prático,
mais beneficiários que se qualifiquem como pessoas naturais ou empresários de
menor porte, para os quais, apesar do profissionalismo, a casuística poderia
demonstrar a real existência de vulnerabilidade técnica ou jurídica.
Objetivamos assim demonstrar que o beneficiário do contrato de
financiamento bancário com recursos do BNDES pode ou não ser considerado
como consumidor, mas que é essencial a avaliação de sua situação peculiar, pois o
fato de o outro contratante ser uma instituição financeira não autoriza por si só a
declaração da existência de uma relação de consumo, sem que se corra o risco de
menoscabar a finalidade do Código de Defesa do Consumidor, legislação que tem
como missão a proteção de uma parte frágil em uma sociedade de consumo de
massa, o que se distancia do escopo do crédito concedido para aplicação
produtiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.


BRASIL, Lei nº 1.628, de 20 de junho de 1952. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L1628.htm>. Acesso em: 29 out. 2013.
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