Você está na página 1de 12

20ª

Conferência Internacional da LARES



06 e 07 de Outubro de 2021


Os ratings de crédito aplicados aos empreendimentos e aos
valores mobiliários vinculados ao Real Estate

Claudio Gaiarsa 1, Paola Torneri Porto 2


1
FAU-Mackenzie Doutorando, São Paulo, SP, Brasil, gaiarsac@gmail.com
2
Escola Politécnica da USP, São Paulo, SP, Brasil, paolatrn@usp.

RESUMO

Há bastante tempo os ratings de crédito foram instituídos, e servem como indicadores das
perspectivas de adimplência dos devedores, e seus títulos de crédito, face aos credores.
O mercado de dívida corporativa utiliza-se amplamente desses indicadores de qualidade do
crédito, seja no processo de colocação dos títulos, seja nas negociações no mercado
secundário. À medida que as notas de crédito emitidas pelas agências de rating são alteradas
ao longo do ciclo econômico e da vida do título, os gestores de ativos valem-se dessas
alterações para basear suas decisões de remanejamento dos portfólios no sentido de protegê-
los das variações negativas, ou de aproveitarem-se das variações positivas.
As avaliações que atribuem rating são exclusivamente para o crédito, representado pelos
títulos de divida, não sendo aplicados para avaliação de ações de empresas, que são
considerados títulos de risco, também chamados de títulos de renda variável. As avaliações de
crédito com a atribuição de notas especificamente para o mercado de títulos de crédito e de
valores mobiliários representativos de empreendimentos de base imobiliária (REITs) são
amplamente utilizados nos EUA. A atribuição das notas de crédito para esse tipo de
empreendimento conta inclusive com metodologias de análise específicas para
empreendimentos de base imobiliária, e que são distintos das metodologias para avaliações de
crédito corporativo em geral.
A proposta deste artigo é efetuar uma revisão dos fundamentos que governam a atribuição de
notas de crédito para esses títulos, com o intuito de avaliar sua aplicação no mercado
brasileiro. Essa proposta é elaborada em função das mudanças advindas do crescimento do
mercado de crédito imobiliário nos últimos anos, do surgimento de valores mobiliários
associados a esse tipo de investimento, e em função das perspectivas de que esse mercado
tende a se ampliar, se tornar mais complexo e se sofisticar. Além disso é esperado também
que a importância dessas ferramentas cresça juntamente com o crescimento projetado pelas
tendências de que haverá parcelas crescentes dos portfólios de planos de pensão, seguradoras,
fundos de pensão, e de family offices dedicados aos investimentos de base imobiliária e dos
correspondentes valores mobiliários.

Palavras-chave: Rating de crédito, Empreendimentos de base imobiliária, Valores


mobiliários de base imobiliária, Ferramentas de avaliação de investimentos

20ª Conferência Internacional da LARES

06 e 07 de Outubro de 2021


Credit ratings applied to real estate developments and real
estate based securities

ABSTRACT

The corporate debt market makes extensive use of these credit quality indicators in the bond
placement process as well as in the secondary market. As the credit notes issued by rating
agencies may change throughout the economic cycle and the life of a security, asset managers
use these changes to base their portfolio reallocation decisions in order to protect them from
negative variations, or to take advantage of positive variations.
Credit ratings are established in order to assess the creditworthiness of companies and
securities, and it is not used to assess company shares, which are related to equity, which rely
on companies’ results as opposed to credit. In the US market credit ratings are issued
specifically for securities and real estate companies (including REITS). The attribution of
credit ratings for this type of industry is based on methodologies drawn specifically for this
branch of business. These methodologies are distinct from methodologies forcorporate credit
assessments in general.
The purpose of this article is to review the fundamentals that govern the attribution of credit
ratings to these securities and companies, with the aim of evaluating their application for the
Brazilian market. This proposal is inspired by the growth of the real estate credit market in
recent years, the growth of the market for securities associated with this type of investment,
and also due to the perspective of continuing growth of this market, its becoming more
complex and more sophisticated. In addition, the use of this type of tool is also expected to
grow along with the growth expected of such items in the portfolios of pension plans,
insurance companies and family offices.

Key-words: Credit Rating, Real Estate Investments, Real Estate Securities, Investment
Evaluation
Página 1 de 12

1. Apresentação
A proposta deste artigo é efetuar uma revisão dos fundamentos que governam a
atribuição de notas de crédito – Ratings - para empresas e títulos de dívida, com o
intuito de avaliar sua aplicação aos empreendimentos e valores mobiliários lastreados
em empreendimentos de Real Estate no mercado brasileiro.

1.1 O que é Rating


A atribuição de uma nota, ou Rating, ou ainda Rating de crédito, para uma empresa ou
para um ativo é a forma mais sintética de qualificá-lo. Ela é o resultado da análise
combinada de um conjunto de fatores. Doravante utilizamos apenas o termo Rating.
A nota, ou Rating, atribuída a um ativo tem a finalidade de servir como orientação
para os investidores e gestores do mercado quanto as perspectivas de solvabilidade da
empresa ou do título em questão.
A atividade de Rating no formato que se apresenta hoje, é fruto de um longo percurso
histórico, e a complexidade dos processos de atribuição de notas às empresas ou aos
títulos refletem essa longa história. AS primeiras iniciativas nesse sentido datam do
inicio do século XX, quando John Moody iniciou a coleta e publicaçãoo de
estatísticas sobre títulos do mercado financeiro. Por volta de 1914 se inicia a
publicação de avaliações de crédito que ao longo do tempo assumem a forma atual de
Ratings de crédito.1
Ratings são notas em uma escala de níveis, do melhor para o pior, que são atribuídas a
empresas ou a títulos de crédito. Essas notas são resultado de uma análise que reúne
alguns fatores (capitalização, porte da empresa, histórico, e outros) e a partir de uma
ponderação desses fatores é atribuída uma nota.
Essas notas são avaliações prospectivas, isto é, elas apontam para a maior ou menor
probabilidade de que as dívidas da empresa, ou os fluxos de pagamentos referentes a
um título sejam honrados nos termos que foram contratados.
Um Rating não é, por exemplo, uma avaliação de lucratividade ou de valorização de
uma ação ou de um título.

1.2 Qual a finalidade dos Ratings


Ratings surgiram para atribuir notas relativamente aos aspectos relacionados a
solvabilidade das dívidas de uma empresa, ou de um título representativo de dívida.
Essas notas, em inglês Ratings, são o resultado da análise conjunta de um grupo de
fatores considerados por cada emissor de Rating.
Os Ratings são elaborados de forma a que sua interpretação seja sobre as perspectivas
da empresa ou do título. Eles resumem a perspectiva, segundo os critérios de cada
agência quanto à capacidade de pagamento dos seus compromissos.
Ratings são utilizados por investidores, bancos e gestores de ativos financeiros como
por exemplo fundos de investimento, seguradoras e fundos de previdência.
Os Ratings são consultados basicamente em dois momentos: no momento da emissão
de algum título de dívida de uma empresa, e a qualquer momento em que um
determinado emissor ou determinada emissão for objeto de análise.
A emissão de títulos de dívida no mercado financeiro é o momento em que a empresa
emissora tem a necessidade de que pelo menos duas agências de Rating atribuam suas


1 https://www.investopedia.com/articles/bonds/09/history-credit-rating-

agencies.asp
Página 2 de 12

notas para essa emissão. Como regra geral vigente no mercado financeiro de
emissões primárias, a compra de títulos de dívida por investidores de grande porte
(em especial seguradoras e fundos de pensão) está condicionada a esse critério. Caso a
empresa não tenha ainda um Rating é frequente que as agências emitam também uma
nota de avaliação para a capacidade da empresa honrar globalmente suas dívidas.
Os Ratings são tornados públicos pelas empresas e pelas agências de Rating para
poderem ser acessados a qualquer momento por analistas de mercado, pelos
investidores e pelo sistema financeiro em geral. As mudanças nos Ratings, quando há
piora ou melhora dessa avaliação são eventos associados a alterações nas finanças, ou
quando surgem perspectivas de mudança na saúde financeira das empresas. Caso a
empresa assim solicite as notas podem ser atribuídas mas sem que seja divulgadas,
permanecendo de informação exclusiva de quem solicitou. Mas como regra geral são
informações públicas.
Como regra geral existe uma fronteira que nas escalas de notas das agências de
Rating, que divide as empresas e os títulos mais solventes dos menos solventes. As
que tem nota igual ou acima do limite são chamadas de Investment Grade e as que
estiverem abaixo desse limite não são Investment Grade. Títulos e empresas
Investment Grade obtém melhores taxas de juro e melhores condições para seu
endividamento. A busca pela qualificação de Investment Grade é uma permanente
pelas empresas e pelos emissores de títulos, com vistas à obtenção de custos
financeiros menores.
Os Ratings de Crédito são muito importantes porque afetam as taxas de juros pagas
por emissores em geral, privados ou públicos, nas suas emissões de títulos de divida. 2
O risco soberano é um limitador para as notas de Rating dentro de um país. Essa
limitação decorre de duas limitações: a conversibilidade de moeda, e as flutuações da
moeda nacional face a outras moedas. A conversibilidade é um problema para os
países cujas moedas não são livremente conversíveis. Para os investimentos em Real
Estate essa é uma limitação típica dada a natureza de sua base física imóvel.

1.3 Quem elabora os Ratings


Cada emissor de Rating, normalmente denominados de agências de Rating, elabora
seu próprio modelo para atribuição das notas, sendo composta de diversos itens
qualificativos daquela empresa ou título, associando cada critério a uma ponderação
atribuída a ele. Os modelos de análise contudo são similares e levam em conta os
mesmos fatores, mudando a ponderação e os procedimentos de reavaliação dos
Ratings atribuídos.
Os Ratings mais difundidos, mais frequentes no noticiário e mais utilizados pelo
mercado financeiro são das agências Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch, mas
existem outras empresas atuando nessa atividade.
As agências de Rating tem como prática informar que as notas atribuídas às empresas,
ou aos títulos de empresas não são recomendação de compra ou de venda de títulos.
Elas se cercam de todos os cuidados de várias formas, para que os investidores não
possam acusá-las de induzirem os investidores a erro. Esses avisos, ou “disclaimers”,
aparecem em vários momentos. Uma delas aparece nesse texto, que é apresentado em
caráter de consulta pública da Moody’s, e que ao final do texto apresentado inclui um
parágrafo sobre General Limitations of the Methodology. Consta ali que:


2 https://www.investopedia.com/terms/b/bond-rating-agencies.asp
Página 3 de 12

“... a metodologia não inclui uma descrição exaustiva de todos os fatores
utilizados para atribuir Ratings ao setor. Podem haver novos riscos. Nossos
pressupostos podem não ser corretos. Podem ocorrer mudanças no cenário
econômico, na tecnologia, na concorrência. (Extrato do texto)3

Com todas essas ressalvas fica claro que a atribuição de Ratings, por um lado, é uma
atividade que tem suas limitações, e de outro, os riscos para as agências de Ratings
podem ser muitos num ambiente povoado de litígios na justiça, face a inciativa de
investidores que se sintam prejudicados.
A crise financeira mundial de 2008 foi um momento em que as agencias de Rating
ficaram na berlinda, em função de problemas nas avaliações de títulos lastreados em
operações de crédito imobiliário nos mercados de países ricos. Aparentemente
conseguiram superar essa crise de reputação.
A principal razão para essa crise foi o modelo geralmente utilizado pelas grandes
agencias de Rating, onde o emissor é quem as remunera para a emissão do Rating.
Existem emissores que não utilizam esse modelo, como por exemplo a

1.4 Como é atribuída a nota de Rating


A seguir apresentamos de maneira resumida de como é estruturada a análise de
atribuição de Rating.

As notas de Rating de crédito são atribuídas pelas agencias segundo modelos de


analise estruturados em torno de fatores.
A cada fator é atribuído um peso, e por vezes há subfatores cuja somatória, ou
resultante, que compõem o fator principal.
Os fatores podem ser quantitativos ou qualitativos.
Os fatores quantitativos são atribuídos segundo os valores apresentados nos
demonstrativos e relatórios financeiros relativos àquela empresa ou titulo.
Os fatore qualitativos são mais complexos porque reúnem uma série de definições e
qualificações que agrupadas constituem o fator em analise, não sendo uma mera
interpretação de um numero, ou coeficiente.

Utilizamos como exemplo a tabela e ponderação de critérios da Moody’s Investor


Service, para atribuição de Ratings para REITs, apresentada a seguir.
Esse texto foi apresentado por aquela agência de Rating como consulta pública para
atualização de sua metodologia de atribuição de notas.
A tabela elenca os fatores analisados para cada REIT e a ponderação de cada fator. Os
fatores, com são desdobrados em subfatores, com o peso do fator distribuído pelos
subfatores, associado à ponderação para cálculo final da nota de Rating.


3
Moody’s Investor Service - REITs and Other Commercial RE Firms: Proposed Methodology Update
Página 4 de 12

Quadro 1 – Fatores e seus subfatores e peso atribuído a cada um

Fonte: Moody’s Investor Service - REITs and Other Commercial Real Estate Firms:
Proposed Methodology Update

Essa tabela mostra o peso de cada fator na análise para atribuição da nota, o Rating. O
item Escala (Scale) tem um peso de 5%, menor portanto que o fator Liquidez e
Acesso a Capital (Liquidity and Access to Capital), que tem um peso de 25% do total.
Alguns dos fatores são puramente quantitativos, e estão associados a uma tabela de
valores no qual o REIT em análise deverá ser enquadrado. Outros fatores apresentam
características mais qualitativas, apresentando elasticidade maior para o julgamento
dos analistas, contendo também um teor de comparação com outros REITs.
No caso de fator puramente quantitativo uma tabela que associa uma série crescente a
notas de Rating, como é o caso apresentado a seguir, que trata da Escala da empresa.

Neste caso, uma empresa com ativos US$ 2 e 10 Bilhões será classificada como Baa,
que a classificaria uma nota acima de uma empresa Ba, com ativos entre US$1 e US2
bilhões. O valor desse item não é determinante isolado da nota de Rating, mas é
avaliado conjuntamente com os outros componentes da análise.
O processo de atribuição de Rating não é o simples resultado da aplicação das
ponderações conforme apresentado nessa tabela. Ela é objeto de uma análise
combinada dos vários fatores, e subordinada à visão do analista. Enquanto alguns
fatores são quantitativos, outros são qualificativos. Eles não são associados a um
indicador numérico simples, mas a um grupo de qualificações que descrevem
características do fator em análise. A nota de Rating será o resultado de uma análise
que interpreta combinando os descritivos de cada Fator.
Vejamos o exemplo do fator Perfil de Negócios (Business Profile). Entre as notas Aaa
(a melhor) e Ca (a pior nota) da escala da Moody’s, existem 8 degraus entre a melhor
Página 5 de 12

e a pior nota. Apresentamos a seguir, como exemplo a descrição desse fator para duas
notas vizinhas, Baa e Ba4:

Baa - Boa escala para sua classe de ativos e está entre as 20 principais
operadoras em seus mercados; muito espaço Classe A que atrai inquilinos de
qualidade com aluguéis médios de mercado; demonstra algum poder de
precificação do proprietário: proporção razoavelmente alta da receita de
inquilinos de qualidade em contratos de longa duração ou bom histórico de
alta taxa de renovação; bom registro da taxa de ocupação; boa diversidade de
portfólio; exposição administrável a um único setor ou impulsionador
econômico subjacente; nenhum inquilino> 15% da receita bruta

Ba - Escala moderada para sua classe de ativos; a maioria do espaço é Classe


B, que atrai inquilinos com aluguéis médios ou abaixo da média do mercado;
receita limitada de inquilinos de qualidade; histórico um tanto limitado da taxa
de ocupação; diversidade de portfólio moderada; exposição a um único setor
ou impulsionador econômico subjacente; sem inquilino> 20% da receita bruta.

Enquanto na nota Baa o REIT é para quem tem “muito espaço Classe A que atrai
inquilinos de qualidade com aluguéis médios de mercado” a nota Ba é para REITs
com “a maioria do espaço é Classe B, que atrai inquilinos com aluguéis médios ou
abaixo da média do mercado”.
Em outro ponto da descrição o REIT com nota BAA tem “exposição administrável a
um único setor ou impulsionador econômico subjacente” enquanto o da nota BA tem
“exposição a um único setor ou impulsionador econômico subjacente ”.

2 Rating para as empresas de Real Estate


No segmento de real estate existem dois tipo principais de negócios:
empreendimentos de base imobiliária, cujo objetivo é a geração de renda a longo
prazo, e empreendimentos imobiliários com objetivo de venda das unidades
desenvolvidas.
Os Ratings emitidos pelas agências de Rating e nos países em que elas atuam é
voltado exclusivamente para as empresas geradoras de renda a longo prazo.
Um Rating para uma empresa qualquer ou para um REIT tem a mesma estrutura e
roteiro. Isso porque os REITs são comparáveis a empresas 5, de forma que a análise a
que eles são submetidos é a mesma a que é submetida qualquer empresa.
A Standard & Poor’s define assim empresas de Real Estate, ou empresas imobiliárias
na tradução apresentada:

Definimos empresas imobiliárias como aquelas que detêm majoritariamente


um portfólio de imóveis estabilizados e obtêm uma grande parte de seu
EBITDA da receita de aluguel de propriedades. Isso inclui empresas
legalmente organizadas como fundos de investimento imobiliário (REITs),
bem como empresas imobiliárias que não são REITs. Estes critérios não se

4 Estas frases foram traduzidas pelos autores do artigo

5 NAREIT

- REITs, são empresas que possuem ou financiam bens imóveis geradores de renda em uma variedade de setores
imobiliários. Essas empresas imobiliárias precisam atender a uma série de requisitos para se qualificarem como
REITs. A maioria dos REITs é negociada nas principais bolsas de valores e oferece uma série de benefícios aos
investidores. (Nareit – National Association Of RE Investment Trusts)
Página 6 de 12

aplicam a construtoras residenciais unifamiliares ou a outras empresas que
obtêm a maior parte de seu EBITDA do desenvolvimento de propriedades
imobiliárias. 6

Essa definição é muito relevante tendo em vista a grande quantidade de REITs


existentes nos mercados dos países mais ricos. Os EUA tem mais de 200 REITs com
uma capitalização de mais de US$ 1 trilhão, e constituem 2/3 do mercado de REITs
nos países da OECD.7

2.1 Ratings para o Real Estate no Brasil


Os empreendimentos de real estate tem aumentado sua participação dentre os ativos
do mercado financeiro no Brasil desde o início do século XXI.
O principal marco nessa evolução foi a lei 9514/97, que incorporou a alienação
fiduciária como principal instrumento de revitalização do crédito imobiliário no país.
Houve, é certo outros elementos importantes introduzidos pela legislação, dentre eles
o patrimônio de afetação em 2004, e a criação dos CRIs, LCIs, e FIIs.
Com a criação desses instrumentos (entre outros), a estabilização da inflação com
plano real em 1994, e a redução progressiva das taxas de juros, estabeleceu-se um
ambiente propício para a expansão continuada das operações de crédito de longo
prazo que caracterizam o crédito imobiliário.
O principal termômetro disso é a participação dos créditos imobiliários residenciais
no sistema financeiro nacional com percentual do PIB. Partindo do equivalente a
1,8% do PIB os créditos imobiliários do sistema financeiro ultrapassaram os 10% em
fevereiro de 2021, segundo as estatísticas do BCB.8
O carro chefe do crédito imobiliário é o financiamento de imóveis residenciais,
reproduzindo aqui o que acontece nas economias desenvolvidas, onde o crédito
habitacional constitui a maior carteira de ativos dos bancos nesses países.
Simultaneamente a esse crescimento o mercado financeiro observou o crescimento do
volume de operações vinculadas ao crédito imobiliário. Além dos CRIs (certificado de
crédito imobiliário), criados pela lei 9514, e das LCIs (letra de crédito imobiliário) em
2004, e mais recentemente as LIGs (letra imobiliária garantida). A partir de 2002
surgem os FIIs (fundos de investimento imobiliário) que atingem um patrimônio
liquido de R$185 bilhões em Maio de 2021, o equivalente a 27% do Patrimônio dos
Fundos de Ações.
Os ativos financeiros lastreados em ativos imobiliários são fundamentalmente de dois
tipos, os de renda e os de desenvolvimento. Os ativos de renda são aqueles que
captam os fluxos financeiros gerados por empreendimentos já concluídos, seja de
alugueis, seja da operação, (por exemplo os hotéis), seja do retorno de financiamentos
imobiliários, enquanto os ativos de desenvolvimento são aqueles que buscam a
valorização advinda da implantação de empreendimentos.
A partir das características intrínsecas e dos riscos específicos dos empreendimentos
lastreados no RE fica claro que as ferramentas de Rating tradicional não são
adequadas para servir como orientação aos investidores desse âmbito. Um Rating de
desenvolvimento de RE é mais complexo do que um Rating tradicional. O risco de


6 S&P Global Ratings: Request For Comment: Key Credit Factors For The RE Industry
7 Guide to Global RE Investment Trusts; Simontacchi, S. e Stoschek U.; Kluwer Law International B.V., Apr 7,
2021

8 https://www.bcb.gov.br/estatisticas/mercadoimobiliario
Página 7 de 12

default, objeto dos Ratings, é apenas um dentre os riscos das atividades de
desenvolvimento do RE.
À parte da existência de rankings dos FIIs, que são séries comparativas de índices
quantitativos do desempenho passado desses fundos, o que se constata é que os
investidores brasileiros poderiam se beneficiar de uma ferramenta voltada para
avaliação dos riscos típicos ao desenvolvimento de empreendimentos em moldes
similares ao Rating de crédito.
Ela poderia ser útil tanto para os FIIs de desenvolvimento, para investidores em títulos
vinculados ao desenvolvimento imobiliário, e para os investidores em
empreendimentos específicos.

3. Esboço de um Rating para ativos de desenvolvimento imobiliário


A mais complexa e desafiadora tarefa é a estruturação de uma ferramenta de análise
Uma ferramenta auxiliar de análise para os ativos de desenvolvimento imobiliário,
como é o Rating para os aspectos relacionados à dívida seria de grande utilidade para
os investimentos de desenvolvimento lastreados no RE.
Uma avaliação de um empreendimento nos termos propostos aqui, é essencialmente
uma avaliação dos riscos envolvidos.
A proposta que se coloca aqui tem dois aspectos: 1 - constituir uma cesta de fatores de
risco, da mesma forma que existe nos Ratings tradicionais, com pesos atribuíveis a
cada um dos riscos e seus componentes; e 2 – construir uma ferramenta de análise
para investidores profissionais e investidores qualificados. Esse modelo deveria
constituir um modelo de análise para empreendimentos residenciais e não
residenciais. Os empreendimentos residenciais são os modelos tradicionais de
incorporação de apartamentos e a venda na planta, com ou sem a participação de
investidores. Os empreendimentos não residenciais podem incluir os de modelagem
build to suit, ou empreendimentos a serem vendidos pelos investidores após sua
conclusão ou após a maturação por meio de contratos de arrendamento ou aluguel das
unidades.
Investidores profissionais e investidores qualificados são aqueles que, segundo a
Instrução 554 da CVM, atendem aos seguintes critérios: 1 – Investidores profissionais
são as instituições financeiras, fundos de investimento, de pensão e seguradoras, bem
como pessoas físicas com recuros investidos acima de R$10 milhões, e investidores
qualificados são as pessoas físicas com recursos investidos no mercado financeiro
acima de R$ 1 milhão.

3.1. Riscos do desenvolvimento


Riscos de engenharia
Os riscos de maior relevância para empreendimentos imobiliários são aqueles
relacionados a acréscimo de custos ou aumento de prazo de conclusão. Os custos
podem ser maiores do que os previstos em função da qualidade do planejamento e do
gerenciamento da obra ou de fatores não previstos, como aqueles relacionados as
fundações, ou outros itens técnicos relacionados a obra, assim como o risco de atraso
na conclusão do empreendimento.
A contratação de performance bonds e de seguros de riscos de engenharia podem
contribuir para a melhoria da avaliação do empreendimento.
A experiência passada (track record) do incorporador e do construtor, bem como dos
profissionais envolvidos, são elementos que contribuem para as perspectivas de
conclusão do empreendimento.
Página 8 de 12

3.2. Riscos de mercado
Riscos de Mercado são as alterações de condições econômicas ou setoriais que podem
impactar a comercialização de um empreendimento ou de suas unidades. Sejam por
exemplo: alterações de taxas de juros, que condicionam a obtenção de financiamento
ao cliente, piora das condições macroeconômicas que podem comprometer a
capacidade de compra, super oferta de empreendimentos no segmento ou na região,
etc.
Os empreendimentos residenciais como regra geral são modelados a partir da venda
de unidades na planta. Os empreendimentos não residenciais podem ser formatados
como build to suit, já com comprador designado, ou ainda sem comprador para
empreendimentos que serão vendidos depois da conclusão, ou depois da maturação
como produtor de renda.
Uma modelagem onde haja compartilhamento dos riscos , com a existência de
proporções variáveis do empreendimento bancado por cotistas além do investidor
principal, aumenta a garantia de comercialização das unidades.
No caso dos empreendimento vendidos na planta, a análise de crédito dos
compradores pode ser determinante para a estabilidade da comercialização do
empreendimento. Esse seleção para a admissão de compradores pode ser determinante
para evitar ou reduzir a possibilidade de distratos durante e na conclusão da obra.
Duas são as razões principais para a existência de distratos: aumento de custos e
fatores que afetam de mercado afetando a liquidez das unidades, e/ou a capacidade
financeira dos compradores. O risco de distrato durante a obra é menor do que o risco
de repasse ao final da obra, quando a parcela a ser financiada pode ter sido
“represada” ao longo do tempo, impedindo que a parcela esteja ao alcance do
comprador no momento do repasse.

3.3. Riscos financeiros


Os riscos financeiros deste item são aqueles relacionados ao financiamento do
empreendimento como um todo, e se distinguem dos riscos comerciais que afetam a
comercialização do empreendimento e suas unidades.
São três os subfatores dos riscos financeiros:

3.3.1. Capacidade financeira


A capacidade financeira da incorporadora é essencial para a redução do risco
financeiro do empreendimento. A manutenção do cronograma previsto é função da
capacidade financeira dos empreendedores.
Uma modelagem que assegure maior capital, ou mais variadas fontes de
financiamento apresentam maior resiliência às adversidades, garantindo o
cumprimento do cronograma do empreendimento.
A modelagem financeira pode estar baseada num investidor principal, ou na
articulação de mais de uma fonte de recursos, de forma a não comprometer o
cronograma do empreendimento.

3.3.2 Segregação do empreendimento


A segregação de riscos financeiros de um empreendimento dentro de uma mesma
empresa ou grupo, pode ser reduzido pela adoção do patrimônio de afetação ou da
criação de personalidade jurídica distintas para cada empreendimento, não ficando
restrito a esses dois modelos.
Página 9 de 12

3.3.2.1. Capacidade de absorção de flutuações
A capacidade de absorção de flutuações de custo pode ser mitigada pelo
dimensionamento adequado de recursos prevendo essas variações. Um bom exemplo
disto é a fase atual da economia brasileira, onde os aumentos dos custos dos insumos
está afetando os empreendimentos em curso. Independentemente da capacidade de
repassar, ou não, os incrementos de custo, é importante que o empreendimento tenha a
capacidade de absorver as flutuações negativas de custo tendo como objetivo
principal permitir a conclusão do empreendimento dentro do prazo previsto. Se além
do aumento de custos existirem outras dificuldades de conclusão do empreendimento,
pode haver uma agravamento incontrolável da soma dos problemas.
A participação de parceiros adicionais pode representar uma defesa adicional as
flutuações adversas.

3.3.2.2. Riscos do ambiente econômico


Os riscos do ambiente econômico são os riscos de caráter mais geral e incluem, mas
não se limitam, aos riscos relacionados à regulação do sistema financeiro resultante
ou não dos riscos de ordem política afetando o sentimento geral.

3.3.2.3. Ponderação dos Riscos


A atribuição de notas de Rating de desenvolvimento pode se valer da ponderação que
o Rating tradicional atribui aos fatores de risco. Para tanto atribuímos a seguinte
tabela de ponderação para os riscos enumerados acima:
Esta ponderação é inicial, e deve ser ajustada ao longo do seu uso, à medida da
experiência prática.
Inicialmente não foram atribuídos critérios meramente quantitativos, apenas
qualitativos.
Isso não impede que novos fatores de risco sejam incluídos, sejam qualitativos seja
quantitativos.

Ponderação Rating RE Desenvolvimento


Ponderação dos fatores de risco
1 Riscos de engenharia 10%
2 Riscos de Mercado 40%
3 Riscos Financeiros 45%
3.1 Capacidade financeira 15%
3.2 Segregação Financeira 15%
3.3 Capacidaded de absorção de flutuações 10%
4 Riscos do ambiente economico 5%

TOTAL 100%

4. Próximas fases
A partir da definição inicial dos riscos e sua ponderação, é necessário desenvolver as
ferramentas de análise que permitam apreender o significado e a manifestação dos
riscos e dos elementos que os mitiguem, com a finalidade de atribuir notas desse novo
tipo de Rating.
Página 10 de 12

A atribuição de Rating no formato que tem hoje, apoia-se sobretudo nos relatórios
financeiros das empresas avaliadas, e nos prospectos apresentados ao mercado
quando da emissão de um valor mobiliário.
O desenvolvimento de um novo tipo de Rating como o proposto certamente
necessitará de outras ferramentas de análise, já que que se propõe a avaliar outros
tipos de risco.
Outro elemento a ser levado em conta é atinente às diferenças existentes entre os
empreendimentos de empresas listadas no mercado de capitais, uma vez que já
apresentam muito mais informações do que as empresas não listadas. Além disso as
empresas listadas são muito mais comparáveis entre si dos que as empresas não
listadas, tendo em vista a padronização a elas imposta pela regulamentação do
mercado e pelas demandas dos investidores. Além disso é notório que a aquisição de
uma cota em um empreendimento tem muito menos exigências formais a serem
cumpridas do que um valor mobiliário quando é oferecido no mercado financeiro.

5. Desdobramentos Possíveis
Além dos ativos financeiros que por sua natureza estão no foco de atuação de
investidores e gestores de recursos, não se pode deixar de mencionar a importância
dos compradores de imóveis para entrega futura, os compradores de imóveis na
planta.
Talvez mais do que para os investidores os compradores de um imóvel na planta
correm proporcionalmente mais em risco do que investidores ou parceiros dos
empreendimentos. Os compradores dos imóveis em produção, ou por produzir, estão
hoje bastante desassistidos no que concerne a indicadores de qualidade que
simplifiquem e contribuam para a tomada de uma decisão que na ampla maioria dos
casos, será a maior decisão de investimento de suas vidas.
Os clientes de varejo das incorporadoras poderiam se beneficiar de uma ferramenta
que atribuíssem notas para os empreendimentos na planta, como forma auxiliar na
decisão de compra de um empreendimento na planta, que fosse construído levando
em consideração os riscos e as mitigações desses riscos.

REFERÊNCIAS

Banco Central do Brasil


https://www.bcb.gov.br/estatisticas/mercadoimobiliario

Investopedia: https://www.investopedia.com/articles/bonds/09/history-credit-
rating-agencies.asp

Moody’s Investor Service - REITs and Other Commercial RE Firms: Proposed


Methodology Update

NAREIT – National Association of Real Estate Investment Trusts -
https://www.reit.com

Simontacchi, S. e Stoschek U.Guide to Global RE Investment Trusts;; Kluwer Law
International B.V., Apr 7, 2021

S&P Global Ratings:Request For Comment: Key Credit Factors For The RE Industry

Você também pode gostar