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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Graduação em Psicologia

Os Três Porquinhos:
Uma análise dos conceitos sociológicos presentes na história

Mateus Scofield Zola Santiago


Raoni Rogério Luna e Silva
Paulo Vitor Lara
Guilherme Loureiro
Anissa Antunes Farhat
Vítor José

Belo Horizonte

2010
Mateus Scofield Zola Santiago
Raoni Rogério Luna e Silva
Paulo Vitor Lara
Guilherme Loureiro
Anissa Antunes Farhat
Vítor José

Os Três Porquinhos:
Uma análise dos conceitos sociológicos presentes na história

Trabalho apresentado à disciplina de


Sociologia da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, Núcleo
Universitário Coração Eucarístico.

Prof. Rita de Cássia

Belo Horizonte

2010
1. Introdução

Para este trabalho estaremos analisando segundo os conceitos sociológicos a história


infantil Os Três Porquinhos, de origem desconhecida, escrita por diversos autores em muitas
versões e popularizada por Walt Disney em 1933. A história hoje em dia é bem conhecida e
difundida entre as crianças sendo portanto de interesse como fenômeno sociológico para a
análise de conceitos.

O objetivo deste trabalho é analisar a construção e constituição dos sujeitos sociais a partir
das histórias infantis, sendo a história neste caso Os Três Porquinhos. Buscaremos identificar
e analisar os conceitos sociológicos estabelecidos por autores importantes da sociologia no
texto do livro Os Três Porquinhos.

As histórias infantis são um meio de comunicação com a criança e refletem uma série de
valores da sociedade, de fato elas podem ser consideradas como fator de socialização da
criança, devido a linguagem acessível elas permitem a identificação da criança com as
situações e personagens e através da compreensão concretiza a função de socialização pois a
criança internaliza os conceitos presentes.

Sendo a história de Os Três Porquinhos tão popular ela contém implicitamente e


explicitamente uma série de conceitos base da sociedade ocidental contemporânea e a análise
de seus conceitos é de grande importância para compreender como o sujeito social se constrói
na presença dessa ferramenta de socialização a qual ele tem contato na infância e desde então
já molda o seu ator social.

Este trabalho é realizado à partir da identificação e análise dos principais conceitos da


sociologia definidos por grandes autores, entre eles Marx e Durkheim, em textos fornecidos
pela professora Rita de Cássia da matéria de Sociologia do curso de Psicologia da PUC-MG e
materiais adicionais. Com os conceitos identificados e analisados passamos então à uma nova
identificação e análise desses conceitos na história infantil Os Três Porquinhos.

O texto utilizado não será o primeiro publicado pois entendemos que não é a versão mais
popular e portanto não seria o que mais reflete os conceitos da sociedade e portanto não é o
que contribui efetivamente para a constituição do sujeito social, a versão analisada será a
popularizada por Walt Disney e em alguns momentos compararemos esta versão popular com
a versão escrita por James Orchard Halliwell-Phillipps publicada no livro Nursery Rhymes
and Nursery Tales, Londres, 1843, por acreditar que as mudanças feitas são relevantes para os
objetivos propostos neste trabalho.

Sobre a importância e relevância da versão analisada:


Three Little Pigs is an animated short film released on May 27, 1933 by United Artists,
produced by Walt Disney and directed by Burt Gillett. Based on a fairy tale of the same
name, Three Little Pigs won the 1934 Academy Award for Best Short Subject: Cartoons. In
1994, it was voted #11 of the 50 Greatest Cartoons of all time by members of the animation
field. In 2007, Three Little Pigs was selected for preservation in the United States National
Film Registry by the Library of Congress as being "culturally, historically, or aesthetically
significant".

" Os Três Porquinhos é um filme de animação lançado em 27 de maio de 1933 por United
Artists, produzido por Walt Disney e dirigido por Burt Gillet. Baseado em um conto de fadas
de mesmo nome, Os Três Porquinhos ganhou o Academy Awards de 1934 para o melhor
curta de animação. Em 1994, foi votado em 11º dos 50 maiores desenhos animados de todos
os tempos por membros do campo de animação. Em 2007, os Três Porquinhos foi selecionado
para a preservação no United States National Film Registry pela Library of Congress como
sendo "culturalmente, historicamente, ou esteticamente significante."

2. Desenvolvimento

Um termo usado frequentemente no texto é versão popularizada e o motivo pelo qual este
termo é usado diz respeito à importância da versão de Walt Disney ter sido adotada como a
mais contada e recontada, não é um termo usado ao acaso mas um termo que reflete sua
recepção pela sociedade e se diferencia portanto da versão de 1843 que tinha características e
conceitos sociológicos fundamentalmente diferentes. Vale lembrar que este fato é comum em
muitas histórias infantis visto que suas versões originais são em geral consideradas muito
violentas para as crianças então a maioria passou por uma renovação com novas mensagens.

A história dos três porquinhos apresenta o início da vida adulta de três porquinhos, eles
deixam a casa de sua mãe (em algumas versões avó) e devem então construir a sua
independência. A história apresenta um conceito vivenciado pela criança e mais tarde pelo
adolescente que é a questão do enfrentamento do mundo com a distanciação dos pais.

Na infância essa distanciação se dá subjetivamente pela realização de que o filho é um ser


diferente da mãe e no fim da adolescência se caracteriza pela distanciação real na vivência do
processo de sair da casa dos pais. Há uma expectativa social de que o sujeito que decide se
tornar independente apresente algumas características e a ausência dessas características é
considerada um desvio e portanto, punida.

2.1 - Instituições sociais

Conceito das instituições sociais:


As instituições sociais são um padrão de controle, ou seja, uma programação da conduta
individual imposta pela sociedade.
As instituições são experimentadas como algo dotado de realidade exterior; em outras
palavras, a instituição é alguma coisa situada fora do indivíduo, alguma coisa que de certa
maneira (duma maneira bastante "árdua", diríamos) difere da realidade formada pelos
pensamentos, sentimentos e fantasias do indivíduo.
As instituições são experimentadas como possuidoras de objetividade.
As instituições são dotadas de força coercitiva.
As instituições tem uma autoridade moral.
As instituições tem a qualidade da historicidade.
(Berger e Berger - 1975)

A instituição social básica é a linguagem e ela apresenta alguns aspectos relevantes na


história Os Três Porquinhos em momentos distintos. A fala de cada um dos porquinhos
determina seu papel social, o que eles representam no contexto da história, a fala deles, a
linguagem com que se comunicam é um discurso que defende uma ideologia e um (des)valor.
Há também a importância da fala do lobo que tem papel de coerção. A fala do lobo
demanda e intimida os porquinhos para que obedeçam a sua vontade, ela exprime também seu
papel e suas ações, explicitando na sua personalidade a violência.

O lobo em si é uma instituição social pelo seu papel coercitivo em relação às atitudes dos
porquinhos, é ele quem pune quando os porquinhos não tomam as atitudes corretas. O lobo
pode ser considerado uma instituição como a igreja, o estado ou mesmo a figura do ego.
Quando tomamos atitudes indesejadas socialmente não somente os outros nos punem como
nós mesmos sofremos uma auto-punição pelo ego, figurativamente poderíamos dizer que o
ego "nos devora", alternativamente a igreja e o estado punem os comportamentos indesejados.
O irmão mais velho pode também ser considerado uma instituição social, ele dita o modelo
de casa a ser construído, ele indica o caminho, faz a figura do modelo social a ser
incorporado, a ser seguido e embora a punição em geral fique à cargo do lobo o irmão mais
velho beneficia os irmãos mais novos quando eles tomam a atitude desejada de se submeter à
socialização que é representada por entrar na casa dele. Se você se socializa, não é devorado
pelo lobo.

Se pensarmos em uma analogia com a igreja ou o estado as funções são mais explícitas. Se
você se rende ao pecado da preguiça o lobo (diabo) te devora, se você é trabalhador, é
protegido pela instituição igreja (tem proteção divina, ou vai para os céus - casa do irmão
mais velho - Jesus). Se a analogia é com o estado podemos pensar que o bom trabalhador que
cumpre seu papel social garante sua casa própria e é protegido pela lei, mas aquele que não
trabalha não consegue moradia e fica vulnerável à violência.

A casa é uma instituição social de duas maneiras. Uma das funções da casa é a função da
propriedade privada, a casa demonstra o valor da propriedade privada quando se observa que
a casa ideal, feita de tijolos, é inviolável, o porquinho que a construiu tem a paz de ter sua
integridade física garantida mas também o seu patrimônio e de fato é na própria propriedade
privada que ele encontrou refúgio contra o lobo.

Outro aspecto da casa é o da evolução do ser humano com relação a construção da


moradia, o modelo de casa ideal é o símbolo da socialização, a casa de tijolos. As casas de
palha e madeira são símbolos do passado, do não evoluído, do não civilizado, é o sujeito que
permanece na primitividade da raça humana por não estar incluído na sociedade. Há uma
clara valorização do civilizado associado a todas as virtudes e o incivilizado associado às
fragilidades, de forma que culmina com a sujeição dos não civilizados aos civilizados.

Um bom exemplo seria o índio abandonar a floresta (oca, palha) e o camponês abandonar o
campo (casebres, madeira) e se juntarem à evolução e à civilidade da sociedade moderna
(casa, tijolos) para deixarem para trás a vulnerabilidade da condição humana.

O trabalho é uma instituição social presente na história, o porquinho que é considerado o


trabalhador constrói a casa mais forte, mais resistente e é pelo seu trabalho (em conjunto com
a astúcia) que ele subjuga o inimigo. Da mesma forma é a falta de trabalho que causa a
miséria dos outros dois porquinhos.

A inteligência é uma instituição social visto que além do trabalho duro, o que garante o
trunfo ao porquinho que construiu a casa de cimento é a sua inteligência. O domínio da razão
sobre a vontade manifestado na inteligência. O porquinho além de construir uma casa forte
para resistir ao lobo sabe distinguir as enganações dele e por fim frustra seus planos de
invasão com um ato inteligente e bem planejado.

A família é uma instituição social e está em conjunto com a solidariedade, quando são
atacados, os porquinhos acolhem uns aos outros e por fim se unem contra um inimigo
comum. É ressaltada a importância da união de um grupo para a preservação dos indivíduos.

2.2 - Valores, normas, regras e padrões

Conceito de socialização:
A socialização é a imposição de padrões sociais à conduta individual, esses padrões
chegam até mesmo a interferir nos processos fisiológicos do organismo. Constitui um fato que
se reveste de tanto poder de constrição e duma importância extraordinária.
O caráter absoluto com que os padrões sociais atingem a criança resulta do grande poder
que os adultos exercem numa situação como aquela em que se encontra a criança e a
ignorância desta sobre a existência de padrões alternativos.
O mecanismo fundamental de socialização consiste num processo de interação e
identificação com os outros.
A socialização se realiza numa contínua interação com os outros e culmina com a
interiorização do processo.
(Berger e Berger - 1975)

O primeiro momento em que a história de Os Três Porquinhos apresenta valores é no


momento em que os porquinhos decidem construir suas casas. Há uma clara oposição da
preguiça e do desleixo dos irmãos mais novos com relação ao irmão mais velho que
demonstrava prontidão e dedicação.

A função deste valor para as crianças é o de demonstrar que há tarefas que precisam ser
executadas ou elas sofrerão consequências, por mais que elas gostem de descansar e brincar
elas não podem escapar das obrigações delas. Assim sendo os irmãos preguiçosos e
desleixados são punidos na história e o irmão trabalhador é beneficiado.

Em um segundo momento podemos identificar também além da disposição para o trabalho


o valor da inteligência e do planejamento. O porquinho que construiu sua casa de tijolos o fez
com compreensão das necessidades do momento e planejamento com relação ao futuro, ele
demonstrou cautela em contrapartida aos seus irmãos que foram imediatistas, se preocupavam
apenas com o momento.

Outra parte importante do processo de socialização de criança, da sua integração da


sociedade é reconhecer o valor do planejamento. O planejamento é uma capacidade que foi
conquistada e aprimorada pelos homens ao longo dos anos e das eras e é algo que as crianças
não costumam fazer porque ainda não compreendem o funcionamento das coisas. A história
então demonstra que o porquinho que conseguiu planejar melhor tomou a melhor decisão e
manteve a casa enquanto os outros que agiram segundo o momento foram prejudicados.

A seguir com a introdução da figura do lobo vamos mais alguns contrastes de valores, o
lobo como figura antagonista é oposto aos porquinhos em alguns aspectos. O lobo é mau e os
porquinhos são bons. O lobo é forte, os porquinhos são frágeis. O lobo é agressivo e os
porquinhos são passivos. O lobo desafia e agride os porquinhos se submetem e fogem.
O lobo é agressivo, ele não respeita a integridade do outro enquanto os porquinhos não
pensam em violência, o lobo tem a violência expressa no violar da integridade física do outro
e da propriedade privada. O lobo não tem propriedade privada e não respeita a propriedade
privada, ele a viola enquanto os porquinhos tem suas propriedades e se acomodam nelas. O
lobo entra como figura de maldade pois não respeita o outro.

Na construção do sujeito social vemos que o comportamento de respeito à integridade


física e à propriedade privada é essencial pois estes valores são base da nossa sociedade,
assim sendo, o lobo é bem definido como mal e os porquinhos saem vitoriosos com a clara
mensagem de que é errado a violação dos direitos individuais do outro.

Aproximando-se do final da história podemos identificar mais alguns valores. O lobo não
pode vencer pela força a prudência do irmão mais velho, sua dedicação ao trabalho. O lobo
busca então vencer através da enganação e também não pode vencer sua esperteza e por fim
ele recorre mais uma vez à violência mas a inteligência do porquinho supera seu ato de
violação. Assim podemos ver de lados opostos a dissimulação em oposição à prudência e a
irracionalidade em oposição à inteligência representados respectivamente pelo lobo tomado
pela raiva e o porquinho que armou para pegá-lo.

No fim da história podemos ver uma questão de que os fins não justificam os meios e
novamente os valores são exaltados. O lobo que não consegue mais vencer pela força procura
enganar os porquinhos e o comportamento cauteloso do porquinho o vence e quando ele
recorre novamente à violência é vencido pela inteligência do porquinho. Assim a criança
aprende que deve ser prudente ao lidar os outros e que ao invés de recorrer ao confronto direto
deve buscar uma maneira racional de lidar com as situações porque o irracional é mau, foi
punido.

2.3 - Id, ego e desvio

Id pode ser descrito como princípio do prazer, é o que a pessoa quer fazer. O superego é
aquilo que se acredita que é certo fazer. O ego seria então um mediador entre o que se acredita
ser certo fazer e o que se quer fazer e essa questão tem grande impacto no comportamento do
indivíduo perante a sociedade.

Uma das questões fundamentais da história de Os Três Porquinhos é a questão do id em


conflito com o ego e como a sobreposição do id sobre o ego tem graves consequências,
popularmente seria o que podemos chamar de responsabilidade. A questão do id e do ego se
faz presente não somente na figura dos porquinhos mas também na figura do lobo e
consideramos que é provavelmente a mensagem principal da história, que determina
claramente qual é o comportamento desejado e adequado e qual o comportamento indesejável
e inadequado.

Como a questão do id e do ego apresenta duas contextualizações bem diferentes na figura


dos porquinhos e do lobo diferenciaremos separando cada uma em uma análise própria:

- Os porquinhos: Os três porquinhos saem da casa de sua mãe, é um momento no qual


eles tem de tomar uma decisão, como e onde viverão de agora em diante e cada um dos três
irmãos toma uma decisão individual.
O primeiro dos irmãos decide construir uma casa de palha, não é uma decisão aleatória, ele
parte do princípio do id, do prazer, pensa em brincar e descansar ignorando a necessidade de
construir uma moradia de estrutura estável. No caso deste porquinho o id sobrepõe o ego,
princípio da realidade, ele está baseando sua decisão inteiramente no id, ele não internalizou
os conceitos sociais, os valores que o auxiliariam na sua vida e por isso foi punido com a
destruição da sua moradia.
O segundo dos irmãos decide construir uma casa de madeira, ele, assim como seu irmão
que construiu a casa de palha, busca um certo conforto, ele não quer investir na construção de
sua casa, ele compreende a necessidade de um casa boa mas não compreende a necessidade
de investir na construção da casa pois acredita que madeira é o suficiente. Este porquinho já
apresenta uma presença maior do ego, princípio da realidade, ao reconhecer a necessidade de
se construir uma casa mais resistente, mas em última análise o id vence e em função do prazer
ele deixa de investir em sua casa que é algo necessário em sua vida e acaba por perdê-la.
O terceiro dos irmãos decide construir uma casa de tijolos. Ele apresenta o comportamento
desejado, adequado, internalizou os valores, foi socializado. O porquinho que construiu sua
casa de tijolos tem domínio sobre o id, princípio do prazer, ele não buscou primeiramente
satisfazer as suas vontades, seguindo o princípio da realidade ele soube compreender a
demanda da situação e planejar uma casa eficiente que garantiria a sua segurança. A casa
deste porquinho é a única que resta de pé diante dos ataques do lobo mal, ou seja, o
comportamento desejado foi recompensado com a recompensa da segurança e da moradia, da
estabilidade diante dos problemas.

- O lobo: O lobo é uma figura que surge repentinamente na história sem uma introdução
prévia. Sem adentrar em outros conceitos mas citando rapidamente, o lobo serve de clássica
figura do antagonista, ele é mau simplesmente por ser mau. A maldade do lobo pode ser
claramente analisada sobre a questão de sobreposição do id sobre o ego.
O lobo tem uma vontade clara, devorar os porquinhos, para isso ele viola a integridade dos
porquinhos e suas propriedades sem qualquer tipo de barreira, inconsequentemente. Nessa
atitude podemos ver claramente a sobreposição do id, para o lobo o princípio do prazer
governa as ações, não há uma internalização das normas sociais, o meio e o fim são guiados
pelo prazer, o ego, que serviria como regra para o id não o impede de cometer atos de
violência que vão contra os valores sociais. O lobo apresente o comportamento que é
socialmente reprimido e portanto no fim da história ele é o derrotado, ele se queima em um
caldeirão e deixa de lado sua caça aos porquinhos.

Os conceitos de id e ego na sociologia são determinantes para a classificação do desviante.


Aquele que não internaliza as normas e valores sociais de modo que obedeça o princípio da
realidade se deixa levar pelo princípio do prazer, se tornando desviante, desta forma, os dois
porquinhos que construíram casas frágeis e o lobo que desejava devorá-los são ambos
desviantes ao deixarem que o id se sobreponha ao ego.

Esse conceito que a história traz tem uma clara função no desenvolvimento social da
criança, é esperado que a criança tenha domínio sobre sua necessidade de prazer, no processo
de amadurecimento a criança deve deixar de lado sua instinto primal, devorador,
descontrolado, representado pelo lobo e internalizar os valores sociais, da mesma forma
mesmo que o id não seja selvagem como a figura do lobo, ainda há de se domar a preguiça e a
busca pelo prazer de modo que possam internalizar a realidade exterior e enxergar com
clareza as situações para que possam planejar o futuro e enfrentar com estabilidade os
problemas da vida. Em termos gerais trata da domesticação do id pelo ego, base necessária
para o convívio em sociedade visto que o ego é justamente a interiorização das instituições
sociais.

É interessante se destacar que na história de 1843 a punição dos porquinhos é a morte, na


versão popularizada eles tem a oportunidade de socialização que se dá ao se conscientizarem
progressivamente da necessidade de uma casa mais forte, em outras palavras, eles deixam o id
se sobrepor pelo ego diante da situação de perigo. A moral da história na versão popularizada
é de que a submissão aos valores sociais garante a sobrevivência, enquanto a versão
originalmente publicada deixa claro que ser o desviante é punido com a morte como se
observa com os porquinhos e com o lobo.

2.4 - Conflito, submissão, fuga e extermínio

O primeiro conflito que surge na história não é com relação ao lobo, mas entre os irmãos
porquinhos. Eles tem opiniões divergentes a respeito de como se deve construir uma casa e
porque, e eles não chegam a um acordo assim cada um vai para uma região e contrói lá sua
casa, resultando assim na separação deles.

A história porém apresenta, e com grande relevância para o seu desenvolvimento e


conclusão situações de coerção onde um irmão se submete ao outro e por fim todos se
submetem ao mais velho que apresenta o comportamento desejado. A resolução do conflito
não se dá de outra maneira que não seja a submissão, o irmão mais velho submete os irmãos
mais novos às suas condições - todos moram na casa de tijolos. Ele é o correto, a sua casa é a
certa, os outros estão errados, não há espaço para eles, o irmão mais velho é definitivamente o
exemplo a se internalizar.

Outro elemento importante presente na história é a questão do deslocamento. Há um


conflito entre os porquinhos e o lobo, enquanto os porquinhos desejam ficar em suas casas e
gozar dos prazeres de uma vida tranquila o lobo quer devorá-los. Quando o lobo destrói a
primeira casa, feita de palha, o primeiro porquinho dono da casa se desloca para a casa do
irmão. O lobo o perseguindo chega até a casa onde eles estão, feita de madeira, e também
consegue destruí-la, novamente há um deslocamento, dessa vez de dois porquinhos para a
casa do irmão deles. Nesta última casa se dá a conclusão da história, o lobo não consegue
derrubá-la e tenta invadir pela chaminé, porém ele se fere no caldeirão e então foge.

A questão do deslocamento, da fuga, é recorrente e a resolução final do conflito se dá


através do deslocamento do lobo, ele deixa a região, deixa de confrontar os porquinhos, pois
se afirma que nunca mais se viu o lobo e que os porquinhos viveram em paz desde então.

Acreditamos que uma questão importante de se destacar no desenvolvimento da análise de


Os Três Porquinhos é que o texto original conta com o fato de que o lobo devora os
porquinhos que construíram suas casas com palhas e madeira e no fim o porquinho que
construiu sua casa com tijolos devora o lobo, enquanto a versão popularizada apresenta a
sobrevivência de todos os porquinhos e do lobo o que mostra uma clara mudança no aspecto
sociológico da resolução do conflito, não é mais utilizado o recurso do extermínio que foi
usado no texto original.

A análise de como a questão do conflito com o lobo é levada às crianças fica explicitada na
diferença do texto original em comparação à versão popularizada por Walt Disney. Quando
pensamos na constituição do sujeito social na sociedade atual o extermínio não é aceito como
uma forma padrão de resolução de conflito visto que é reprimido como valor e como lei,
assim sendo, a versão de 1843 não seria satisfatória no processo de socialização da criança.

A versão popularizada mostra que primariamente há uma fuga pela sobrevivência e mesmo
diante do conflito não há um enfrentamento, os porquinhos buscam a ajuda de um conhecido
mais bem preparado e socializado para lidar com o conflito. O conflito final também não
envolve o extermínio mas a simples defesa da propriedade particular e o lobo então se
conforma com essa instituição.

2.5 - Solidariedade

Os porquinhos demonstram claramente a questão da solidariedade entre si e se


considerarmos a história de 1843 vemos ainda outros exemplos de solidariedade.

Na versão popularizada de Walt Disney presenciamos depois do primeiro ataque do lobo o


acolhimento de um dos porquinhos pelo seu irmão. Não há um questionamento ou exigência
de algo em troca, é uma simples questão de solidariedade e necessária para a sobrevivência do
indivíduo. Mais tarde podemos ver que os dois irmãos ficam vulneráveis diante do lobo pois a
casa de madeira foi destruída porém o irmão mais velho acolheu seus dois irmão também em
um ato solidário que não exigia algum tipo de recompensa.

Há em primeiro plano a questão da família, mas de certa forma vemos que o que garantiu a
sobrevivência dos três porquinhos foi a solidariedade de um para com o outro e portanto a
solidariedade foi fundamental como método de coesão social. Se um dos porquinhos se
negasse ao ato solidário, pelo menos dois dos três estariam mortos.

Na versão de 1843 os porquinhos morrem, porém antes do desenrolar da história com o


lobo temos exemplos de solidariedade e igualmente fundamentais para a coesão social. Os
porquinhos saem de casa pois a mãe não tem mais condição de sustentar todos eles, eles
prontamente saem de casa e pedem ajuda a pessoa que encontram no meio do caminho. O
material usado pelos porquinhos para construir suas casas é doado por pessoas, sem nenhum
tipo de demanda, troca ou custo. O material é essencial para que eles construam as suas casas
e todo o material é resultado de um ato solidário de pessoas da região. Neste caso o ato não
está associado à instituição social da família mas é puramente um exemplo no qual a
solidariedade mantém genuinamente a coesão social.

Nas duas versões da história as crianças podem aprender a importância do ato solidário, de
fato em nenhuma das versões a solidariedade seria dispensável no processo de preservação
dos indivíduos e de coesão social, pelo contrário, se houve o contato social e uma certa
integração entre os indivíduos foi através do ato solidário.

2.6 - O individualismo. Eu, nós... e tu?

Logo no começo da história vemos que os porquinhos saíram juntos de casa mas de
imediato se separaram por divergência de idéias. Podemos ver claramente a idéia do
individualismo, os porquinhos não eram três os porquinhos como o título diz, mas três
indivíduos que não constituíam um grupo. De fato não há o respeito entre eles e a necessidade
faz com que a resolução do conflito entre eles se dê pela submissão.
Se há a submissão não há o reconhecimento do outro. O porquinho que construiu a casa de
tijolos poderia ajudar de alguma forma os outros porquinhos respeitando a individualidade
deles, porém eles tornaram-se como o modelo, como a norma. Pode-se dizer que houve uma
identificação de um com o outro, o "eu" se identificou o "tu" e se transformou em "nós", ou
seja, o "tu" não foi reconhecido em sua integridade mas foi incorporado ao "eu" criando o
"nós". O "nós" é então constituído em função de um "eu" que serviu de regra e modelo para a
identificação do "tu", sendo então o "nós" uma projeção do "eu" em um outro não
reconhecido.

Um aspecto que foi abordado em uma versão alternativa dessa história é a questão do lobo,
mas esse aspecto não é considerado nem na versão de 1843 e nem na versão popularizada. A
maioria das versões da história deixa claro o papel antagonista do lobo, o lobo é o desvio, o
lobo é a minoria, o lobo é o diferente.

A história não apresenta nenhum tipo de espaço para o diferente, o diferente é o


antagonista.
Temos o "eu", cada porquinho em sua individualidade é respeitado.
Temos o "nós", os porquinhos se identificam um com o outro e em um certo momento se
juntam contra um inimigo comum.
Porém não temos o "tu", o outro é o lobo, o lobo é mau, o lobo quer devorar, o lobo não
respeita, o lobo é violento, o lobo não tem história, o lobo não tem casa, o lobo é somente o
lobo, aliás o lobo nem ao menos é o lobo, o lobo é o tu, o lobo é um "não-porquinho" e como
tal não existe senão como conflito, como empecilho para os porquinhos.

Os Três Porquinhos não apresenta nenhum tipo de valor para o diferente, sendo assim
potencializa o caráter punitivo da sociedade, o desviante não tem espaço. Em um aspecto
positivo podemos dizer que exalta a união da sociedade e acentua a questão da proteção da
cultura, porém pode-se dizer ressaltando o aspecto negativo que tem caráter racista e
xenofóbico.

Assim sendo enquanto a criança pode aprender a se unir para se preservar ela também pode
aprender o poder de coerção do grupo sobre o indivíduo e o desrespeito ao desviante, além de
se sentir ameaçada enquanto desviante por identificação com o comportamento e a figura do
lobo, ser diferente passa a significar ser excluído e vítima de violência.

2.7 - Violência

A violência na história de Os Três Porquinhos tem uma face explícita na questão do lobo e
outras implícitas. Primeiramente a única violência concebida na história em termos de senso
comum é a violência do lobo que quer devorar os porquinhos destruindo as suas casas. Mas se
ampliamos a nossa visão de violência para o conceito de que qualquer situação em que se
viola os direitos há uma violência então podemos ter outra compreensão do tema na história.
Primeiramente vemos que é uma história em que a situação social retrata um autoritarismo,
não há a concepção de democracia. Secundariamente podemos perceber a anomia, uma vez
que não há um estabelecimento nominal de regras ou leis, ou seja não a anomia como falta de
internalização do social mas anomia como termo referente a ausência de normas. E por fim há
uma competição onde o mais capaz em termos gerais se sobressai.
O lobo tem poder e coage porque é forte, o porquinho resistiu ao lobo porque foi
trabalhador e esperto, ou seja, cada um vence ou perde de acordo com as suas habilidades, não
existe um direito que se estende a todos ou uma proteção inata a qualquer uma das figuras. O
ambiente não apresenta nenhum tipo de nivelamento, de igualdade de condições, a
competição não tem parâmetros sendo puramente voltada a sobrevivência.
Assim o lobo usa de violência contra os porquinhos, os porquinhos usam de violência
contra o lobo e entre si os porquinhos violentam uns aos outros no sentido de desrespeito à
figura do outro. A história não conta com respeito mútuo e portanto retrata em sua integridade
violência. De fato é uma força violentando a outra e no fim uma força subjuga todas as outras,
no caso, a força de coerção da maioria social, do modelo, da norma.
Podemos considerar então que passa para a criança um modelo de violência que não
favorece o confronto físico, mas favorece o confronto de capacidade, o mais adaptado, ou
seja, o mais forte socialmente, no que diz respeito aos valores sociais vence e subjuga as
minorias, os desviantes. Se você não se junta à norma é violentado e se você se junta, se
submete e está protegido da violência, porém isso não deixa também de ser uma violência.
Assim, qual o conceito de democracia que a criança vai constituir? E o conceito de
cidadania? Não há ao que recorrer senão às suas próprias habilidades, o conceito é o de
competir com suas forças.

2.8 - O componente do liberal e do capital

Não há explicitamente uma referência ao modelo capitalista na história de Os Três


Porquinhos mas podemos perceber um ambiente que justifica a questão do capital.
Implicitamente os três porquinhos tiveram oportunidades iguais, eles saíram da casa da mãe e
pressupostamente todos tinham o mesmo conhecimento e acesso aos materiais visto que o
modo como cada um constrói sua casa é considerado uma opção e não uma limitação. Em
teoria todos eles poderiam ter construído uma casa de tijolos.
Essa questão que não é declarada é fundamental para compreender a questão do capital na
história, a competição em condições iguais onde se sobressai pelo mérito é a base do sistema
capitalista. A lógica aplicada na resolução da divergência entre o modo que se constrói a casa
reforça a questão do liberalismo e do capital, o que diferenciou a casa de cada um foi a
disposição de investimento de mão de obra e materiais.
Em momento nenhum se fala de retorno financeiro, mas estamos lidando com uma história
infantil e que tem moral, portanto estamos falando de símbolos e representações do sociedade
e não com correspondência direta. Aquele que investiu pouco trabalho e pouco material foi
rapidamente destruído, o segundo investiu mais material e mais trabalho mas ainda era pouco,
foi destruído, o último investiu massivamente em material e em trabalho e este permaneceu.
Não é essa a lógica do sistema capitalista?
Os porquinhos retratam essa realidade onde o maior devora o menor e onde há a ilusão da
justa competição onde o mérito define o sucesso. É um estímulo ao trabalho e ao investimento
de capital, é uma mensagem clara, embora não explícita, de que não há como sobreviver sem
o investimento de materiais e mão de obra e vou além, transmite a mensagem alienante de que
o ócio é nocivo, se você quer vencer, deve se dedicar ao trabalho intensamente. Não só o que
não trabalhou quase nada foi destruído, mas também o que trabalhou moderadamente, só o
que trabalhou duro foi reconpensado.

3 - Conclusão

Realizando este trabalho chegamos à conclusão que Os Três Porquinhos tem função
fundamental ao transmitir conceitos constituintes do sujeito social. Conceitos que estão na
base da sociedade que mantém a força da sociedade, a coesão, o processo da soberania do
todo sobre o indivíduo estão presentes na história, assim como diversos valores protagonistas
e antagonistas. Há a presença de instituições sociais que definem o sujeito social. Há um
destaque especial por parte do grupo para o caráter de incentivo ao trabalho e à punição do
desviante que aparentemente são os destaques da história.

4 - Referência bibliográfica

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