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2018 – Expressões e impressões da diferença - volume II
Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, desde que citada a fonte e respeitados os direitos dos autores.

Organização: Claudia Zavaglia, Angélica Karim Garcia Simão e Melissa Alves Baffi-Bonvino

Conselho científico

Álvaro Luiz Hattnher Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”


Cristina Carneiro Rodrigues Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Érica Luciene Alves de Lima Universidade Estadual de Campinas
Germana Henriques Pereira Universidade de Brasília 4
Francine de Assis Silveira Universidade Federal de Uberlândia
John Milton Universidade de São Paulo
Jorge Felix Díaz-Cintas University College London (Inglaterra)
Lauro Maia Amorim Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Lynne Bowker University of Ottawa (Canadá)
Marcelo Jacques de Moraes Universidade Federal do Rio de Janeiro
Márcia do Amaral Peixoto Martins Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Maria José Bocorny Finatto Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Maurício Mendonça Cardozo Universidade Federal do Paraná
Nilce M. Pereira Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Patricia Peterle Figueiredo Santurbano Universidade Federal de Santa Catarina
Paula Godoi Arbex Universidade Federal de Uberlândia
Ronice Müller de Quadros Universidade Federal de Santa Catarina
Tânia Liparini Campos Universidade Federal da Paraíba
Tatiana Helena Carvalho Rios Ferreira Universidade Estadual de Londrina
Teresa Dias Carneiro Universidade Federal do Rio de Janeiro

Nesta obra respeitou-se o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa


Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Expressões e impressões da diferença [recurso eletrônico] / Claudia Zavaglia,
Angélica Karim Garcia Simão, Melissa Alves Baffi-Bonvino (Org.). - São
José do Rio Preto: UNESP/IBILCE, 2018
2 v.: quadros, tabs.
v. 1. Maria Angélica Deângeli, Érika Nogueira de Andrade Stupiello (Org.)

E-book
Requisito do sistema: Software leitor de pdf
Modo de acesso: <http://www.ibilce.unesp.br/#!/oficina-de-traducao/>
ISBN 978-85-8224-149-3 (v. 2)

1. Linguística. 2. Linguagem e línguas. 3. Tradução e interpretação.


4. Tradutores. I. Zavaglia, Claudia. II. Simão, Angélica Karim Garcia. III. Baffi-
Bonvino, Melissa Alves. IV. Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de
Biociências, Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto.

CDU – 8.035

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE


UNESP – Câmpus de São José do Rio Preto
CRB – 8 7302
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Agradecimentos
À Fapesp, ao CNPq e à Faperp, órgãos financiadores oficiais, que tornaram possível a realização do II Simpósio
Internacional de Tradução e a XXXVII Semana do Tradutor, cujos resultados são aqui apresentados.
Sumário

Apresentação
8
A tradução de antropônimos de personagens da telenovela mexicana María
Mercedes para o português 9
Adja Balbino de Amorim Barbieri DURÃO e Morgana Aparecida de MATOS

Adaptação e tradução dos clássicos para jovens e neoleitores


Maria Gil Silva FERREIRA e Marcia Amaral Peixoto MARTINS
17
6
Rise with lark/acordar com as galinhas: a simbologia animal na tradução de
expressões idiomáticas 23
Paula Pastore FALCÃO

Léxico tabu e narrativas policiais: uma reflexão em torno da tradução de lexias 31


proibidas
Flávia SEREGATI

Impressões de tradutores em formação sobre a utilização de Cat tools na prática


tradutória 39
Lara Cristina Santos TALHAFERRO e Érika Nogueira de Andrade STUPIELLO

Tradução audiovisual acessível: projetos colaborativos


Lucinéa VILLELA
51
O tradutor-intérprete de libras na educação: inserção precipitada e a
invisibilidade nas competências e à formação fragilizada 60
Reginaldo Aparecido SILVA

O palavrão em Deadpool: uma análise comparativa entre legendas oficiais e 72


legendas de fãs
Gabriela Spínola SILVA, Francine de Assis SILVEIRA

Do romance para os quadrinhos: tradução intersemiótica e interlinguística do


Retrato de Dorian Gray 88
Letícia Silva SANTOS, Nathalia Ferreira TERRES, Rafaela LAMPUGNANI

Gay language: levantamento de colocações da comunidade homossexual


Guilherme Aparecido de SOUZA e Adriane ORENHA-OTTAIANO
97
Astaroth, de Stefano Benni e as especificidades da tradução teatral
Paula Albernaz Dias VIEIRA e Anna PALMA 106
Deixa o corpus falar – estudo das cores na tradução de Os Buddenbrook
Carolina Ribeiro MINCHIN 116
Introdução de equivalentes suíços no dicionário de expressões idiomáticas
(DEIPF) português – francês
Maria Emília P. CHANUT
128
O esforço cognitivo no processamento de partículas modais alemãs
Marceli Cherchiglia AQUINO 139
Os termos préfecture, sous-préfecture e marie e sua relação com a
emissão de passaportes e documentos franceses 152
Milena De Paula MOLINARI e Lídia Almeida BARROS

Questões de equivalência (pt↔fr) dos termos denominativos das


instituições do domínio das certidões de casamento
161
Beatriz CURTI-CONTESSOTO e Lídia Almeida BARROS

Desafios do (professor) tradutor na produção de artigos institucionais 177


militares
Eliane Mariano de Oliveira de ALBUQUERQUE
7

Sobre as organizadoras 186


Apresentação

A Semana do Tradutor é uma reunião científica realizada anualmente, desde 1980, por discentes e docentes
do curso de Bacharelado em Letras com Habilitação de Tradutor da UNESP de São José do Rio Preto. Em sua
37ª edição, a Semana do Tradutor ocorreu juntamente com o II Simpósio Internacional de Tradução (SIT), como
em 2014, ocasião em que aconteceu a primeira edição do simpósio. Ambos os eventos se complementaram: à
tradição da Semana do Tradutor de abrir espaço à discussão de questões teóricas, críticas e práticas acerca da
tradução, com vistas à formação de tradutores em nível de graduação, uniu-se a inovação do SIT, concebido
especialmente para proporcionar trocas de experiências entre pesquisadores do Brasil e do exterior.

Com o tema “Expressões e impressões da diferença”, a XXXVII Semana do Tradutor e II SIT colocaram
em cena a problemática da diferença no contexto dos Estudos da Tradução, em suas vertentes teóricas, práticas e
analíticas. Com convidados e participantes do Brasil e de outros países, os dois eventos contemplaram pesquisas
acadêmico-científicas, como as novas aplicações de programas de tradução automática, o ramo crescente de
atuação da tradução audiovisual, a tradução literária, as reflexões teóricas que contribuem para refletir sobre o
papel da tradução na sociedade e a profissionalização do tradutor na contemporaneidade. Dessa forma, tencionou-
se pensar a tradução em sua diversidade linguística, cultural, política e econômica, abarcando diferentes conceitos
e análises.

Agora, com o intuito de tornar acessíveis as discussões realizadas naquela ocasião, reunimos os textos dos
participantes em dois volumes. A temática plural do evento pode ser lida na diversidade textual aqui apresentada.
Da tradução literária à tradução técnica, da discussão sobre a formação do tradutor às questões teóricas
envolvendo o campo de Estudos da Tradução, das reflexões metodológicas às implicações práticas da tradução
na era digital, enfim, de perspectivas diversas, os trabalhos reunidos em dois volumes se oferecem à leitura como
um exercício que contempla a alteridade e o dizer múltiplo da tradução. Nas variadas expressões que se tecem
aqui, nos discursos enunciados de perspectivas diversas, sobressai-se, inevitavelmente, a ideia de que a tradução é
uma experiência de contato efetivo com o outro.
A TRADUÇÃO DE ANTROPÔNIMOS DE PERSONAGENS DA TELENOVELA
MEXICANA MARÍA MERCEDES PARA O PORTUGUÊS

Adja Balbino de Amorim Barbieri DURÃO (UFSC/CNPQ)


Morgana Aparecida de MATOS (UFSC)

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As Telenovelas e a Telenovela Mexicana María Mercedes

A partir de meados do século XX, as transmissões radiofônicas e televisivas adquiriram grande populari-
dade. O cinema promoveu a ampliação do acesso a produtos de divertimento, auxiliando na conformação da
indústria de mídia e, como resultado correlato, os estudos dessa área começaram a ser levados a sério. Em função
do grande número de produtos audiovisuais existentes, opta-se por estudar apenas a telenovela.
Conforme Marques de Melo (2001, p.41), a telenovela “constitui um formato singular do gênero ficcional
na categoria de entretenimento da comunicação televisiva latino-americana”. Sendo originária da radionovela, a
partir dos anos 50, suas transmissões surgem como avanço conceitual do produto midiático, adquirindo aceitação
pública quase imediata.
A telenovela é um gênero audiovisual narrativo. Tem origem no melodrama. Segundo Mariasole Raimondi
(2011, p.3), a ênfase desse gênero textual está em aspectos emocionais de gosto popular. Direcionada a um público
variado, os telespectadores veem nas histórias telenovelísticas os seus próprios problemas em forma de drama. A
telenovela configura um conjunto de conflitos irreais, transmitidos em capítulos diários, com elementos de sus-
pense, romance e ação e capturando a atenção e a fidelidade de muitos telespectadores.
O sucesso de público desde a sua criação, se dá, entre outros fatores, em função das situações de suspense
que deriva do desenvolvimento melodramático e da identidade cultural.

O valor da cultura e da produção cultural, segundo García Canclini, não se limita a representar a
sociedade na qual se produz, já que cumpre também a função de reelaborar as mesmas estruturas
sociais e imaginar novas. A telenovela, no entanto, enquanto forma artístico-televisiva de produ-
ção cultural, é uma expressão do sistema social no qual é gerado, reproduzindo cânones de ficção
televisiva junto com os modelos de comportamento característicos de seu lugar e época. Este
encontro entre “o tradicional”, “o local” e “o global” (referindo-se à produção televisiva) carac-
teriza a telenovela como um dos produtos representativos da heterogeneidade cultural, expressão
da “cultura híbrida” da América Latina. (MARIASOLE RAIMONDI, 2011, p. 2) (Tradução
nossa)

Orozco Gómez (2006) destaca que a força narrativa da telenovela é proveniente de sua matriz cultural. A
telenovela prende seus telespectadores de forma emocional e cognitiva. Com simplicidade de conteúdo e estilística,
as telenovelas mexicanas, além de todas as características do gênero observadas até então, contribuem para a
construção de imaginários individuais e coletivos, constituindo um dos espaços de expressão, reconhecimento e
recriação cultural. (OROZCO GÓMEZ, 2006, p. 12)
Apresentando arquétipos ficcionais, a telenovela mexicana, além de ter tido sucesso naquele país, expandiu
sua audiência através da exportação, alcançando vários países, entre eles o Brasil.
Sendo um dos exemplos mais vívidos, com grande sucesso de audiência nos anos 1990 e 2000, no Braisl,
a telenovela mexicana María Mercedes (RODENA, 1992) é o objeto de estudo deste trabalho. Esta telenovela, como
é de praxe nesse tipo de obra, junta protagonistas que, por um lado, são parte de um contexto de pobreza, sobre-
viventes de precariedades sociais e, por outro, fazem parte da elite social, situando-os em eixos opostos.
Vivendo em mundos diferentes, o mundo dos pobres e o mundo dos ricos, desenrola-se um tipo de nar-
rativa bastante conhecido de seu público, em que geralmente a personagem principal pobre, ingênua e de bom
caráter, apaixona-se pelo jovem rico. A família do jovem rico rejeita o relacionamento. Surge o vilão/a vilã como
antagonista essencial no desenvolvimento da trama.
A telenovela aqui estudada tem todos os componentes específicos das telenovelas mexicanas como emo-
ções fortes, drama exagerado, relacionamentos de amor que parecem conto de fadas; parcerias amorosas inocen-
tes, sem apelo sexual, que enfatizam as relações familiares (a família como base de tudo), foco na religiosidade;
vinganças, encontros e desentendimentos; contrastes entre aqueles que sofrem e mais adiante, conseguem superar
o sofrimento, quando os vilões têm o castigo que merecem pelos males que causaram. Esses ingredientes são
típicos em uma produção mexicana e são interessantes para aqueles que as assistem assiduamente. (MOTTA, 2006, 10
p.81)
María Mercedes apresenta a história de uma jovem humilde, que vive de vender loterias e doces na rua
buscando sustento para si e para seus três irmãos e pai, que é alcoólatra e está desempregado. A protagonista, que
tem o mesmo nome da telenovel, se apaixona por Jorge Luís, que supostamente seria um dos futuros herdeiros
de Santiago del Olmo, seu primo. Santiago, tentando evitar que seus parentes herdem seu dinheiro depois de sua
morte, sobretudo a vilã Malvina (mãe de Jorge Luis), deixa parte de sua herança para María Mercedes, que ele co-
nhece pouco antes de morrer de uma doença degenerativa e com quem ele se casa antes de dar seu último suspiro.
A rede de televisão que transmitiu María Mercedes no Brasil foi o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). O
SBT exibiu essa telenovela pela primeira vez em 1996, depois em 1997 e em 2012. (WIKIPEDIA, 2017). À época,
o SBT encomendou o trabalho de tradução e dublagem à antiga empresa brasileira de tradução Herbert Richers.
A pessoa encarregada deste trabalho de tradução foi A. B. A. Barbieri Durão, que realizou o trabalho de tradução
para a dublagem como contratada desta empresa.
Foi o sucesso da transmissão e retransmissões de María Mercedes que despertou o nosso interesse no sentido
de estudar alguns dos mecanismos usados na sua tradução para dublagem, do espanhol para o português, notada-
mente aos antropônimos ali presentes.

A Tradução Audiovisual, o Tradutor e a Teoria Funcionalista

Considerando que o objeto deste trabalho é a análise de opções de tradução de alguns de antropônimos
dos personagens da telenovela mencionada, há que se atentar para a questão da relação texto verbal e texto não
verbal, relação essa que influencia diretamente no processo de tradução. Chaume (2004, p.12) observa a necessi-
dade de começar qualquer processo tradutório por uma análise pré-textual:

A metodologia utilizada na investigação da tradução audiovisual deve englobar uma abordagem


multidisciplinar que permita uma análise rigorosa do objeto de estudo. Na verdade, devido à sua
natureza híbrida de um ponto de vista textual e genérico - uma vez que é difícil definir onde um
gênero termina e outro começa - e também, a partir da grande variedade de múltiplos e possíveis
conteúdos, com códigos significativos operando simultaneamente, os quais estão envolvidos na
produção de significados, os textos audiovisuais estimulam os analistas a usar diferentes aborda-
gens para a melhor compreensão da relação entre os elementos que constituem o objeto de seus
estudos, como também devem ser examinadas as principais questões textuais e de contexto,
quando da transferência de elementos para outro idioma e cultura. (Tradução nossa) .

A tradução audiovisual para a dublagem é híbrida, uma vez que há o texto escrito, resultado de um roteiro,
assim como o texto oral que, em conjunto com as imagens e sons, compõem o produto audiovisual. A linguagem
traduzida está, portanto, entre o oral e o escrito, caracterizando-se por ser pré-fabricada, já que o roteiro é elabo-
rado previamente, de forma escrita, embora com a finalidade de simular a fala (CHAUME, 2004).
A tradução para a dublagem da telenovela é interlingual. A fala, bem como outros elementos linguísticos
visuais são traduzidos para uma outra língua, neste caso do espanhol para o português. Assim, é a partir do con-
texto que a tradução para a dublagem deve ser contemplada. Para tanto é importante conferir suas propriedades
e peculiaridades. Franco e Araújo (2011, p.8) explicitam as características específicas da dublagem, em seu processo
totalizante:

A dublagem pode ser definida por três características básicas: 1. É uma tradução interlingual de
um discurso oral para outro discurso oral, das falas dos personagens de um filme ou programa de
ficção pré-gravado. Por esse motivo, é também chamada de “revocalização”. 2. Elimina a pre-
sença do discurso oral estrangeiro. 3. É regida pelo sincronismo labial, fundamental para fazer
com que o público-alvo acredite na ilusão de que o personagem esteja falando na sua língua. Por
causa disso, a dublagem é às vezes chamada, em países de língua inglesa, de lip-sync translation ou
simplesmente de lip-sync (tradução de sincronismo labial).
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Entre fatores essenciais da dublagem destaca-se o sincronismo. Não se trata apenas do sincronismo labial:
a tradução para dublagem é um processo que relaciona matérias distintas. Nela deve ocorrer um ajuste do texto
de acordo com a forma de como a mensagem é transmitida, considerando sincronismos labial, fonético, cinético,
cinésico e o isocronismo.
Além das características linguísticas, discursivas e textuais tanto do texto base quanto do texto meta, o
tradutor deve levar em conta também os meios técnicos disponíveis, a influência de toda a equipe de dublagem (o
solicitante, o produtor, o adaptador, o distribuidor, entre outros), as tendências, as tradições, os tabus, a moda, os
impedimentos legais, assim como a função de sua tradução e seu papel sociocultural. (TERRAN, 2001).
As culturas envolvidas na tradução são distintas e o tradutor não pode desconsiderar esse fato. Além disso,
Chaume (2004) destaca a necessidade de integralizar as análises de traduções audiovisuais através de modelos
propostos por outros autores, mas que figuram aqui como elementos importantes quando da decisão do tradutor
por uma ou outra estratégia de tradução.

Nesse contexto, vale ressaltar os modelos propostos por Díaz Cintas (1998) ou Izard (1999) que
não apenas impactam na análise dos elementos linguísticos e textuais do texto alvo, mas nos ele-
mentos macro-textuais que podem oferecer uma descrição do quadro histórico, econômico e so-
cial em que o texto alvo foi composto e em que as intervenções de tradução ocorreram. Isso
engloba a apresentação do produto traduzido, que já pode nos oferecer indicações do método de
tradução, a análise do registro linguístico utilizado ou as relações entre diferentes gêneros e tra-
duções. (Tradução nossa) (CHAUME, 2004, p. 15)
Chaume (2004) explica que o tradutor deve observar a relação entre a imagem e a palavra, sendo imperativo
aplicar estratégias de tradução capazes de transmitir não só a informação de cada narrativa como também o signi-
ficado que emerge como resultado dessa interação.
E importante avaliar neste contexto, a função do texto traduzido na cultura meta, determinando assim,
conforme Nord (2012), as estratégias a serem empregadas na tradução. Aqui, o ato de traduzir está diretamente
ligado ao encargo ou ao projeto tradutório. Foi a partir das pesquisas realizadas na década de 70 por Reiss e
Vermeer, citados por Nord (2012), que ocorreu a ampliação da noção de que a tradução vai além do linguístico,
sendo considerada como um processo cultural, uma ação humana, inserida em um sistema cultural, dotado de
particularidades, propósitos e intenções. Surge, do trabalho de Vermeer a teoria do Escopo (Skopostheorie), que
enfatiza principalmente:

A orientação funcional foi mencionada pela primeira vez por Katharina Reiss ([1971] 200,2002),
que considera o objetivo específico de uma tradução como uma categoria especial da crítica da
tradução. A autora afirma (Reiss 1976) que, a possibilidade de o texto meta ter objetivos distintos
do texto base, é a "exceção" à regra, em que a qualidade de uma tradução se avalie de acordo com
os critérios equivalência entre o TB e o TM. Desde 1978, no entanto, encontramos nas obras de
Vermeer e também em algumas obras de Reiss, a afirmação de que o método de tradução não
está, necessariamente, determinado pela função do TB, mas sim pela função pretendida do TM.
Este axioma formará parte do "da regra do escopo", feita por Vermeer ([1978] 1983), e mais tarde
por Reiss e Vermeer ([1984] 1996) como módulo essencial à Teoria do Escopo. (NORD, 2012.
p.15. Nota de Rodapé.) (Tradução nossa)

Esta teoria considera a diferença entre o texto base (TB) e o texto meta (TM), analisando separadamente
suas funções, de forma pragmática, em seu contexto de recepção. Nesta análise, um dos elementos principais da
tradução é o receptor do material traduzido, ou TM. A ideia subjacente é a de que a tradução é condicionada por
sua finalidade, o que torna vital ao tradutor conhecer o destinatário do texto meta.
A Teoria Funcionalista realça a necessidade de se elaborar uma “análise pré-translativa”, sendo esta a fase
inicial do processo de tradução. Esta fase objetiva a compreensão de todos os aspectos do TB e do TM. Partindo-
se do pressuposto de que todo texto é um ato comunicativo e que este se estabelece em uma situação comunicativa
concreta, esta análise serve para vários tipos de textos, abrangendo o maior número de aspectos possíveis no
processo tradutório, tanto de fundamentos culturais, quanto linguísticos, sendo estes, fatores secundários no pro-
cesso. 12

Do ponto de vista acional, o texto é um elemento de uma interação comunicativa, que ocorre em
uma determinada situação, em que a situação comunicativa (incluindo os interlocutores do ato
comunicativo) torna-se o centro das atenções, enquanto que a estrutura linguística do texto, que
pode ser analisada por métodos textuais, é relegado a um segundo plano. (Nord, 2012. p.273)
(Tradução nossa)

O tradutor pode ser caracterizado como produtor do TM, uma vez que é ele quem adapta o TB às refe-
rências culturais. Isto é explicado no modelo circular de análise do processo translativo de Nord (2012), que possui
quatro fases interrelacionadas, ligadas à pessoa do tradutor, considerado como figura central da atividade de tra-
dução. Nord caracteriza o seu modelo como sendo circular por compreender que suas fases se correlacionam,
interferindo-se mutuamente, estando, inclusive, sujeitas a melhorias e modificações durante o processo.
Ao iniciar uma tradução, o tradutor deve determinar a função do texto meta, a fim de buscar uma orien-
tação mais específica para o seu trabalho. Em seguida, deve observar o texto base analiticamente, a fim de vislum-
brar possíveis problemas de tradução na situação meta. Por conseguinte, transferem-se os elementos já analisados
do TB para a língua e cultura meta, finalizando o processo com a redação do TM, ou seja, a tradução em si.

O modelo circular do processo translativo contém um número de movimentos circulares menores


de retroalimentação que relacionam a situação base com o TB, a situação meta com o TM, os
diversos passos da análise em si, assim como a análise do TB com a síntese do TM. Isto significa
que com cada passo adiante, o tradutor dá uma olhada atrás controlando os fatores já analisados,
a fim de que todo o novo conhecimento adquirido durante o processo de análise e compreensão
possa ser confirmado ou corrigido por descobertas posteriores. (NORD, 2012. p.47) (Tradução
nossa)

Entre os fatores da pré-tradução, encontram-se os fatores extratextuais, prioritários para Nord. Aqui, deve-
se levar em consideração quem é o emissor e qual é a sua intenção comunicativa, assim como a situação social e
cultural, de tempo, lugar e, finalmente, deve-se saber quem é o receptor do texto.
Quanto aos fatores intratextuais, observa-se o tema, o conteúdo, macroestrutura (capítulos, parágrafos,
paginação), microestrutura (orações, frases, composições gramaticais), características estilísticas, sintaxe e léxico,
bem como algumas informações não verbalizadas implícitas no texto.
Finalmente, como terceiro fator, deve-se considerar o efeito comunicativo ou a impressão que o texto
causa no seu receptor, levando em consideração seus conhecimentos e situações de âmbito pessoal. Com isso,
enfatiza-se que um elemento importante da função do tradutor é tentar manter o efeito que o texto possuía na
cultura base.
Uma das características do modelo funcionalista encontra-se no fato de ele ser aplicado a textos não lite-
rários e literários, sem necessidade de adaptação ou mesmo de distinção entre eles. Neste contexto, a tradução de
uma telenovela, que está diretamente relacionada à fala, cotidiana, deve levar em conta também a sua situação
comunicativa, que faz com que elementos de ampla complexidade apareçam como verdadeiros desafios ao tradu-
tor.

A Tradução de Antropônimos da Telenovela María Mercedes

Por se tratar de um produto midiático de grande audiência, o ambiente textual de uma telenovela envolve
desde sua escrita enquanto roteiro indo até sua tradução para a cultura meta. Ao pensar na amplitude cultural de
uma telenovela de sucesso como María Mercedes e em todos os desafios que sua tradutora percorreu, analisa-se aqui
apenas um problema, que seria a tradução de nomes próprios.
Sendo a tradução de antropônimos um dos objetos de análise dos estudos críticos e descritivos da tradu-
ção, sabe-se que sua escolha é fundamental. Partindo-se dos pressupostos da Teoria Funcionalista indaga-se se
ocorreram mudanças significativas ou não na tradução de nomes próprios de personagens de María Mercedes, vis-
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lumbrando as intenções da tradutora e pensando nas características dos telespectadores.
Os nomes próprios têm a função de identificar um referente. Sua tradução é marcada pela crença da im-
possibilidade. Mas, ao considerar que a tradução pode ser um processo de transferência linguística/cultural, eles
podem ser traduzidos, o que nem sempre é fácil, pois, é um desafio encontrar um antropônimo na língua meta
que equivalha a um antropônimo da língua original. Cada caso deve ser estudado e o tradutor deve optar por
estratégias tradutórias específicas para cada nome.
A tradução de nomes próprios se caracteriza por ser um campo de estudos que ultrapassa a ideia de que
os antropônimos são apenas designativos de um ser ou de um conjunto de seres. Mesmo quando marcados por
especificidades culturais, os nomes próprios são constituídos de elementos conotativos que devem ser levados em
conta no momento de o tradutor decidir se devem ser traduzidos ou não. Com base no significado dos antropô-
nimos, visualizando seu contexto, torna-se imperativo analisar esse fenômeno relativo à tradução audiovisual.
A telenovela María Mercedes tem mais de 80 personagens, dos quais alguns nomes foram traduzidos do
espanhol para o português, adaptados ou mantidos como aparecem no texto base. García Gonzaléz e Coronado
Gonzaléz (1991, p.51) explanam acerca do que chamam de antropônimos motivados e antropônimos não moti-
vados. Embora os antropônimos não motivados sejam aqueles que não estão associados a nenhum conceito ou
objeto, ou seja, os que não têm um significado intencional, eles podem ter um significado implícito no contexto
do texto. Já os antropônimos motivados são os nomes que têm um valor conotativo, de tal forma que a sua
emissão evoca uma representação que destaca alguma característica do personagem. Há os que defendem que
esses antropônimos devem ser mantidos na tradução exatamente como aparecem no texto original, entretanto, na
prática, os tradutores procuram encontrar equivalentes de tradução ou adaptam os nomes a uma forma similar da
língua para a qual o texto é traduzido. (GARCÍA GONZALÉZ; CORONADO GONZALÉZ, 1991)
A tradução de nomes próprios em obras audiovisuais pode ser explicada sob a ótica do modelo de análise
pré-traslativa proposto por Nord (2012), enquadrado na Teoria Funcionalista da Tradução. Nesse modelo se pres-
supõe que a tradução deve estar de acordo com a situação comunicativa em que aparece. O tradutor deve direci-
onar o texto base para uma situação de comunicação específica, de modo que o texto traduzido venha a cumprir
novas funções comunicativas (NORD, 2012). Nesse sentido, se os antropônimos tiverem a função de identificar
um referente, embora também contenham uma carga semântica informativa que possa indicar o vínculo cultural
que o personagem tem em sua cultura, as opções que o tradutor deve considerar nem sempre são tão óbvias.
García Gonzaléz e Coronado Gonzaléz (1991, p.52) indicam diferentes elementos que influenciam na
definição de uma opção ou outra:

Há nome que, por razões muito diversas, traz consigo ressonâncias especiais, sejam elas humo-
rísticas, sociológicas ou de qualquer outro tipo, e não seria honrado, por parte do tradutor, para
ignorá-las. Nem sempre é fácil encontrar um nome na língua de destino que tenha uma evocação
semelhante, mas, nesse caso, uma nota de rodapé (não importa quanta claudicação ela implique)
informaria o receptor sobre a associação que o falante do idioma original estabelece imediata-
mente antes da aparição de tal nome. (Tradução nossa).
O tradutor precisa estabelecer estratégias para a definição da tradução de antropônimos que aqui, con-
forme Aguilera (2008), apresenta-se a classificação por ela citada de Hermans:

Teoricamente falando, parece haver pelo menos quatro maneiras de transferir nomes próprios de
um idioma para outro. Eles podem ser copiados, ou seja, reproduzidos no texto de destino exa-
tamente como estavam no texto de origem. Eles podem ser transcritos, ou seja, transliterados
ou adaptados no nível de ortografia, fonologia, etc. Um nome formalmente não relacionado
pode ser substituído no TM para qualquer nome [...] no TB e na medida em que um nome
próprio no TB está enredado no léxico daquela língua e adquire 'significado', pode ser traduzido.
Combinações desses quatro modos de transferência são possíveis, pois um nome próprio pode,
por exemplo, ser copiado ou transcrito e, além disso, traduzido em uma nota de rodapé (do tra-
dutor). Do ponto de vista teórico, várias outras alternativas devem ser mencionadas, duas das
quais são talvez mais comuns do que se poderia pensar: a não tradução, isto é, a supressão de
um nome próprio do texto fonte no TM, e a substituição de um nome próprio por um substan-
tivo comum (geralmente denotando um atributo estruturalmente funcional do personagem em 14
questão). Outras possibilidades teóricas, como a inserção do nome próprio no TM onde não há
nenhum no TB, ou a substituição de um nome comum do TB por um nome próprio no TM,
podem ser consideradas menos comuns, exceto talvez em certos gêneros. e contextos (em Franco
Aixelá 2000: 76). Hermans fala sobre quatro estratégias básicas para usar na tradução de nomes
próprios, que podem ser combinadas para produzir novos métodos de transferência, conside-
rando como estratégias a possibilidade de omitir o nome próprio no texto traduzido ou incorporá-
lo quando não há nenhum no texto original. É, do nosso ponto de vista, uma classificação que,
apesar de ser concisa, inclui todas as opções possíveis que o tradutor pode ter. (AGUILERA,
2008, p. 3) (Tradução nossa).

Para a análise dos antropônimos da telenovela María Mercedes, consideraram-se as convenções próprias de
cada língua, com a observação explícita de marcadores culturais. Além das estratégias já citadas, as mencionadas
por Silva (2016, p. 163) se apresentam como opção para o direcionamento da análise feita neste texto.
Para fins deste estudo, seguem 7 exemplos de nomes próprios da telenovela. O primeiro deles é justamente
o sobrenome da família do protagonista Jorge Luis Del Olmo. O sobrenome Del Olmo foi mantido no texto
meta pois além de ser repetidamente mencionado, há na porta de acesso à mansão de sua família, uma placa
indicativa da família a quem a casa pertence: “Mansión Del Olmo”. A cada troca de cenário, de cena ou de
enquadramento de imagem essa placa aparece na telenovela para reforçar a mudança de ambiente. A estratégia de
tradução escolhida foi a de não tradução ou de transcrição, de modo que a tradutora optou por manter o nome,
em função da imagem.
Outro antropônimo considerado importante é o da personagem Mística (TB). Este nome foi substituído
por outro parecido fonologicamente: Míriam (TM). A estratégia de tradução usada foi a de substituição, visando
o público alvo. Esta personagem, com características de vilã, sempre à procura de casamento com um jovem rico,
trajava sempre o mesmo vestido preto de lantejoulas, luvas de cetim rosa, denotando ter algo relacionado com o
“além”. Em vários momentos, como por ato de magia, ela aparece em meio a estranhas situações. No entanto,
para o público brasileiro, esses momentos passam quase despercebidos, por essa razão, a tradutora optou por
substituir o nome, observando a questão de sincronismo labial.
Já a tradução de Cordelio Cordero Manso para Aurélio Cordelio Manso denota característica profunda
do personagem, adaptado cultural, morfológica e fonologicamente. A substituição sem a análise do personagem,
certamente empobreceria a escolha. Para o público, o nome Cordelio Manso, alude a uma questão não só religiosa,
como comportamental, havendo relação com “cordeiro manso”, embora o personagem fosse um “lobo em pele
de cordeiro”, isto é, um homem que se fazia passar por bom, mas na verdade elaborava artimanhas cruéis, fazendo
parte do conjunto de vilões da telenovela. Assim, a opção tradutória foi a transformação do que originalmente era
um nome em parte do sobrenome e a manutenção do último.
A adaptação cultural e a substituição do nome foram as estratégias utilizadas na tradução de Teo "El Jarocho”
para Caroço. Neste caso, o personagem sendo também um vilão, com características agressivas, atitudes grossei-
ras, alude a algo de "difícil de engolir", "duro", "que não muda”. E, as mesmas estratégias foram utilizadas para a
tradução de Argemiro "El Chupes" Camacho para Argemiro Bafo. Em geral, no Brasil, "bafo” é um apelido que se
dá a pessoas que têm mau-hálito enquanto que no México, "El Chupes” é um apelido que caracteriza alguém que
consome bebida alcoólica em excesso. Por outro lado, Bafo no Brasil também pode se dizer de pessoa que tem
mal hálito em função da ingestão exagerada de bebida alcoólica, havendo nesse caso correspondência direta.
Outro caso é o da tradução de Doña Filogonia para Filomena ou, simplesmente Filó. Vale ressaltar aqui
que os apelidos para ambos os nomes, tanto em espanhol quanto em português, são Filo - Filó, sendo que
ocorreu aqui uma adaptação cultural, morfológica e de substituição. As conotações afetivas presentes nesse nome
caracterizam a personagem que sempre se mostra amigável, disposta a ajudar, terna e maternal. No entanto, so-
frida, por fazer parte do núcleo pobre e também ser esposa de “Bafo”.
Finalmente, caracterizando a protagonista da telenovela, foi preciso manter o nome María Mercedes. O
nome Maria é bastante importante na América Latina pois, por questões religiosas, enfatiza a mulher de bom
caráter, guerreira, trabalhadora, mas geralmente pobre e de vida sofrida. Caracteriza, também, a “trilogia das Ma-
rias” como telenovelas mexicanas importadas para o Brasil, que possuíam as mesmas características de enredo, e 15
também a mesma atriz, Thalia.

Conclusões

A tradução dos nomes próprios é fundamental para compreender a linha tradutória de uma obra. No caso
da telenovela, mostra-se essencial, inclusive, para a compreensão da trama. Enredado de desafios, o tradutor deve,
na análise extratextual buscar o embasamento de suas escolhas tradutórias de antropônimos.
Quanto ao que se refere à tradução audiovisual, os estudos realizados nesta pesquisa destacam a impor-
tância de sincronização, sem esquecer dos elementos culturais necessários para a adaptação e compreensão do
produto audiovisual por seus telespectadores.
Enfatiza-se que o sucesso e a qualidade de um trabalho de tradução audiovisual estão intimamente ligados
à análise de seu público-alvo. No caso de María Mercedes, é sabido que, como telenovela mexicana, transmitida em
horário nobre, principalmente para mulheres, provavelmente, em sua maioria, de baixa renda e “donas-de-casa”,
encontravam-se em seus lares e poderiam compreender perfeitamente a trama através de sua dublagem. No en-
tanto, a audiência de María Mercedes transcendeu seu público-alvo, chegando a um grande número de telespecta-
dores com as mais diversas características, fato esse comprovado pelas retransmissões feitas após sua primeira
transmissão.
As estratégias tradutórias utilizadas nos antropônimos selecionados para esta pesquisa configuram um
conjunto de escolhas, representativas do sucesso e reconhecimento da telenovela María Mercedes, que reforçam a
importância do trabalho do tradutor ao perpetuar uma obra.

Referências

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ADAPTAÇÃO E TRADUÇÃO DOS CLÁSSICOS
PARA JOVENS E NEOLEITORES

Maria Gil Silva FERREIRA (PUC-Rio)


Marcia Amaral Peixoto MARTINS (PUC-Rio)

Introdução
17
As traduções de obras clássicas contam, muitas vezes com adaptações para outras linguagens ou mídias,
que podem ocorrer das seguintes formas: (i) a transposição de um gênero para outro, comumente denominada
tradução intersemiótica; (ii) a transposição para uma outra época, lugar ou ambiente cultural; e (iii) a intervenção
nas obras, por meio seja de cortes e omissões, seja de acréscimos, expansões e interpolações. Neste estudo, o
conceito de adaptação empregado é o de Julie Sanders (2006, p. 18-19). A designação “leitor jovem” é a da editora
Galera Record, que estipula duas faixas dentro do segmento: (i) público juvenil: leitores entre 10 e 14 anos; (ii)
público jovem adulto: leitores com mais de 14 anos. enquanto que o conceito de “neoleitor”, de Tiepolo (2009,
p.126), aqui usado se refere sobretudo a jovens com variados níveis de escolarização iniciando sua caminhada de
leitor, mas pode contemplar adultos e idosos também.

Análise dos dados

Neste estudo foram minuciosamente analisadas três adaptações editadas no Brasil da peça The
TamingoftheShrew, de William Shakespeare. As duas primeiras, para o teatro e para romance em prosa, foram
realizadas por Walcyr Carrasco (São Paulo: Moderna, 2014), encontrando-se reunidas em um só volume. A terceira
adaptação, esta para cordel, tem como autor Marco Haurélio (São Paulo: Nova Alexandria, 2010).

A megera domada de Walcyr Carrasco

A adaptação para o teatro da Megera Domada de Walcyr Carrasco é bastante fiel ao original shakespeariano
no que diz respeito às personagens, trama, época lugar geográfico.A única omissão observada foi o Prólogo que
integra o original. Na adaptação de Walcyr Carrasco, a peça começa a partir da história da megera, que, no original,
é uma peça dentro da peça. Walcyr Carrasco suprime a história do bêbado Sly, que, anado por um lorde, acredita
ser um homem nobre e, na companhia dos caçadores e de sua esposa – que é, na verdade, um pajem disfarçado,
participando da peça pregada no pobre Sly – vai assistir à peça da companhia de teatro, que conta, então a história
da Megera Domada. Uma vez que a introdução foi cortada da adaptação de Carrasco, as pequenas partes do
primeiro ato em que os personagens Sly, os caçadores e os nobres estão presentes foram suprimidas dando espaço
somente à história da megera.
A Megera de Walcyr Carrasco apesar de se propor a apresentar o texto integral, faz pequenos cortes na fala
de algumas personagens, para simplificá-las e tornar a leitura mais rápida e fluida, preservando-se os elementos
principais dos diálogos. Isso ocorre, por exemplo, no segundo ato: as falas da discussão entre as irmãs são mais
curtas e diretas: um exemplo disso é uma das primeiras falas do original, em que Catarina diz:
“Of all thy suitors, here I charge thee, tell/Whom thou loves tbest: see thou dissemble not.”
A fala da irmã mais velha é um desafio à Bianca; Catarina alerta agressivamente que Bianca não deve ousar
mentir sobre qual dos pretendentes ela tem afeição. Na adaptação analisada, a fala de Catarina, apesar de manter
o tom agressivo, devido às exclamações, é bem mais curta:
“Diga qual pretendente é seu preferido! E não minta!”.
Ao longo do diálogo, a agressividade de Catarina é mantida nas falas curtas, com os constantes insultos à
Bianca e com as tentativas de agressão, impedidas por Batista, que manda que as duas irmãs vão para dentro de
casa cumprir seus afazeres.
A linguagem utilizada na adaptação de Carrasco é bastante acessível e, por vezes, coloquial e atual. Um
exemplo nítido dessa estratégia também pode ser identificado no segundo ato, no momento em que Petrúquio e
Catarina se encontram pela primeira vez. Nessa cena, o diálogo é repleto de insultos e trocadilhos. Carrasco
também adaptou o apelido de Catarina (no original Kate, apelido de Katharina) para Cati:
“Está disfarçando! Seu nome é simplesmente Cati, a boa Cati e, às vezes a má Cati. Minha doce Cati, escute- 18
me! Ouço por todo lado elogios à sua doçura, virtude, beleza – embora não tantos quanto merece! E me sinto
levado a querê-la como esposa!”.
Essa primeira fala da adaptação não faz tantos trocadilhos com o nome de Catarina quanto no original:
“You lie, in Faith; for you are call’d plain Kate,/And bonny Kate, and sometimes Kate the crust;/But, Kate,
the prittiest Kate in Christendom,/Kate of the Kate-Hall, my super-dainty Kate/For dainties are all cates, - and
therefore, Kate,/Take this of me, Kate of my consolation; —/ Hearing thy mildness praised in every town,/Thy
virtues spoke of, and thy beauty sounded,/ Yet not so deeply as to thee belongs, —/ Myself am moved to woo
thee for my wife.”
A partir daí, Carrasco pega elementos chaves das falas para adaptar os trocadilhos, como na resposta de
Catarina a essa fala de Petrúquio, por exemplo:
“Levado? Pois quem o trouxe que o leve embora, como se faz com um móvel indesejado!”.
Na fala original: “Moved! in good time: let him that moved you hither/ Remove you hence: I knew you at
the first,/ You were a movable.”
Mais exemplos da acessibilidade da linguagem na adaptação para o teatro de Carrasco podem ser
encontrados no terceiro ato, em algumas escolhas tradutórias, como por exemplo, na última fala de Lucêncio, em
que “pedant” é traduzido como “espertinho” no trecho que enfatiza a desaprovação à atitude de Bianca de olhar
para outros rapazes, comoHortênsio.
No original:
“But I have cause to pry into this pedant:/Methinks he looks as though he were in love:-/ Yet if thy
thoughts, Bianca, be so humble,/To cast why wandering eyes on every stale,/Seize thee thy list: if once I find the
ranging,/ Hortensio will be quit with thee by changing.”
Na adaptação de Carrasco:
“Mas eu tenho motivo para espionar o espertinho! Tem jeito de estar apaixonado! E que forma de agir a de
Bianca! Se ela se interessa por qualquer um, que escolha quem quiser! Se novamente se comportar como agora, eu
desisto, por ter modos diferentes.”
Além disso, nessa adaptação foi observada a constante presença de paratextos, como notas de rodapé, com
os objetivos de situar o leitor no contexto histórico ou explicar algumas das escolhas tradutórias. Essa estratégia
está evidente, por exemplo, no quarto ato da adaptação. O primeiro exemplo está na fala de Grúmio para Curtis,
em que Carrasco explica a razão de uma escolha tradutória:
No original: “(...)Call forth Nathaniel, Joseph, Nicholas, Phillip, Walter, Sugarsop and the rest(...)”
Na tradução: “(...) Chame Natanael, José, Nicolau, Felipe, Walter, Docinho e os outros criados! (...)”
Carrasco explica que preferiu traduzir Sugarsop, um apelido que equivaleria a “torrão de açícar”, por
“Docinho”, por ser mais coloquial.
O Segundo exemplo, também no quarto ato, é na fala de Petrúquio, quando está esperando que os criados
tragam a primeira refeição para ele e sua esposa:
No original: “Where is the life that late I led – Where are those – (…)”
Na tradução de Carrasco: “Que foi feito da vida que eu levava/ Onde estão esses (...)”
A nota de rodapé explica que essa canção que Petrúquio canta enquanto espera o jantar com sua esposa é
parte de uma antiga balada, hoje perdida.
Mais um exemplo relevante dessa estratégia adotada por Carrasco está na última fala de Petrúquio, no quarto
ato, em que o personagem fala, à parte, como iniciou seu plano para “domar a megera”:
No original: “He that knows better how to tame a shrew,/Now let him speak: ‘tis charity to the shrew.”
Na tradução:“Se alguém conhecer um método melhor para domar uma megera, que fale agora.”
Na última nota de rodapé, Carrasco explica que esse fragmento da fala de Petrúquio é, na verdade, uma
referência feira por Shakespeare às cerimônias de casamento tradicionais, em que há um momento em que o padre 19
pede, se alguém tiver alguma coisa contra, “que fale agora”, e Shakespeare faz uma construção frasal com tom
semelhante, mudando seu sentido ao pedir que “se alguém conhecer um método melhor para domar uma megera,
que fale agora”.
Diferentemente do texto de Shakespeare, a adaptação não é em versos metrificados.
Por sua vez, a adaptação para romance em prosa da mesma peça, incluída no volume duplo, consiste em
dez capítulosque não necessariamente correspondem a um ato completo. O autor começa a narrativa como
narrador onisciente, deixando claro que está contando uma história que não é de sua autoria:

(...) Bianca Minola era uma jovem linda, lindíssima. Os rapazes mais interessantes e disputados da
cidade de Pádua, apaixonados, queriam se casar com ela. Isso mesmo: casar. Afinal, em fins do
século XVI, quando Shakespeare escreveu a peça que conta a história das irmãs Minola, ninguém
“ficava” Quando um rapaz se apaixonava por uma moça, não hesitava nem a enrolava. Pedia-a
em casamento.

Essa estratégia permite que o leitor perceba, logo de início, que se trata de uma adaptação, uma vez que
Carrasco, além de explicar que o autor da história é Shakespeare, explicita que a versão original se trata de uma
peça do século XVI. Mais ainda, para contextualizar a época da peça, em contraste com o cenário atual do século
XXI, Carrasco acrescenta informações entre parênteses para explicar ao leitor como o papel das mulheres e a
concepção de casamento mudaram através das eras: “(...)Sim, naquela época as mulheres obedeciam aos maridos,
tudo que ele dizia era lei. Os tempos mudaram, não, e hoje a questão da independência feminina é fortíssima!”.
Além disso, Carrasco acrescenta imagens, construídas, é claro, por palavras, que ajudam o leitor a visualizar
o cenário e a contextualizar os acontecimentos dentro da peça. Um bom exemplo está no segundo capítulo da
adaptação em prosa, que corresponde à segunda cena do primeiro ato da peça de Shakespeare. No original,
sabemos apenas que o começo da cena se passa em frente à casa de Hortênsio, com a confusão de Petrúquio e
Grúmio. Já na adaptação para prosa de Carrasco, a cena começa com Hortênsio descansado recostado nas
almofadas de sua cama, pensando na jovem Bianca Minola e quase caindo no sono, quando é subitamente
acordado pela confusão causada à porta de casa por Petrúquio e seu criado. Outro exemplo dessa estratégia pode
ser encontrado no terceiro capítulo da prosa, que corresponde à primeira cena do segundo ato do original
shakespeariano: nessa cena, sabemos, através dos diálogos, que Catarina e Bianca discutem e que a irmã mais velha
está maltratando a mais nova. Na prosa, Carrasco narra que Bianca “(...) Sentada numa cadeira da sala, com a
cabeça baixa e os olhos cheios de lágrimas (...) repetia, num sussurro, que até aquele momento nenhum de seus
pretendentes tocara seu coração (...)”, e só então se inicia o diálogo entre as duas irmãs.
Walcyr Carrasco também corta alguns diálogos longos, além de outros de menos importância, e narra a
situação no papel do narrador onisciente, situando o leitor e simplificando a história. Isso acontece, por exemplo,
no segundo capítulo da prosa, correspondente à segunda cena do segundo ato, na fala de Petrúquio. No original,
o personagem afirma que Catarina jamais poderia amedrontá-lo, mesmo sendo uma megera, visto que ele é um
homem teimoso que já enfrentou todo o tipo de adversidades e situações que requerem a coragem de um homem,
em uma fala de treze linhas. Na adaptação sob análise, essa fala foi cortada. Mais um exemplo dessa estratégia de
corte ocorre no capítulo onze, que corresponde à segunda cena do quinto ato da peça. Nessa cena da peça há um
momento em que Catarina e a Viúva discutem. No entanto, na adaptação para a prosa, as falas da discussão foram
cortadas e, em lugar delas, Carrasco faz uma breve narrativa sobre os acontecimentos: “(...) logo no início do
banquete, Petrúquio e Catarina se desentenderam com Hortênsio e a Viúva.”
Essas estratégias foram usadas repetidamente ao longo da adaptação para a prosa, tornando a leitura da
história fluida, rápida e divertida. Os acréscimos e cortes feitos pelo autor se fizeram necessários para um melhor
entendimento da história, visto que, em uma peça, a interpretação dos acontecimentos conta com a ajuda da
performance dos atores em cena, enquanto na narrativa em prosa, é preciso que o leitor se sinta engajado na
história e perceba as mudanças na atmosfera. Carrasco manteve a mesma coloquialidade nas falas das personagens
que em sua adaptação para o teatro. 20

A megera domada em cordel

A adaptação de Marco Haurélio para cordel não faz cortes de cenas, com exceção do prólogo, que, como
nas adaptações de Walcyr Carrasco, não está presente, e tanto o enredo quando as personagens são mantidos. A
narrativa se dá em sextilhas (estrofes de seis versos e sete sílabas poéticas) rimadas. Nessa adaptação para o cordel
não há a presença de paratextos para situar o leitor e eles também não se fazem necessários, uma vez que há alguns
acréscimos dentro das sextilhas que contextualizam o ambiente da peça:

“Eu vou contar uma história


Há muito tempo passada,
Na época em que a Itália
Não estava unificada
Vivia na rica Pádua
Uma família abastada.”

Marco Haurélio, assim como Wlacyr Carrasco, também conta a história da Megera deixando claro que ela
não é de sua autoria, também fazendo com que o leitor perceba que se trata de uma adaptação. No entanto,
enquanto Carrasco, na adaptação para a prosa, explica logo de início que se trata de uma peça de Shakespeare,
Marco Haurélio só faz isso no último verso do Cordel e não menciona o nome de Shakespeare:

“(...) Esta comédia nasceu


Da mente de um gênio inglês.
Há muito tempo eu a li
E agora chegou a vez
De recontá-la em versos
E oferecê-la a vocês.”

Os diálogos longos e os monólogos também foram mantidos, e uma linguagem mais coloquial e atual foi
empregada, para tornar a leitura mais rápida, fluida e divertida, visto que não se trata de um texto em prosa, e sim,
de um texto rimado.
Um exemplo é este diálogo entre Petrúquio e Catarina:
PETRUCCIO:
“You lie, in Faith; for you are call’d plain Kate,
And bonny Kate, and sometimes Kate the crust;
But, Kate, the prittiest Kate in Christendom,
Kate of the Kate-Hall, my super-dainty Kate
For dainties are all cates, - and therefore, Kate,
Take this of me, Kate of my consolation; —
Hearing thy mildness praised in every town,
Thy virtues spoke of, and thy beauty sounded,
Yet not so deeply as to thee belongs, —
Myself am moved to woo thee for my wife.”
21
KATHARINE:
“Moved! in good time: let him that moved you hither
Remove you hence: I knew you at the first,
You were a movable.”

Na adaptação para o cordel:

“— Bom dia, boa Catita —


Disse-lhe o gracejador —
Pois eu soube que esse era
O nome do meu amor.
Disse ela: — Os seus ouvidos
São meio duros, senhor.

— Que nada! Eu escuto bem —


Você é minha Catita.
De quem ouvi falar
Que era cordata e bonita.
É minha futura esposa
Por quem meu peito se agita.

— Vou fazê-lo agitar


Cão sarnento, condenado!
Vejo ali um tamborete,
Um móvel apropriado,
Para arrebentar-lhe o quengo
E, assim, deixá-lo agitado.”

A localização espaço-temporal da adaptação foi mantida em relação ao original.

Conclusão

Embora as adaptações analisadas trabalhem com linguagens diferentes, as três apresentam propostas
similares, caracterizando-se por preservar personagens, tramas e localização espaço-temporal, além de empregar
linguagem que tende para o contemporâneo. Falas e situações emblemáticas são mantidas. Trata-se de edições
bem cuidadas, que pretendem criar, pela via das adaptações, uma imagem de Shakespeare e sua obra bastante
alinhada com aquela proporcionada pelo original.

Referências

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RISE WITH THE LARK/ACORDAR COM AS GALINHAS:
A SIMBOLOGIA ANIMAL NA TRADUÇÃO DE EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS

Paula Christina Falcão PASTORE (UNESP)

Introdução

A Fraseologia, como disciplina linguística, surgiu nos anos 40 e foi objeto de estudo de vários linguistas, 23
que procuraram explicá-la.
Ortíz-Alvarez (2000) leva-nos a compreender a Fraseologia como um ramo da Linguística que tem como
objeto de estudo a análise de combinações de palavras que formam novas unidades lexicais (ULs) ou que têm o
caráter de expressões fixas. Também podemos citar Vinográdov (1946, apud TRISTÁ PÉREZ, 1988) que, por
sua vez, entende que a Fraseologia tem como objetivo o estudo das leis que condicionam a falta de liberdade das
palavras e dos significados destas para se combinarem entre si.
Segundo Falcão (2002), as investigações de Vinográdov contribuíram muito para os estudos das
combinações estáveis, sendo o primeiro a classificar sincronicamente as características fraseológicas do ponto de
vista de sua função. Então, baseado no grau de coesão semântica das palavras que formam os fraseologismos,
Vinográdov (1946, apud CARNEADO MORÉ, 1985) destaca três grupos: 1) o grupo das unidades fraseológicas;
2) o das combinações fraseológicas; e 3) o das aderências fraseológicas. O terceiro grupo, das aderências
fraseológicas, concerne a ULs cuja significação não é motivada pelo significado das palavras que entram na
composição da expressão, isto é, não há nenhum vínculo substancial com os significados de seus componentes.
Por exemplo: “chover canivetes” não pretende denotar uma chuva desses objetos.
Assim como Vinográdov, outros linguistas estudaram as unidades fraseológicas e propuseram diferentes
definições para essas combinações fixas. Corpas Pastor (1996, apud ORTIZ ALVAREZ, 2017) enumera cinco
características básicas dos fraseologismos, isto é, são expressões formadas por várias palavras, convencionalizadas,
estáveis, que apresentam algumas particularidades semânticas ou sintáticas e que podem sofrer modificações nos
elementos que as integram. Com base nesses estudos, podemos, então, comentar três características que
consideramos, como Tristá Pérez (1988), possuir a maioria dos fraseologismos: a pluriverbalidade, o sentido
figurado e a estabilidade fraseológica.
A pluriverbalidade significa que todo fraseologismo é formado por duas ou mais palavras, sendo que pelo
menos uma delas deve ser uma palavra plena, ou palavra lexical (um substantivo, adjetivo ou verbo).
Com relação ao sentido figurado, sabemos que os fraseologismos podem apresentar diversas figuras de
estilo, como a metonímia ou a comparação. Mas, sem dúvida, é a metáfora o fator semântico que mais gera
fraseologismos, ou seja, a metaforização - troca de sentido que se origina pela semelhança entre fenômenos e
objetos - é o processo que mais atua na formação dessas unidades como uma grande força de enriquecimento
fraseológico (TRISTÁ PÉREZ, 1988; ORTÍZ-ALVAREZ, 2000).
Uma metáfora surge por um processo de denominação de novos objetos, fenômenos etc., sob a base de
palavras já existentes na língua, ou por redenominação de outros objetos e fenômenos. As imagens, que são o
cerne de qualquer metáfora, podem desaparecer com o tempo e o que acaba ficando na língua é um termo que
ninguém mais associa com a origem real. É, pois, por meio de um processo de metaforização que uma
característica ou propriedade inerente a um objeto passa a caracterizar outro, que pode pertencer a uma classe
totalmente diferente. Por exemplo: em “Márcio é uma cobra” temos a imagem da traição, simbologia expressa
culturalmente pelo réptil “cobra”, atribuída metaforicamente a um sujeito +humano. (PASTORE, 2009)
A terceira característica que consideramos é a estabilidade fraseológica, ou seja, a capacidade que os
fraseologismos possuem de serem reproduzidos integralmente.
Após considerarmos essas características que são próprias dos fraseologismos, observemos as expressões
idiomáticas (EIs). Adotamos o conceito de EI proposto por Xatara (1998), que considera essas expressões lexias
complexas indecomponíveis, conotativas e cristalizadas em um idioma pela tradição cultural. Tratamos, portanto,
de EIs americanas e brasileiras com nomes de animais, pois, trata-se de um tema bastante produtivo, tanto em
inglês quanto em português.
Pesquisas constrastivas sobre os idiomatismos podem auxiliar no ensino/aprendizagem de uma língua
estrangeira e na prática tradutória, uma vez que as EIs empregadas normalmente no discurso dos falantes nativos
de uma língua, podem causar estranheza e dificuldade de entendimento aos aprendizes estrangeiros. Além disso, 24
como a própria tradução de EIs representa um desafio, procuramos estudar a simbologia dos animais com o
intuito de auxiliar a compreensão das EIs estudadas e a posterior tradução das mesmas. Apresentamos, pois, um
exemplário dessas EIs e seus correspondentes, assim como uma análise semântico-contrastiva desses
idiomatismos.

Expressões idiomáticas e tradução

A reflexão pós-moderna vê o tradutor como um sujeito social responsável pela produção de significados
e a tradução como um produto de uma interpretação. Em outras palavras, a tradução é vista como um caso
particular de leitura que se produz de acordo com as normas e convenções aceitas por uma determinada
comunidade em uma certa época.
De acordo com os pós-modernos, os valores expressos pela tradução não são neutros, sempre existindo
uma interferência por parte do tradutor, visto que suas escolhas sempre mostram uma avaliação de sua língua e
cultura, da língua e da cultura estrangeira, bem como do texto e do autor que traduz (RODRIGUEZ, 2000)
Isto posto, refletimos sobre as questões que o tradutor enfrenta ao tratar das EIs e concordamos com
Ortiz Alvarez (2017) quando diz que o significado fraseológico é um dos problemas mais complexos que enfrenta
o fraseógrafo, pois são unidades lexicais do discurso que às vezes equivalem a um enunciado. Igualmente para o
tradutor, o significado do tipo de fraseologismo que estudamos representa uma dificuldade, já que além de sua
compreensão em língua estrangeira, há que se encontrar uma tradução correspondente que contemple
adequadamente seu significado em língua materna.
Procuramos apresentar traduções idiomáticas para as EIs inventariadas, ao invés de uma paráfrase ou uma
explicação e, para tanto, observamos previamente a simbologia dos animais que figuram nesses idiomatismos.
Buscamos também traduzir encontrando correspondentes que fossem frequentes e cristalizados pelo uso em
língua portuguesa do Brasil, mesmo porque a frequência e a cristalização são características próprias das EIs,
considerando-se um recorte significativo, mas parcial da sociedade brasileira em uma determinada época, a
contemporânea.
Assim, para a EI a little bird told me, por exemplo, temos como tradução para o português a expressão “um
passarinho me contou”. Optamos, pois, por esta tradução, porque é esse sentido que predomina na sociedade
brasileira e é o que está cristalizado pelo uso. Por conseguinte, é o que figura em nossa análise.

A simbologia dos animais nos idiomatismos

A simbologia dos animais é muito variada, pois são considerados símbolos tradicionais e, devido a este
fato, a representação desses animais vai além de seu lugar de origem, ou seja, com frequência culturas diferentes
acabam muitas vezes escolhendo o mesmo objeto para simbolizar a mesma coisa (PASTORE, 2017). Quando há
diferenças, o contexto cultural parece ser um fator importante. Sendo assim, nossa pesquisa revelou que, apesar
de inicialmente considerarmos haver uma delimitação bem definida entre a simbologia dos animais nos Estados
Unidos e no Brasil, essa simbologia pode, por vezes, ser a mesma, mesclar-se ou até mesmo apresentar influência
de países outros, devido à tradicionalidade, ao redor do mundo, dos símbolos relacionados aos animais (LURKER,
2003). Logo, há, às vezes, uma tendência de os costumes de povos diferentes mesclarem-se e assim gerarem
expressões híbridas, isto é, suas culturas se entrelaçam, resultando em novas expressões de manifestação popular
(TRESIDDER, 2005).
A cultura Norte-Americana e consequentemente sua tradição folclórica e simbológica, apesar de reunir
muito da tradição dos índios nativos americanos, assim como dos afro-americanos, representa, em grande parte,
imigrantes de várias localidades, suas crenças, tradições e influências culturais outras. O folclore do Brasil é
igualmente variado e, para sua formação, colaboraram principalmente, além do índio, o português e o africano. 25
Esses três povos constituíram, podemos dizer, as raízes de nossa cultura. Posteriormente, imigrantes de outros
países deram sua contribuição ao nosso folclore, tornando-o mais complexo.
No folclore das diferentes culturas, encontramos referência a um tempo em que pessoas e animais não se
distinguiam, assumindo, assim, as formas uns dos outros. A relação homem-animal está presente na maioria das
culturas (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2007), seja simbolizando uma relação pacífica e harmoniosa ou de
hostilidade e turbulência. Aos animais foi atribuído um vasto simbolismo moral, instintivo, da libido, do
subconsciente e das emoções, por meio de metáforas, analogias ou intuições psíquicas.
A simbologia animal está profundamente enraizada no subconsciente coletivo da humanidade, assim
herdamos sentimentos, positivos e negativos, com relação a esses animais que condicionam, inconscientemente,
nosso comportamento consciente (LURKER, 2003).
Pelo fato de os animais nos terem precedido e testemunharem a nossa evolução, são considerados nossos
“parentes próximos” por muitas tradições nativas, mesmo porque sempre estiveram presentes na vida cotidiana
dos humanos. A exemplo, podemos citar animais como o burro e o cavalo - que têm servido como meio de
transporte -; o cachorro - animal domesticado que há muito acompanha humanos em diversas situações, como
em ocasiões de guerra e funerais, assim como em situações corriqueiras como a simples companhia em casa ou
fora dela -; o boi e a vaca - que servem como alimento em diversas culturas e tantos outros animais.
Verificamos toda essa riqueza de valores e como os animais estudados estão intrinsecamente ligados ao
comportamento e modo de vida das culturas envolvidas. Logo, constatamos que a simbologia dos animais nos
Estados Unidos e no Brasil pode, por vezes, ser parecida, diferir, entremear-se ou mesmo manifestar influência
de outros países.

Análise semântico-contrastiva dos idiomatismos

make an ass of oneself - fazer papel de burro


Tanto para a cultura brasileira como para a cultura norte-americana, o burro foi possivelmente escolhido
para compor este idiomatismo por possuir uma simbologia associada ao papel passivo e sofredor deste animal.
Assim, a estupidez e humilhação pela qual uma pessoa pode se deixar passar é bem demonstrada pela figura do
burro, ancestralmente representante da estupidez cômica.

a little bird told me - um passarinho me contou


Esta EI evoca uma simbologia do pássaro, há séculos difundida, na qual se acreditava que o mesmo se
comunicava com deuses por meio de seu piar. Dessa forma, acreditando que estes animais confidenciavam
segredos aos guerreiros, ajudando-os na luta, e que seu canto informava pessoas sobre possíveis perigos, o pássaro
possivelmente foi eleito pelas culturas envolvidas para denotar esses significados.
cat got your tongue?- o gato comeu sua língua?
Estas expressões apresentam as características misteriosas do gato, um animal associado também ao poder
de clarividência e mistério oculto, envolvendo o fato de acreditar-se que este animal saiba de algo que outros
desconhecem.

go to bed with the chicken - dormir com as galinhas


Ambas culturas elegeram a galinha para compor essa EI, pois há muito esta ave tem sido símbolo de
amanhecer e hábitos diurnos. Devido a este fato, acredita-se que ela seja avessa à noite, isto é, que reduza suas
atividades logo que o sol se põe para que esteja ativa ao amanhecer, característica peculiar de pessoas descritas por
esses idiomatismos.
26
cock sparrow - galo de briga
Dentre as representações do galo, está o fato de se crer ser comum a briga entre eles, principalmente
instigada pelos humanos e com o intuito de gerar lucro, assim como o fato de serem quase sempre relacionados a
batalhas. Portanto, as expressões denotam pessoas que se intitulam valentes e que estão sempre dispostas a criar
confusões.

crocodile tears - lágrimas de crocodilo


A imagem evocada pelas EIs que utilizam o crocodilo é a de uma pessoa que finge estar magoada a respeito
de algo errado que tenha feito, entretanto verdadeiramente não se arrepende. Dessa maneira, o crocodilo é
empregado nessas expressões por acreditar-se que ele simbolize dissimulação e hipocrisia, uma alusão ao fato de
seus olhos lacrimejarem enquanto come sua presa.

fish out of water - peixe fora d’água


Esta expressão faz referência a quão confortável e seguro este animal se sente em seu ambiente natural: a
água. Estar fora desse ambiente implica em morte do peixe e para fazer alusão às pessoas designadas por essas
EIs, podemos dizer que as mesmas estariam em uma situação desconfortável fora de um ambiente que lhes é
próprio.

neither fish nor fowl - nem carne nem peixe


A carne de peixe possui um simbolismo sagrado, ou seja, esta carne seria considerada “santa” e comida
por religiosos. Já a carne de ave, igualmente presente na EI em inglês, seria designada a pessoas comuns, isto é,
não religiosas. A EI denota algo que não se consegue descrever ou que não seja importante, assim percebemos
que nem peixe - carne considerada “santa” para religiosos - tampouco a carne, destinada a outras pessoas, serve
para a ocasião. Em português, a imagem é semelhante, já que se diz “nem carne nem peixe” de algo que não seja
importante.

trojan horse - cavalo de Troia


As expressões representam uma das simbologias do cavalo que é a de destruição e morte, devido à
associação com o cavalo de madeira que os gregos construíram para atacar a cidade de Troia e assim destruí-la.
Assim, alguém ou algo que ataca um grupo ou uma organização pode ser designado pelas EIs acima.

have a horse laugh - rir como um cavalo relinchando


Essa EI representa uma característica física do cavalo, ou seja, seu “sorriso largo”, fazendo referência a
quando alguém abre a boca propositalmente. Desse modo, essa característica é frequentemente comparada a um
sorriso aberto de humanos, assim como seu relincho estridente por vezes é comparado a uma risada estranhamente
engraçada de alguém.

be the goat - ser o bode expiatório


O bode possui um simbolismo, no cristianismo, associado à impureza, ou seja, é visto como o animal que
foi sacrificado a Deus e que carrega todos os pecados da humanidade. Fazendo uma alusão às EIs em questão,
podemos dizer que o bode carregaria então uma culpa em nome da “salvação” de outros. Dessa forma, talvez por
isso tenha sido o animal selecionado para designar alguém que esteja nessa situação, isto é, pessoa a qual recaem
os erros de outrem.

throw someone to the lions - atirar aos leões


O simbolismo do leão nos idiomatismos registra a imagem evocada da antiga Grécia, onde leões 27
devoravam outros animais, o que representava, à ocasião, morte. Assim, o leão foi provavelmente eleito para as
EIs por representar essa certeza de situação muito perigosa, na qual quem luta com este animal não tem chance
alguma.

have ants in one’s pants - ter formiga no rabo


A formiga foi o animal escolhido na EI em inglês para representar o estado de agitação, nervosismo ou
ansiedade em que se encontra uma pessoa, pois este é o simbolismo mais característico deste animal, presente
também na cultura brasileira. Essa representação está associada ao comportamento das formigas em um
formigueiro, que se agitariam especialmente quando incomodadas.

bleed like a pig - sangrar como um porco


Na antiguidade, há figuras que retratam o abatimento de porcos por meio de muito sofrimento e sangue.
Desse fato, gerou-se um simbolismo ruim em torno desse animal acreditando-se que o mesmo sangra até a morte,
ou seja, que esse sangramento vai além do normal. O porco foi então selecionado para manifestar a imagem de
alguém que sangra muito por meio dos idiomatismos bleed like a pig e “sangrar como um porco”.

black sheep - ovelha negra


Nas expressões, vemos a ovelha representando alguém que quase sempre faz algo errado, diferentemente
da maioria das outras pessoas que supostamente agem corretamente. Esse simbolismo provém da imagem da
ovelha dita “negra” que representaria pecadores incorrigíveis no cristianismo.

have a frog in one’s throat - parecer gato engasgado


As expressões representam, de maneira sarcástica, alguém que esteja com um problema de rouquidão. O
sapo está presente na EI em inglês simbolizando que há um incômodo na garganta de alguém que impede o som
de sair naturalmente, remetendo a um fato simbologicamente antigo no qual sapos eram engolidos para curar
pessoas de um possível veneno ingerido. Já o gato possui um simbolismo de invocador de chuva e, para isso, eram
forçados a engolir uma pequena bola feita de linha e emitir sons, tarefa obviamente difícil. Provavelmente devido
a esse fato tenha sido eleito para participar da EI em português.

put a bug in one’s ear - deixar alguém com a pulga atrás da orelha
A ideia de algo que incomoda é transmitida nessas expressões que denotam alguém que recebeu uma
informação e que, em decorrência disso, está preocupado ou desconfiado. O “inseto” na EI em inglês
provavelmente tenha sido adicionado por representar inquietude e incômodo, um simbolismo geralmente
associado a esse animal. A pulga, um tipo de inseto, também pode simbolizar incômodo e privação do sono, ou
seja, talvez tenha sido escolhida pela comunidade brasileira exatamente por essa representação.

lone bird - lobo solitário


Os animais presentes nessas expressões, o pássaro e o lobo, provavelmente foram escolhidos para compor
esses idiomatismos por expressarem solidão, se vistos sozinhos, justamente pelo fato de que, na maioria das vezes,
andam em bando. Dessa maneira, uma pessoa que evita companhia de outros pode ser denominada pelas EIs em
questão.

eat crow - engolir sapo


Esses idiomatismos evocam um significado de humilhação e, desse modo, os animais corvo e sapo foram
escolhidos para remeter a esse significado. O corvo está presente na EI em inglês pois, especialmente para os 28
norte-americanos, o ato de engolir este animal remete a um fato de guerra quando um inglês obrigou um americano
a engolir um pedaço do corvo que havia matado. O sapo também possui esse simbolismo que é proveniente do
fato de aprendizes de charlatões vendedores de remédios engolirem sapos para que seus mestres os curassem do
veneno, assim enganando os possíveis compradores do medicamento.

not a dog’s chance - nem que a vaca tussa


Essas EIs significam algo que não tem chance de acontecer, para tanto podemos ver a imagem, dita
impossível, de um animal ruminante tossindo, no caso a vaca. Já o cachorro possui um simbolismo funesto, ou
seja, de um animal que muitas vezes não tem chance de sobreviver, pois está quase sempre ligado a sacrifícios e
morte.

rise with the lark - acordar com as galinhas


A cotovia simboliza a manhã devido ao fato de acreditar-se que este animal “desperte” cedo. O mesmo
acontece com a galinha na cultura brasileira, que representa o amanhecer juntamente com o galo. Dessa forma,
esses animais foram escolhidos para compor o significado das EIs que designam alguém que acorda muito cedo.

get one’s goat - virar uma onça


Devido ao seu simbolismo de ferocidade e perigo, a onça foi provavelmente escolhida para simbolizar
alguém que está tremendamente irritado com alguma situação, assim como o bode que, por significar animal
sagrado, poderia possivelmente deixar irritada a pessoa que o perde, como denota a EI em inglês.

play horse with someone - fazer gato e sapato de alguém


Há no cavalo um simbolismo de sacrifício. Os gatos também eram figuras de submissão e sacrifício, assim
eram mortos por serem simbologicamente figuras que atraíam o mal. Além disso, há o simbolismo presente no
gato de sempre se submeter ao cachorro. Esse significado de humilhação, de alguém que se submete a outro, está
presente nas EIs e representado pelos animais escolhidos.

at a snail’s pace - a passo de tartaruga


Os animais “lesma” e “tartaruga” provavelmente participam das EIs por representarem, para as culturas
envolvidas, lentidão e atraso, assim alguém que demora a fazer algo ou algum processo lento é caracterizado pelas
EIs em questão.

talk about the birds and the bees - falar sobre a chegada da cegonha
Os três animais presentes nas EIs exprimem um simbolismo que está, de certa forma, associado à gravidez.
A abelha representa pureza e abstinência em várias culturas e, especialmente no Cristianismo, simboliza castidade
e virgindade, pois é vista como representação da Virgem Maria. Os pássaros, de um modo geral, simbolizam
fertilidade e também são vistos como representação da alma. A cegonha, especialmente, era considerada sagrada
na Grécia e símbolo de cuidado maternal, assim em várias culturas, e também na brasileira acredita-se no mito de
que ela traga bebês.
As EIs apresentam, portanto, um significado relacionado à gravidez porém vista de maneira pura e casta,
talvez por esse motivo os animais abelha, pássaro e cegonha tenham sido escolhidos para bem representar essa
significação.

rat assed - bêbado como um gambá


As EIs são utilizadas para expressar a total embriaguez de alguém e os animais que as compõem foram 29
provavelmente eleitos por possuirem uma imagem associada a quem se embriaga, pois acredita-se que o odor
dessa pessoa fique muito forte devido à bebida. Assim, pode-se fazer referência ao odor da urina do rato, que é
símbolo universal de sujeira e ao odor do gambá, que igualmente representa sujeira associado ao fato de exalar um
cheiro desagradável quando perseguido.

bull in a china shop - macaco em loja de louça; elefante em loja de porcelana


Os animais aqui descritos representam que danos podem ser causados em certas situações. O touro possui
uma imagem de animal de grande porte que possui velocidade perigosa e que pode causar confusão se imaginarmos
este animal em um lugar como uma loja de porcelana, uma alusão às porcelanas chinesas muito famosas nos
Estados Unidos. O mesmo percebe-se com o elefante, animal muito grande que dificilmente não causaria estragos
em uma loja de louças. Por seu comportamento considerado atrapalhado e desastrado, o macaco também foi
escolhido para demonstrar a mesma imagem, isto é, de alguém que se atrapalha em certas ocasiões ou é
considerado desastrado.

Considerações finais

Ao observarmos a simbologia dos animais, percebemos que, em alguns casos, alguns dos animais são mais
produtivos na cultura brasileira e, por isso, em muitas EIs, se diferenciam dos encontrados nas EIs em inglês.
Podemos citar a galinha, por exemplo, que figura na tradução da EI “acordar com as galinhas”, como sendo mais
disseminada simbologicamente no Brasil, do que a cotovia, símbolo fortemente matutino na América do Norte,
bem representada na EI americana rise with the lark. Outros casos: play horse with someone - fazer gato e sapato de
alguém; eat crow - engolir sapo; bull in a china shop - macaco em loja de louça; elefante em loja de porcelana.
Notamos que, na tradução de outras EIs, foi mantido o mesmo animal da EI em inglês. Por exemplo, na
EI cat got your tongue? e em seu correspondente “o gato comeu sua língua”, o animal, cat ou “gato”, é o mesmo.
Outros exemplos são: go to bed with the chicken - dormir com as galinhas; crocodile tears - lágrimas de crocodilo; be the
goat - ser o bode expiatório. Nesses casos, conferimos que alguns animais são tão frequentes simbologicamente na
cultura americana quanto na cultura brasileira.
Empenhamo-nos em encontrar correspondentes igualmente idiomáticos em português, sempre que
possível, com o intuito de fornecer opções ao tradutor que mais se adequem aos possíveis contextos dos textos
traduzidos. Com efeito, a observação das traduções idiomáticas desse tipo de fraseologismo pode contribuir para
a fluência linguística desses profissionais, pois além de conhecerem a gramática e o léxico de uma determinada
língua, têm ainda que memorizar um enorme repertório de formas cristalizadas, conhecer o seu significado e saber
adequá-las a contextos específicos.
Esperamos, com este estudo, colaborar para o enriquecimento dos estudos lexicológicos e lexicográficos
sobre as EIs e, consequentemente, auxiliar tradutores em seu árduo trabalho de busca de correspondentes,
oferecendo-lhes opções de traduções idiomáticas em língua portuguesa, para os idiomatismos americanos
analisados.

Referências

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CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos. São Paulo: José Olympio, 2007. 1040p.
30
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José do Rio Preto, 2002. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) Instituto de Biociências, Letras e
Ciências Exatas - Universidade Estadual Paulista.

LURKER, M. Dicionário de simbologia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 776p.

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implicações para o ensino do português como língua estrangeira. 2000.Tese (doutorado em Linguística Aplicada:
Ensino/Aprendizagem de Segunda Língua eLíngua Estrangeira) - Instituto de Estudos da Linguagem,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

ORTÍZ-ALVAREZ, M. L. O. A Valorização do contexto e do pragmatismo das expressões idiomáticas nos


dicionários monolíngues e bilíngues. In: De volta ao futuro da língua portuguesa. Atas do V SIMELP - Simpósio
Mundial de Estudos de Língua Portuguesa. Lecce: Università del Salento, 2017.

PASTORE, P. C. F. A simbologia dos animais em expressões idiomáticas americanas e brasileiras: uma proposta
lexicográfica. 2009. Tese (Doutorado) – UNESP – São José do Rio Preto, 2009.

PASTORE, P. C. F. A Simbologia dos animais nas expressões idiomáticas americanas e brasileiras. Porto Alegre: Pragmatha,
2017.

RODRIGUEZ, Cristina Carneiro. Tradução e Diferença. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.

TRESIDDER, J. The Complete Dictionary of Symbols. San Francisco: Chronicle Books, 2005.

TRISTÁ PÉREZ, M. A. Fraseología y contexto. Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1988.

XATARA, C. M. A tradução para o português das expressões idiomáticas em francês. Araraquara, 1998, 253 p. Tese
(Doutorado) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista.
LÉXICO TABU E NARRATIVAS POLICIAIS:
UMA REFLEXÃO EM TORNO DA TRADUÇÃO DE LEXIAS PROIBIDAS

Flávia SEREGATI (UNESP/Ibilce)

31
Introdução

O objetivo deste trabalho é discutir a tradução das lexias tabus do espanhol para o português em duas
obras do autor espanhol Manuel Vázquez Montalbán. Tendo como base a Lexicologia e a Pragmática, nosso
estudo foi fundamentado no contexto do romance policial em que as lexias tabus foram encontradas.
Neste trabalho, priorizamos a análise da tradução do léxico tabu em duas obras que pertencem ao gênero
policial, dado que é recorrente o emprego desse léxico neste gênero. Diante disso, entendemos que os romances
policiais, de modo geral, estão ambientados em contextos sociais considerados marginalizados, nos quais
encontramos personagens de diferentes classes sociais e que, por ser destinado a um público mais adulto, é comum
encontrarmos unidades lexicais tabus de modo mais frequente.
Nessas duas obras de Vázquez Montalbán, encontramos personagens que pertencem à máfia, ao tráfico,
às camadas periféricas e as mais abastadas da sociedade e também o detetive principal, conhecido como Pepe
Carvalho. Em relação ao uso que fazem da linguagem, entendemos que Vázquez Montalbán emprega o léxico
tabu como um recurso estilístico para inserir sua obra no universo underground em que seus personagens transitam.

Sobre os tradutores

O corpus utilizado foi composto por duas obras, Los mares del sur e Milenio, que foram traduzidas para o
português pelos tradutores Cid Knipel Moreira e Rosa Freire D’Aguiar, respectivamente.
Os dois volumes da obra Milenio foram editados em um único volume em português, intitulado Milênio,
em 2007, pela Companhia das Letras e traduzidos por Rosa Freire D’Aguiar. Segundo o DITRA, a tradutora Rosa
Freire D’Aguiar nasceu no Rio de Janeiro e é formada em Comunicação e Jornalismo pela PUC-RJ. Além disso,
trabalhou diversos anos como correspondente em Paris pelas revistas Manchete e IstoÉ.
Em 1987, a tradutora traduziu seu primeiro livro para a editora Paz e Terra: O conde de Gobineau no Brasil,
de Georges Raeders. Ademais, é tradutora do francês, espanhol e italiano. Durante sua carreira, verteu mais de
sessenta títulos nas áreas de literatura e ciências humanas, dentre os traduzidos destacam-se autores como Ernesto
Sábato, Manuel Vázquez Montalbán e Louis-Ferdinand Céline. Entre os prêmios que recebeu estão o da União
Latina de Tradução Científica e Técnica (2001) por O universo, os deuses, os homens (Companhia das Letras), de Jean-
Pierre Vernant, e o Jabuti (2009) pela tradução de A elegância do ouriço (Companhia das Letras), de Muriel Barbery.
Desde 1990 é tradutora da Companhia das Letras.
Em relação à tradução de Los mares del sur, poucas informações foram encontradas sobre o tradutor Cid
Knipel Moreira, porém ele foi o tradutor de Os mares do sul para o português em 2001 pela Companhia das Letras.
Cid Knipel Moreira também foi o tradutor de mais de 8 livros pela Companhia das Letras, entre eles Sobre histórias
(2013), Entre os fiéis (1999) e Trem noturno (1998).
Relação da Pragmática e da Lexicologia

Para analisar as lexias tabus nos apoiamos em duas disciplinas: a Pragmática e a Lexicologia. Assim,
iniciamos nossa discussão acerca desse tema caracterizando brevemente essas disciplinas e seus pontos de
convergência que possibilitaram o estudo desse léxico considerado tabu.
Primeiramente, é preciso compreender que a Pragmática, segundo Armengaud (2006), é o cruzamento de
ciências como a Linguística e a Filosofia, em consonância com a afirmação, Morris (1994) esclarece que o termo
“Pragmática” foi cunhado em referência ao termo “pragmatismo”, uma corrente filosófica. Dessa maneira, essa
disciplina se configura como uma área em que se concentram diversos pressupostos que ultrapassam o objeto
tradicional de análise da linguística, focalizando o estudo de uma perspectiva diferente da língua.
Com base nesses princípios, entendemos que, como explica Armengaud (2006), essa disciplina se
caracteriza pela busca de pressupostos que antes foram deixados de lado, como responder perguntas acerca do 32
que fazemos ao falar, o que dizemos exatamente no momento da nossa fala/enunciação, a quem direcionamos os
nossos enunciados e quais são os conteúdos que eles transmitem ao interlocutor, permitindo, assim, a
decodificação da mensagem transmitida.
Consequentemente, de modo distinto de Saussure (1916/2006) que privilegiava o estudo da langue em
relação à parole, ou seja, a relação entre o significado e o significante, respectivamente, a Pragmática, segundo Souza
e Hintze (2010), prioriza a não centralidade da língua em relação a fala. Essa diferenciação ocorre devido à
definição proposta pelos estudos pragmáticos que “pretendem definir o que é a linguagem e analisá-la trazendo
para a definição os conceitos de sociedade e de comunicação descartados pela Linguística saussuriana na subtração da
fala, ou seja, na subtração das pessoas que falam” (PINTO, 2012, p.56).
A partir dessa afirmação, podemos considerar que essa disciplina considera a linguagem como um
fenômeno discursivo, comunicativo e social, baseada em uma abordagem semântica e sintática. De acordo com
Pinto (2012), no enfoque pragmático, a prática social não está desvinculada da linguagem e é necessário descrever
a linguagem incluindo os aspectos sociais, posto que se esses aspectos forem excluídos a pesquisa Pragmática é
considerada inócua e ineficiente. Sendo assim, ao considerar a linguagem é necessário refletir acerca do contexto
ao qual está vinculada, dado que esta não é um meio neutro para transmissão de ideias, mas um suporte na
constituição da realidade social.
Segundo Rajagopalan (1999, p.332) “a grande variedade de assuntos tratados é prova de que a Pragmática
mantém vínculos com muitas outras disciplinas, assim como muitas das demais subáreas da Linguística”. Assim,
estabelecemos um vínculo entre a Pragmática e a Lexicologia, uma vez que os estudos lexicais são uma das
ramificações dos estudos linguísticos que se ocupam do léxico de uma língua. Desse modo, observando essas
duas disciplinas, podemos estabelecer relações entre o uso que se faz do léxico de determinada língua durante a
interação social em função dos fatores pragmáticos que os condiciona.
Primeiramente, é necessário situar a Lexicologia como uma ciência se ocupa do léxico de uma língua, dado
que estuda seu sistema lexical, composto por suas características e seus elementos constitutivos. Por conseguinte,
o léxico de uma língua depende dos falantes que o empregam, agem sobre ele e se identificam através dele. De
acordo com Biderman (1996, p. 27) “o léxico é o lugar da estocagem da significação e dos conteúdos significantes
da linguagem”. Portanto, o léxico apenas existe em função da sociedade e da cultura em que está inserido e através
dele podemos conhecer a cultura da língua a que serve como meio de expressão.
Neste estudo, em particular, focalizamos duas culturas: a espanhola e a brasileira. E, a partir desses dois
contextos, entendemos que cada comunidade linguística, em função da sociedade e da cultura em que está inserida,
vale-se da troca de ideias e de informações entre seus usuários. Nessa interação, cada cultura utiliza imagens e
construções diferentes para referenciar acontecimentos cotidianos, compartilhando as influências, os valores e as
crenças por meio da linguagem que interage de modo indissociável com o modo de vida de determinada
comunidade.
O léxico tabu

O léxico tabu é uma linguagem característica de muitas culturas e, por convenções ou normas sociais, pode
ser utilizado, em algumas ocasiões, com restrições em determinadas circunstâncias. Essas restrições e proibições
ocorrem devido a uma construção histórica, variando de proibições religiosas a morais, e apesar do uso do léxico
tabu ser utilizado para expressar diversos sentimentos que podem variar desde irritação até felicidade, as lexias
tabus são frequentemente consideradas de baixo calão. Trata-se, portanto, de um conjunto de formas linguísticas
que engloba unidades lexicais vulgares e grosseiras consideradas ofensivas dentro de uma sociedade. Na maioria
dos casos, é considerada uma linguagem marginalizada e depreciativa que ao ser enunciada pode criar diversos
tipos de situações desagradáveis.
Conforme discutido anteriormente, as situações de uso do léxico tabu podem variar de acordo com o
33
contexto em que forem enunciadas, esses usos podem ser identificados como unidades lexicais que têm como
objetivo evidenciar ou acentuar algo, como, por exemplo, “que puta casa!”; como referência a atividades
fisiológicas ou biológicas, “mijar” e “cagar”; como partes do corpo humano, feminino e masculino, “boceta” e
“pinto”; como excrementos e fluídos, “porra”, e até atividades sexuais, como “meter”. E, no sentido mais
pejorativo e mais recorrente, aquele que tem como finalidade insultar ou ofender outras pessoas ou coisas, como
“filho da puta” e “vadia”.
Além disso, o alcance e a recorrência das lexias tabus não podem ser ignorados, visto que os tabus
linguísticos, de acordo com Guérios (1956), são um fenômeno universal e de todos os tempos, não sendo
uniformes na intensidade e nem coincidentes, isto é, os tabus variam de acordo com o contexto em que estão
inseridos e, consequentemente, podem variar de acordo com a sociedade em que forem enunciados.
Em relação aos tabus linguísticos, também se faz necessário refletir sobre quais recursos ou processos
pode-se utilizar para exteriorizar a ideia expressa pela palavra tabu. Dessa maneira, a partir de outros autores,
Guérios (1956) cita alguns processos de substituição do léxico tabu: empréstimos; antífrases; sentidos
metafóricos/figurados; extensão de sentido; perífrases oracionais; "captatio benevolientiae"1; elipses;
generalizações; substituições por sinônimos ou lexias restritivas; expressões genéricas, com ou sem restrições;
hipocorísticos na forma de antífrase ou ironia; disfemismos; uso de diminutivos; deformações fonéticas, dentre
outros.
No que concerne a alguns recursos citados anteriormente, pode-se estabelecer uma correspondência com
os processos encontrados na tradução. Como, os empréstimos lexicais, procedimentos comuns à tradução; os
eufemismos (modalizações); as extensões de sentido; perífrases oracionais (amplificações) ou elipses (elisões);
dentre outros. Desse modo, a substituição de um termo tabu por um eufemismo é muito frequente, sobretudo
quando se objetiva evitar situações embaraçosas ou proteger sentimentos individuais (GAO, 2013).
A partir dessas considerações, entendemos que as lexias tabus podem sofrer diversas alterações durante a
prática tradutória, desde alterações de sentido, ou seja, serem substituídas por outras lexias com carga pejorativa
atenuada, até a equivalência lexicais que mantém um disfemismo na língua portuguesa.
Adotamos, para esclarecer essa questão, a perspectiva dos autores Allan e Burridge (2006), dado que,
segundo esses autores, o termo eufemismo é o mais conhecido e o mais recorrente na linguagem comum, visto
que englobam expressões delicadas, polidas e até mesmo evasivas. Por outro lado, os disfemismos são menos
recorrentes na linguagem cotidiana, dado que englobam as unidades lexicais descorteses e que, em muitos casos,
são consideradas ofensivas. “Em termos gerais, o disfemismo é o oposto de eufemismo e, em geral, é considerado
tabu” (ALLAN; BURRIDGE, 2006, p.31). 2
Ademais, Allan e Burridge (2006) complementam que os disfemismos são recursos utilizados pelo falante
para expressar desagrado, irritação, entre outras coisas, que podem ter como causa pessoas ou objetos. Na maioria

1
Expressão da retórica latina que significa literalmente “conquista da benevolência”, muito difundida em todas as literaturas
românicas, quando um escritor quer ganhar a simpatia do leitor, interpelando-o no sentido de receber louvor e solidariedade para a
causa que está a ser defendida.
2 Roughly speaking, dysphemism is the opposite of euphemism and, by and large, it is tabooed.
das vezes, as expressões disfemísticas são caracterizadas por xingamentos e por comentários depreciativos
dirigidos a terceiros com a intenção de insultá-los ou feri-los. Os autores concluem que “para ser mais técnico: um
disfemismo é uma palavra ou frase com conotações ofensivas em relação ao denotatum e/ou as pessoas à que se
dirige ou às pessoas que estão ouvindo (ALLAN; BURRIDGE, 2006, p.31). 3
Em relação aos eufemismos, esses autores afirmam tratar-se de um recurso utilizado como alternativa para
unidades lexicais ou expressões tabus. O uso desses recursos também pode ser de originado por uma autocensura
do falante, podendo ser consciente ou inconsciente, uma vez que os eufemismos também podem ser utilizados
para evitar que o enunciador sofra algum tipo de repressão ou preconceito de terceiros, devido ao seu vocabulário.

A tradução do léxico tabu nas obras Milenio e Los mares del sur

A metodologia adotada na seleção e análise dos dados das obras Milenio e Los mares del sur, de Manuel 34
Vázquez Montalbán, em estudos anteriores denominadas como MVM-4 e MVM-1, baseou-se em pesquisas
anteriormente realizadas sobre o léxico tabu. Essas pesquisas tinham como escopo, em um primeiro momento,
levantar o léxico tabu nas obras em espanhol e, em seguida, sua tradução para o português. Após o levantamento
das unidades e o contexto em que foram utilizadas, as lexias foram classificadas como eufemísticas e disfemísticas,
conforme explicado anteriormente.

Tradução para o português de eufemismos

Foram retirados 8 excertos dos corpus MVM-4 e MVM-1 que foram traduzidos por eufemismos para o
português. Encontramos as lexias “cojonudo”, “mariconada” e “joder” que foram traduzidas por “legal”,
“superlegal”, “frescura”, “ferrar-se”, “estar de saco cheio”, “e essa agora”, “não estão perdoando nem as freiras”
e “pegando no pé”. Abaixo apresentamos os excertos em espanhol e em português e, em seguida, a análise da
tradução.

Excerto 1
Espanhol Português
—Lo cojonudo sería pasar unos días en el desierto, jefe, "Legal mesmo seria passar uns dias no deserto, chefe, antes
antes de mi imprescindible viaje a Ouarzazate. Lo da minha imprescindível viagem a Ouarzazate. Eu preciso
necesito, por higiene mental. En cuanto nos dejen los del disso, para higiene mental. Quando os caras do Polisário
Polisario, ya en Marruecos. En el desierto las fronteras no deixarem, já no Marrocos. No deserto não existem
existen. fronteiras."

Fonte: MVM-4

Excerto 2
Espanhol Português
—Por el dinero no se preocupe. Sería cojonudo que nos "Com dinheiro, não se preocupe. Seria superlegal nos
vistiéramos de moros, de jeques árabes, no de árabes de vestirmos de árabes, de xeques árabes, não de árabes de
alpargata, porque los tratan muy mal en todas partes. Yo alpargatas, porque esses aí são muito maltratados em qualquer
tengo mis ahorros. canto. Eu tenho minhas economias."

Fonte: MVM-4

Os excertos 1 e 2 apresentam o disfemismo “cojonudo” em espanhol, essa unidade lexical tabu, segundo
o Diccionario de la Real Academia Española (DLE), é considerada “malsonante”, ou seja, seu uso é classificado
como inadequado ou deselegante em algumas situações. Porém, seu emprego ocorre para qualificar algo ou alguém

3 To be more technical: a dysphemism is a word or phrase with connotations that are offensive either about the denotatum and/ or to people addressed or
overhearing the utterance
como estupendo, magnífico e excelente, sendo utilizado em construções positivas, que têm como objetivo reforçar
ou acentuar uma característica, nesse caso a situação de se vestirem como árabes.
Encontramos duas traduções com eufemismos para essa lexia, “legal” e “superlegal”. Assim, percebemos
que essas lexias têm como traço em comum enfatizar de modo positivo o enunciado. No excerto 1, percebemos
que “lo conjonudo” se refere a toda situação comunicativa a que o enunciador faz referência, construindo, assim,
um enunciado que não está baseado na ofensa, pelo contrário, apesar do uso de um disfemismo, faz alusão a um
contexto com características agradáveis. O mesmo ocorre com o excerto 2 em que “cojonudo” faz referência à
animação e ao entusiasmo do falante em relação à situação em que estão inseridos.
Além disso, o Diccionario de la Lengua Española del Espasa Calpe (WR), apresenta uma nota na entrada
dessa lexia que explica que “a palavra cojonudo (a) se usa com muita frequência no espanhol coloquial e perdeu
um pouco sua vulgaridade, no entanto, isto não acontece em português”. E como equivalentes sugere o
disfemismo “de foder” e o eufemismo “demais”. 35

Excerto 3
Espanhol Português
—¿No se pone mantequilla o crema de leche? "Não se põe manteiga ou creme de leite?"
—Primero quiero saber si el caviar es suficientemente "Primeiro quero saber se o caviar é bom o suficiente para
bueno como para no acompañarlo con mariconadas. não acompanhá-lo com frescuras. Imagino que terá sido
Supongo que habrá sido comprado en el mercado negro. comprado no mercado negro.
Fonte: MVM-4

Também encontramos uma ocorrência de “mariconada” traduzida pelo eufemismo “frescura”. Essa lexia,
em espanhol, é considerada um disfemismo, de acordo com o Diccionario de uso del Español (DUE), dado que
é considerada vulgar, fazendo referência a maneira de portar-se de um homossexual visto de modo pejorativo.
Além dessa acepção, o DUE, também apresenta uma acepção de “mariconada” para coisas sem importância,
bobeiras, a qual exemplifica melhor a escolha tradutória por “frescura” em português.
Assim, entendemos que essa segunda acepção é a que melhor se enquadra no contexto em que a unidade
lexical tabu “mariconada” ocorre, uma vez que, conforme podemos observar no excerto 3, o falante está se
referindo a uma comida e seus acompanhamentos, priorizando uma situação simples.
Em relação às propostas de tradução para o português, o WR propõe três acepções diferentes para
“mariconada” e sugere como equivalentes as lexias “bichice”, “veadagem”, sem nenhuma referência; em relação
à acepção de bobeira, o equivalente “besteira”; e em relação a travessuras, as lexias “maldade” e “sacanagem”.
Entendemos que a lexia em português “frescura” seja um eufemismo, visto que em português não faz alusão de
modo depreciativo a homossexualidade.

Excerto 4
Espanhol Português
Primero fue la llamada aristocracia obrera la que se quedó Primeiro foi a chamada aristocracia operária que ficou sem
sin bife y sin casa, y ahora son las capas medias las que se carne e sem casa, e agora, galego, é a classe média que se ferra,
joden, gallego, las que se joden a veces sin merecerlo, pero que se ferra às vezes sem merecer, se bem que muitos
muchos de ellos se tragaron la lengua cuando la dictadura engoliram a língua quando a ditadura estava nos massacrando
nos estaba machacando y ahora están pagando las e agora pagam o pato.
consecuencias.
Fonte: MVM-4

No excerto 4, encontramos duas ocorrências de “joderse” que sofreram atenuação, isto é, em português
foram utilizadas lexias para amenizar a carga semântica pejorativa dos disfemismos em espanhol. No entanto, em
relação à possíveis disfemismos que poderiam ter sido utilizados na tradução para o português, encontramos dois
equivalentes propostos pelo WR, a saber: “foder-se” e “encangalhar-se”, ambos com a marca de uso pejorativo.
A partir do contexto em que a lexia “joderse” está inserida, podemos inferir que houve a repetição desse
verbo para indicar ênfase na ação e, além disso, o uso do disfemismo, nesse caso, a intensifica. Apesar disso, é
possível notar que ambas as ocorrências foram traduzidas pelo eufemismo “ferrar-se”, que segundo o Dicionário
Aurélio (DA), é marcado como um brasileirismo na acepção que tem como sinônimo “sair-se mal”, “fracassar” e
“levar ferro”.
Como consequência do uso desse eufemismo, percebemos que a intensidade do disfemismo é aplacada,
dado que a ênfase, no caso do português, mantém-se apenas devido à repetição da ação e não mais pela lexia
utilizada.

Excerto 5
Espanhol Português
Los he visto callejear por Ciudad del Este y he dudado en Vi-os perambulando por Ciudad del Este e fiquei na dúvida
identificarme, pero me jode no recuperar parte de mi de me apresentar, mas
historia, y aquí me siento como desterrado. Los hombres estou de saco cheio de não poder recuperar parte de minha
del capitán no hemos tenido suerte. El gordo se quedó en história, e aqui me sinto como que um desterrado. Nós, os
este puente con el corazón roto. homens do capitão, não tivemos sorte. O gordo terminou 36
nesta ponte, com o coração arrebentado.
Fonte: MVM-4

Também houve uma ocorrência da lexia “joderse” traduzida por “estar de saco cheio” no excerto 5.
Entendemos que, assim como o excerto anterior, o falante tem como objetivo explicar, de modo acentuado,
resultados ruins de acordo com o contexto em que ocorre.
Assim, consideramos a tradução da lexia por “estar de saco cheio” como um eufemismo, apesar de a lexia
“saco” fazer referência a anatomia masculina, visto que entendemos que houve a dessemantização da lexia "saco",
isto é, a perda da carga semântica vulgar dessa lexia. De acordo com o Dicionário Houaiss (DH), a lexia “saco” é
marcada como regionalismo e tem como acepção os sinônimos “enfastiado”, “amolado”, “aborrecido” ao fazer
referência ao órgão sexual masculino.
Ademais, acreditamos que esse processo seja importante, pois atenua o disfemismo do original,
substituindo uma lexia de cunho sexual em espanhol por outra em português que também faz referência a um
órgão sexual que, no entanto, perdeu seu valor depreciativo. E, assim como no excerto 4, a intensidade do
disfemismo na situação utilizada é amenizada.

Excerto 6
Espanhol Português
—¿Qué carga lleva? "Que carga você leva?"
—Zapatos alicantinos con nombres italianos, para fardar, "Sapatos de Alicante com nomes italianos, para impressionar,
porque los italianos tienen fama como diseñadores. Y usted, porque os italianos têm fama de bons desígners. E o senhor,
¿a qué va a Francia? por que vai à França?"
—A hacer prácticas de francés. Lo tenía muy olvidado. "Para fazer um estágio de francês. Esqueci muito a língua."
—Prácticas de francés. ¡No te jode! "Estágio de francês! E essa agora!"

Fonte: MVM-4

Em relação à ocorrência de “¡no te jode!”, encontramos no DLE essa acepção marcada como “locución
interjectiva” e “malsonante” que, em português, podemos traduzir por “locução interjetiva” e “ofensiva”. Além
disso, a definição dessa acepção pelo DLE é a de uma locução que acompanha um enunciado a fim de demonstrar
enfaticamente o incômodo do enunciador.
No entanto, ao observarmos a tradução dessa locução para o português, percebemos que esse disfemismo
foi traduzido por “e essa agora!”, que se caracteriza como uma expressão eufemística, dado que não encontramos
traços disfemísticos nessa construção. Apesar da escolha tradutória diferir semanticamente do espanhol,
percebemos que, no contexto, mantiveram-se as características da interjeição para o português, conforme
observamos acima.
Excerto 7
Espanhol Português
—Mal. Hay una competencia de no te menees. Con eso de —Mal. Há uma competição infernal. Com essa história de
la crisis económica se han puesto a joder hasta las monjas. crise econômica não estão perdoando nem as freiras.

Fonte: MVM-1

Excerto 8
Espanhol Português
—Son buenos chicos, pero les gusta cabrearme. Luego me —São bons meninos, mas gostam de me irritar. Depois fazem
dan todo lo que tienen, pero disfrutan jodiéndome, ya ve tudo por mim, mas se divertem pegando no meu pé, e assim
lo que son las cosas. Y yo aguanto porque estoy jubilado, as coisas vão caminhando. E eu aguento porque estou
vengo aquí y ahorro un jornal a Comisiones. aposentado, venho aqui e economizo um salário para as
Comissões. 37
Fonte: MVM-1

Com verbo o “joder” também encontramos duas ocorrências no corpus MVM-1 de traduções eufemísticas,
conforme observado nos excertos 7 e 8, com as lexias em espanhol “puesto a joder” e “jodiéndome”. Essas duas
construções fazem alusão ao verbo “joder”, classificado como vulgar de acordo com o DUE. No entanto, ambas
as traduções priorizam a suavização das lexias tabus em espanhol, de modo que foram traduzidas por “não estão
perdoando nem as freiras” e “pegando no meu pé”.
A partir desses excertos, percebemos que esse uso de “joder” enfatiza situações de irritação ou desagrado,
de acordo com o contexto, e que houve a amenização da carga pejorativa, dado que a lexia “joder” tem como
equivalente, de acordo com o WR, “foder-se” e “encangalhar-se”.
No excerto 7, observamos que o uso do verbo vulgar em espanhol foi utilizado no sentido de esclarecer
quão ruim a situação se encontrava naquele momento e o emprego de uma lexia tabu acentua a mensagem passada
ao interlocutor. No entanto, ao traduzir essa lexia tabu de modo atenuado ainda é possível perceber um contexto
sexual em relação à lexia “não estão perdoando nem as freiras”, visto que o verbo “perdoar” é utilizado para
explicar que ninguém está isento das consequências.
Em relação ao excerto 8, a carga semântica vulgar é completamente eliminada, dado que a tradução
“pegando no meu pé” não aciona nenhum tipo de contexto vulgar. Assim, percebemos que a atenuação faz com
a situação pareça menos urgente e difícil para o interlocutor.

Considerações finais

Neste trabalho, buscamos discutir o uso de lexias tabus, mais especificamente nos romances policiais,
devido à intensidade de uso que podemos perceber dessas unidades na sociedade atual e no gênero literário tratado.
Ademais, é necessário também abordar as dificuldades existentes na tradução das unidades lexicais tabus, dado
que são um desafio para a tradução ao considerarmos o contexto em que estão inseridas e a sociedade para a qual
será traduzida a obra.
Detivemo-nos nos excertos que tiveram como foco a atenuação das unidades lexicais tabus, visto que em
nossos estudos anteriores nos deparamos com uma abundância de unidades lexicais existentes em espanhol que
foram traduzidas para o português com foco diferente, em alguns casos encontramos essas unidades traduzidas
por disfemismos, conforme discutido anteriormente, e outras que perderam a carga semântica pejorativa em
português, sendo traduzidas por eufemismos.
A partir dos excertos apresentados, foi possível observar a dificuldade que esse léxico apresenta para a
prática tradutória, dado que é necessário considerar não apenas a linguagem vulgar a qual pertence, mas também
a motivação de uso desse léxico de acordo com o contexto em que se encontra. Assim, foi preciso considerar os
usos dessas lexias em conjunto com os contextos variados e com diversos matizes em relação ao sentimento que
o falante intenciona exprimir.
Por fim, entendemos que a pesquisa do léxico tabu traz contribuições à Lexicologia, dado que estudamos
uma linguagem ainda considerada marginalizada e que se encontra envolta em proibições e tabus nas diferentes
sociedades, mas que apresenta uma riqueza muito grande de lexias que apresentam diferentes problemáticas para
a tradução, sendo necessário um conhecimento além do semântico. E, além disso, ao analisar as lexias em
português e espanhol observamos seu uso, sua tradução e as diferenças culturais existentes.

Referência

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University Press, 2006.

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38
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Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/cognitio/article/view/3338>. Acesso em: 29 de julho de
2016.
IMPRESSÕES DE TRADUTORES EM FORMAÇÃO
SOBRE A UTILIZAÇÃO DE CAT TOOLS NA PRÁTICA TRADUTÓRIA

Lara Cristina Santos TALHAFERRO (UNESP/ São José do Rio Preto)4


Érika Nogueira de Andrade STUPIELLO (UNESP/ São José do Rio Preto)

Introdução
39
As ferramentas de tradução auxiliam o tradutor a realizar seu trabalho de maneira mais ágil e a padronizar
suas escolhas terminológicas em textos especializados que demandam uniformidade de produção. Na contempo-
raneidade, a prática de tradução está intrinsecamente ligada ao uso de ferramentas conhecidas em inglês como
CAT Tools (Computer-Assisted Translation Tools) ou ferramentas de tradução assistida por computador, também de-
nominadas, por alguns teóricos, TEnTs (Translation Environment Tools), ou ferramentas de ambiente de tradução,
conforme apontam Melby e Wright (2015). Bowker (2015) afirma que, atualmente, “parece impensável que um
tradutor realize um serviço de tradução sem utilizar algum tipo de ferramenta computadorizada” (p. 88), isto é,
para atender à demanda de trabalho, que consiste de grande quantidade de textos altamente especializados que
devem ser traduzidos em prazos cada vez mais exíguos, é necessário que o tradutor adote ferramentas de tradu-
ção.
Sobre “CAT Tools”, Hutchins (1995) afirma que o termo se refere tanto à human-aided machine translation
(HAMT), isto é, a tradução por máquina auxiliada por humano, quanto à machine-aided human translation (MAHT),
ou seja, a tradução humana auxiliada por máquina. A diferença básica entre essas duas maneiras de traduzir é que,
enquanto na HAMT a máquina realiza a tradução de um texto assistida por um ser humano, em processos como
a pré-edição e a pós-edição, na MAHT, um tradutor humano utiliza-se de ferramentas computacionais no ato
tradutório. Na HAMT são utilizadas as tecnologias de tradução automática, que, na atualidade, atuam basicamente
na tradução bruta de um trabalho, produzindo uma pré-tradução de um texto a partir de um banco de dados
linguísticos. Por sua vez, algumas das ferramentas mais utilizadas na MAHT são glossários, concordanciadores,
alinhadores e sistemas de memórias de tradução. Duas das principais ferramentas adotadas são as tecnologias de
tradução automática e os sistemas de memórias de tradução.
Segundo Hutchins (1995), “o termo ‘tradução automática’ se refere a sistemas computacionais responsá-
veis pela produção de traduções [de uma língua natural a outra] com ou sem o auxílio humano” (p. 431). Diferen-
temente das outras CAT Tools, os tradutores automáticos são ferramentas disseminadas entre aqueles que não
atuam na área da Tradução. Alguns exemplos de serviços de tradução automática são Google Translate, Microsoft
Translate, BabelFish e Systran, e essas ferramentas são utilizadas, geralmente, quando se buscam rapidamente infor-
mações superficiais de um texto em uma língua que se desconhece. O que tem sido observado, porém, é que,
apesar de “poucos tradutores estarem satisfeitos com a tradução totalmente automática” por “não quererem ser
pós-editores de um material de baixa qualidade” (HUTCHINS, 2015, p. 127), a tradução automática tem sido cada
vez mais utilizada em agências de tradução, a fim de reduzir preços e diminuir prazos. Bowker (2015) relata que
tradutores profissionais são frequentemente treinados para realizar a pré-edição ou a pós-edição de um texto que
traduzido por um software. Na pré-edição, esses profissionais aprendem técnicas de escrita que permitam uma
melhor adequação do texto produzido por computador ao seu fim. Por sua vez, na pós-edição, os tradutores
revisam a produção da ferramenta. E, para se adaptar a esse uso, é possível observar que, nos últimos anos, as

* FAPESP – Processo 2016/07907-0


principais empresas criadoras de sistemas de memórias de tradução têm integrado a tecnologia de tradução auto-
mática em seus programas. Ferramentas como memoq, SDL Trados e Wordfast — nas suas versões Classic, Anywhere
e Pro — por exemplo, contam com essa função. Pode-se notar, ainda, que em alguns desses sistemas — a exemplo
do Wordfast Anywhere — essa função vem ativada em sua configuração padrão.
Uma nova abordagem de tradução automática, a tradução automática neural, surgida em meados da década
de 2010, tem causado entusiasmo por seus bons resultados baseados em um método de solução de problemas a
partir de inteligência artificial. Segundo Bahdanau, Cho e Bengio (2014), “diferentemente da tradução automática
estatística tradicional, a tradução automática neural objetiva criar uma única rede neural que pode ser conjunta-
mente ajustada para aumentar o desempenho da tradução” (p. 1). Os autores explicam que “os modelos de tradu-
ção automática neural propostos recentemente (...) consistem de um codificador que codifica uma sentença a ser
traduzida em um vetor de comprimento fixo para o qual um decodificador gera uma tradução” (p. 1). A tradução
automática neural funciona por meio de tentativa e erro para sugerir a uma opção de tradução. O diferencial da 40
tradução automática neural está, de acordo com Kaetsu e Tatibana (2017), justamente na capacidade de o sistema
fazer descobertas, por meio da criação de conexões, e não se limitar a um banco de dados restrito. Uma das
empresas que investem em tal abordagem é o Google, que adotou a tradução automática neural para alguns pares
linguísticos em novembro de 2016, tanto em sua tecnologia de tradução automática gratuita, quanto em sua versão
paga. Apesar de todo o otimismo voltado a essa abordagem, ainda são necessários alguns ajustes. De acordo com
a Lionbridge (2017), uma das maiores empresas prestadora de serviços linguísticos, a tradução automática neural
leva, em média, mais tempo para traduzir que um sistema de abordagem estatística. Além disso, como qualquer
outra abordagem de tradução automática que não foi criada para uma área de especialidade determinada, a tradu-
ção automática neural não é recomendada para conteúdos altamente técnicos.
De acordo com Bowker (2002), um sistema de memória de tradução pode ser definido como um “banco
de dados linguísticos utilizado para armazenar textos originais e suas traduções”, os quais “são divididos em seg-
mentos, que geralmente correspondem a uma frase” (p. 92). Um segmento de texto original e de sua tradução
forma uma unidade de tradução (em inglês, translation unit). Os sistemas de memórias de tradução são ferramentas
que auxiliam o tradutor por permitirem que ele reutilize traduções já feitas, processo chamado de alavancagem
(leveraging, em inglês), de forma rápida e simples, dispensando-o de traduzir mais de uma vez textos repetitivos e
procurar manualmente traduções anteriores que possam ser reaproveitadas, afinal, se um segmento do texto ori-
ginal é igual ou parecido com um segmento já traduzido, de acordo com os limites da porcentagem de semelhança
estabelecida para recuperação de segmentos, o sistema automaticamente sugere a tradução existente, desobrigando
o tradutor do trabalho de digitação, cabendo ao profissional a decisão de aceitá-la, editá-la ou rejeitá-la.
Um sistema de memórias de tradução consiste de quatro funções principais (Bowker, 2002): segmentação,
alinhamento, armazenamento e recuperação/ correspondência linguística. A segmentação é a função do sistema
que divide o texto a ser traduzido em segmentos, para que eles sejam traduzidos — por um tradutor humano ou
automático. O alinhamento é o recurso do sistema que organiza os segmentos traduzidos juntamente com os
segmentos do texto original, formando uma unidade de tradução. O armazenamento é a formação de bancos de
dados que consistem de segmentos originais e traduzidos e, por sua vez, a recuperação/correspondência é a função
do sistema que analisa segmentos a serem traduzidos e os compara com os segmentos armazenados nos bancos
de dados para que, caso haja algum segmento semelhante/idêntico, tal segmento possa ser recuperado.
O grau de semelhança entre dois segmentos considerados parcialmente correspondentes pode variar de
um a noventa e nove por cento, conforme ajustado pelo tradutor ao fazer as configurações iniciais na memória a
cada novo trabalho de tradução. A correspondência é realizada automaticamente pelo sistema, por meio de marcas
formais, como identificação de número de caracteres e outras marcações, entre as frases e os segmentos armaze-
nados no banco de dados de cada sistema. Além disso, quando o sistema recupera correspondências consideradas
parciais a um trecho do novo texto sendo traduzido, um trabalho mais extenso de revisão e edição é necessário,
visto que substituições, exclusões, adições e outras alterações não são identificadas pelo sistema.
Considerados a principal ferramenta computacional de tradução (DECLERCQ, 2015, p. 481), esses siste-
mas ganharam, ao longo do tempo, novas funcionalidades e interfaces. Uma dessas funcionalidades, criada no
início dos anos 2000 e considerada tendência na área de tradução, é a tecnologia de sistemas de memória baseada
em nuvem (cloud-based).
Definidos por Muegge (2012) como ferramentas cujos “recursos linguísticos (como o banco de dados, os
glossários, etc.) estão hospedados em servidores remotos”, esses sistemas dispensam o tradutor de se instalar
qualquer aplicativo, permitindo utilização a partir de qualquer dispositivo com acesso à internet — incluindo ce-
lulares —, além da facilidade de edição de texto por parte de mais de um tradutor, que podem compartilhar uma
mesma memória em tempo real.
A capacidade de sistemas de memórias armazenarem e recuperarem trabalhos anteriormente realizados e
a de serviços de tradução automática de poupar o tradutor de realizar traduções simples e repetitivas é, sem dúvida,
de grande utilidade para o profissional, mas há fatores que necessitam ser levados em conta no que se refere ao
seu uso, que são discutidos por profissionais e pesquisadores da tradução. O primeiro deles, segundo Bowker
(2002), é a curva de aprendizado pela qual todo profissional percorre ao adotar uma nova ferramenta de trabalho, 41
até acostumar-se com o layout, as funcionalidades e os comandos de um sistema.
Ainda sobre produtividade, em um estudo conduzido em agências de tradução no Canadá, Leblanc (2013)
entrevistou tradutores novatos e experientes e a maioria deles aponta como a grande vantagem dos sistemas de
memórias o aumento de produtividade promovido pela eliminação do trabalho de retradução. Entretanto, esses
tradutores reconhecem que a possível economia de tempo é oferecida à custa da fragmentação do texto de origem,
uma consequência que, segundo Leblanc, afetaria diretamente a relação do tradutor com o texto, que é visto como
um conjunto de frases e não como um todo de sentido. Como observa o autor, em situações de uso de sistemas
de memórias, a “abordagem de um texto íntegro, contextualizado, é, assim, uma coisa do passado” (p.9).
A constatação de Leblanc (2013) pode ser corroborada em um estudo piloto conduzido em contexto aca-
dêmico brasileiro por Stupiello e Talhaferro (2015) com estudantes de um curso de Tradução. De acordo com os
resultados, textos comerciais traduzidos pelos participantes que utilizaram sistemas de memórias de tradução apre-
sentaram índice de semelhança entre si maior do que aquele verificado entre as traduções realizadas sem o uso
dessas ferramentas. Esse dado mostrou-se relevante na medida em que aponta para um possível engessamento da
leitura e interpretação de um texto original fragmentado.
O desmembramento do texto original durante o trabalho de tradução assistido por um sistema de memória
seria uma maneira de garantir a padronização das opções tradutórias. Entretanto, se, de um lado, ao recuperar
trechos anteriores de tradução, esses sistemas ajudam o tradutor a manter a consistência dos trabalhos, especial-
mente em casos de textos extensos traduzidos por equipes de tradutores compartilhando um único banco de
dados terminológicos e fraseológicos (memória), de outro, a qualidade das unidades de tradução armazenadas
nesses bancos, e possivelmente sua recuperação em um novo trabalho, dependerá da proficiência de uso da ferra-
menta pelo usuário, responsável por garantir a adequação das traduções pareadas com seus respectivos originais.
Em um estudo com aprendizes de tradução no contexto canadense, Bowker (2005) observou que muitos
deles se sentiam inseguros para editar a opção sugerida pelo sistema, o que a autora denominou de “fé cega” (p.
19) na ferramenta. Por outro lado, LeBlanc (2013) constatou que, em alguns casos, os tradutores eram impedidos
ou fortemente desencorajados pelas agências a alterar uma opção de tradução recuperada pelo banco de dados,
mesmo pensando que tal sugestão não era a mais adequada para o contexto em que traduziam. Tratando da revisão
de segmentos com alto grau de correspondência em comparação com a pós-edição de tradução automática, Guer-
berof-Arenas (2008) constatou que os tradutores não só foram menos produtivos, como cometeram mais erros
revisando as opções da memória de tradução.
Ainda tratando de correspondência, realizar a determinação precisa e universal do que constitui uma cor-
respondência “exata” ou “parcial” para o sistema de memória é bastante questionável, especialmente se conside-
rarmos que a pesquisa por correspondentes de tradução não apresenta capacidade de analisar nenhum compo-
nente semântico do conteúdo da memória, sendo, em geral, feita por marcas formais. Uma vez que cada segmento
de tradução é tratado e armazenado de forma descontextualizada pelo sistema, pelo fato de a função da memória
ser justamente reutilizar segmentos que reaparecem em textos e contextos diferentes, a presença de ambiguidades
ou de opções de tradução distintas para um mesmo termo são casos em que o tradutor não conta com a ajuda do
sistema, tendo que realizar a escolha de tradução por conta própria.
Outra questão diz respeito à própria formação do banco de dados do sistema. Um dos grandes atrativos
dos sistemas de memória, amplamente divulgado pelas companhias desenvolvedoras desse tipo de sistema, seria
a economia de tempo gerada ao tradutor pela recuperação de segmentos já traduzidos, como se pode facilmente
observar em campanhas de marketing de desenvolvedores desses sistemas, como o Wordfast, o memoq e o SDL
Trados Studio. Entretanto, as condições para que essa redução de esforço se concretize não é, pelo menos clara-
mente, indicada nesse material de divulgação.
Para “ganhar tempo” em uma tradução, o tradutor necessita ter uma memória que lhe seja útil, ou seja,
que contenha segmentos com determinado grau de semelhança aos segmentos sendo traduzidos para que ocorra
a recuperação. Assim, pode-se afirmar que, para que o uso dos sistemas de memórias de tradução seja eficaz, o
tradutor deve realizar um grande número de traduções para gerar e arquivar segmentos para provável reutilização 42
posterior. Sendo assim, conforme afirma Bowker (2002), o aumento de produtividade pelo uso de sistemas de
memórias de tradução é observado a médio prazo.
Tratando da tradução automática, Hutchins (1995) afirma que a pós-edição da produção dessas ferramen-
tas é uma questão apontada pelos tradutores desde seu desenvolvimento, em meados do século XX. Os profissi-
onais afirmavam que revisar a produção da máquina dispendia mais tempo que traduzir um excerto por completo,
em razão dos erros grotescos cometidos pelas tecnologias de tradução automática. Ainda sobre a pós-edição,
Martins (2005) comenta que as opções equivocadas da máquina são diferentes dos equívocos cometidos por tra-
dutores humanos, pelo fato de essas ferramentas serem dependentes do conteúdo semântico, mas não serem
capazes de apreender o sentido por si só, habilidade de que os tradutores humanos são dotados. A tendência é
que, com a tradução baseada em redes neurais, os recursos de inteligência artificial possam realizar uma análise
cada vez mais precisa do contexto.
A remuneração dos tradutores também é uma questão relevante nas discussões sobre o uso de ferramentas
de tradução computadorizadas. As CAT Tools possuem recursos de gerenciamento de projeto que permitem co-
nhecer quanto foi traduzido e quanto foi reaproveitado, seja da tradução automática, seja do banco de dados do
sistema de memórias de tradução, e, utilizando tal recurso, muitos clientes ou agências não remuneram os tradu-
tores pelo que foi recuperado da memória, ou remuneram como revisão as pós-edições de tradução automática.
Tratando dos sistemas de memórias de tradução, alguns clientes até mesmo proíbem os tradutores de alterarem
segmentos considerados de correspondência total. O resultado é que, com os prazos exíguos e com a remuneração
deficiente, os tradutores não se sentem motivados a revisar segmentos reaproveitados, e essa atitude pode com-
prometer a qualidade do trabalho e propagar erros.
Realizado este breve apanhado teórico, apresentamos, neste trabalho, a análise das respostas a um questi-
onário aplicado a tradutores em formação, a fim de conhecer suas percepções sobre as ferramentas computacio-
nais de tradução, principalmente, os sistemas de memórias de tradução e as tecnologias de tradução automática.

Análise dos questionários

Com o propósito de conhecer as impressões de tradutores em formação sobre o uso de sistemas de me-
mórias de tradução e das tecnologias de tradução automática na produção, elaboramos um questionário, respon-
dido por dez alunos do quarto ano do curso de Bacharelado em Letras com Habilitação de Tradutor do campus
da UNESP de São José do Rio Preto, no ano de 2017. À época em que responderam ao questionário — maio de
2017 — a idade dos alunos variava de 20 a 28 anos. O questionário constitui-se de nove perguntas abertas, e foi
disponibilizado aos alunos e respondido por eles virtualmente, por meio do serviço de compartilhamento de ar-
quivos Dropbox. A análise dos questionários é parte de um estudo no qual se observaram algumas das possíveis
influências da utilização de sistemas de memórias de tradução e tecnologias de tradução automática na produção
de tradutores em formação.
As nove perguntas foram elaboradas a fim de analisar algumas práticas e concepções acerca dos sistemas
e memórias de tradução e das tecnologias de tradução automática, a saber:
Questionário

1.1. Você já realiza serviços de tradução profissionalmente?


1.2. Presta serviços a agências de tradução, a clientes diretos ou é contratado por alguma empresa?
2.1. Você utiliza sistemas de memórias de tradução em suas atividades como tradutor, mesmo quando seu uso não é exigido pelo
professor / contratante?
2.2. De que maneira?
2.3. Em quais casos?
3.1. Você utiliza programas de tradução automática em suas atividades como tradutor, mesmo quando seu uso não é exigido pelo
professor / contratante?
3.2. De que maneira?
3.3. Em quais casos?
4. Liste quais são, em sua opinião, as vantagens da utilização de sistemas de memórias de tradução. 43
5. Liste quais são, em sua opinião, as desvantagens da utilização de sistemas de memórias de tradução.
6. Liste quais são, em sua opinião, as vantagens da utilização de programas de tradução automática.
7. Liste quais são, em sua opinião, as desvantagens da utilização de programas de tradução automática.
8. Que ferramentas de tradução você utilizou nesta tradução?
9. Quais ferramentas de tradução você geralmente utiliza durante o ato tradutório?

Das nove questões apresentadas aos alunos, seis são brevemente discutidas neste trabalho — 2, 3, 4, 5, 6
e 7 — tendo em vista que ele trata de resultados parciais da pesquisa.

As respostas das questões foram dispostas em quadros, a fim de organizar as respostas dos alunos. As
opiniões individuais dos alunos são explicitadas nos textos que seguem esses quadros, se necessário, para comple-
mentar as informações fornecidas.
A primeira questão discutida neste trabalho trata da utilização ou não dos sistemas de memórias de tradu-
ção, mesmo quando não exigido pelo professor/ contratante, quais sistemas são utilizados, em que circunstâncias
e por que fazem uso dessas ferramentas. Foi verificado que todos os alunos que participaram do estudo têm o
hábito de utilizar sistemas de memórias de tradução. Nos quadros a seguir, observam-se as respostas:

2.1. Você utiliza sistemas de memórias de tradução em suas atividades como tradutor, mesmo quando seu uso não é exigido pelo
professor / contratante?
2.2. De que maneira?
2.3. Em quais casos?

Aluno 1 Sim.
Aluno 2 Sim.
Aluno 3 Sim.
Aluno 4 Sim.
Aluno 5 Sim.
Aluno 6 Sim.
Aluno 7 Sim.
Aluno 8 Sim.
Aluno 9 Sim.
Aluno 10 Sim.

Quadro 1: Alunos que utilizam sistemas de memórias de tradução.

Wordfast Anywhere MemoQ Wordfast Pro SDL Trados Studio Wordfast Classic
7 alunos 3 alunos 1 aluno 1 aluno 1 aluno
(Alunos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7) (Alunos 5, 8, 10) (Aluno 1) (Aluno 2) (Aluno 9)
Quadro 2: Sistemas de memórias de tradução utilizados pelos participantes da pesquisa.
No quadro, observa-se que, dos dez alunos, sete são usuários do Wordfast Anywhere, tornando-o o sistema
mais utilizado entre os tradutores participantes da pesquisa. O fato de tal sistema ser gratuito pode justificar tal
resultado — uma vez que os principais sistemas de memórias utilizados na atualidade exigem pagamento de licença
de uso, o que impossibilita alguns tradutores de adquiri-los — além de possuir as principais funções presentes
nesse tipo de ferramenta atualmente — banco de dados de segmentos (memória), glossário, tecnologias de tradu-
ção automática, compartilhamento de memórias e bancos de dados, conversor de formatos, entre outros — e ser
baseado em rede — o que permite que seja acessado de todos os dispositivos que tenham acesso à internet.
O memoq é a segunda opção mais utilizada pelos tradutores entrevistados. Tal observação corrobora o que
Garcia (2015) afirma sobre o sistema, que tem ganhado espaço entre os tradutores nos últimos anos, talvez pelo
fato de seu manuseio ser considerado mais simples e de fácil utilização. Além disso, os alunos têm acesso a uma
versão do memoq nos computadores da Oficina de Tradução, permitindo-lhes utilizar todas as funções do sistema
de maneira integral, ao passo que a utilização do SDL Trados Studio se restringe ao modo de demonstração da 44
ferramenta.
O Wordfast Pro é a opção de um dos participantes. Apesar de ser o mais barato entre os sistemas pagos
citados — sua licença custa 400 euros, assim como o Wordfast Classic, mas possui mais funcionalidades que essa
versão — seu uso não é tão disseminado entre os profissionais da tradução quanto seus correlatos SDL Trados
Studio e memoq, que são sistemas mais utilizados por agências de tradução.
O SDL Trados Studio é usado por um aluno. Segundo o participante, tal ferramenta é exigida pela agência
de tradução para a qual ele já trabalha.
Um aluno utiliza o Wordfast Classic. Tal ferramenta pode ser considerada limitada pela impossibilidade de
integração com outros computadores por meio da internet e por ser compatível apenas com arquivos do Microsoft
Word e, talvez por esse motivo, é pouco utilizada no mercado da tradução. Por outro lado, é uma boa opção para
os profissionais que não precisem dessa integração, que não se acostumam com as interfaces dos outros sistemas
e que não queiram sofrer com uma grande curva de aprendizagem, uma vez que essa ferramenta é um add-on do
Microsoft Word.
Com exceção do Wordfast Anywhere, que tem a totalidade de suas funções disponibilizada gratuitamente,
todas as outras ferramentas citadas são pagas. É possível utilizar todas elas no modo de demonstração, que contém
limitação de funções, de armazenamento ou de tempo e utilização.
No quadro a seguir, são mostrados a frequência de uso dos sistemas de memórias de tradução e o tipo de
texto em que são empregados. Quatro participantes afirmaram utilizar essas ferramentas em todas as traduções
que realizam. Outros dois alunos responderam que usam sistemas de memórias frequentemente, mas não especi-
ficaram os critérios para utilizar ou não esses sistemas. Dois participantes afirmaram utilizar sistemas de memórias
sempre que precisam traduzir textos não literários. Ainda, um participante respondeu que usa sistemas de memó-
rias para traduzir textos técnicos. E, por fim, um aluno afirmou que, independentemente do tipo de texto que
traduz, utiliza sistemas de memórias de tradução se o arquivo em que o texto é disponibilizado é editável.

Sempre Frequentemente Textos não literários Textos técnicos Documentos editáveis


(não especificou tipo de texto)
4 alunos 2 alunos 2 alunos 1 aluno 1 aluno
(Alunos 1, 3, 6, 10) (Aluno 5 e 8) (Alunos 2 e 7) (Aluno 4) (Aluno 9)
Quadro 3: Maneiras como os participantes utilizam os sistemas de memórias de tradução.

Também foi possível identificar as principais razões pelas quais a maioria dos participantes optam por
utilizar sistemas de memórias de tradução. Os Alunos 1 e 6 não opinaram:

Recuperar termos Recuperar banco de Aumentar pro- Evitar Organizar o texto Acessar de qualquer
(glossário) dados (memória) dutividade saltos para tradução dispositivo
4 alunos 3 alunos 2 alunos 2 alunos 1 aluno 1 aluno
(Alunos 5, 7, 8, (Alunos 2, 7, 10) (Alunos 4 e 5) (Alunos 5 (Aluno 9) (Aluno 3)
10) e 9)
Quadro 4: Motivos pelos quais os participantes utilizam sistemas de memórias de tradução.
O primeiro motivo, observado por quatro alunos, foi a recuperação de termos por meio do glossário. Uma
vez que o uso de sistemas de memórias de tradução é recomendado para textos de áreas específicas, uma ferra-
menta que armazene e recupere esses termos à parte do banco de dados de segmentos — glossário — pode ser
considerada uma grande vantagem para os tradutores.
A segunda razão mencionada é a recuperação dos segmentos armazenados. Dos dez participantes, três
mencionaram a alavancagem dos trechos dos textos traduzidos. Observa-se que, apesar de a recuperação de seg-
mentos ser a principal função dos sistemas de memórias, não foi o primeiro motivo de utilização listado pelos
participantes que responderam ao questionário do estudo. É possível que esse resultado se deva ao fato de que,
de acordo com Bowker (2002), o ganho de produtividade promovido pela utilização desses sistemas não é imedi-
ato, uma vez que a memória deve conter unidades de tradução que correspondam pelo menos parcialmente aos
segmentos do texto traduzido. 45
O terceiro motivo de utilização, de acordo com os participantes, é o aumento de produtividade. Dois
alunos afirmaram que os sistemas de memórias de tradução agilizam o ato tradutório. É possível que essa produ-
tividade seja potencializada pela recuperação dos segmentos e dos termos e pela organização do texto a ser tradu-
zido realizada pelo sistema. Essa organização é também uma razão citada por um dos participantes no questioná-
rio.
O fato de a segmentação do texto a ser traduzido evitar saltos é um motivo citado por dois dos partici-
pantes. Eles afirmaram que esse recurso lhes permite concentrar sua atenção em um trecho específico do texto e
até agilizar sua produtividade, por não ter que se preocupar com o risco de pular trechos, ou, pelo contrário,
traduzir um mesmo trecho mais de uma vez.
Por fim, a possibilidade de acessar as traduções a partir de qualquer dispositivo com acesso à internet foi
o motivo listado por um aluno para justificar o uso de sistemas de memórias de tradução. O Aluno 3, participante
que mencionou essa vantagem, geralmente utiliza o Wordfast Anywhere para o ato tradutório. Levando em conta
que, com exceção do Wordfast Anywhere, todos os outros sistemas de memórias citados necessitam de instalação
para uso, o motivo mencionado pelo aluno é uma vantagem própria do Wordfast Anywhere.
Na terceira pergunta do questionário, tratamos da relação dos alunos com as tecnologias de tradução au-
tomática:

3.1. Você utiliza programas de tradução automática em suas atividades como tradutor, mesmo quando seu uso não é exigido pelo
professor / contratante?
3.2. De que maneira?
3.3. Em quais casos?

Dos dez participantes, apenas dois dos participantes — os Alunos 2 e 3 — não fazem uso desse tipo de
ferramenta em sua prática tradutória.

Aluno 1 Aluno 2 Aluno 3 Aluno 4 Aluno 5 Aluno 6 Aluno 7 Aluno 8 Aluno 9 Aluno 10
Sim Não Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Quadro 5: Emprego ou não de tecnologias de tradução automática.

De acordo com as respostas dos alunos, a tecnologia de tradução automática mais utilizada é o Google
Tradutor, listado por três dos oito participantes usuários, seguida pelo Lilt, citada por um aluno. Dois dos alunos
— 4 e 10 — afirmaram que utilizam o Google Tradutor e o Lilt. Dois alunos não especificaram quais ferramentas
utilizam. Enfatizamos que, quando o questionário foi aplicado, a ferramenta Lilt ainda era gratuita, e que talvez
menos alunos a utilizassem caso fosse necessário pagar por ela. Ainda, a tecnologia de tradução automática listada
pelos participantes é a versão gratuita disponibilizada pela empresa Google (https://translate.goo-
gle.com.br/?hl=pt-BR), e não o Google Cloud Translation API, uma tecnologia que, para ser acessada, necessita de
uma chave de acesso e de pagamento. As respostas estão disponibilizadas abaixo:
Google Tradutor Lilt Google Tradutor/ Lilt Não especificou
3 alunos 1 aluno 2 alunos 2 alunos
(Alunos 6, 7 e 8) (Aluno 9) (Alunos 4 e 10) (Alunos 1 e 5)
Quadro 6: Tecnologias de tradução automática utilizadas pelos participantes.

Também foi indagado aos participantes a maneira como eles utilizam a tradução automática. As respostas
estão listadas no quadro a seguir:

Proporcionar uma ideia geral do Pesquisar outras opções Buscar palavras/ Tornar o ato tradutório
texto/ de um trecho de tradução termos mais rápido (pós-edição)
5 alunos 2 alunos 2 alunos 1 aluno
(Alunos 4, 5, 6, 7, 10) (Alunos 4 e 8) (Alunos 1 e 8) (Aluno 7)
Quadro 7: Modos de utilização da tradução automática.
46
O propósito de utilização mencionado por cinco dos alunos é proporcionar uma ideia geral do texto, seja
do todo textual, seja de um trecho específico, denominada por Biau Gil e Pym (2006) de gist translation, isto é, uma
tradução imediata para se conhecer o teor do material a ser traduzido.
Dois alunos mencionaram que a tradução automática pode proporcionar outras opções de tradução, dis-
tintas e talvez mais adequadas que as originalmente pensadas por eles. Outros dois alunos afirmaram que utilizam
a tradução automática como um dicionário bilíngue online, a fim de buscar opções na língua para a qual estão
traduzindo a partir do idioma do texto original.
Por fim, um aluno afirmou que utiliza tecnologias de tradução automática para realizar a tradução bruta
de um texto (em inglês, rough translation), a partir da qual realiza a pós-edição. Diferentemente da gist translation,
uma rough translation tem sua forma alterada por meio da revisão de um tradutor humano.
Depois de responderem sobre seus hábitos no que concerne aos sistemas de memórias de tradução e às
tecnologias de tradução automática, os alunos opinaram sobre as vantagens e desvantagens da utilização dessas
CAT Tools, a partir das questões 4, 5, 6 e 7:

4. Liste quais são, em sua opinião, as vantagens da utilização de sistemas de memórias de tradução.

Segmentação (organizar Recuperação de traduções (aumentar Glossário Autopreen- Compartilhamento


texto e/ ou impedir saltos) consistência e/ou velocidade) chimento de memórias
9 alunos 8 alunos 4 alunos 1 aluno 1 aluno
(Alunos 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 (Alunos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 10) (Alunos 5, 8, (Aluno 3) (Aluno 6)
e 10) 9 e 10)
Quadro 8: As vantagens da utilização dos sistemas de memórias de tradução, listadas pelos participantes.

De acordo com nove participantes, a maior vantagem do uso de sistemas de memórias de tradução é a
segmentação realizada pela ferramenta, tanto por organizar o texto a ser traduzido — conforme afirmam os Alu-
nos 1, 3, 4, 5, 9 e 10 — quanto por evitar saltos — segundo os Alunos 1, 6, 7 e 10. Ainda, oito alunos mencionaram
como sendo uma vantagem da utilização dos sistemas de memórias de tradução a função de alavancagem, que
permite a recuperação de segmentos já traduzidos, seja para aumentar a produtividade do tradutor humano —
Alunos 3, 4, 5, 8 e 10 — seja para manter a consistência dos textos, ou seja, padronizar as escolhas — Alunos 2,
3, 5, 6 e 7. Para Choi (2015), o recurso de segmentação tem grande importância para a alavancagem, pois a redução
de texto a ser analisado e recuperado, tanto da memória de tradução quanto da tradução automática, diminui o
tempo de processamento e o número de opções de tradução.
Quatro participantes — Alunos 5, 8, 9 e 10 — mencionaram a função de glossário como uma das vanta-
gens dos sistemas de memórias de tradução. Por sua vez, o Aluno 3 informou que o recurso de autopreenchi-
mento, recurso que propõe a reprodução de uma palavra não traduzida no segmento da tradução, é uma vantagem
dos sistemas de memórias, ao passo que o Aluno 6 listou o compartilhamento de memórias com colegas, por meio
da internet, como um benefício do uso de sistemas de memórias de tradução. No entanto, o uso dos sistemas de
memórias não acarreta apenas ganhos. As desvantagens ligadas à sua utilização são listadas abaixo, a partir das
respostas dos participantes à pergunta 5:

5. Liste quais são, em sua opinião, as desvantagens da utilização de sistemas de memórias de tradução.

Limitação do tra- Diminuição da Interface Valor das licen- Compatibilidade Formatos traduzíveis
dutor remuneração ças entre arquivos
5 alunos 1 aluno 1 aluno 1 aluno 1 aluno 1 aluno
(Alunos 2, 3, 4, 6, (Aluno 10) (Aluno 9) (Aluno 5) (Aluno 8) (Aluno 1)
7)
Quadro 9: As desvantagens do uso de sistemas de memórias de tradução, segundo os participantes da pesquisa.

De acordo com cinco alunos, a maior desvantagem relacionada ao uso de sistemas de memórias de tradu-
ção é a limitação do tradutor, que pode ser causada pela divisão em si dos textos em segmentos, conforme apontam 47
os Alunos 3 e 7, corroborando os resultados do estudo de Stupiello e Talhaferro (2015), em que os participantes,
mesmo não sendo orientados a adotar nenhuma prática de uso dos sistemas de memórias específica, produziram
traduções mais semelhantes entre si que as dos alunos que traduziram com o auxílio do processador de texto pelo
simples fato de terem o texto segmentado. Também foi citada a limitação criativa do tradutor, pelos Alunos 2, 4
e 6. O Aluno 4 ainda nota que a recuperação efetuada pela memória pode ser benéfica, por manter a consistência
do texto, mas pode ser prejudicial em um texto literário, em que a repetição pode não ser bem recebida.
Os alunos divergiram em relação às outras desvantagens do uso de sistemas de memórias. No entanto,
foram mencionadas a possível diminuição da remuneração dos tradutores, em razão das correspondências parciais
e totais; a interface dos sistemas pouco atrativas e práticas; o valor das licenças dos softwares, pouco acessível ao
menos para os tradutores em formação; a falta de compatibilidade entre os arquivos traduzidos por sistemas dife-
rentes e, por fim, a limitação da quantidade de formatos traduzíveis por esses sistemas.
Depois de listadas as vantagens e desvantagens dos sistemas de memórias de tradução, os alunos opinaram
sobre os benefícios e prejuízos causados pela utilização da tradução automática, conforme se observa nos quadros
a seguir:

6. Liste quais são, em sua opinião, as vantagens da utilização de programas de tradução automática.

Velocidade Sugestão de uma ideia geral de tradução Sugestão de termos específicos


7 alunos 6 alunos 2 alunos
(Alunos 1, 2, 3, 5, 6, 7 e 8) (Alunos 4, 6, 7, 8, 9 e 10) (Alunos 8 e 9)
Quadro 10: As vantagens da utilização da tradução automática, segundo os participantes.

Dos dez alunos, sete mencionaram o aumento de produtividade como uma consequência do uso dessa
ferramenta, confirmando a principal vantagem que se lê na literatura sobre o uso da tradução automática. Observa-
se, porém, que esse aumento da velocidade pode acontecer à custa de uma tradução adequada, uma vez que os
Alunos 1 e 2 afirmaram que poupam tempo com pesquisas, aceitando as opções das ferramentas.
A segunda vantagem apontada pelos alunos foi o fato de a tradução automática propiciar uma ideia geral
do texto, que facilita o ato tradutório. Seis alunos mencionaram essa maneira de uso da ferramenta. Por fim, dois
alunos citaram a sugestão de termos específicos como uma vantagem das tecnologias de tradução automática. Esse
modo de utilização da tradução automática deve ser visto com cautela, uma vez que nenhuma ferramenta geral —
como Google Tradutor, Bing, dentre outras — suporta termos específicos (LIONBRIDGE, 2017, s. p.), e podem
utilizar uma opção inadequada para determinada área. Os erros, por sua vez, são o principal prejuízo da tradução
automática, segundo os participantes, como se observa no quadro a seguir:

7. Liste quais são, em sua opinião, as desvantagens da utilização de programas de tradução automática.

Erros Necessidade de Tradução não Desconhecimento de termos Comprometimento da sub-


revisão natural específicos jetividade
4 alunos 4 alunos 3 alunos 3 alunos 2 alunos
(Alunos 3, 4, 6 (Alunos 3, 5, 6 e 9) (Alunos 6, 7 e (Alunos 1, 2 e 8) (Alunos 2 e 5)
e 7) 10)
Quadro 11: As desvantagens da utilização da tradução automática.

De acordo com quatro alunos, os erros dos resultados da tradução automática são uma desvantagem de
seu uso no ato tradutório. Sobre os erros, Biau Gil e Pym (2006) afirmam que tecnologias gerais de tradução
automática, ou seja, aquelas que não são desenvolvidas para um fim específico — como o METEO System, de
previsão do tempo, no Canadá — fornecem opções inadequadas por não apreenderem o contexto, e que seus
resultados são melhores se atuarem em tipos de texto restritos e com linguagem controlada. Quatro alunos listaram
a necessidade de revisão como uma desvantagem, seja uma revisão para identificar erros — Alunos 3 e 5 — seja
pelo desconforto que é corrigir todos os erros de uma única vez (ao contrário do Lilt, em que se edita a tradução
automática de maneira interativa) — Aluno 9 — ou, ainda, pelo fato de a tradução não soar “natural” — Aluno 48
6. A tradução “não natural” é, por sua vez, outra desvantagem apontada ao utilizar esse tipo de ferramenta, con-
forme três dos dez alunos entrevistados. Ainda, três alunos apontaram o desconhecimento de termos específicos
por parte da ferramenta uma desvantagem de sua utilização. Por fim, dois alunos acreditam que as tecnologias de
tradução automática tolhem a subjetividade dos tradutores humanos, por meio de suas sugestões “pouco naturais”
que, uma vez apresentadas, podem confundi-los.

Conclusões

A partir das respostas do questionário, observamos que os sistemas de memórias de tradução e as tecno-
logias de tradução automática fazem parte da rotina tradutória dos participantes, o que corrobora a afirmação de
Bowker (2015) — as ferramentas de tradução computacionais são parte fundamental da rotina de um tradutor —
uma vez que todos os dez participantes utilizam os sistemas e oito deles, a tradução realizada por computador.
Nota-se, também, que as vantagens e desvantagens do uso dessas ferramentas condizem com a literatura
da Tecnologia da Tradução. Bowker (2002) e Leblanc (2013) tratam do aumento de produtividade causado pelo
uso de sistemas de memórias, e a autora discorre sobre a consistência nas traduções na mesma obra. Por outro
lado, os mesmos autores discutem a influência desses sistemas sobre o profissional da tradução, principalmente
em início de carreira — Bowker (2005); Leblanc (2013). No que diz respeito à tradução automática, Martins (2005)
e Biau Gil e Pym (2006) abordam a questão dos erros presentes na produção dessas ferramentas. Ainda, Weininger
(2004) trata de como a utilização dessas ferramentas pode afetar a remuneração dos tradutores.
De maneira geral, constata-se que os tradutores em formação participantes da pesquisa reconhecem a
importância dos sistemas de memórias de tradução e das tecnologias de tradução automática como ferramentas
que auxiliam seu trabalho, mas que não são capazes de substituir um tradutor humano. Considerando que as
ferramentas computacionais de tradução foram projetadas originariamente para atender às necessidades do mer-
cado, (BOWKER, 2002, p. 13), inicialmente não foi realizada uma reflexão sobre as possíveis consequências de
seu uso. Além disso, por terem sido majoritariamente desenvolvidas por empresas de tradução, essas ferramentas
buscam atender às expectativas dessas empresas, em detrimento da valorização do trabalho do tradutor. Espera-
se, assim, que os resultados deste questionário possam contribuir para as discussões teóricas sobre as ferramentas
de tradução, e que estas possibilitem a elaboração de sistemas que potencializem a capacidade do tradutor humano
e provoquem o menor prejuízo possível.

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50
TRADUÇÃO AUDIOVISUAL ACESSÍVEL: PROJETOS COLABORATIVOS

Lucinéa VILLELA (Unesp/Bauru)

51
A tradução audiovisual (TAV) tem desempenhado um papel protagonista nos últimos quinze anos em
debates, eventos e publicações dentro da área dos Estudos da Tradução. Uma de suas características mais peculi-
ares é a de ser uma área guarda chuva que abarca recursos variados como audiodescrição, dublagem, legendagem,
voice over, etc, não se restringindo à tradução interlinguística, mas também inclui pesquisas em tradução intralin-
guística e intersemiótica.
Além de seu visível crescimento dentro dos Estudos da Tradução, a TAV tem conquistado espaço em
outras áreas de conhecimento, como Cinema, Tecnologia da Informação e Comunicação (Produção Audiovisual,
Rádio e Televisão).
Apresentaremos neste artigo alguns projetos que foram desenvolvidos pela pesquisadora na área de Tra-
dução Audiovisual Acessível (TAVa) com parceiros dos contextos de Produção de Cinema e Radialismo, seguindo
uma tendência de projetos colaborativos e interdisciplinares que buscam unir competências para alcançar com
mais eficácia públicos que permaneceram à margem da academia por décadas.

Tradução audiovisual
Díaz-Cintas (2003) apresenta um breve panorama do crescimento da área de Tradução Audiovisual desde
os seus primeiros estudos nas décadas de 1950 e 1960, considerados superficiais inicialmente, passando por uma
letargia nas décadas de 1970 e 1980, até sua grande retomada nos anos 1990.
As principais áreas que faziam parte da TAV no final da década de 1990 e início dos anos 2000 eram a
dublagem, legendagem e voice over. Sabemos que atualmente existem várias outras áreas e não se prioriza apenas a
tradução entre duas línguas (interlinguística). A audiodescrição, por exemplo, é definida como:
Atividade de mediação linguística, uma modalidade de tradução intersemiótica, que transforma o
visual em verbal, abrindo possibilidades maiores de acesso à cultura e à informação, contribuindo
para a inclusão cultural, social e escolar. Além das pessoas com deficiência visual, a audiodescrição
amplia também o entendimento de pessoas com deficiência intelectual, idosos e disléxicos.
(MOTTA e ROMEU FILHO, 2010, p. 11)

Ou seja, no caso de audiodescrição de filmes, é elaborado um roteiro, cotendo as descrições de persona-


gens, imagens, cenários mais relevantes, que posteriormente será locutado para que a pessoa com deficiência com-
preenda os elementos visuais presentes nas cenas apresentadas.
Para exemplificar o crescimento da área de TAV, Díaz-Cintas (2003) menciona um levantamento feito por
Gottlieb sobre publicações englobando apenas a temática de legendagem, entre os anos 1993 a 2000. O pesquisa-
dor localizou 1.300 títulos relacionados ao assunto, com grande concentração das publicações nos últimos anos
do período mencionado.
A quantidade de disciplinas sobre a temática em níveis de graduação e pós-graduação em todos os conti-
nentes é apenas um dos reflexos do status que a área conquistou. No Brasil, a TAV é estudada principalmente em
alguns programas de Pós Graduação, grupos de pesquisa e em oficinas ministradas sobre cada um dos recursos,
como audiodescrição, dublagem e legendagem. Não podemos deixar de destacar a proposta inovadora da Univer-
sidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) que organizou duas edições de especialização em audiodescrição no país
(2014 a 2016).
Vale também mencionar que os periódicos e congressos internacionais exclusivamente dedicados à TAV
já estão consolidados, demonstrando que há autonomia da área e seu espaço não se restringe a apenas uma temá-
tica em eventos dos Estudos da Tradução.
A partir de 2007 um novo campo de pesquisa e prática em TAV se consolidou, a Tradução Audiovisual
Acessível (TAVa), abarcando em seus estudos principalmente a audiodescrição (AD) e legendagem para surdos e
ensurdecidos (LSE). O crescimento nos números de projetos de iniciação científica, mestrado e doutorado defen-
didos na área indica sua relativa independência, o que segundo nossa concepção, não a desvincula nem da TAV
nem dos Estudos da Tradução.
52
Projetos Colaborativos em TAVa

Compreendemos a TAVa como uma área de estudos e de pesquisas que inevitavelmente deve ser realizada
em equipe e defendemos que a contribuição de outras áreas de conhecimento não só beneficia os projetos, mas
os legitimam como interdisciplinares e permite que a tradução deixe de ser endógena, dialogando com campos
que precisam dos conceitos primordiais da tradução, dentre eles os que ressaltam a criatividade e o papel do
tradutor como autor de um novo texto.
A audiodescritora e pesquisadora Zardo (2017) debate a importância do trabalho em equipe em projetos
de audiodescrição. Segundo ela: “Assim como no cinema, a realização de uma audiodescrição (AD) também en-
volve diferentes pessoas e o processo é repleto de detalhes” (p.16).
Apresentaremos alguns projetos colaborativos realizados pelos membros do Grupo de Pesquisa Mídia
Acessível e Tradução Audiovisual (MATAV), como web séries e DVDs de documentários com menus com na-
vegação acessível.

Acessibilidade em Web séries

Em 2013, o Grupo de Pesquisa Mídia Acessível e Tradução Audiovisual (MATAV), coordenado por esta
pesquisadora, iniciou seu primeiro projeto que visava incluir audiodescrição e legendas para surdos e ensurdecidos
em episódios de web séries brasileiras.
A parceria ocorreu com a 8KA Produções, que cedeu os direitos de duas web séries para os projetos de
acessibilidade do MATAV.
O primeiro desafio da equipe, composta na época por tradutores profissionais, docentes de língua inglesa
e alunos de graduação de Radialismo e Jornalismo, foi trabalhar com um gênero ficcional que apresentava uma
narrativa extremamente dinâmica com uma linguagem muito similar a de vídeo clipe. As duas web séries escolhidas
pelo grupo (#E_Vc? e Armadilha) tiveram como público-alvo adolescentes e o alcance que obtiveram no YOU-
TUBE foi considerado sucesso absoluto à época de seus lançamentos (2011).
Molina e Stamato (2017) apresentam os desafios encontrados em audiodescrever os nove episódios de
#E_Vc?, uma web série que narra vários dilemas enfrentados por colegas no último ano de Ensino Médio: escolha
de curso de Graduação, paixões não correspondidas e decepções nas relações de amizade.
Segundo as autoras,
Os nove episódios de #E_Vc? possuem tal perfil, apresentando os diálogos entre os personagens,
e até mesmo os monólogos, de maneira muito rápida, sem que haja um intervalo considerado sufi-
ciente para se roteirizar a audiodescrição com detalhes mais ricos. (MOLINA e STAMATO, 2017,
p.37)

Devido a tais desafios, o roteiro teve que ser elaborado de forma minuciosa, com escolhas muito precisas
de palavras, para que em alguns segundos coubesse a melhor descrição das cenas.
As autoras apresentam em seu artigo um exemplo de roteiro do #E_Vc?. Ele foi dividido em duas colunas,
na coluna da esquerda são apresentados todos os áudios apresentados na cena com as falas do personagem e na
segunda coluna é apresentado o roteiro original da web série.
Vejamos o exemplo:
#E_VC? EP1 – FUTURO - 1 TEMPORADA
E quando eu morrer? É que eu fico pensando em caras 1- ON NO QUARTO
tipo, sei lá, o Leonardo da Vinci.
Ele já se foi e isso tem quase 500 anos! 2- Batendo uma caneta pensando no que escrever.
3- Mostra a janela, 4- paisagem. 5- Close de pé balan-
Mas em todos os livros, revistas, documentários, ouvimos çando.
o nome dele até hoje!
53
E a Monalisa, pô, o rosto dela é tão famoso que acho que
nem a Gisele Bundchen ganhou mais capas de revista do 6- Ele pega uma folha de revista, 7- faz um aviãozinho e 8-
que ela! joga. 9- Céu.
Mas e eu? Eu não sei pintar e acho que nem tenho um
sorriso misterioso pra virar um quadro tão conhecido. 10- Ele com a Mão batendo em grades enquanto ele anda,.
Eles são eternos! Eternos mesmo, tipo Elvis Presley e 11- Ele passando a mão numa pichação. 12- Ele sorri no
Charles Chaplin. Mesmo nunca tendo ouvido as músicas quarto ON)
ou assistido a qualquer um dos filmes, todo mundo sabe 1- ON NO QUARTO
quem são! 13- Na frente da câmera com ele trocando de óculos, com
E nessa história toda, na NOSSA história, quem sou eu? várias caracterizações.
Por exemplo, minha bisavó não fez nada demais. Eu sei o 14- Rostos anônimos. 15- Ele fazendo caretas no mesmo
nome dela, mas eu não sei muita coisa sobre ela. Nem foto enquadramento dos rostos anônimos.
dessa época sobra! E quem era a mãe da minha bisavó?
Pô, será que um dia minha tataraneta vai se perguntar a 16- Ele andando em ruas muito movimentadas, 17- no
mesma coisa? E quando todo mundo que se lembra de meio da multidão. 18- Carros, 19- ele perdido na mul-
mim se for? tidão, 20- câmera vai aproximando. 21- Corta para lu-
gares mais vazios, até chegar um momento em que 22- ele
está num lugar sozinho.
(MOLINA, STAMATO, 2017, p.39)

A partir do roteiro original, o grupo MATAV reuniu-se diversas vezes para analisar cena a cena do episódio
e elaborar o roteiro da AD. Quanto mais curto o episódio de uma série, menos espaços há para inserir as ADs.
O processo de elaboração de roteiro de AD deve ser feito seguindo a minutagem do produto audiovisual.
Vejamos o roteiro do trecho apresentado na primeira cena do episódio “Futuro”.

0:07- 0:10 – AD: Sequência de cenas cotidianas do garoto.


1:22 – 1:32 – AD: Uma garota com uma câmera se aproxima de um garoto, que está sentado, quieto,
em um banco. A garota começa a fotografá-lo e ele faz caretas para a câmera.
1:40 – 1:54 – AD: A garota senta, timidamente, ao lado do garoto e arruma, com cuidado, alguns
livros rasgados que estão ao lado do garoto.
1:55 – 1:58 – AD: Ela se aproxima mais e começa a ver fotos em sua câmera.
2:08 – 2:11 – AD: Garota ameaça tocar o garoto, mas desiste.
02:34 – AD: Vinícius preenche ficha de vestibular, mas apaga (RÁPIDO)
02:38 – AD: Cenas de Vinícius indeciso (MUITO RÁPIDO)
2:54 – 2:55 – AD: Nina vê fotos de Vinícius.
(MOLINA, STAMATO, 2017, p. 40)
Nota-se pelo roteiro que coube apenas 36 segundos de locução de AD na cena. Parece muito pouco, mas
sem essas informações a pessoa com deficiência visual não teria nenhuma dica de quais são as pessoas que apare-
cem na cena e nem de suas ações.
A segunda web série que fez parte do projeto de acessibilidade do MATAV foi Armadilha. Lançada também
em 2011, a web série teve como proposta apresentar em seus sete episódios situações embaraçosas enfrentadas
pelo protagonista Marcelinho em sua casa, colégio e entre seu grupo de amigos.
Laureto, Salhani e Villela (2017) apresentam outro aspecto das ADs, a organização do roteiro de sua locu-
ção. Esta etapa é realizada depois do roteiro de AD ficar pronto e três elementos são essenciais: marcação de
tempo, deixa final (DF) e o texto. A seguir apresentamos um roteiro que foi usado para a locutora gravar a AD.

Episódio: “Matemática é a pior coisa do mundo”


54
Tempo
DF ...não sei mais o que fazer. Você me ajuda?

1:22 – ELA FAZ CARA DE DESESPERO.


1:23
DF ...é melhor que você não seja uma completa imbecil em matemática, né, Luciana? Porra!
ELA SE DESESPERA. JOGA AS FOLHAS PARA CIMA, FINGE SE ENFORCAR, PEGA A TOALHA
1:33 – E COBRE O ROSTO. FINGE QUE DANÇA.
1:41
DF ...às vezes eu acho que eu sou muito burro, sabia?
2:01 – ELA COMEÇA A ESCREVER NO PAPEL, ESCONDENDO DO GAROTO. ELE TENTA OLHAR
2:11 E ELA AMASSA O PAPEL EM SEU CORPO.
DF Marcelinho...
2:14 – ELA SE APROXIMA DO ROSTO DELE.
2:16
DF ...na verdade...
2:19 – FALTA LUZ.
2:20
(LAURETO, SALHANI e VILLELA, 2017, p.55)

Como um projeto colaborativo, a acessibilidade das web séries #E_Vc? e Armadilha foi composta por
várias etapas. Depois da elaboração do roteiro, são convidados locutores (as) que tenham passado por formação
em técnicas de locução de AD para gravarem o roteiro final em estúdio. É imprescindível que sigam o roteiro e
gravem os trechos de AD assistindo os episódios, em casos extremos, devem sempre seguir o roteiro com a
minutagem e deixas finais. Ao contrário de outras locuções que são gravadas sem que o profissional assista simul-
taneamente ao vídeo, no caso de locução de AD é recomendável que o processo seja concomitante.
Para que os projetos passassem por avaliação de seus usuários, os membros do MATAV apresentaram os
episódios de # E_Vc? aos alunos do Lar Escola Santa Luzia de Bauru em um evento chamado Sala Sense and
Sensibility, realizado em 2013.
Durante o evento, os alunos do Lar Escola Santa Luzia assistiram um episódio na íntegra e fizeram co-
mentários sobre a AD.
Consideramos ainda um de nossos grandes desafios a manutenção de um processo mais eficaz e contínuo
de avaliação da recepção de AD, mas ainda não temos consultores com deficiência que participem ativamente em
nosso grupo. Uma das grandes dificuldades é a logística para que haja a locomoção com autonomia de pessoas
deficientes da nossa região até nosso campus.
Acessibilidade audiovisual aplicada em documentários
Outro projeto colaborativo realizado pela pesquisadora foi a produção do DVD com recursos de acessi-
bilidade do documentário Incluindo Samuel (Dan Habib, 2007).
O documentário foi premiado pelo júri e pelo público no Festival Assim Vivemos (2011), Festival inter-
nacional de filmes sobre deficiência, mas não tinha sido produzido em DVD por falta de captação de verbas.
Como objeto de estudo de projeto financiado por agência de fomento (2014-2016), foi possível a produção do
DVD com recursos de AD, voice over, LSE e menu acessível.
O documentário de 58 minutos é uma produção americana e, portanto, adotamos a opção de incluir voice
over, AD e LSE em português. A elaboração do DVD com acessibilidade incluiu diversas etapas:
a) formação teórica (Tradução Audiovisual) e capacitação técnica de membros do projeto;
b) reuniões com membros da produtora do Festival Assim Vivemos (Lavoro Produções), sediada no Rio
de Janeiro; 55
c) revisão de roteiro de audiodescrição;
d) elaboração de LSE;
e) gravação em estúdio do voice over e da audiodescrição;
f) edição de som;
e) produção do menu com navegação acessível.

O trabalho colaborativo permitiu a troca de experiências e conhecimento entre pesquisadores de tradução


audiovisual, produtores de cinema e profissionais da AD e LSE.
Fizemos reuniões com a equipe da Lavoro Produções, que já tinha o roteiro da AD feita ao vivo nas
sessões do Festival Assim Vivemos de 2011. A partir do primeiro roteiro, refizemos alguns trechos baseados em
estudos teóricos sobre AD e também revisamos questões da tradução do inglês para o português nas legendas.
Regatamos o primeiro arquivo de LSEs e fizemos uma revisão completa. Os principais desafios foram os
de adequar as falas dos entrevistados às restrições de tempo e espaço das LSE em português, além de incluir as
indicações de personagens e as indicações sonoras quando eram relevantes. Optamos pela cor amarela nas legen-
das, por ser a cor preferida das pessoas com deficiência auditiva no Brasil.
Houve várias sessões de gravações em estúdios, pois o documentário é composto por várias pessoas de
sexos e idades diferentes (crianças, adolescentes, homens e mulheres). Foi necessário contratar locutores para
interpretar as vozes no processo de voice over e outra voz para audiodescrever.
O roteiro de voice over e de AD seguiram um padrão de fonte e cores para que os locutores não confundis-
sem as falas na hora da gravação.
A seguir separamos três trechos com AD de cenas do documentário e com falas dos pais de Samuel. Os
trechos de AD aparecem em negrito e em caixa alta; os trechos com voice over de Betsy, mãe de Samuel, são regis-
trados em fonte redonda e caixa baixa e o voice over de Dan, pai de Samuel, aparece em fonte rosa.

Cena 01- Sala da casa de Samuel


AD- 00:14:58- SAMUEL, ISAIAH E OUTRO GAROTO TOCAM INSTRUMENTOS.
Voice over- 00:15:00- 00:15:08-
Betsy- Ele é um ser humano com toda a complexidade, todos os atributos e todas as complicações de personali-
dade que caracterizam um ser humano.

56

Cena do filme Incluindo Samuel (Dan Habib). (00:14:58)

Cena 02- Corredor da casa de Samuel.


AD- 00:15:09- 00:15:10- SAMUEL COM OS OLHOS MAREJADOS AO LADO DE ISAIAH.

Cena do filme Incluindo Samuel (Dan Habib). 00:15:09

Cena 03- Escola de Samuel.


AD- 00:15:11-00:15:15- NA ESCOLA, SAMUEL TENTA COM DIFICULDADE COLOCAR UM PA-
PEL NO ESCANINHO.
Voice over- 00:15:16- 00:15:46-
DAN - Não tentamos esconder o fato de que Samuel é diferente do irmão e dos seus colegas em vários aspectos.
Ele não pode brincar na rua com seus amigos. Ele precisa de ajuda para comer, para deitar-se e ir ao banheiro. Ele
quase não fala na presença de muita gente ou quando está cansado.
Mas percebemos que ficar sempre preocupados com o futuro de Samuel não era a melhor forma de sermos seus
pais. Temos de viver o presente. Vê-lo como uma pessoa e sua experiência como nosso filho, como Samuel, para
podermos ser sua mãe e seu pai.

57

Cena do filme Incluindo Samuel (Dan Habib). 00:15:11.

Na primeira cena, a AD é extremamente concisa, pois a mãe de Samuel fala durante quase a cena inteira.
Na cena 02 apesar da AD ser também concisa, há somente duas pessoas na cena e o elemento mais relevante é
bem audiodescrito: SAMUEL COM OS OLHOS MAREJADOS AO LADO DE ISAIAH. Como em vários
trechos do filme é apresentada a cumplicidade entre os irmãos, a AD deste trecho ficou extremamente precisa.
Na última cena analisada neste trabalho, percebemos que a escolha dos verbos da AD foi bem sucedida,
pois demonstra os desafios enfrentados por Samuel em ações tão simples para outras pessoas: NA ESCOLA,
SAMUEL TENTA COM DIFICULDADE COLOCAR UM PAPEL NO ESCANINHO.
Uma das últimas etapas foi a edição sonora com as diversas trilhas (áudio original, voice over e audiodescri-
ção) e a inserção da LSE. Em seguida foi elaborado o menu com navegação acessível.
Raramente encontramos filmes com AD e LSE com menus acessíveis, fato considerado paradoxal na
produção audiovisual acessível. O bolsista do projeto que produziu o menu acessível é formado em Radialismo e
para realizar as inserções de áudio com instruções de navegação no menu e permitir que o usuário escolha as
opções clicando apenas nas quatro setas indicativas no teclado (direita, esquerda, para cima e para baixo), ele
analisou DVDs já produzidos com tais recursos e gravou separadamente o áudio de navegação.
O produto é considerado inovador no Brasil, pois o menu com navegação acessível permite autonomia à
pessoa com deficiência (visual ou auditiva), sem que precise de auxílio de qualquer outra pessoa para assistir ao
filme.
Apresentamos a capa do DVD com acessibilidade:
58

O projeto de Incluindo Samuel foi um exemplo bastante típico de projeto colaborativo. Apesar de as dificul-
dades de logística ao lidarmos com equipes de cidades e estados diferentes e distantes (Bauru e Rio de Janeiro),
envolvemos pessoas com conhecimentos específicos que não tínhamos em nosso grupo local. A oportunidade de
termos o produto locutado por audiodescritores profissionais, com quase dez anos de experiência, foi muito gra-
tificante. Por outro lado, nossa experiência em legendagem, trouxe melhorias para o arquivo de legendas original
e só conseguimos ter o menu com navegação acessível com a contribuição do profissional em Radialismo.
Além dos projetos apresentados anteriormente, o grupo de pesquisa MATAV também atuou em outros
projetos, como o curta autoral Inclusive Elas. O produto, financiado por um projeto em rede CAPES, apresenta
depoimentos de quatro alunas da Unesp Bauru que possuem deficiências bem distintas.
As personagens de Inclusive Elas foram: Juliana, ex-aluna do Curso de Radialismo (2013-2016) que nasceu
com osteogênese imperfeita; Ana Raquel, formada em Jornalismo, tem distonia e deficiência auditiva; Marcela é
uma aluna do Mestrado em Educação para Ciência e possui deficiência visual e, finalmente, Paolla, aluna de Psi-
cologia que sofreu um trauma medular e carrega sequelas até hoje.
A união de quatro alunas de cursos de diferentes cursos e a intermediação de dois bolsistas de Radialismo
para a produção do curta metragem demonstrou mais uma vez que conseguimos enriquecer nossos projetos com
olhares interdisciplinares.

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59
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Acessibilidade audiovisual: produção inclusiva nos contextos acadêmicos, culturais e nas plataformas web. Bauru: Canal6 Editora,
2017. p.13-28.
O TRADUTOR-INTÉRPRETE DE LIBRAS NA EDUCAÇÃO:
INSERÇÃO PRECIPITADA E A INVISIBILIDADE NAS COMPETÊNCIAS
E À FORMAÇÃO FRAGILIZADA

Reginaldo Aparecido SILVA (IFSULDEMINAS –Inconfidentes)

Introdução
60
Face à demanda de profissionais TILS, visto que nas últimas décadas o número de alunos surdos tem au-
mentado significativamente nas escolas regulares, muitas pessoas – alunos egressos de cursos básicos e Especiali-
zação em Libras – têm se interessado entrar para o “mercado” de profissionais tradutores da língua de sinais. Esse
interesse parte do pressuposto de que, como não há um número suficiente de profissionais “qualquer pessoa que
soubesse língua de sinais e se dispusesse ao trabalho era potencialmente um Intérprete Educacional” (LACERDA,
2014, p. 34). Após o reconhecimento e a legitimidade da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS pela Lei nº
10.436/02 e regulamentada pelo Decreto nº 5.626/05, a demanda de profissionais tradutores-intérpretes de Libras
tem crescido vertiginosamente em todo o território nacional principalmente na área educacional.
Embora a remuneração desse profissional não seja adequada em vista do seu complexo trabalho e respon-
sabilidade, muitos têm “se identificado” com o salário oferecido pelas inúmeras instituições onde os surdos, inse-
ridos como alunos e/ou visitantes, têm acessibilidade. Muitos desses interessados em sua grande maioria são alu-
nos egressos de cursos básicos de Libras oferecidos por instituições credenciadas pela Secretaria de Estado de
Educação/MEC, ou Pós-graduação em Libras. Muitos dos interessados em ampliar seus conhecimentos ou até
mesmo “tornar-se” um TILS, descartam o contato com o mundo surdo e logo, após um curso básico de Libras,
querem fazer uma Especialização, tendo um conceito errôneo de que, para trabalhar como tal deve estar formado
“teoricamente”, desconsiderando assim a real função do profissional Intérprete de Língua de Sinais.
Os cursos oferecidos têm sua carga horária de 180 horas divididas em três módulos - os básicos e 460 horas
os de Especialização. Na maioria das vezes, os básicos são direcionados a professores de Educação Básica e Salas
de Recursos/AEE com o objetivo de comunicação básica com os discentes surdos durante as aulas e nas inter-
venções pedagógicas. Estas poucas aulas, com intervalos quinzenais, não oferecem nenhum suporte para o
aluno/professor a se TORNAR um tradutor-intérprete, e muito menos permite que este seja fluente na língua,
um idioma gesto-visual, complexo e com estruturas gramaticais iguais aos idiomas orais (FERREIRA, 2010, p. 21;
MACHADO, 2015, p. 27; LACERDA, 2014, p. 38). As especializações apresentam conteúdos teóricos e filosófi-
cos que não dão base alguma à atuação de intérpretes. Com exceção de algumas, que têm em sua grade curricular,
algumas horas de práticas de tradução, mas, estas ainda são mínimas e não garantem ao cursando TER competên-
cia linguística e tradutória.
Muitos aprendem Libras como algo “legal” que foi oferecido gratuitamente ou porque está na “moda”
aprender a língua dos surdos. A partir desse momento o interesse aumenta porque há uma demanda do profissi-
onal que saiba o idioma, além da remuneração, ainda que seja insignificante pelo trabalho desempenhado, chama
a atenção daquele que recentemente iniciou sua “alfabetização em Libras”. Mas, nem todos os interessados que
saíram e saem dos precários cursos básicos, se empenham nos estudos e passam a conhecer o mundo surdo com
o intuito de SER realmente um profissional qualificado para desempenhar a função de TILS. Em meio a esse
crescimento na área, faz-se necessário, enquanto profissionais atuantes na Comunidade Surda bem como em Ins-
tituições de Ensino ligadas ao Sujeito Surdo, indagarmos: é possível ser um TILS após um curso básico de Libras
com carga horária de 180h ou uma Especialização em Libras? Essa posição que trás inúmeros questionamentos,
poderá gerar, nesta pesquisa, um leque de opiniões seguidas de discussões (des) favoráveis.
Abordaremos neste artigo, a experiência vivenciada num período de 08 (oito) anos, no contexto onde can-
didatos à profissão de Intérprete Educacional, na maioria deles alunos egressos de Cursos Básicos e/ou de Espe-
cialização em Libras, foram avaliados por bancas examinadoras de Intérpretes quanto à fluência na Libras, e en-
trevistas com profissionais já atuantes, veteranos e novatos. Através de indicadores avaliativos, este artigo, além
de base teórica da Literatura disponível em acervo pessoal bem como em biblioteca virtual, teve como material de
pesquisa o trabalho de campo, com entrevistas in locu e/ou à distância por meio de recursos midiáticos.

Desenvolvimento

No período desta investigação ocorrida no período de 08 (oito) anos, identificamos que o aumento da de-
manda de Profissionais Tradutores-Intérpretes de Libras cresceu de tal forma que desencadeou uma “curiosidade”,
um interesse na área por parte de um público frágil e sem conhecimento específico, no que se refere à Língua 61
Brasileira de Sinais – Libras, assim também da profissão do Tradutor-Intérprete deste idioma. Esse público é
formado por alunos egressos de cursos básicos ofertados por Instituições credenciadas pela Secretaria de Estado
de Educação/MEC ou Pós-graduação em Libras. Os Instrutores destes cursos, na maioria deles Surdos, ao mi-
nistrarem as aulas, criam, o que chamamos de “amizade sinalizada” com o aluno que o procura e passa a ter
contato constante durante as semanas em que estão presentes em sala de aula.
Por meio desse “contato”, os instrutores através das dinâmicas e atividades realizadas em sala, se identificam
com esse aluno e lhe dá, ao término do curso por meio da certificação, os conceitos de: Bom, Muito Bom, Ótimo ou
Excelente, ganhando assim um enorme incentivo levando-o a crer que possui o perfil certo para atuar como um
TILS. A partir daí, este aluno procura os meios de se inscrever e participar de uma banca avaliadora de Língua de
Sinais e com a certeza de se “tornar” um Intérprete de Libras, um profissional que atuará na Educação de Surdos
– ou seja, um I.E, Intérprete Educacional. Com esse conceito, ambos, aluno e professor, passam a ter um olhar
diferenciado e “cúmplice” um do outro.
O aluno, com esse conceito e incentivo, ganha um “perfil de intérprete”, aflorado pelo seu instrutor; e pelo
conhecimento da necessidade e demanda desse profissional nas instituições de ensino fica ainda mais motivado a
seguir em frente com apenas o básico que aprendeu, sem se dar conta de que a tarefa é mais abrangente do que
apenas algumas horas de curso. O instrutor com o seu olhar docente passa a ver o aluno com um “potencial” e
“perfil” de intérprete, levando em conta somente a sua comunicação durante as aulas do curso básico nas poucas
horas em que estiveram juntos, esquecendo assim da responsabilidade do que é SER um Tradutor de Idioma e
que isso demanda tempo, contato constante com nativos da língua, intenso trabalho e dedicação diária no preparo
e estudo das temáticas disciplinares, bem como a aprendizagem de técnicas de tradução e interpretação no exer-
cício da função (LACERDA, 2014, p. 123).
Diferentemente do conceito que muitos têm em mente ao saírem dos cursos básicos do que é ser um TILS,
é necessário compreender o papel e a ética desse profissional. Embora pesquisadores Albres (2015), Ferreira
(2010), Gesser (2009), Hurtado Albir (2005), Júnior & Santos (2011); Lacerda (2013, 2014), Lodi (2014), Machado
(2015), Marques & Oliveira (2009), Quadros (2007, 2009), Pereira (2010), Rodrigues (2013), Russo (2008, 2009),
Sales & Lacerda (2015) etc. já tenham discutido essa temática e explanado sobre as questões que envolvem o TILS,
além da Legislação vigente que dispõe sobre esse profissional, há ainda os que desconhecem o real papel desse
agente mediador, os modelos de tradução e interpretação e suas funções responsáveis durante o processo de sua
modalização, seja no contexto educacional, religioso ou em outras esferas em que sujeitos surdos estejam presen-
tes.
É preocupante o crescente número de egressos de cursos básicos se matriculando nas Especializações com
o objetivo de “traduzir” na Rede Pública de Ensino, esta que em seus pré-requisitos solicitam prioritariamente a
formação superior e/ou a Especialização em Libras. Tal índice crescente, alunos de cursos básicos, não reconhe-
cem – na maioria das vezes – a Libras como um idioma visual-espacial que possui uma gramática própria, estru-
turada e complexa (GESSER, 2009, p. 18-19, 27; MACHADO, 2015, p. 27), mas sim um conjunto de muitos
sinais, imaginando que, ter um grande número de vocabulário, será entendido e compreendido pelos educandos
surdos. Parafraseando Marques & Oliveira (2009), “pensar que apenas a aquisição da Língua de Sinais constitui o
intérprete é tão equivocado como pensar que o ser intérprete é constituído apenas pela ação de interpretar” (p. 407).
A exposição do Decreto 5.626 em seu Artigo 7º no inciso III dispõe sobre a Especialização em Libras “garantindo”
ao leitor/docente que, se ele possuir tal especialização, poderá ministrar aulas nesse idioma.

Art. 7 Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja docente com
o

título de pós-graduação ou de graduação em Libras para o ensino dessa disciplina em cursos de


educação superior, ela poderá ser ministrada por profissionais que apresentem pelo menos um
dos seguintes perfis:

III - professor ouvinte bilíngue: Libras - Língua Portuguesa, com pós-graduação ou formação su-
perior e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo
Ministério da Educação. (BRASIL, 2005).
62
Muitos, com essa garantia não realizaram, ou passaram pelo Exame do Prolibras, pois, por não terem a
devida fluência, o conhecimento e a competência dessa língua, não se enquadram no perfil que dispõem o Artigo
8º do Decreto 5.626 (BRASIL, 2005). Assim, não tendo êxito, devido à falta das habilidades básicas, a solução é
ter uma certificação na área para “ser” professor de Libras em muitas Instituições - Universidades e Faculdades -
ou atuar como TILS. Essa situação, realidade em todo o território brasileiro, se dá devido à falta de “bancas”
avaliadoras, principalmente nas Instituições de Ensino que irão contratar tal profissional e constatar se este real-
mente sabe e conhece o idioma que irá ensinar e/ou traduzir no ambiente educacional. Infelizmente, tais Institui-
ções solicitam apenas a formação e os certificados do candidato, sem se preocuparem com a qualidade de ensino
e do perfil daquele que se tornará membro do corpo docente de sua instituição.
Obviamente não generalizamos tal afirmação, pois há instituições sérias e preocupadas tanto com o seu
corpo docente quanto ao ensino que levará para seus discentes. Mas, grande número destas recrutam o docente
sem avaliá-lo em sua condição, de no mínimo conhecedor ou membro ativo na Comunidade Surda, agindo assim
na contramão Legal, neste caso, da Lei 10.098 que dispõe em seu Artigo 18 sobre a Acessibilidade e promoção da
inserção de profissionais qualificados para atuarem no âmbito educacional “o Poder Público implementará a formação
de profissionais intérpretes [...], de linguagem de sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer tipo de comu-
nicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação (BRASIL, 2000)”.
A inquietação neste assunto é que, este profissional que estará atuando em uma instituição de ensino, se não
souber ou conhecer a Libras em sua real identidade como idioma, estará desvirtuando, ensinando ou traduzindo
“coisas” que não fazem parte do mundo surdo. Ainda que ensine algo “mirabolante” durante as aulas, neste caso
na disciplina curricular de Libras com carga horária variante de 30 a 60 horas, não é o suficiente para se aprender
um idioma. Tal ensino estará englobado não na interdisciplinaridade e sim no uso de sinal+palavra+sinal e com
categorias de sinais dissociáveis sem nenhum contexto.
Retomando a área educacional e no que concerne a educação inclusiva, é sabido que a demanda de profis-
sionais intérpretes educacionais se torna crescente e progressiva a cada ano. Para suprir tal necessidade, viabilizar
o ensino-aprendizagem do educando surdo, muitos interessados, como citado, egressos de cursos básicos e Espe-
cializações em Libras, se candidatam para serem avaliados por uma banca examinadora e obter uma “licença” para
atuar na escola em que o aluno está inserido sem o TILS. Estes, como já mencionado, nunca tiveram oportunidade
ou se aproximaram da Comunidade Surda “com o uso cotidiano da Libras, sem conversar [...] interagir com os
surdos de diferentes níveis linguísticos” tendo assim, uma avaliação nada proficiente e coerente com a realidade
de um profissional Intérprete de Língua Gestual. “A tradução não é um trabalho simplesmente mecânico, em que
se substitui uma palavra por outra” (RUSSO, 2009, p. 52, 62). Esquece-se de que “este profissional tem uma tarefa
importante no espaço escolar, é um elemento fundamental” na educação do aluno surdo, mas, “isoladamente, ele
não solucionará todos os problemas educacionais” ainda mais sem uma formação adequada (SALES & LA-
CERDA, 2015, p. 21).
Ao se candidatarem, visto que há uma vaga em determinada escola, a priori, não se autoavaliam para saber
se realmente têm condições de assumir um cargo que exigirá total responsabilidade em viabilizar ao aluno o acesso
às informações e traduzir todos os conteúdos curriculares, em todas as atividades didático-pedagógicas envolvidas
na educação do sujeito surdo nas escolas de Educação Básica. Desconsiderando isso, acreditam que, por saberem
pouco, assumem o papel de assistencialistas para ajudar àquele que se “encontra sozinho e perdido” na escola.
Além disso, trazem consigo um discurso pronto quando dizem: “é melhor colocar alguém que sabe pouco do que deixar o
aluno sozinho sem ninguém” Pensando na realidade em que nos encontramos, na escassez, na ausência deste profissi-
onal, poderíamos por ímpeto concordar com isto, e “ceder” a vaga para este “assistente social”, levando-o a crer
que têm totais condições, como Interlocutor, de intermediar duas Línguas simultânea e consecutivamente, refor-
çando assim o desrespeito dos órgãos públicos à Língua de Sinais e ao profissional qualificado para tal função.
Devemos levar isso à reflexão, pois, “(...) os sentidos produzidos pelos órgãos públicos a respeito do profissional
ILS [...] reforçam a prática assistencialista no momento que notifica e intima uma pessoa que sabe Libras, sem que
essa tenha, necessariamente, uma formação de intérprete, para atuar” (RUSSO, 2009, p. 98).
Mas, ao cedermos a tal ideologia assistencialista, segregamos a Libras e muito mais aos sujeitos Surdos que, 63
“primariamente devem desenvolver o uso da língua de sinais [...] com ouvintes bilíngues LIBRAS-Lingua portu-
guesa, com formação/certificação de fluência em Libras” (LACERDA & SANTOS, 2013, p. 166), pois, dependem
do idioma para aprender e se desenvolverem no mundo que possui outra Língua, ou seja, sua segunda língua,
neste caso a Língua portuguesa (LP). Reforçando mais uma vez que a presença deste profissional “não garante
que questões metodológicas sejam” eficazes podendo o aluno surdo “ficar às margens da vida escolar” devido ao
déficit de proficiência tradutória e interpretativa do profissional TILS (LACERDA, 2014, p. 34).
Dentro desta realidade, com o foco na Educação Inclusiva, muitos se perguntam: “como faremos então, se não
há quem interprete as aulas para o aluno?” Realmente, numa situação em que o aluno esteja sozinho, ainda cedendo a
questão paterna e assistencialista, não haveria saída. Não podemos também, por impulso, arriscar e colocar “qual-
quer” que seja o profissional que não tenha nenhum ou o mínimo de domínio, e muito menos conhece o que é
SER um Intérprete de Língua de Sinais para atuar em sala de aula. Se for cedido, ainda que venham a ser conside-
rados “salvadores”, estes prejudicarão o processo de ensino e aprendizagem do discente surdo, pois, “(...) assumem
a função de intérprete sem a devida qualificação comprometendo a qualidade da interpretação. Os surdos agrade-
cem o fato de terem intérpretes, mas sofrem com a qualidade da interpretação tendo, muitas vezes, o seu processo
de aprendizagem prejudicado” (QUADROS, 2004, p. 65). Também ao assumirem tal função, é desconsiderado o
que está imposto na Lei 12.319/10 quanto ao exercício do profissional intérprete, em suma no artigo 7º que diz
“O intérprete deve exercer sua profissão com rigor técnico, zelando pelos valores éticos a ela inerentes, pelo
respeito à pessoa humana e à cultura do surdo” (BRASIL, 2010).
Com esta cessão para ocupar uma vaga de TILS, perde-se o respeito à singularidade linguística do sujeito
Surdo, ainda que este tenha, ou esteja “só” em sala de aula, a presença do profissional que não tenha domínio do
idioma (ou mesmo que dominasse) não vai garantir a plena inclusão dele, pois há mais especificidades envolvidas.
É necessário que os outros agentes da escola conheçam o mundo surdo e não apenas supram a necessidade de
“colocar alguém” ali que conheça minimamente a Libras. Impossível tornar-se fluente se não conhecer a própria
língua (LP) ou vice-versa. Esse sujeito deve estar imerso na Comunidade Surda (re) conhecendo suas peculiarida-
des “não é suficiente [o intérprete] conhecer a Língua Brasileira de Sinais para poder atuar eficazmente na escola
com o aluno Surdo. É também necessário conhecer a Cultura Surda através da participação e vivência na comu-
nidade Surda, aceitação da diferença e paciência para inteirar-se nela” (VILHALVA, 2007 apud RUSSO, 2009, p.
69).
Para suprir a necessidade da Educação Inclusiva, ter um profissional intérprete que assegurará acessibilidade
ao alunado surdo, tem-se “instigado” àqueles egressos de cursos básicos que, podem sim ocupar uma vaga, já que
não há outro qualificado; por que não colocar aquele que recebeu “capacitação em Libras”? Desta forma as Insti-
tuições Educacionais ligadas às Superintendências Regionais de Ensino bem como o Ministério Público, são aci-
onados pela família, que reivindica os direitos do filho surdo, estes “com o objetivo de que o aluno surdo tenha
acesso ao conhecimento veiculado na escola, as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação passam a contratar
diferentes profissionais, uma grande parte de professores conhecedores da Libras para atuarem como intérpretes
educacionais” (ALBRES, 2006b apud ALBRES, 2015, p. 33).
(Des)informações e privilégios

Ao questionar, num breve diagnóstico, para saber se conhece algumas especificidades da Libras simples e
importantes, e que foram imaginavelmente abordadas nos cursos básicos, muitos nem sabiam o significado, nunca
ouviram falar e muito menos haviam lido sobre o assunto em Literatura impressa ou nos sítios de busca na internet.
Os termos: soletração rítmica, datilologia, alfabeto datilológico, cinco parâmetros, classificadores, recursos formais
da Libras (dêiticos, anáforas e modalização), bilinguismo, ILS/TILS; algumas das Literaturas essenciais e impor-
tantes de grandes autores e personagens ícones da Comunidade Surda, por exemplo: Ana Regina Campello, He-
loíse Gripp, Nelson Pimenta, Karin Lílian Strobel, Shirley Vilhalva, Rimar Romano Segala, Sueli Ramalho Segala,
Gladis Perlin, Ronice Müller de Quadros; as Instituições e Organizações Políticas ligadas à Educação e Inserção
do sujeito Surdo na sociedade, como: INES, FENEIS, APADA, CAS, Prolibras, Letras-Libras; e pelo menos uma 64
Legislação a ser mencionada surpreendentemente não os conhecia.
Ainda que todos esses simples detalhes não influenciem de imediato na prática tradutória e interpretativa,
indaga-se: em que “mundo” estão? Pois, ao entrar para “Mundo Surdo” com a plena intenção de SER um TILS,
esses simples detalhes, são imprescindíveis ao profissional que irá atuar na Comunidade Surda. “(...) alguém que
ainda está em uma fase de aprendizagem de elementos básicos da língua de sinais [...] deveria aperfeiçoar sua Libras
antes de começar seus estudos na interpretação interlíngue” (PEREIRA, 2010, p. 37). A tradução é, antes de tudo,
uma operação “cognitiva”, no sentido piagetiano (OUSTINOFF, p. 103).
O que parece é que ainda prevalece a ideia de que “saber um pouco de Língua de Sinais é o suficiente para
ser prognosticado como futuro intérprete”. Esta ideia surge a partir do pressuposto das “primeiras gerações de
ILS que não recebiam instrução formal: eram familiares, religiosos e professores de surdos e iniciavam a interpre-
tação mesmo tendo apenas noções básicas de LS” (PEREIRA, 2010, p. 42).
A coleta de dados ocorreu num período de 08 (oito) anos (e ainda ocorre) consecutivos e o contato cons-
tante com a Comunidade Surda. O contato se deu por meio de diálogos informais e entrevistas semiestruturadas
em Capacitação e Aperfeiçoamento de Intérpretes Educacionais. Os sujeitos da pesquisa foram Intérpretes atu-
antes, novatos e veteranos, alunos de curso básico e/ou Especialização em Libras. Com um vocabulário “for-
mado” e o “convicto domínio” da língua de sinais, por meio do feedback informal, foi possível identificar os por-
menores do desejo de se tornar um TILS. Dizer que “domina” a língua de sinais não é o suficiente para se tornar
um tradutor-intérprete, como menciona Quadros (2007)

Não é verdade que dominar a língua de sinais seja suficiente para a pessoa exercer a profissão de
intérprete de língua de sinais. O intérprete de língua de sinais é um profissional que deve ter
qualificação específica para atuar como intérprete. Muitas pessoas que dominam a língua de sinais
não querem e nem almejam atuar como intérpretes de língua de sinais. Também, há muitas pes-
soas que são fluentes na língua de sinais, mas não têm habilidade para serem intérpretes (QUA-
DROS, 2007, p.29).

Além disso, dominar a língua de sinais não é apenas entender ou compreender a sinalização de um Surdo,
ou estar dicionarizado, ter um enorme arquivo mental de léxicos, ou sinais aprendidos em um dicionário de Libras.
Saber traduzir é mais complexo do que ter um simples vocabulário, envolve outros conhecimentos

(...) o ato de traduzir não é uma simples transposição do léxico de uma língua à outra; isto é, não
traduzimos palavra por palavra, mas faz-se necessária uma tradução de significados [semânticos]
e das referências que há entre culturas. Considera-se que a tradução não é uma atividade pura-
mente técnica e objetiva. Com isso, a subjetividade está implicada na interpretação do tradutor,
pois passa a ser naturalmente uma consequência dos processos de interpretação e tradução (MA-
CHADO, 2014, p. 46).

A convicção dos que atuam no ambiente educacional – a maioria egressos de cursos básicos – fica evidente
no momento em que questionamos sobre o seu desejo de atuar como intérprete na escola. E é neste momento
que a prática assistencialista entra em ação, pois nem sabem como e nem o que este profissional faz em sala de
aula, desconhecendo que “os intérpretes educacionais utilizam a língua e medeiam interações trabalhando com as
línguas, desta forma, precisam conhecer os gêneros usados na esfera escolar”, o que em um curso básico de apenas
120 horas ou mais, não dá base nenhuma para atuar nesta e ou em qualquer outra esfera independentemente de
qual seja (ALBRES, 2015, p. 37 – nota).
Ao serem questionados sobre, em atuar como TILS em sala de aula, as respostas sempre foram as mesmas:
“quero ajudar o surdo”. É perceptível o desconhecimento do real papel do TILS em sala de aula quando se questiona
o que seria dominar as traduções simultânea e consecutiva. Não souberam dizer apenas que “tradução consecutiva
[...] consiste em traduzir não ao mesmo tempo em que as falas são pronunciadas [...] utiliza-se inicialmente um texto
escrito” (OUSTINOFF, 2011, p.107-108). Desconhecendo o papel do profissional TILS e sua posição em uma
sala de aula, como esse candidato, sem conhecer as especificidades básicas do profissional intérprete, terá condi-
ções de atuar em sala de aula? Infelizmente com esta realidade, ainda há aqueles que são privilegiados. Privilegiados 65
em que sentido?
A família com um filho surdo incluso na Rede Pública de Ensino desconhece o papel do profissional TILS,
mas sabe, segundo a lei, que seu filho tem o pleno direito à educação acessível, o “(...) apoio específico, de forma
permanente ou temporária [...] o apoio humano que contemple as suas possibilidades” (VOLTERRA, 1994 apud
LODI & LACERDA, 2014, p. 65) Sem conhecer a real função daquele que possivelmente irá atuar com o seu
filho, reivindica ao Ministério Público o seu direito de ter este profissional, o Ministério Público, por sua vez,
determina com prazo estipulado às Superintendências Regionais de Ensino que consiga tal profissional. A mesma,
seguindo o critério determinado, “escolhe qualquer um”, principalmente àquela pessoa que se encontra no seu
banco de dados e que já fizera o Curso Básico promovido pela Instituição. Esta, é indicada, e muito das vezes sem
ter ou passar por uma avaliação inicia o seu trabalho em sala de aula, dando assim um “presente estragado” ao
aluno surdo, não levando em consideração o ensino-aprendizagem desse sujeito e muito menos como será o seu
desenvolvimento dali em diante.

Quem é o intérprete de língua de sinais?

Diferentemente das ideias distorcidas por muitos, de que ser intérprete é fácil e possível após um curso
básico de Libras, conhecer todos os léxicos de um dicionário ou um conjunto de vocabulários descontextualizados,
há mais coisas envolvidas e complexas. Esse sujeito é um agente que atua em várias esferas e modalidades

É o profissional que domina a língua de sinais e a língua falada do país e que é qualificado para
desempenhar a função de intérprete. No Brasil, o intérprete deve dominar a língua brasileira de
sinais e língua portuguesa [...] o profissional precisa ter qualificação específica para atuar como
tal. Isso significa ter domínio dos processos, dos modelos, das estratégias e técnicas de tradução
e interpretação. O profissional intérprete também deve ter formação específica na área de sua
atuação (por exemplo, a área da educação) (QUADROS, 2007, p. 27, 28).

Considerando a esfera de tradução e interpretação no âmbito educacional, há muito que considerar sobre a
prática diária e sobre a experiência e contato com o mundo surdo. Sobre a experiência, mesmo aqueles que estão
inseridos na Comunidade Surda e já trabalham como profissionais intérpretes têm os seus desafios de tradução e
interpretação ao longo da sua prática. Um grupo de TILS experientes que foram submetidos a uma pesquisa e
filmados para investigação acadêmica tiveram seus desafios ao traduzir um texto oral da Língua Fonte (português)
para a Língua Alvo (Libras). Os intérpretes tiveram acesso às suas gravações e sobre os equívocos cometidos
durante a sinalização, um deles, “ILS X” relatou o seguinte:

Esse tempo que eu dou, é pra eu pensar que sinal eu vou fazer, porque o primeiro sinal que vem
na minha cabeça, quando eu ouço a palavra perceber, esse sinal PERCEBER, ele não cabe aqui
(no contexto em que estava sinalizando). Então eu preciso de milésimos de segundo pra pensar
que outra expressão em língua de sinais eu vou usar pra falar, pra interpretar. (In RODRIGUES,
2013, p. 218 – grifo nosso).

Como menciona Quadros (2007), há CODAs que mesmo convivendo desde a tenra idade com a Comuni-
dade Surda, ainda não possuem ou não tem nenhum interesse de ter uma “alma de intérprete”

Não é verdade que o fato de ser filho de pais surdos seja suficiente para garantir que o mesmo
seja considerado intérprete de língua de sinais, pois [...] desconhecem técnicas, estratégias e pro-
cessos de tradução e interpretação, pois não possuem qualificação específica para isso [...] Alguns
filhos de pais surdos se dedicam a profissão de intérprete e possuem a vantagem de serem nativos
em ambas as línguas. Isso, no entanto, não garante que sejam bons profissionais intérpretes. O
que garante a alguém ser um bom profissional intérprete é, além do domínio das duas línguas
envolvidas nas interações, o profissionalismo, ou seja, busca de qualificação permanente e obser- 66
vância do código de ética (p. 30).

O que dizer daqueles que não são CODAs e nunca tiveram contato com os nativos usuários da língua de
sinais? O que dizer daqueles que tiveram um breve contato no curso básico e não sabem ao menos o que significa
uma Comunidade Surda e desconhecem os modelos de tradução e interpretação? Diante do relato do “ILS X”
que já possui experiência e contato com os surdos, será que alunos egressos de cursos básicos e Especialização
em Libras conseguiriam se tornar um profissional intérprete “pronto” para atuar em sala de aula? Esses questio-
namentos nos perseguem há anos.
Devido à carência de profissionais intérpretes em salas regulares, escolas inclusivas com alunos surdos, mui-
tos alunos egressos dos cursos básicos de Libras tentam ingressar nessas escolas. “Quando há carência de intér-
pretes de língua de sinais, a interação entre surdos e pessoas que desconhecem a língua de sinais fica prejudicada”
(QUADROS, 2007, p. 28, 29). O que muitos não conseguem entender, é que o processo de ensino-aprendizagem
de alunos surdos, vai além do conhecimento de sinais básicos, exige desse profissional conhecimento dos dois
mundos envolvidos. Por estar envolvido no âmbito educacional a responsabilidade é muito maior, não que os
outros ambientes aonde este profissional venha atuar seja menos importante e responsável, mas na educação esse
sujeito pode vir a “destruir” ou qualificar o aluno surdo. Destruir, no sentido de levar o surdo a perder o objetivo
da vida e ficar desmotivado em aprender alguma coisa, ou seja, permanecer analfabeto e “indigente” nas duas
línguas. Qualificado, no sentido de levar o surdo a se formar, se tornar um grande instrutor e professor de Libras,
um doutor na educação, ou qualquer que seja a área escolhida por ele ao conhecer as suas habilidades, elevando
assim sua alto-estima e autonomia nas realizações sociais, culturais e linguísticas.
Quando isso não acontece por parte de um profissional sério, ético, responsável e fluente no idioma, são
desencadeados uma série de implicações pelos menos as seguintes:

a) os surdos não participam de vários tipos de atividades (sociais, educacionais, culturais e políti-
cas); b) os surdos não conseguem avançar em termos educacionais; c) os surdos ficam desmoti-
vados a participarem de encontros, reuniões, etc. d) os surdos não têm acesso às discussões e
informações veiculadas na língua falada sendo, portanto, excluído da interação social, cultural e
política sem direito ao exercício de sua cidadania; e) os surdos não se fazem "ouvir"; f) os ouvintes
que não dominam a língua de sinais não conseguem se comunicar com os surdos (QUADROS,
2007, p. 28, 29).

Como explicitado no código de Ética do TILS “(...) todo o intérprete deverá ser fluente em LIBRAS e
Português (expressão e recepção). Isto é, deverá ser capaz de traduzir ou interpretar e de fazer versão de e para
LIBRAS, de e para Português. Sugere-se que o intérprete aprenda outras línguas - sinais e/ou orais” (ibidem, p.
43).
Há por parte desses alunos, o conceito errôneo de que as pessoas ouvintes que dominam a língua de sinais
são intérpretes, mas
Não é verdade que dominar a língua de sinais seja suficiente para a pessoa exercer a profissão de
intérprete de língua de sinais. O intérprete de língua de sinais é um profissional que deve ter
qualificação específica para atuar como intérprete [...] Também, há muitas pessoas que são fluen-
tes na língua de sinais, mas não têm habilidade para serem intérpretes (ibidem, p. 30).

Muitos ainda vão (às avaliações em Libras) com a ideia de: “eu quero ser TILS, entrar em sala de aula para aprender
Libras e interpretar para os surdos”, mas não sabem que “O fundamento principal é ter conhecimento amplo e pro-
fundo tanto da língua de partida – Língua Portuguesa como da língua alvo – Língua de Sinais [...] O domínio destas
é condição prévia e indispensável para a atuação [...] e deve anteceder a formação de tradutores e intérpretes”
(LACERDA, 2013, p.145).
Ainda que tenha um excelente conhecimento da língua de sinais e seja bilíngue, possuindo competência
comunicativa em ambas as línguas, portuguesa e Libras,
67
(...) nem todo bilíngue possui competência tradutória. A competência tradutória é um conheci-
mento especializado, integrado por um conjunto de conhecimento e habilidades, que singulariza
o tradutor e o diferencia de outros falantes bilíngues não tradutores (HURTADO ALBIR, 2005
apud RUSSO e PEREIRA, 2008, p. 11, 12).

(...) é preciso ter toda a experiência na prática de sua própria língua, logo, devem-se conhecer
todos os seus registros, para poder traduzir [...] para outra língua, neste caso a língua brasi-
leira de sinais (OUSTINOFF, 2011, p. 108 – grifo nosso).

Uma responsabilidade está à espreita dos “curiosos” em atuar como TILS. Sabendo da séria e responsável
atuação em sala de aula, muitos têm o conceito de que, se fez um curso básico já estão “qualificados” para atuarem
como tal. Mas desconhecem o real papel deste sujeito na educação dos surdos. Através de pesquisas realizadas por
Quadros com profissionais atuantes e fluentes na Libras

Constatou-se que o domínio das línguas não garante a qualidade da interpretação [...] Mais do que
nunca, pensar no intérprete de língua de sinais na sala de aula para intermediar a interação pro-
fessor-aluno em que se deve dar o processo de ensino-aprendizagem é uma responsabilidade
enorme e exige qualificação específica na área da interpretação e nas áreas de conhecimento en-
volvidas (QUADROS, 2007, p. 72).

Vale ressaltar que se o intérprete está atuando na educação infantil ou fundamental, mais difícil
torna-se a sua tarefa. As crianças mais novas têm mais dificuldades em entender que aquele que
está passando a informação é apenas um intérprete, é apenas aquele que está intermediando a
relação entre o professor e ela (ibidem, p. 60).

Considerações finais

Visto que o processo educacional, assim como a atuação do profissional intérprete estão em constantes
mudanças, adaptações, evolução lexical, bem como em Políticas Públicas, a presente consideração não se encerra
nestas poucas páginas. Findar esse assunto, ainda está longe de nossa realidade, por se tratar de um idioma gesto-
visual e que está em constante desenvolvimento; e além da luta pela Regulamentação da Lei 12.319/10 pela FE-
BRAPILS por meio da Proposta de alteração da referida Lei apresentada em Brasília entre os dias 14 e 17 de
fevereiro de 2017. A abordagem aqui considerada anuncia a problemática e o déficit linguístico do sujeito que atua
como TILS e aponta possíveis melhorias em seu desenvolvimento ético e prático. Além disso, o presente artigo
não finaliza as ideias expostas, mas abre campo para maiores discussões ampliando e enriquecendo o contexto
tradutório e interpretativo bem como o perfil dos atuais intérpretes atuantes e daqueles que hão de vir a fazer
parte desse mundo complexo, desafiador e sério.
Não é possível permitir que os alunos surdos, frente às dificuldades de acesso aos conhecimentos
que já enfrentam por sua condição linguística singular, sejam acompanhados por pessoas sem
formação. É urgente capacitar intérpretes para atuarem no espaço educacional, atentos às especi-
ficidades e demandas de cada um dos níveis de ensino (LACERDA, 2014, p. 85).

Apesar da crescente demanda de profissionais TILS nas escolas e uma gama de interessados egressos de
cursos de curta duração, são mínimos aqueles que realmente conhecem e tem competências linguísticas e tradu-
tórias para atuar como um profissional sério e competente na área de tradução no ambiente educacional, ou outra
esfera que seja. A presença deste no contexto educacional não pode ser subjetiva, mas sim realista do ponto de
vista do ensino-aprendizado do alunado surdo. Há um paradoxo em todo este contexto: (1) o ideal: a Legislação
dispõe e impõe que o aluno surdo tenha direito ao profissional qualificado, com fluência e competência (BRASIL,
2000, Art. 18; MINAS GERAIS, 2008, p. 14-18; BRASIL, 2010, Art. 2º) para atuar neste ambiente que o tornará,
assim se espera, um cidadão com conhecimentos básicos e com autonomia, além de ser e estar inserido na socie- 68
dade sem preconceitos; por outro lado, (2) o que temos na realidade são aqueles inseridos precipitadamente no
sistema sem a devida qualificação e sem o pré-requisito, a formação para atuar na escola. O paradoxo, o ideal e o
real, têm a ver com a identidade daquele que se submete e se autodenomina tradutor-intérprete, nessa perspectiva

(...) é possível vislumbrar duas dimensões da identidade profissional: o Eu profissional e o Ideal


profissional. O ideal é o registrado, todavia na dinâmica da escola não é possível apenas se traba-
lhar com o ideal. Cabe questionar, em cada instituição qual a formação inicial desses profissionais,
quais experiências como alunos e como docentes, quais experiências como intérpretes de línguas
de sinais, que nível de língua de sinais de fato eles têm (proficiência) e que estudos/aperfeiçoa-
mento lhes é proposto pelas próprias secretarias de educação a que estão contratados (ALBRES,
2015, p. 44).

Tendo como base as informações coletadas, percebe-se nitidamente o déficit de experiência dos entrevista-
dos. Ainda que todos sejam TILS atuantes, a grande maioria nunca teve nenhuma formação ou capacitação espe-
cífica, nunca tiveram “(...) uma preparação profissional mais apurada [...] para atuarem com alunos surdos e prin-
cipalmente [...] com crianças que estão adquirindo conceitos fundamentais, valores sociais e éticos, além de estarem
em pleno desenvolvimento de linguagem” (LODI & LACERDA, 2014, p. 68). Estes apenas “pularam” de um
Curso Básico e/ou Especialização diretamente para uma sala de aula sem a prévia formação e conhecimentos
específicos sobre quem é realmente o profissional TILS. Visto que a carência desse profissional é eminente e
evidente, faz-se necessário e com urgência, capacitação qualificada, não apenas (re) aprender, mas dar subsídios,
suporte adequado para os que já estão e àqueles que se interessam em ingressar no mundo surdo, entrar para esta
esfera garantindo assim, acessibilidade com qualidade aos educandos surdos. A priori, para socorrer o déficit dos
profissionais atuantes, é prudente que se (re) organize cursos e capacitações de Intérpretes Educacionais de modo
a ofertar uma prática consistente e relevante da atuação cotidiana desse sujeito em sala de aula, além de estas serem
dirigidas por professores/instrutores – surdos e/ou ouvintes – qualificados e com experiência na área; com for-
mação adequada; com didática e metodologia de ensino eficaz, bem como imersos na Comunidade Surda cons-
tantemente e assíduos na prática, pesquisa de qualidade e criativos quanto a métodos de ensino interdisciplinares
e contextualizados.
Há mais de mil com experiência sem curso básico no currículo, e um milhão com curso básico sem a expe-
riência necessária. A quantidade de horas de um Curso Básico não vai garantir uma tradução de qualidade, a menos
que a pessoa tenha contato externo com o “Mundo Surdo” (isso também é relativo, pois o contato nem sempre
garante a arte de traduzir e interpretar) onde ela através de estudos e pesquisas compreenderá o processo minuci-
oso e sério de uma tradução e interpretação de um idioma gesto-visual. O que deve ser levado à divulgação, é que
infelizmente, assim como menciona Gesser (2009) mesmo que haja muitas informações, as pessoas ainda “não
conhecem”, e se encontram “desinformadas” sobre o que é a Libras, o “Mundo Surdo” e as especificidades do
papel do profissional intérprete de Libras, “tudo é novidade” quando as pessoas “tomam conhecimento” de de-
talhes que já estão repetitivos (p. 9).
São esses desconhecidos, os sujeitos atraídos pela beleza da sinalização, que decidem se TORNAR intérpre-
tes, decisão esta muitas vezes tomada por assistencialistas que moram no interior, devido à falta do profissional.
Essa decisão, como mencionado, gera um (des) conforto de tal forma, que muitos querem salvar um educando
com apenas 30 horas de teoria básica aprendida nas Instituições de Ensino Superior, que por investigação, não
complementa e nem instrui de modo algum o aprendizado da Libras e muito menos da prática tradutória e inter-
pretativa em sala de aula.
Inquietamos em dois sentidos: (1) pelo futuro do sujeito Surdo, que poderá ser prejudicado pelo ato do
“bondoso sinalizante”, que, embora para muitos ele sinalize muito bem; e como não há outro, traz consigo o
esboço pronto: “puxa que lindo! Se não for ele para iniciar esse trabalho, quem mais irá? É pelo contato que ele vai aprimorar a
sua Prática”. Perguntamos-nos novamente: É possível aprender técnicas de tradução com apenas um nativo em
sala de aula? Nenhuma probabilidade! (2) pelo interesse do egresso de curso básico na educação para atuar como
TILS. Uma autoavaliação é necessária: se estou longe, morando no interior do Estado, procuro eu a Comunidade 69
Surda para aprimorar a minha prática? Se tenho interesse genuíno de aprender mais sobre a Língua de Sinais, por
que me esquivo quando diz que preciso conhecer outros profissionais da área em eventos que faz jus a profissão
e onde temáticas que envolvem meu trabalho são discutidas? Estou realmente querendo desenvolver minhas ha-
bilidades para a efetiva educação dos surdos; ou fujo da responsabilidade pensando apenas na remuneração men-
sal, já que não há outra pessoa que “conheça” ou se “comunique” com o aluno surdo?
Sabe-se que esta pesquisa, essa discussão, não se finda por aqui, pois é uma temática que gera e irá gerar
desconfortos podendo incutir ou não nos leitores, um maior interesse na criação de cursos de formação de quali-
dade, não pautados no trabalho tradicional (o acompanhamento do TILS em diversas atividades sociais), mas sim
no campo onde a demanda é crescente e há pouco contexto focalizado nesta esfera importante: a educacional
(LODI & LACERDA, 2014, p. 69). Esta formação deverá conter práticas do cotidiano educacional, não o básico
de instrução e longas horas de teoria, mas uma metodologia prática de como atuar neste ambiente, sabendo que
esse, exige do profissional maiores habilidades, pois deverá atuar com plena responsabilidade dando suporte e
acessibilidade ao alunado surdo, fazendo deste sujeito um grande cidadão autônomo com capacidades linguísticas
e identitária, além de estar inserido na sociedade sem orgulho e preconceito.

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71
O PALAVRÃO EM DEADPOOL:
UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE LEGENDAS OFICIAIS
E LEGENDAS DE FÃS

Gabriela Spinola SILVA (UFG)


Francine de Assis SILVEIRA (UFU)

Introdução 72

A história da tradução audiovisual (TAV) confunde-se com o advento do cinema. Contudo, a TAV foi
pouco vista como objeto de estudos acadêmicos antes do ano de 1987, quando ocorreu a Conferência de Dubla-
gem e Legendagem na cidade de Estocolmo, capital da Suécia. Organizada pela União Europeia de Radiodifusão,
essa conferência trouxe enorme visibilidade para pesquisas sobre a área, que outrora dependiam de textos pratica-
mente inacessíveis, encontrados apenas em bibliotecas de universidades europeias, para serem realizadas. De
acordo com Jorge Díaz Cintas (2009), na introdução do livro “New Trends in Audiovisual Translation”, houve
um grande aumento na quantidade de trabalhos a respeito da tradução audiovisual nos anos 90, com autores como
Yves Gambier (1996), Luyken et al. (1991) e até mesmo o próprio Díaz Cintas (1999) definindo, cada um, cerca
de dez tipos de transferência multilingual na área de comunicação audiovisual.
Dentre os vários tipos de tradução audiovisual descritos pelos autores acima listados em suas obras, o foco
de investigação desse trabalho é a legendagem.
Nesta pesquisa, foi utilizado o conceito de legendagem como descrito por Díaz Cintas (2009):

A legendagem envolve a apresentação de um texto escrito, que geralmente situa-se na parte infe-
rior da tela. A legenda consiste em uma paráfrase do diálogo original ocorrendo entre os falantes
presentes na mídia apresentada, e também pode servir para traduzir outros elementos linguísticos
que façam parte das imagens (placas, palavras, grafites, banners, entre outros) ou dos sons (como
canções e narrações) presentes no material audiovisual a ser legendado. (DIAZ CINTAS, 2009,
p. 5 – tradução nossa) 5

Devido à sua temática e aos desafios que apresenta, o filme escolhido como objeto de estudo deste trabalho
é Deadpool (2016, dir. Tim Miller). Foram analisadas as legendas do blu-ray do filme e a legendagem feita por fãs e
disponibilizada na internet, enfatizando a problemática do uso de palavrões – ainda um tabu na sociedade con-
temporânea e, geralmente, um problema dentro das traduções audiovisuais – em ambas, bem como as traduções
deles, feita por pessoas diferentes e, imagina-se, visando públicos diferentes (o público que tem acesso à mídia do
blu-ray e o público que tem acesso aos filmes pela internet, os quais não são excludentes, podendo uma pessoa
fazer parte de ambos os públicos).
É importante ressaltar ainda que as legendas aqui apresentadas são legendas feitas para ouvintes, que dife-
rem das legendas para surdos e ensurdecidos (LSE) por não possuírem introdução de informações adicionais (tais
quais efeitos sonoros e identificação dos falantes) cuja compreensão depende da funcionalidade do canal auditivo.
(ARAÚJO, 2008).
Com o advento da internet ao redor do mundo, houve uma democratização do acesso às manifestações
culturais contemporâneas; dentre elas, os mais diversos materiais audiovisuais. Tornou-se possível assistir a vários

5Tradução de: “Subtitling involves presenting a written text, usually along the bottom of the screen, which gives an account of the original
dialogue exchanges of the speakers as well as other linguistic elements which form part of the visual image (inserts, letters, graffiti,
banners and the like) or of the soundtrack (songs, voices off).” (DIAZ CINTAS, 2009, p. 5)
filmes, séries, curtas e demais materiais audiovisuais produzidos em diversas regiões do globo e, portanto, exibidos
em diversos idiomas. Junto a essa possibilidade de acesso (muitas vezes grátis e até mesmo ilegal), houve uma
nova demanda de legendas. Surge, então, uma nova comunidade: os legenders6, pessoas dispostas a legendarem
esses materiais disponíveis na internet a fim de facilitar o acesso de diversos públicos a esses materiais audiovisuais
– em especial, aqueles públicos que possuem somente a internet como forma de acesso a essas obras.
Portanto, esse trabalho justifica-se, social e academicamente, por propor uma análise comparativa das le-
gendas oficiais e das legendas feitas por fãs do filme Deadpool com a intenção não de definir se uma tradução é
melhor que a outra, mas sim, de descrevê-las e analisá-las para fins de compreensão e lançamento de hipóteses
acerca das decisões tomadas por tradutores de um mesmo produto em diferentes contextos e com diferentes
objetivos, pretendendo, assim, contribuir com uma área da Tradução um pouco menos estudada (a Tradução
Audiovisual) e com um tópico frequentemente visto como tabu e alvo de curiosidade (os palavrões).
Observa-se então que o objetivo geral da pesquisa é analisar os palavrões encontrados no áudio original 73
do filme estadunidense Deadpool e suas traduções, tanto na legenda oficial (presente no blu-ray do filme) quanto
na legenda feita pela equipe The_Tozz (grupo não profissional - legenders) disponível no site legendas.tv para
download, segundo as estratégias propostas por Gambier (2003). Mais especificamente, são objetivos deste traba-
lho:
- Coletar os palavrões presentes no filme Deadpool e verificar as suas ocorrências;
- Comparar os parâmetros utilizados na confecção da legenda do blu-ray e da legenda dos fãs;
- Analisar as traduções dos palavrões com base nas estratégias propostas por Gambier (2003);
- Contribuir quantitativa e qualitativamente com as pesquisas no campo da tradução audiovisual.
Neste trabalho é lançada a hipótese de que os palavrões, na legenda oficial, serão majoritariamente elimi-
nados, devido à censura presente na nossa sociedade – tanto a institucionalizada, que se fez presente em especial
durante o período da ditadura militar (1968-1985), quanto a autocensura, presente nos indivíduos que realizam as
traduções e nas empresas que as encomendam, existente (e resistente) devido à natureza tabuizada dos palavrões.

Tradução audiovisual

A tradução audiovisual surgiu junto ao advento do som no cinema, no final da década de 1920, pois fez-
se necessária a facilitação da compreensão de filmes falados em línguas diferentes. Contudo, como dito anterior-
mente, apenas cerca de 60 anos depois essa área da tradução começou a ter visibilidade e a ser objeto de mais
estudos acadêmicos.
Alguns autores, tais como Yves Gambier (2003), preferiram o uso do termo screen translation, sob o argu-
mento de que o termo “audiovisual” e a sua área do conhecimento envolvem, além da televisão e do cinema, o
uso do rádio – o qual, por ser um meio de comunicação exclusivamente sonoro, não se encaixaria em possíveis
estudos tradutórios. O que ele e Henrik Gottlieb (1997) chamam e classificam como screen translation, contudo, é o
mesmo que Díaz Cintas entende por tradução audiovisual (TAV): a tradução de uma obra audiovisual.
De acordo com a instrução normativa nº 105 da ANCINE, a obra audiovisual é o “produto da fixação ou
transmissão de imagens, com ou sem som, que tenha a finalidade de criar a impressão de movimento, indepen-
dentemente dos processos de captação, do suporte utilizado inicial ou posteriormente para fixá-las ou transmiti-
las, ou dos meios utilizados para sua veiculação, reprodução, transmissão ou difusão”.
Tendo isso em conta, Gambier (2003) determina, então, doze tipos de traduções audiovisuais: tradução de
roteiro, legendagem intralingual, legendagem interlingual, legendagem ao vivo, dublagem, interpretação consecu-
tiva, interpretação simultânea, voiceover, comentário livre, supralegendagem, tradução à prima vista e audiodescrição.
Neste artigo, foi trabalhada a legendagem interlingual – ou seja, entre duas línguas diferentes; no caso, o
inglês e o português.

6 Por se tratar de um criado e usado no Brasil, optamos por grafar “legender” sem a marcação de itálico ao longo deste artigo.
A legendagem

A legendagem, como a conhecemos hoje, iniciou-se em 1929, com o advento do cinema falado. Desde
então, os intertítulos (os letreiros que apareciam durante as cenas nos filmes mudos, explicando as ações dos
personagens ou descrevendo falas que não existiam, devido à ausência de som) não mais eram necessários: os
personagens podiam simplesmente falar e dialogar entre si. Além de mudar toda a estrutura da narrativa cinema-
tográfica vigente na época, tal avanço também afetou a distribuição de filmes ao redor do mundo: como tornar
acessíveis filmes falados em outros idiomas?
Pensavam em (e, por vezes, até tentaram) regravar os filmes com atores diferentes, falando o idioma do
país para o qual o filme seria enviado, ou em dublá-los; mas, à época, ambos os processos eram muito caros e
extensivamente criticados quando exibidos; portanto, foram rapidamente abandonados pelos estúdios e pelas dis-
tribuidoras. No Brasil, segundo Rafael de Luna Freire (2015), tentou-se realizar a distribuição de livretos, como 74
era feito em óperas, com a tradução dos diálogos. Entretanto, com o aumento do número de diálogos nos filmes
esse método tornou-se insustentável – era difícil para o público conseguir acompanhar o filme e consultar o livreto
simultaneamente, ainda mais no escuro característico das salas de cinema. Todas as tentativas de adaptação (in-
clusive a do uso de intertítulos explicando a narrativa, sendo acrescentados entre cenas ao longo dos filmes ou
substituindo cenas “menos importantes”) fracassaram, até que surgiu a ideia de resgatar o princípio dos intertítulos
e escrever diretamente na película o que estava sendo dito.

Enquanto nas versões em língua estrangeira e nas dublagens havia a substituição de um idioma
por outro, na terceira alternativa experimentada em 1930 mantinha-se o costumeiro oferecimento
da informação verbal sob a forma de informação escrita. Entretanto, tratava-se de não mais subs-
tituir os diálogos pelo texto escrito e nem intercalar cartelas entre as imagens, mas sim sobrepor
ambas. Ao invés de trocar uma informação (verbal, em inglês) por outra (escrita, em português)
ou alterná-las (texto / imagem e som / texto / imagem e som), elas passaram a ser oferecidas simulta-
neamente. (FREIRE, 2015, p. 204)

O primeiro filme “legendado” a ser exibido foi, segundo Gottlieb (2002, p.216, apud IVARSSON, 2010,
p. 3), O Cantor de Jazz (“The Jazz Singer”, lançado originalmente nos EUA em outubro de 1927), ao ser exibido em
Paris, com legendas em francês, no dia 26 de janeiro de 1929. Ainda segundo Gottlieb (2002), em 17 de agosto do
mesmo ano, o filme A Última Canção (“The Singing Fool”, protagonizado por Al Jolson, assim como O Cantor de Jazz)
foi exibido em Copenhague, com legendas em dinamarquês. De acordo com Freire (2015), o primeiro registro de
exibição de um filme legendado no Brasil data de 29 de junho de 1929, no Rio de Janeiro, situando-se assim entre
as duas ocasiões citadas por Gottlieb (2002) e, portanto, situando o Brasil em uma posição de pioneirismo na
gênese da tradução audiovisual, ainda que essa legendagem fosse limitada e problemática, traduzindo apenas pon-
tos importantes da trama e sendo produzida de forma trabalhosa. O primeiro filme a ser exibido no Brasil com
legendas em toda a sua duração, em vez de legendas apenas em partes importantes do desenrolar da trama, foi
Alvorada de amor (The Love Parade, dir. Ernst Lubitsch, 1929), exibido no dia 21 de abril de 1930 no Rio de Janeiro.
(FREIRE, 2015)

Legendas profissionais x legendas de fãs

As legendas de fãs e as legendas profissionais, como já foi dito, são produzidas em contextos diferentes,
visando geralmente públicos diferentes. Enquanto as legendas profissionais são feitas a mando de estúdios e dis-
tribuidoras e sofrem uma vasta gama de restrições, em especial de vocabulário “polêmico” (FRANCO, 1991), as
legendas dos fãs são elaboradas sob critérios próprios, que variam conforme o grupo de legenders.
Há diferenças entre o processo de legendagem profissional e o processo de legendagem feito pelos fãs.
Sobre o processo de legendagem profissional, Vera Lúcia S. Araújo (2002) faz o seguinte comentário:
O processo de legendagem aberta para vídeo e televisão no Brasil funciona da seguinte maneira.
Primeiro, o tradutor recebe do “laboratório” ou “empresa legendadora” a fita a ser traduzida.
Depois da tradução, vem a MARCAÇÃO (o início e o fim de cada legenda) realizada por um
profissional chamado de MARCADOR. Em seguida, as legendas são revisadas pelo REVISOR
para serem gravadas na fita por computador ou por um operador. (ARAÚJO, 2002; p.3)

O processo descrito por Araújo (2002) não condiz com o que Thaís Collet, em sua tese de doutorado
intitulada “O mercado de tradução audiovisual no Brasil: formação e demanda” (2016), encontrou, por meio do
envio de um questionário para empresas de tradução audiovisual.

Também se questionou sobre a necessidade de o tradutor fazer, além da tradução, os spots e a


marcação das legendas, ou seja, dividir os diálogos em legendas e colocar o tempo de entrada e
saída – para esta última, consequentemente, é preciso dominar um software de tradução. Das 15
empresas que responderam (Gráfico 28), 5 apontaram que sempre exigem as legendas divididas e 75
com entrada de tempo, 7 que exigem, mas nem sempre e 3 empresas afirmaram que nunca exigem
(uma empresa complementou que “a marcação é feita internamente. Preferimos receber o texto
"corrido" dos tradutores”). (COLLET, 2016, p. 167)

Nota-se que é importante, atualmente, que o tradutor de legendas tenha domínio de um software de le-
gendagem. Além disso, constata-se que as competências descritas por Araújo como pertencentes ao profissional
chamado “marcador” são, atualmente, pelo advento da tecnologia, esperadas do próprio tradutor.
Quando se trata da legendagem de fãs, o processo de tradução, contudo, é um pouco distinto. Segundo
um membro da equipe InSUBs, em entrevista anônima ao site Olhar Digital, “No dia após a exibição do episódio,
pegamos [sic] o closed caption (legenda em inglês) e fazemos a tradução das falas. Todas as partes traduzidas vão
para o revisor e ele fica encarregado de fazer os ajustes necessários na legenda. Depois disso, a legenda é postada”7.
Essa informação demostra, portanto, que a tradução de fãs é feita por mais de uma pessoa, e depois, revisada.
Jorge Díaz Cintas e Pablo Muñoz Sánchez, no artigo Fansubs: Audiovisual translation in an amateur environment,
de 2006, descrevem fansub como sendo “uma versão dos animes japoneses traduzida e legendada por fãs”. Relatam,
ainda, que a prática se iniciou nos anos 80 com os primeiros fã-clubes de animes e popularizou-se a partir da
segunda metade dos anos 90, com o advento dos softwares livres.
Contudo, segundo Mário Henrique Perin Bernardo (2011), no Brasil, também é utilizado o neologismo
“legender” para descrever pessoas que se dedicam à legendagem amadora de produções audiovisuais (particular-
mente ocidentais). Desta forma, para este trabalho, optou-se pelo termo “legender”, sem itálico, visto que foi
analisada uma produção estadunidense e que se trata de um neologismo originado da palavra “legenda” acrescida
do sufixo -er, oriundo da língua inglesa.
Liara Rodrigues de Brito (2014) organizou uma pesquisa com legenders membros de grupos inclusos no
site legendas.tv (o maior portal brasileiro de acesso às legendas de fãs) e, por meio dela, traçou um perfil do
indivíduo médio que se dedica a essa atividade. A partir dos resultados apresentados em sua pesquisa, pode-se
concluir que, estatisticamente falando, quem produz legendas amadoras geralmente não tem nenhuma formação
acadêmica ou profissional na área de Tradução e, portanto, o faz tendo como base os parâmetros técnicos forne-
cidos pela equipe de legendagem à qual pertence, e as demais legendas amadoras às quais teve acesso. Apesar
disso, os legenders têm interesse em tradução: de acordo com a pesquisa, 52% gostariam de fazer algum curso
relacionado à área, e 64% têm interesse em exercer a tradução como ofício.
É preciso frisar aqui que não é o propósito deste trabalho criticar, avaliar ou julgar quaisquer tradutores, e
sim buscar possíveis justificativas ou levantar hipóteses para as decisões tomadas na elaboração das legendas apre-
sentadas neste trabalho – tanto a legenda oficial, quanto a legenda de fãs.
Quanto aos parâmetros técnicos utilizados durante a confecção de legendas, é importante ressaltar que
eles podem variar entre as legendas oficiais e as legendas de fãs. Nessa pesquisa, serão observados alguns deles.
Primeiramente, Fotios Karamitroglou, em seu texto “A Proposed Set of Subtitling Standards in Europe” (1998),

7 Disponível em: https://olhardigital.com.br/pro/noticia/como-funciona-o-setor-paralelo-de-legendas-na-internet/39163


tenta descrever o que era feito na Europa em termos de legendagem no final dos anos 90. Os parâmetros propos-
tos por esse autor levam especialmente em conta estudos sobre a capacidade e velocidade de leitura humana, e
são utilizados aqui como um “parâmetro-fonte”, ou seja, um conjunto de parâmetros pré-estabelecidos como
sendo o mais próximo do ideal possível, devido à atenção particular dada por Karamitroglou, em seu trabalho, às
peculiaridades do público que têm acesso às legendas.
Em seguida, serão analisados os parâmetros estabelecidos para a produção das legendas de fãs, em especial
os da equipe The_Tozz, que disponibilizou essas informações mediante entrevista com a autora deste trabalho e
que é a responsável pelas legendas aqui estudadas. É preciso ressaltar que foram feitas tentativas de contato com
a Fox Film do Brasil, a fim de coletar os parâmetros para a produção das legendas oficiais analisadas nessa pesquisa;
contudo, tais tentativas foram infrutíferas e não houve resposta.
Por fim, em razão de sua contemporaneidade e acessibilidade, são apresentados os parâmetros utilizados
pela Netflix, uma plataforma de streaming que pode ser acessada em smartphones, TVs, computadores e tablets; 76
portanto, suas legendas precisam estar adequadas para serem lidas em praticamente qualquer tipo de tela. Pode-se
inferir, então, que seus parâmetros provavelmente divergirão dos outros dois conjuntos de parâmetros expostos,
em razão de sua presença e possibilidade de acesso em diversas plataformas.
Os pontos essenciais dos conjuntos de parâmetros mencionados podem ser vistos no quadro a seguir:

Quadro 1 – Parâmetros de legendagem de Karamitroglou (1998), da equipe The_Tozz, e da empresa Netflix


Karamitroglou (1998) Equipe The_Tozz Netflix
35 caracteres por linha (cpl) 32 caracteres por linha (cpl) 42 caracteres por linha (cpl)
Não menciona De 18 a 20 caracteres por segundo 17 caracteres por segundo (cps)
(cps)
Tempo mínimo de 1,5 segundos Tempo mínimo de 1,3 segundos Tempo mínimo de 0,83 segundo (5/6
de um segundo)
Tempo máximo de 6 segundos Tempo máximo de 4,9 segundos Tempo máximo de 7 segundos
Máximo de duas linhas por legenda Máximo de duas linhas por legenda Máximo de duas linhas por legenda
Uso de espaço após o travessão nos di- Uso de espaço após o travessão nos Não se usa espaço entre o travessão e a
álogos diálogos fala em um diálogo
Não devem ser censuradas, a menos Liberdade total de uso de palavrões Devem ser traduzidos com o máximo
que seja necessário por questões de li- nas legendas de fidelidade possível
mite de caracteres
Fonte: a autora

É possível notar várias discrepâncias entre os parâmetros de Karamitroglou (1998) e os utilizados pela
equipe de legendas de fãs. Primeiramente, o autor não fala sobre caracteres por segundo (cps). Além disso, a
equipe The_Tozz usa o máximo de 32 caracteres por linha (cpl), enquanto o autor propõe 35. Os fãs, ainda, valem-
se de um tempo mínimo (1,3 segundos) e máximo (4,9 segundos) diferentes dos propostos pelo autor (1,5 segun-
dos e 6 segundos, respectivamente).
Ao observar o guia de legendagem da Netflix, é possível notar parâmetros ainda mais distintos. Assim
como a equipe The_Tozz, a Netflix comenta sobre o uso de palavrões e a tradução deles; porém, é vaga ao fazê-
lo (“com o máximo de fidelidade possível” é vago por si só, devido à própria subjetividade do que seria “fideli-
dade”, tema já debatido extensamente nos Estudos da Tradução). Contudo, são evidentes as diferenças dos parâ-
metros adotados pela empresa em comparação com as propostas de Karamitroglou (1998) e os parâmetros utili-
zados pela equipe The_Tozz. A Netflix usa 42 caracteres por linha, o que, segundo o autor, é muito (ele propõe
35 no máximo). Também utiliza 17 cps, sendo que os legenders utilizam 18. Seu tempo mínimo é de 0,83 segundo,
o que é muito pouco perto dos 1,3 e 1,5 dos outros dois parâmetros analisados, e seu tempo máximo é de 7
segundos enquanto Karamitroglou (1998) sugere 6 segundos e o limite dos legenders é 4,9. Por fim, contrariando
os outros dois parâmetros apresentados, a Netflix ainda restringe o uso do espaço entre o travessão e a palavra,
não o permitindo.
Portanto, é possível inferir que as legendas da equipe The_Tozz foram feitas dentro de parâmetros bem
próximos aos de Karamitroglou (1998), o que sugere que possa haver, na prática de legendagem de fãs, uma
influência de padrões observados em materiais estrangeiros.
A legendagem oferece vários desafios ao tradutor, desde as suas limitações espaciais e temporais, até aque-
las impostas por quem requisitou a legendagem. Segundo Díaz Cintas e Remael (2007),

[A tradução audiovisual] sofre restrições por respeito à sincronia nesses novos parâmetros de
imagem e som (as legendas não podem contradizer o que os personagens dizem e fazem, na tela)
e tempo (a aparição da mensagem traduzida deve coincidir com a da mensagem originalmente
verbalizada). (DÍAZ CINTAS; REMAEL, 2007, p. 9 – tradução nossa)8

Yves Gambier (2003) denominou cinco principais estratégias que resumem as ações tomadas durante a
legendagem de algum produto audiovisual. Essas estratégias foram aplicadas no artigo “O filme Tropa de Elite em 77
espanhol: a questão da tradução dos palavrões”, de Marileide Dias Esqueda, que também tinha como objetivo
observar as traduções de palavrões em uma obra audiovisual. A autora descreve essas estratégias principais, que
são:

Quadro 2 – Estratégias de Gambier (2003)


Estratégia Descrição
Reduz-se o número de palavras ou o conteúdo ex-
Redução
presso
Omissão Ocorrem cortes drásticos
Há uma adequação ao conteúdo com uso de expres-
Neutralização
sões anômalas
Expansão Comunicação de referências culturais
Equivalência ou imitação Uso de expressões idênticas
Fonte: a autora (com base em ESQUEDA, 2012)

Neste trabalho, são utilizadas essas estratégias para analisar comparativamente as traduções dos palavrões
encontrados no filme Deadpool.
É preciso ressaltar que outros autores da área também realizaram estudos e propuseram outras classifica-
ções de estratégias; porém, para os objetivos dessa pesquisa específica, verifica-se que a classificação de Gambier
(2003) é a que melhor se aplica e atende às necessidades deste trabalho.

A questão dos palavrões

Dentre as restrições com as quais um tradutor de legendas tem que lidar, estão as restrições linguísticas.
Sabe-se que a legenda, por ser escrita, tende a se aproximar mais da norma culta e evita, portanto, usos que possam
causar algum estranhamento no espectador. Assim, a utilização de palavrões em determinado material pode trazer
problemas no momento de sua tradução.
Palavrão, de acordo com o dicionário Michaelis, é “palavra grosseira, indecorosa, obscena; bocagem, obs-
cenidade, pachouchada, palavrada, turpilóquio”. Essa é uma definição bastante geral; contudo, ela deixa evidente
a carga negativa do termo.
Também sobre os palavrões, Esqueda (2012) diz que:

Os palavrões são, portanto, variações socioculturais do léxico de uma língua, diretamente ligadas
aos seus elementos afetivos e expressivos, sendo difícil definir seus limites, pois este problema

8Tradução de: “(...) is constrained by the respect it owes to synchrony in these new translational parameters of image and sound (subtitles
should not contradict what the characters are doing on screen), and time (i.e. the delivery of the translated message should coincide with
that of the original speech).” (DÍAZ CINTAS; REMAEL, 2007, p. 9)
está relacionado aos aspectos histórico-sociais de determinado povo e época, aos seus valores
morais, à variação dos costumes, a tal ponto que o que era considerado um “termo proibido”
ontem, hoje pode ser adotado por um grupo social, fazendo parte do vocabulário usual e familiar,
ou seja, pode deixar de ser proibido devido ao uso frequente de determinado grupo. (ESQUEDA,
2012, p. 146-147)

Por conta de sua adequabilidade ao que observamos em nosso objeto de estudo, a definição acima foi a
utilizada neste trabalho.
A despeito dessa dificuldade de delimitação citada por Esqueda (2012), Steven Pinker, em seu livro “The
Stuff of Thought” (2007), dividiu os palavrões da língua inglesa em cinco categorias: sexo, fluídos corporais/ór-
gãos, doenças/morte, religião/sobrenatural, e pessoas/grupos minoritários.
Neste trabalho, como orientação para a seleção das falas e das legendas a serem analisadas, foi elaborado
e utilizado um quadro resumitivo, agrupando as categorias de palavrões estabelecidas e descritas por Pinker, junto 78
aos palavrões exemplificados por ele ao longo do capítulo “The Seven Words You Can’t Say On Television”.

Quadro 3 – Tipos de palavrões descritos por Pinker (2007)


Tipos de palavrões Palavrões (em inglês)
Fuck, screw, come, bastard, wanker, cocksucker,
Sexo
motherfucker.
Shit, piss, fart, turd, cunt, pussy, tits, prick, cock, dick,
Fluídos corporais e órgãos
asshole, twat, ass.
Doenças e morte Não são mais usados.
Religião e sobrenatural Hell, damn, Jesus Christ.
Faggot, queer, dyke, spick, dago, kike, wog, mick,
Pessoas e grupos minoritários
gook, kaffir, nigger, bitch.
Fonte: a autora (com base em PINKER, 2007)

Pinker (2007) ressalta, porém, que pouco se usa, na língua inglesa contemporânea, morte e doenças como
xingamentos e praga, apesar de algumas doenças ainda serem tabus, a ponto de algumas pessoas se sentirem
desconfortáveis em citá-las pelo nome. Na língua inglesa, há quem ainda se refira ao câncer como “the big C”, por
exemplo.
Os palavrões, por sua natureza pejorativa, tornam-se eventualmente objeto de censura. No Brasil, durante
a ditadura militar, a lei nº 5536, de 21 de novembro de 1968, deu à Divisão de Censura de Diversões Públicas
(uma repartição subordinada à Polícia Federal) o poder de avaliar peças teatrais e obras cinematográficas e vetá-
las, caso elas atentassem “à segurança nacional e ao regime representativo e democrático (sic), à ordem e ao decôro
(sic) públicos, aos bons costumes, ou ofensivas às coletividades ou as religiões ou, ainda, capazes de incentivar
preconceitos de raça ou de lutas de classes”. Ainda que a lei fosse extremamente vaga (afinal, como definir de
forma objetiva quais obras atentavam contra os valores citados e quais obras não o faziam?), a Divisão de Censura
de Diversões Públicas era conhecida por vetar em especial obras que contivessem nudez, homossexualidade, pa-
lavrões e qualquer tipo de inclinação ideológica “para a esquerda”.
Eliana Franco (1991), em sua tese “Everything You Wanted To Know About Film Translation (But Did
Not Have The Chance To Ask)”, fala a respeito da censura em filmes não mais dentro do contexto da ditadura,
porém, vinda das próprias produtoras e distribuidoras dos filmes.
Por meio de entrevistas conduzidas com tradutores audiovisuais (muitos deles optando pelo anonimato),
Franco (1991) descobre que, além de algumas distribuidoras vetarem palavrões e a abordagem de temas como
homossexualidade e adultério tanto na dublagem quanto na legendagem de seus filmes, ainda havia as distribui-
doras que alteravam os textos após o trabalho do tradutor audiovisual, sem o conhecimento ou consentimento
deste.
Um dos tradutores entrevistados por Franco (1991) diz usar eufemismos como “vá à mesbla” ou “fofa-
se” quando impossibilitado de usar os palavrões; também relata que havia clientes conservadores a ponto de pedir
que a palavra “bunda” fosse substituída por “traseiro”. Frente a isso, Franco diz que “se, por um lado, as distri-
buidoras não querem chocar o público; por outro lado, estão ridicularizando o trabalho dos tradutores”
(FRANCO, 1991, p.57 – tradução nossa).9
Levando-se em consideração as descobertas feitas por Franco (1991) em seu doutorado e o fato de traba-
lhos como este artigo ainda existirem e serem necessários, mais de três décadas após o fim da ditadura militar, é
possível dizer que o moralismo vigente da época enraizou-se no meio audiovisual e, apesar dos avanços e da
constante quebra de tabus proporcionados pelo advento da internet e sua consequente democratização da infor-
mação, ainda faz-se notável a neutralização e até mesmo a eliminação dos palavrões em diversos meios de entre-
tenimento e comunicação.
Sendo assim, a hipótese aqui lançada é a de que os palavrões, na legenda oficial presente no blu-ray serão,
em sua maioria, eliminados.
79
O filme Deadpool

O filme a ser analisado neste trabalho é Deadpool (2016), dirigido por Tim Miller. Assim como vários outros
longas metragens bem-sucedidos na bilheteria atualmente, é baseado em histórias em quadrinhos, protagonizadas
pelo personagem do título, cuja primeira aparição no universo da Editora Marvel deu-se na revista The New
Mutants #98, dos X-Men, em 1991.
Extremamente cultuado pelos fãs de quadrinhos, o personagem é particularmente conhecido por ser ex-
tremamente “boca suja” (característica essa mantida no filme e que, portanto, proporcionou o tema deste traba-
lho), por ser pansexual e por ser uma paródia bem-humorada de Slade Wilson, mais conhecido como Extermina-
dor (Deathstroke), personagem da editora de quadrinhos rival, a DC Comics.
O filme acompanha a trajetória de Wade Wilson, um ex-militar que, ao descobrir um câncer em estágio
avançado, submete-se a um experimento obscuro e duvidoso com o objetivo de despertar poderes mutantes para,
assim, se curar do câncer e retornar para a sua amada, Vanessa. O experimento dá errado e provoca queimaduras
pelo corpo todo do protagonista, mas também o dá a habilidade de se regenerar rapidamente. Então, Wilson adota
o nome de Deadpool e segue em uma jornada para encontrar o homem que o transformou em mutante, se vingar,
conseguir recuperar a aparência de antes e retornar para Vanessa.
Com censura 16 anos no Brasil (recebendo a censura máxima em vários países, incluindo os EUA), o filme
– o primeiro do cineasta Tim Miller – foi um sucesso de crítica e bilheteria. Obteve 84% de aprovação no site
Rotten Tomatoes (que reúne as principais críticas feitas sobre o filme e elabora uma porcentagem de aprovação
baseando-se em quantas críticas foram positivas e quantas críticas foram negativas) e rendeu 783 milhões de dó-
lares ao redor do mundo, além de ser a maior bilheteria de um filme com censura máxima nos EUA em sua
abertura. No Brasil, segundo a ANCINE, foi o sexto filme mais assistido de 2016, com um rendimento de cerca
de 81 milhões de reais e um público de aproximadamente seis milhões de brasileiros.
O filme não poupa esforços em mostrar Deadpool como é retratado nos quadrinhos: violento, verborrá-
gico e – principalmente – metalinguístico. Em diversos momentos, Deadpool faz referência a outros filmes do
Universo Marvel na 20th Century Fox, outros filmes protagonizados por Ryan Reynolds, e faz algo chamado de
“quebra da Quarta Parede” – quando o personagem conversa diretamente com o público, quando ele se mostra
consciente de que é um personagem dentro de alguma mídia ou, no caso de Deadpool, ambos.
Pode-se afirmar que a aclamação de Deadpool (tanto pela crítica, quando pelo público) teve um impacto
interessante nos chamados “filmes de herói”. Sendo um filme de baixo orçamento, com censura máxima e tama-
nha aprovação, Deadpool pavimentou o caminho para que outros filmes nos mesmos moldes pudessem ser produ-
zidos, sendo o maior exemplo desses Logan (2017, dir. James Mangold), também da 20th Century Fox e com uma
alta classificação etária (Rated R – que é a classificação mais alta possível – nos EUA, e 16 anos aqui), o qual
rendeu 619 milhões de dólares e teve uma aprovação de 93% no Rotten Tomatoes. Violento como é, o filme final

9 Tradução de: “This means that if, on the one hand, distributors do not want to shock the audience, they are, on the other hand,
ridiculing the translators’ work.” (FRANCO, 1991, p.57)
da trilogia do anti-herói Wolverine (interpretado por Hugh Jackman) talvez nunca teria sido produzido se não
fosse pelo sucesso de Deadpool.

Metodologia

A legenda de fãs utilizada nesse trabalho foi escolhida por ser a de destaque para esse filme no site legen-
das.tv, o maior portal brasileiro de legendas. O legendas.tv existe há 10 anos e abriga cerca de 280 mil legendas. A
legenda utilizada neste trabalho, por exemplo, foi baixada 29845 vezes até o momento (dia 23/03/2018) e possui
a avaliação máxima dos usuários do site (nota 10 de 10) e, portanto, encontra-se em destaque, com seu link dentro
de uma caixa amarela.
Inicialmente, foi realizado um teste piloto com falas dos primeiros 21 minutos do filme Deadpool que con-
tivessem alguma palavra presente em uma das categorias criadas por Pinker (2007), vistas no quadro 3. Contudo, 80
foi verificado que seria mais interessante e produtivo analisar o filme como um todo, para poder obter maior
número de ocorrências e poder fazer, portanto, afirmações mais abrangentes e generalizantes sobre a problemática
nesse objeto de estudo.
Foi selecionado um script não-oficial do filme, que contivesse todas as falas do mesmo. Esse script foi
escolhido em detrimento do script oficial (que está, inclusive, disponível na internet) por apresentar todas as falas
do filme na íntegra. Algumas falas foram alteradas no corte final do longa-metragem, ou feitas de improviso; então,
ao assistir ao filme, ouvir o áudio e ler o roteiro oficial, nota-se que algumas falas não coincidem. Não seria,
portanto, adequado para essa análise, utilizá-lo.
A fim de coletar os fragmentos textuais que possuíssem os palavrões presentes nas categorias de Pinker
(2007), o roteiro não-oficial foi copiado e colado em um arquivo de formato .doc. Na sequência, foi utilizada a
ferramenta de edição do Word “Localizar”, que permite que se encontre, inclusive, as variações dos palavrões. Ao
pesquisar “fuck”, a ferramenta “Localizar” também nos dá o “fucking”, “fuck up” e “fuckface”, por exemplo.
Assim, elaborou-se um quadro (o qual, por questões de limitação espacial, não está presente integralmente
nesse artigo) que detalha as ocorrências dos palavrões dentro do filme:

Quadro 4 – Palavrões do filme Deadpool (2016), suas traduções e suas estratégias.


Tempo na le- Expressão origi- Estratégia Estratégia
n. Tradução oficial Tradução de fãs
genda nal utilizada utilizada
88 01:11:03,110 Ugh, fuck me. Tô fodido! Imitação Foda-me! Imitação
101 01:17:48,050 Fuck, you're old. Não fode, velho! Imitação Vai se fuder, seu velho. Imitação
Fonte: a autora

A primeira coluna apresenta o número da ocorrência, a fim de facilitar sua localização e a organização das
análises; a segunda coluna consiste no tempo de aparição de cada palavrão; na terceira, chamada “Expressão ori-
ginal”, é apresentada a fala original, em inglês, contendo o palavrão, com grifos amarelos; a quarta coluna mostra
a legenda equivalente presente no blu-ray, com grifos verdes nos palavrões, caso tenham sido traduzidos; a quinta
coluna traz a classificação da estratégia utilizada na legendagem oficial, dentre aquelas descritas por Gambier
(2003); a sexta é a referente à “Tradução de fãs” e mostra a legenda equivalente da equipe The_Tozz, com os
palavrões, quando presentes, com grifos azuis; por fim, tem-se a sétima e última coluna que também trabalha as
estratégias utilizadas, porém, desta vez, refere-se às legendas de fãs.
A primeira coluna a ser preenchida foi a coluna “Expressão original”, através do já descrito método de
pesquisa no Word dentro do arquivo com o roteiro não-oficial colado.
Em seguida, foi preenchida a coluna referente às legendas de fãs, com grifos azuis. Para preenchê-la, o
filme foi assistido, no computador, com o arquivo .srt da legenda da equipe The_Tozz aberto em segundo plano.
Toda vez que algum palavrão identificado na coleta inicial dos palavrões em inglês era ouvido, o vídeo era pausado.
Retornava-se ao arquivo .srt, para copiar o texto da legenda correspondente e preencher a penúltima coluna do
quadro. O tempo de aparição dos palavrões, presente na segunda coluna do quadro descrito, também foi retirado
do arquivo .srt a cada ocorrência de palavrão que fosse identificada no áudio do filme.
Por fim, a coluna “Tradução oficial”, referente às legendas do blu-ray e com grifos verdes, foi preenchida
ao assistir ao filme em blu-ray, na televisão. O filme foi assistido novamente e, ao identificar no áudio em inglês
algum dos palavrões anteriormente selecionados por meio do roteiro não-oficial, pausava-se o filme para digitar a
legenda, presente na tela, em seu respectivo espaço no quadro.
Foram ignoradas legendas que possuíssem palavrões, mas cujo áudio original não apresentasse esse item,
uma vez que, como critério de seleção, decidiu-se partir do áudio e das falas originais em inglês e dos palavrões ali
presentes.
As colunas referentes às estratégias de tradução utilizadas foram preenchidas por meio da observação e
análise das falas contidas em suas respectivas colunas anteriores, tendo como base as estratégias abordadas no
quadro 2.
Em seguida, as duas colunas referentes às estratégias foram copiadas e coladas em arquivos .txt separados
(um arquivo para a coluna das traduções oficiais, e outro arquivo para a coluna das traduções de fãs). Estes arqui- 81
vos .txt foram inseridos individualmente no programa AntConc (um software comumente utilizado para a análise
de corpus), em que, na aba WordList, foram analisadas as ocorrências, resultando nos números presentes no quadro
5, o qual evidencia quais foram as estratégias mais utilizadas na tradução oficial e na tradução de fãs.

Análise dos dados

Com base no quadro anteriormente descrito, foi elaborado um outro quadro, que contabiliza as ocorrên-
cias dos palavrões. Os palavrões foram agrupados com o uso da ferramenta “Localizar” do Word, e contados
considerando-se em especial os radicais das palavras, pois há vários palavrões com variações (“shittsburgh” e
“shitshow”, por exemplo). Vale lembrar, ainda, que Pinker classifica “motherfucker” e “fuck” de maneira distinta,
assim com o faz em “ass” e “asshole”. A seguir, apresenta-se o quadro.

Quadro 5 – Palavrões do filme Deadpool (2016) e suas ocorrências.


Palavrão (com variantes) Frequência
Fuck (ou fucking, fuck up, fucked up, fucker, fuckface) 58 vezes
Shit (ou shitbox, shitting, shitshow, bullshit, shitsburgh, shits, shit-
31 vezes
tiest)
Motherfucker (ou motherfucking) 8 vezes
Ass (ou lame-ass, dumbass) 7 vezes
Cock 5 vezes
Dick (ou dickless) 5 vezes
Asshole 3 vezes
Damn 2 vezes
Hell 2 vezes
Jesus Christ 2 vezes
Piss (ou pissy) 2 vezes
Screw 1 vez
Turd 1 vez
Fart 1 vez
Fonte: a autora

É notável a discrepância da frequência com a qual os dois primeiros palavrões (fuck e shit, respectivamente)
e suas variações aparecem, em relação aos outros palavrões. Motherfucker, ass, cock, dick, asshole, damn, Hell, Jesus
Christ, piss, screw, turd, fart e suas variações contabilizam, juntos, 39 ocorrências, o que é 31% do total de palavrões
encontrados (128 palavrões). O palavrão fuck, junto a todas as expressões e neologismos que utilizam esse radical,
é o mais frequente – 45% das ocorrências são dele. Depois, ocorre shit, que equivale a cerca de 25% das ocorrên-
cias.
Em seguida, para uma avaliação quantitativa, foi elaborado um quadro quantificando as ocorrências desses
itens lexicais de acordo com as estratégias propostas por Gambier (2003):

Quadro 6 – Estratégias utilizadas nas traduções dos palavrões do filme Deadpool (2016).
Estratégia No blu-ray Nas legendas de fãs
Imitação 53 76
Omissão 52 25
Neutralização 18 24 82
Redução 2 2
Expansão 2 0
Fonte: a autora

Há uma discrepância numérica entre a ocorrência dos palavrões e, depois, das estratégias: na fala “Eight.
Shit fuck!”, que ocorre aos 11 minutos de filme e é a 12ª ocorrência de palavrão, há dois palavrões, os quais, juntos,
foram interpretados como uma expressão em ambas as traduções. Portanto, para essa linha, foi contabilizada
apenas uma estratégia; causando, assim, a diferença numérica entre as ocorrências dos palavrões (128) e das estra-
tégias (127).
No blu-ray, a estratégia mais utilizada foi a imitação, com 53 ocorrências de 127, o que equivale a 41,7%
das ocorrências. Entretanto, a segunda estratégia mais utilizada é a omissão, com 52 ocorrências, ou seja, apenas
uma ocorrência a menos que a imitação (40,9%). Em terceiro lugar vem a neutralização, com 18 ocorrências,
totalizando 14,1% das ocorrências. Por último, redução e expansão tiveram 2 ocorrências cada, totalizando 1,5%
das ocorrências. Pode-se notar, nesses resultados, que a hipótese anteriormente levantada neste trabalho de que
os palavrões seriam eliminados nas legendas oficiais, ou seja, de que a omissão seria a estratégia predominante,
não se verifica; contudo, a omissão permanece sendo a segunda ocorrência mais utilizada, tendo apenas uma
ocorrência a menos que a imitação. Juntas, as estratégias totalizam 81,8% dos resultados. Então, é possível dizer
que há um certo equilíbrio entre a imitação e a omissão, visto que ocorre um quase empate entre ambas.
Tal resultado contrasta fortemente com o encontrado em outra pesquisa: a de Fernando Franqueiro Go-
mes, em sua monografia “A tradução para o português dos palavrões do filme Os Infiltrados, de Martin Scorsese”
(2014). Utilizando, também, as estratégias de Gambier (2003) e uma mídia em blu-ray, Gomes (2014) encontra
uma predominância da omissão na tradução das legendas, a qual constitui 63% das ocorrências encontradas por
ele no filme Os Infiltrados. O filme, contudo, foi lançado em 2006 – uma década antes de Deadpool chegar aos
cinemas. Dadas as mudanças tecnológicas e comportamentais ocorridas na sociedade durante esses dez anos, é
possível que, em uma década, muitos outros aspectos também tenham sofrido alterações – inclusive o posiciona-
mento geral de estúdios, de tradutores e talvez até do próprio público sobre a necessidade de se ocultar palavrões
das legendas de filmes.
Nas legendas de fãs, a estratégia mais utilizada também é a imitação. Contudo, aqui, a imitação ocorre 77
vezes, totalizando 59,8% das ocorrências e estabelecendo-se como mais frequente que as demais estratégias. A
seguir, observa-se a omissão, com 25 ocorrências (19,6%) e a neutralização, com 24 ocorrências (18,8%). Aqui, a
redução ocorre apenas duas vezes, sendo 1,5% do total, e não houve casos de expansão.
Assim, é possível constatar que, na legenda de fãs, há uma priorização maior e mais deliberada da perma-
nência dos palavrões na tradução.
As análises descritas anteriormente apontam os dados gerais, de modo mais quantitativo, sobre o que
ocorre no momento da tradução dos palavrões nas legendas do material estudado.
Devido ao espaço limitado desse artigo, comentaremos aqui apenas dois exemplos da análise qualitativa
realizada, descrevendo, comparando e, ao considerar essas ocorrências inseridas e contextualizadas na obra audi-
ovisual, levantando hipóteses e possíveis justificativas para as decisões tomadas nas traduções.

Figura 1 – Linha 88 do quadro 4 no blu-ray

83

Fonte: a autora

Figura 2 – Linha 88 do quadro 4 na legenda de fãs

Fonte: a autora

Nessa cena, Wade e seu amigo Weasel vão atrás de Vanessa, após descobrirem que o vilão, Ajax, pretende
captura-la para prejudicar Deadpool. Wilson demonstra-se claramente estressado – não via a moça há um ano o
tão esperado reencontro se daria em um contexto indesejável; ela em risco iminente, e ele, com o rosto deformado.
Weasel, então, pergunta ao amigo se ele já tem ideia do que dizer a Vanessa a fim de explicar a própria ausência.
Wade, de forma catártica, responde apenas “fuck me!”, e Weasel completa com um “Uh, maybe not start with
that”.
No blu-ray, optou-se por “Tô fodido!”, que, por ser desconexo com a pergunta de Weasel, recupera um
pouco do caráter catártico do original, mas perde a graça – além do caráter catártico, o “fuck me” poderia ser um
pedido bastante inusitado de Wade para Vanessa, após um ano separados e sem explicações, na situação hipotética
de um reencontro proposta pelos personagens. A legenda de fãs, contudo, opta pela rota mais literal possível:
“Foda-me”. Ainda que tente reproduzir o efeito do original, essa tradução falha pela inverossimilhança com o
idioma para o qual se está traduzindo: no português brasileiro, “foda-me” não é uma expressão chula recorrente
e poderia ser substituída por outra.
Nota-se, portanto, que houve dificuldade de ambos os tradutores para resgatar a comicidade presente no
diálogo original.
Figura 3 – Linha 101 do quadro 4 no blu-ray

84

Fonte: a autora

Figura 4 – Linha 101 do quadro 4 na legenda de fãs

Fonte: a autora

Nessa cena, Deadpool – a fim de derrotar Francis e recuperar Vanessa – vai na Mansão Xavier pedir ajuda
a Colossus e sua pupila. Ele bate na porta, e Míssil Adolescente Megassônico abre. Ele, então, exclama: “Ripley!
From Alien 3!” e ela responde com “Fuck, you’re old” – pois o comentário de Deadpool faz referência ao filme
Alien 3, de David Fincher, cuja personagem principal (Ripley, interpretada por Sigourney Weaver), assim como
Míssil Adolescente Megassônico, aparece careca. O filme, contudo, é de 1993, e o comentário dela em resposta
ao dele é em relação à escolha deliberada de uma piada referente a um filme lançado 23 anos antes – ou seja, velho.
No blu-ray, a resposta é traduzida por “Não fode, velho”. Dentro do contexto do filme e levando-se em
consideração a contextualização dada no parágrafo anterior, é uma tradução razoavelmente desconexa, pois soa
como se ela estivesse apenas meramente desprezando o comentário dele, e não debochando de volta (o que de
fato acontece), porém ainda assim preocupa-se em utilizar um palavrão. Enquanto isso, os fãs optaram por “vai
se fuder, seu velho”. Também não é exatamente o que a personagem quis dizer, visto que o palavrão “fuck”, ali,
é uma interjeição (poderia ser algo como “caralho, como você é velho”), mas também é notória a preocupação
em valer-se de um palavrão.
Desta forma, é possível levantar a hipótese de que ambos os tradutores não tenham se atentado para o
contexto da piada no momento de traduzir e priorizaram a questão linguística, com a presença do palavrão.

Considerações finais

Alguns objetivos principais marcaram este trabalho: a análise dos palavrões encontrados no áudio original
do filme estadunidense Deadpool e suas traduções, tanto na legenda oficial quanto na legenda feita por fãs, de
acordo com as estratégias de Gambier (2003). Ainda, almejou-se verificar as suas ocorrências, comparar os parâ-
metros utilizados na confecção da legenda do blu-ray e da legenda dos fãs, e contribuir com as pesquisas no campo
da tradução audiovisual. Além disso, foi levantada a hipótese de que os palavrões, na legenda oficial do blu-ray,
seriam amenizados.
Quanto às ocorrências dos palavrões, de forma mais quantitativa, foi possível observar que houve uma
predominância do palavrão “fuck” e de suas variações.
A respeito das estratégias listadas por Gambier (2003), este trabalho revelou que as estratégias de imitação
e omissão foram as mais utilizadas, tanto na legenda oficial quanto na legenda de fãs. Além disso, a hipótese
levantada de que os palavrões seriam majoritariamente eliminados nas legendas oficiais não se confirmou, visto
que a estratégia mais utilizada nas legendas do blu-ray foi a imitação. Contudo, a omissão é a segunda estratégia
mais utilizada e quase empata com a quantidade de ocorrências da imitação, o que sugere que ainda há uma ten-
dência a se omitir os palavrões nas traduções oficiais. 85
É preciso pontuar, contudo, que este trabalho não foi feito com o intuito de criticar, avaliar ou julgar os
responsáveis pelas traduções aqui vistas; mas sim, de buscar parâmetros e possíveis justificativas para as decisões
tomadas nas traduções das legendas apresentadas nesta pesquisa, levando em consideração o fato de que foram
feitas por pessoas diferentes com públicos-alvo diferentes, sob parâmetros diferentes e, possivelmente, com ori-
entações distintas sobre como proceder frente aos palavrões proferidos pelos personagens do filme que legenda-
ram.
Se, como dizia o cineasta e crítico francês Éric Rohmer, “todo bom filme é também um documento de
sua época”, então Deadpool (2016) é o registro do culto contemporâneo aos super-heróis (e aos anti-heróis, como
é o caso do protagonista do objeto deste trabalho), às traduções intersemióticas que transformam quadrinhos e
livros nos mais variados materiais audiovisuais, e à expectativa (vinda do público) de fidedignidade ao ver um
personagem conhecido e cultuado sendo retratado em uma nova mídia. Sendo assim, espera-se que aqueles que
legendaram (e que, quem sabe, legendarão) essa obra audiovisual, levem em consideração todo esse contexto ao
exercer tal atividade, levando os palavrões em conta como característica indissociável do personagem que os pro-
fere.
Este trabalho, portanto, contribui com estudos na área de Tradução Audiovisual, mais especificamente
dentro do escopo da tradução de palavrões e termos obscenos, evidenciando a necessidade de se provocar uma
reflexão nos envolvidos na tradução audiovisual acerca da forma como os palavrões são vistos dentro desta área
da Tradução e, portanto, tratados e traduzidos. O trabalho observou traduções distintas de diversos palavrões e
buscou entendê-las enquanto pertencentes a um sistema frequentemente submisso a censuras (a tradução oficial,
do blu-ray), ou a um sistema no qual a única censura vigente é a da autocrítica dos tradutores das legendas enquanto
membros de uma sociedade fortemente moralista.
Espera-se que este trabalho possa aprofundar e dar continuidade aos estudos sobre estas temáticas, inci-
tando a elaboração de mais trabalhos como este, para que tradutores e demais profissionais da área de tradução
audiovisual possam se beneficiar dos conhecimentos e informações compartilhados.

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DO ROMANCE PARA OS QUADRINHOS: TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA
E INTERLINGUÍSTICA DO “RETRADO DE DORIAN GRAY”

Letícia Silva SANTOS (UTFPR-PB)


Nathalia Ferreira TERRES (UTFPR-PB)
Rafaela LAMPUGNANI (UTFPR-PB)

88

Introdução

Ao lermos um livro, sempre temos as nossas impressões no momento em que estamos diante de
uma transposição, seja da língua, do gênero ou do suporte. Algumas vezes nos decepcionamos com as
locações, com o rumo que a história tomou e até mesmo com algumas cenas que foram removidas ou
acrescentadas. Porém, a adaptação não deve ser entendida pelos leitores como algo negativo, mas sim
como uma nova obra que, segundo Stam (2006, p. 26) não deve ser vista como fiel ou infiel, mas como
um trabalho criador de “novas situações áudio-visual-verbal”. Por ser uma nova obra, a adaptação deve
ser vista e analisada como tal, pois deve-se levar em consideração o suporte ao qual está vinculada a adap-
tação, assim como o idioma e o gênero midiático.
A obra literária O retrato de Dorian Gray foi escrito no ano de 1890 e adaptada para os quadrinhos
em 2011, por Stanislas Gros em língua francesa. A obra de Oscar Wilde conta a história do belo Dorian
Gray que, tendo seu retrato pintado pelo artista Basil, manifestou o desejo de permanecer sempre jovem
e de que a pintura envelhecesse no seu lugar. O protagonista passa a levar sua vida de forma desregrada,
acompanhado e incentivado pelo personagem Henry Wotton e realiza várias ações que se opõem à moral
ditada pela sociedade. Visto que o quadro absorve os erros de conduta e os anos de vida de Dorian, a
pintura incorpora as linhas de expressão da idade até o momento em que ele enlouquece e “assassina” o
quadro e, mediante esse processo, suicida-se.
No momento da transposição para os quadrinhos, percebemos uma obra bastante curta, com vá-
rias modificações de cenas que estão na obra literária. Essas modificações são compreendidas pela mídia
na qual está situada, uma história em quadrinho ou, de uma forma mais específica, uma graphic novel. Este
termo surgiu nos anos 60 como uma necessidade de empreender um conceito para as novelas gráficas de
adultos e afastar esse gênero da comicidade característica dos quadrinhos pertencentes ao público infantil.
(SILVA, 2014, p. 31). As ilustrações das narrativas gráficas dão um novo ar para a obra literária e para a
tradução desse romance que já é consagrado no sistema de literatura estrangeira no Brasil. E segundo Pina
(2014, p. 154), “Os quadrinhos, ao se entrelaçarem à literatura, reorganizam-na, atravessam-na, por uma
linguagem híbrida. A linguagem dos quadrinhos não é uma junção genérica de verbal e não verbal: o verbal
é configurado pelo não verbal e vice-versa”.
Este artigo apresenta a seguinte organização: primeiramente, introduz-se a metodologia, que com-
põe os procedimentos utilizados na elaboração do estudo, priorizando a pesquisa bibliográfica; em se-
gundo lugar, discorre-se sobre os trabalhos dos teóricos da adaptação e da tradução, conforme já menci-
onados; em seguida, empreende-se e descreve-se a análise intersemiótica da transposição de O retrato de
Dorian Gray para o gênero graphic novel, com base em dois personagens principais, o artista Basil, e o prota-
gonista Dorian; e, finalmente, relatam-se os resultados da pesquisa, seguidos de discussão. Espera-se ofe-
recer, com este trabalho, uma possibilidade de compreender melhor o processo de transposição aqui ve-
rificado, e de fazer conhecer autores que fundamentam este trabalho para os quadrinhos.

Metodologia

O corpus deste estudo é a obra O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde e a sua adaptação homô-
nima produzida por Stanislas Gros, para quadrinhos. Essa tradução intersemiótica foi escolhida por fazer
alusão ao romance de Wilde, o qual é de extrema relevância no contexto literário. O que nos intrigou foi
nos depararmos com a história adaptada para os quadrinhos de forma que facilita a compreensão da ideia 89
central da obra, visto que o tema da narrativa é, na graphic novel, totalmente ligado às imagens, as quais o
concretizam nesta transposição.
Em sequência, iniciamos o estudo deste livro ancorando-nos em teorias ligadas à tradução e à
adaptação. No âmbito da tradução, utilizamos o trabalho do teórico e tradutor Lawrence Venuti (2002),
que apresenta os conceitos de estrangeirização e domesticação, escolhas feitas pelo tradutor durante o
processo tradutório; recorremos ao modelo de Lanzeti et. al. (2006), com sua tabela de procedimentos
técnicos de tradução; e empregamos o esquema de Lambert & Van Gorp (2011), que aborda a análise de
tradução nos níveis macro e microestrutural do texto.
Na questão da adaptação utilizamos Linda Hutcheon (2011) e Robert Stam (2009), pois ambos os
autores apresentam visões de adaptação bastante pertinentes e contemporâneas. Segundo Hutcheon (2011,
p. 22) “as adaptações estão em todos os lugares hoje em dia: nas telas de televisão e do cinema, nos palcos
do musical e do teatro dramático, na internet, nos romances e quadrinhos, nos fliperamas e também nos
parques temáticos”, ou seja, a adaptação está presente em nosso dia a dia. Os autores também abordam
questões que não priorizam e nem diminuem a obra adaptada, mas a consideram um trabalho novo. Os
postulados de Julio Plaza na questão da tradução intersemiótica corroboram essa visão, pois que esta tam-
bém é “avessa à ideologia da fidelidade” (PLAZA, p. 30, 2013). Ainda utilizam-se os postulados da semió-
tica visual apresentados por Antônio Pietroforte (2007), que englobam a análise do não dito na construção
das imagens relacionadas ao texto da graphic novel, abordando aspectos como luz e sombra, paleta de cores
e o contexto cultural do adaptador.

Graphic novel: a adaptação do texto para a imagem

Uma das mais difíceis tarefas no estudo da adaptação é reconhecê-la como arte, uma vez que essa
sofre preconceito pelos receptores, pois, geralmente, a consideram inferior ao texto original. Segundo
Hutcheon (p. 28, 2011), “a adaptação é repetição, porém repetição sem replicação”, ou seja, esta tem como
base o texto fonte, sem ser mera imitação ou substituição, e sim uma forma de prestar uma homenagem e
até mesmo de ampliar o texto. Segundo Plaza, (2013, p. 10) “o processo tradutor intersemiótico sofre a
influência não somente dos procedimentos de linguagem, mas também dos suportes e meios empregados,
pois que neles estão embutidos tanto a história quanto os seus procedimentos”, ou seja, a tradução inter-
semiótica ou adaptação também pode alterar o gênero e o suporte em que o texto está. No objeto deste
estudo, podemos perceber essa questão de alteração de suporte e até mesmo de gênero em Dorian Gray,
visto que de um romance longo ele foi adaptado para uma graphic novel. Isso desperta a atenção de outro
público-alvo, estimulando os leitores desse material a conhecerem o romance que serviu de inspiração para
a adaptação.
O processo de transposição de um signo para outro também apresenta uma relevância no âmbito
cultural, visto que pode haver alterações não só no texto, mas na ambientação e na forma de contar a
história. Segundo Hutcheon (2011, p. 132), a adaptação ganha um aumento no seu capital cultural, pois ao
adaptar uma obra de 1890 para o ano de 2011 traz-se um pouco da cultura daquela época para os dias
atuais. Ainda segundo a autora (2011, p. 196), adaptar essas obras também representa o desejo de extrair
benefícios do prestígio cultural das obras originárias, ou seja, no momento em que Gros adapta a obra de
Wilde para os quadrinhos, ele apresenta para o público da atualidade o contexto cultural do texto fonte,
possibilitando a esse mesmo público os benefícios do contato com a cultura daquela época.
Uma outra forma de transculturação é quando os adaptadores buscam a recontextualização ou a
reambientação “correta” do texto fonte. Um exemplo disso é que, no quadrinho, o autor utiliza os artifícios
imagéticos para a construção de sentido que são feitos em longos parágrafos na narrativa, enquanto que 90
no quadrinho, o uso da imagem contribui para que o leitor seja contextualizado no novo ambiente no qual
o personagem está inserido.
A tradução está totalmente ligada à adaptação, levando em consideração que ela também adapta o
texto de partida para o contexto de chegada que, segundo Lanzeti et al. (2006), ocorre quando há um
processo de domesticação, uma adaptação do texto originário para o traduzido. A domesticação é um dos
processos tradutórios cunhados por Venuti (2002, p.120), que o define quando “a tradução imita os valores
linguísticos e literários de um texto estrangeiro, mas a imitação é moldada numa língua diferente que se
relaciona a uma tradição cultural diferente”. Dessa forma, quando o tradutor opta por traduzir um texto
aproximando-o para a cultura de chegada, modificando alguns aspectos do contexto de partida, ou seja,
adaptando-o, ocorre o processo tradutório de domesticação, tornando a leitura dessa tradução mais fluida
ao leitor da língua para qual foi traduzida. Entretanto, segundo Venuti (2002), o tradutor pode manter os
elementos culturais de um texto estrangeiro, nesse caso, ocorrendo o processo de estrangeirização, dei-
xando evidente ao leitor que o texto é uma tradução pelos traços culturais ou termos mantidos no texto
fonte. Esses elementos mantidos no texto de chegada e que causam estranhamento no leitor são chamados
por Lawrence Venuti de resíduo da tradução, pois “As variações linguísticas liberadas pelo resíduo não só
excedem qualquer ato comunicativo como frustram qualquer esforço de formular regras sistemáticas. O
resíduo subverte a forma maior revelando-a como social e historicamente situada” (2002, p. 25).
Para entender e analisar melhor o processo tradutório, Lambert e Van Gorp criaram um esquema
para descrever a tradução, que descrevem como:

O processo de tradução – assim como o texto resultante dele e sua recepção – pode ser
estudado a partir de diferentes pontos de vista, de maneira macroestrutural ou microes-
trutural, focalizando em padrões linguísticos de vários tipos, códigos literários, padrões
morais, religiosos ou outros não-literários etc. (2011, p. 214).

Tanto a observação da macroestrutura quanto a microestrutura vão analisar as alterações e/ou a


conservação da estrutura, e os demais elementos textuais do texto base na tradução. A macroestrutura
reflete sobre título, nome de capítulos, paragrafação; enquanto que a microestrutura vai considerar para
estudo os mínimos detalhes, tais como: a escolha das palavras, os níveis de linguagem, metro, rima, ele-
mentos estilísticos, e entre outras unidades de um texto.
Considerando a adaptação para uma nova obra, a graphic novel da obra de Wilde possui a presença
do “não dito” para a compreensão da obra. Com esse auxílio da imagem, é possível que o leitor possa
fazer uma semiose maior do texto com a imagem que o adaptador propôs em sua nova obra. Pietroforte
(2007) apresenta em seu livro “Semiótica visual: os percursos do olhar” uma conceituação da polissemia
da palavra ritmo e salienta a importância do ritmo no mundo dos quadrinhos. Com isso, define um plano
de compreensão da graphic novel no seu sentido de ritmo e diz que “[...] ritmo é definido não em termos de
gênero musical e velocidade de execução, mas em termos de tonicidade.” (PIETROFORTE, 2007, p. 108).
Essa definição de tonicidade pode ser encontrada na adaptação, pois a suavidade na qual foi trans-
posto para uma outra mídia, a obra ainda deve manter sua intensidade original, sem perder o ritmo do seu
enredo fonte. Esse ritmo do texto fonte é encontrado em várias passagens do quadrinho quando há, em
poucos quadros, a interpretação de um capítulo inteiro e a inferência de estilos característicos da época do
autor, como o esteticismo que não é só de Wilde, mas também, da época na qual o escritor viveu.
Em vista da época em que o autor da obra fonte viveu, Gross proporciona, no fim da graphic novel,
uma forma de integralizar os aspectos que ele utiliza para a adaptação do clássico comentando sobre os
aspectos esteticistas que são encontrados na obra de Wilde e também alguns outros estilos que foram
fontes de inspiração para a construção da narrativa de Dorian e que o adaptador traz como acréscimo às 91
páginas finais. Também há o prefácio onde, de forma autoral, Wilde descreve a visão de um artista em
relação ao mundo o qual está inserido na era vitoriana. Ainda no fim da graphic novel, há curiosidades como
a menção sobre a atriz Greta Garbo que queria interpretar o personagem de Dorian no cinema, mas por
razões de censura, não pôde e com isso, Gross inspirou-se nos traços faciais da atriz para compor a imagem
de Dorian na adaptação.

Basil: um pintor espetacular

Durante a narrativa de Wilde, temos a influência do pintor que dá vida ao quadro que é a referência
de toda a história. Basil é uma figura importante pois, ao passo que é um pinto talentoso e exemplar, é
uma influência positiva na vida de Dorian, que mais tarde acaba perdendo espaço de forma que desaparece
na narrativa. No entanto, é perceptível que tenhamos uma visão ampla do sentimento fraterno que Basil
nutre pelo jovem Dorian, que se inicia com apenas uma palavra a Lady Brandon que o apresenta ao belo
e inocente rapaz. No texto originário e na tradução, é perceptível essa admiração do pintor pelo rapaz que,
no processo de tradução, manteve sua característica fraterna. No trecho a seguir, temos o primeiro contato
do pintor com o rapaz que, num curto momento, o idolatra e quer ter uma convivência por meio da qual
possa passar um tempo ao lado do jovem Dorian.

[...] De repente me vi frente a frente com o jovem cuja personalidade tanto havia me
mobilizado. Estávamos bem próximos, quase nos tocando. Nossos olhos voltaram a se
encontrar. Foi loucura minha, mas pedi a Lady Brandon que me apresentasse a ele. Afinal
de contas, talvez não tivesse sido tanta loucura. Era simplesmente inevitável. [..] – Todos
os dias. Não seria feliz se não o visse todos os dias. Naturalmente, às vezes só por alguns
minutos. Mas poucos minutos com alguém que você idolatra significa muito” (WILDE,
2013, p, 87 – 91).10

No trecho acima, vemos o quanto o pintor se importa com o Dorian e quando salienta que “pou-
cos minutos com alguém que você idolatra significa muito” é uma referência à sua predileção à amizade
de Dorian. Essa característica pode ser relacionada ao próprio autor que, como conhecido mundialmente,
era um dândi e possuía um status social que prezava e que vivia de aparências na era vitoriana. Essas
aparências são apresentadas na adaptação quando Gross (2011) apresenta ao leitor uma imagem rica em

10 Suddenly I found myself face to face with the young man whose personality had so strangely stirred me. We were quite close,
almost touching. Our eyes met again. It was mad of me, but I asked Lady Brandon to introduce me to him. Perhaps it was not
so mad, after all. It was simply inevitable. [...]Every day. I couldn’t be happy if I didn’t see him every day. Of course sometimes
it is only for a few minutes. But a few minutes with somebody one worships mean a great deal. (WILDE, 2011, p. 12)
linhas de expressão dos personagens, um plano de fundo com cores e características onde o parágrafo é
resumido em apenas três quadros de fala.
Verifica-se neste trecho uma tradução de maneira mais estrangeirizada, ou seja, o tradutor optou
por transferir a ideia central da narrativa à tradução, palavra por palavra, visto que a tradução ficou prati-
camente literal ao texto originário. Além disso, também se deixou signos da língua de partida, como de-
nomina Venuti (2002) o resíduo da tradução, como é o caso do termo “lady”, em Inglês senhora, que foi
mantido na tradução para o Português. De maneira gradativa o autor vai deixando mais claro o quanto
Basil admira Dorian, e vai deixando o ar de ambiguidade cada vez maior.

92

Nos quadrinhos, o desenvolvimento se dá de forma diferente, visto que já nas primeiras páginas é
possível ver como o pintor Basil é retratado pelo quadrinista de forma mais emotiva/sensível que, na era
vitoriana, dizia muito sobre o que estava ocorrendo internamente com a personagem. Por meio dessa
mudança, do romance para o quadrinho, já percebemos que a adaptação influencia neste processo de
percepção, visto que:

[...] com a travessia para o modo mostrar, como em filmes e adaptações teatrais, somos
capturados por uma história inexorável, que sempre segue adiante. Além disso, passamos
da imaginação para o domínio da percepção direta, com sua mistura tanto de detalhe
quanto de foco mais amplo. (HUTCHEON, 2011, p. 48).

Ou seja, com o quadrinho e o elemento não verbal inserido, percebemos que também passamos
da imaginação para a percepção direta, pois no momento da leitura imaginamos todos os personagens,
assim como as cenas, e com as ilustrações este processo é facilitado.
A liberdade que o autor dos quadrinhos possui faz com que a adaptação se torne mais fluida, visto
que a passagem para os quadrinhos pode ser percebida quando a frase é fragmentada em vários quadrinhos
e, como consequência, as orações se tornam mais curtas e as imagens criadas pelo desenhista têm maior
visibilidade, visto que as “cores, traços, formas, intervalos entre vinhetas, focalização de cenas e persona-
gens, enriquecem o não verbal, complexificando suas potencialidades significativas”. (PINA, 2014, p. 154).
Essa liberdade de adaptação é possível já que “nem o texto literário nem o autor mantêm a “autoridade de
controle legal” sobre ramificações intertextuais” (STAM, 2006, p.26).
Na graphic novel vimos a transição do personagem Dorian Gray desde a primeira página até as pri-
meiras grandes alterações de sua personalidade, que são incorporadas ao quadro. Dorian, ainda um jovem
inocente, pouco sabia sobre a perversidade do mundo, mas quando a conheceu, sentiu um anseio pela
necessidade de viver o “carpe diem”. Pelas concepções de Horácio, que resumia sua frase em aproveitar o
dia por causa do futuro, percebemos que Dorian começa a aproveitar sua juventude de forma intensa por
medo de chegar ao futuro e não mais desejar aproveitá-lo, como em sua juventude.
Ainda no poema de Horácio, sobre o “carpe diem”, temos a seguinte frase: “De inveja o tempo voa
enquanto nós falamos” (TIAGO, 2015, p. 3), outro aspecto diretamente relacionado a Dorian. O perso-
nagem não se preocupa mais com qualquer outra pessoa, pois deseja apenas viver o tempo que está per-
dendo em relação ao quadro.
No quadrinho, em paralelo à evolução do personagem principal, Basil retrocede de forma clara.
Pode-se associar essa questão com a linearidade da personagem. O pintor não cresce, mas se mantém na
obra como um simples personagem que aos poucos vai se apagando e essa referência é passada para o
quadrinho quando o autor mantém a sensação de apagamento da personagem durante a construção do
novo texto que está sendo interpretado na adaptação. O quadrinho proporciona o não dito ao leitor e com
essa concepção, podemos remeter ao personagem de Basil que conforme a narrativa ocorre, vai apare-
cendo menos e quando aparece, tem um aspecto sombrio retratado, como uma pessoa em processo mor- 93
tuário.

Dorian: a evolução da personagem do livro para os quadrinhos

O título desta seção pode ser ambíguo dependendo da compreensão do leitor e de seu conheci-
mento de mundo. As linhas da narrativa de Wilde ou as linhas faciais de Dorian retratadas de forma mag-
nífica por Basil num quadro que tem muito a dizer sobre sua principal personagem. No texto de Wilde,
não é tão explícita a transformação de Dorian durante a narrativa, diferentemente da adaptação que con-
segue mostrar claramente o desenvolvimento do personagem por meio da expressão facial, que é caracte-
rística de personagens que possuem uma gradação durante a obra. A representação em desenho de Dorian
expressa bem o quanto a personagem muda ao longo da narrativa, marcada também na construção das
cenas. Seja do fundo preto ou vermelho para compor o quadrinho ou apenas um parágrafo do narrador,
o personagem cresce de forma gradual ao ponto que se torna maior do que espera e com isso, advém o
clímax, isto é, a descoberta do quadro.
No quadrinho, o leitor tem o privilégio de ver o quadro envelhecendo conforme vai desenvolvendo
a narrativa. O desenho do quadro se transformando na narrativa acompanha o leitor do começo ao fim
da obra no canto direito inferior da graphic novel, por meio do qual o leitor consegue acompanhar a deca-
dência do protagonista. Com base no acréscimo do quadro envelhecendo na obra somos remetidos a
Robert Stam, que afirma: “[...] os textos não se conhecem a si mesmos, e, portanto, busca o que não está
dito (o non-dit) no texto. As adaptações, neste sentido, podem ser vistas como preenchendo essa lacuna do
romance que serve como fonte” (STAM, 2006, p. 25), ou seja, a presença do desenho representando o
quadro de Dorian em todas as páginas deixa claras as transformações do jovem, como uma forma de
preencher a lacuna deixada no romance, em que temos apenas o personagem principal dando informações
para o leitor sobre as transformações que estão acontecendo, como no trecho a seguir:

Ao passar pela biblioteca a caminho do quarto, seus olhos bateram no retrato que Basil
Hallward havia pintado. Teve um sobressalto de surpresa, voltando para observá-lo de
perto. Na fraca luz que lutava para penetrar através dos estores de seda cor de creme, o
rosto lhe pareceu ligeiramente modificado. A expressão era diferente. Era possível dizer
que havia um toque de crueldade em torno da boca. Era certamente curioso. (WILDE,
2013, p.173).11

11As he was passing through the library towards the door of his bedroom, his eye fell upon the portrait Basil Hallward had
painted of him. He started back in surprise, and then went over to it and examined it. In the dim arrested light that struggled
through the cream-colored silk blinds, the face seemed to him to be a little changed. The expression looked different. One
would have said that there was a touch of cruelty in the mouth. It was certainly curious. (WILDE, 2011, p. 98-99)
É possível observar no excerto acima a presença do não dito. Enquanto no texto inspirador do
quadrinho há um parágrafo explicando e narrando de forma detalhada a cena, no quadrinho há apenas três
quadros, com tons escuros, já relacionando ao novo homem que cresce no interior de Dorian e sua sur-
presa é representada com apenas um ponto exclamativo acompanhado do desenho do quadro. O leitor
não precisa recorrer ao texto fonte para saber que ali é uma representação de surpresa e que o personagem
já tem uma mudança crescente em seu comportamento. O leitor, aqui, já consegue perceber as diferenças
de uma adaptação e texto fonte sem a necessidade de auxílio exterior.
Nesse excerto, nota-se também algumas alterações no processo tradutório. Como exemplo, têm-
se a frase a seguir: “He startled back in surprise” traduzida como “Teve um sobressalto de surpresa”; sendo
possível observar que houve omissão do pronome “He”, que no português seria “ele”, porém, deve ser 94
levado em conta que a sintaxe de língua Inglesa exige que toda frase tenha um sujeito, enquanto que no
português, ele não precisa estar explícito, pois o verbo pode indicar quem é o sujeito. Dessa forma, afirma-
se, de acordo com Lanzeti et. al., que ocorreu uma adaptação na tradução, consequentemente, uma do-
mesticação do texto. Já na adaptação quadrinística abaixo percebe-se uma omissão muito maior, tanto
macroestrutural quanto microestrutural, visto que nos quadrinhos podemos perceber que temos a frase
“Acabou por chamar um fiacre e voltar para casa” como se fosse a voz do narrador e apenas um ponto
de exclamação. Entretanto, podemos compreender o que as imagens querem nos dizer, visto que os traços
faciais do personagem demonstram o olhar de surpresa e a imagem do quadro alterada apresenta o que ele
vira. Ou seja, percebe-se que o não verbal é predominante nesta passagem, “o verbal é configurado pelo
não verbal e vice-versa” (PINA, 2014, p.154).

Dessa forma, seguindo o esquema de Lambert e Van Gorp (2011) é possível afirmar que houve
mudanças no nível microestrutural do texto, as quais foram realizadas com o intuito aproximar a história
ao contexto dos receptores da língua para qual foi traduzida. Por se tratar de uma adaptação do romance
para os quadrinhos, houve alteração de gênero textual, assim, modificando alguns elementos. Como exem-
plo, têm-se a descrição do quadro que Basil pintou a Dorian, que é apresentada no romance desde o
momento em que foi pintado, até o momento em que Dorian o destrói, destruindo a si mesmo e sempre
agregando valor físico e moral à obra, por manter a alma de Dorian. Como resultado dessas alterações
obtidas ao longo do processo tradutório, compreende-se que houve mudanças na macroestrutura do texto.
Considerações finais

Neste trabalho, foi possível observar as alterações tanto verbais quanto não verbais na graphic novel
de Stanislas Gross adaptada da obra consagra de Oscar Wilde: o retrato de Dorian Gray, e qual a influência
que cada uma gera no texto. Segundo Hutcheon:

As histórias são, de fato, recontadas de diferentes maneiras, através de novos materiais e


em diversos espaços culturais; assim como os genes, elas se adaptam aos novos meios
em virtude da mutação – por meio de suas “crias” ou adaptações. E as mais aptas fazem
mais do que sobreviver; elas florescem (2011, p. 59).
95
Afirma-se que, no âmbito da adaptação para a graphic novel houve diversas mudanças, tanto no nível
macro quanto no nível microestutural, as quais vão desde a estrutura do texto à seleção de palavras durante
o processo tradutório. Também na questão da adaptação de um romance para os quadrinhos percebe-se
que “a tradução intersemiótica de natureza artística, como é o caso das traduções quadrinísticas de textos
literários, atravessam os textos de partida, subvertendo-os, mas não apagando-os, nem se subordinam a
suas semioses possíveis” (PINA, 2014, p. 154). Em outras palavras, o quadrinho atravessa o texto de
partida no sentido de alterar o gênero e o suporte em que a adaptação está, mas que de forma alguma o
texto fonte torna-se subordinado e tampouco o texto adaptado, segundo Benjamin (1968, p. 214 apud
PLAZA, p. 27, 2013), “uma adaptação tem sua própria aura, sua própria “presença no tempo e no espaço,
uma existência única no local onde ocorre”.
Um clássico adaptado para os quadrinhos dá a oportunidade de novos leitores interagirem com
uma história que foi escrita há anos e que ainda tem muitas lacunas a serem estudadas. Wilde, ao escrever
sua obra, produziu um texto que, na época da escrita, fazia certo sentido enquanto que, em nossos tempos
modernos, este pode não ter a mesma acepção para algum público alvo. A adaptação proporciona uma
nova visão para o público que está sendo inserido nesse novo mundo da narrativa inglesa e nas obras
clássicas de Oscar Wilde.
Levando isso em consideração, conclui-se que a adaptação é uma arte, a qual têm relevância para
a cultura de um ou mais povo/s, que sua função não é imitar o texto originário, mas sim recriá-lo, assim
como a tradução. A obra de Stanislas Gros mostra esse valor artístico da adaptação, que aliado à tradução,
dá a oportunidade de uma nova cultura conhecer essa história.

Referências

GROS, S. O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde; tradução: Carol Bensimon. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011.

GUERINI, A, TORRES, M. H. C., COSTA, W. (orgs.). Literatura & Tradução: textos selecionados de José
Lambert. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011.

HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Trad. André Cechinel. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2011, p. 21
– 116.

LANZETTI, R. et al. Procedimentos técnicos de tradução – Uma proposta de reformulação. Revista do ISAT.
PIETROFORTE, A. V. Semiótica visual: os percursos do olhar. São Paulo: Ed. Contexto, 2º ed. 2007.

PINA, P. K. C. Literatura e quadrinhos em diálogo: adaptação e leitura hoje. Ipotesi (Juiz de Fora. Online),
v. 18, p. 149-164, 2014. Disponível em: <http://www.ufjf.br/revistaipotesi/files/2016/01/13_Litera-
tura_e_quadrinhos_em_di%C3%83%C2%A1logo1.pdf> Acesso em: 22 set. 2017.

PLAZA, J. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 2º ed. 2013.

SILVA, F. F. Uma Análise da Personagem Basil Hallward em o Retrato de Dorian Gray. In: Cintedi, Cam-
pina Grande. 2014. Disponível em:< http://editorarealize.com.br/revistas/cintedi/trabalhos/Modali-
dade_1datahora_30_10_2014_10_32_24_idinscrito_3402_1aff4fd9eec3fc29841cdc4b98316dd2.pdf>
Acesso em 20 set. 2017. 96

STAM, R. Teoria e prática da adaptação: da fidelidade à intertextualidade. In: Ilha do Desterro. Número 51.
Florianópolis: jul/dez 2006. p. 019-053.

TIAGO, V. M. Análise da Ode I, 11 de Horácio. Juíz de Fora: UFJF, 2015. Disponível em: < http://www.aca-
demia.edu/23710726/An%C3%A1lise_da_ode_I_11_de_Hor%C3%A1cio > Acesso em: 22 set. 2017.

VENUTI, L. Escândalos da Tradução: por uma ética da diferença/Lawrence Venuti; tradução Laureano Pe-
legrini, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esqueda e Valéria Biondo; revisão técnica Stella Tagnin
– Bauru, SP. EDUSC, 2002.

WILDE, O. O Retrato de Dorian Gray. Trad. Jorio Dauster, ed. Anotada e não censurada. São Paulo: Globo,
2013.

WILDE, Oscar. The picture of Dorian Gray. Ed. Planet PDF, 2011. Disponível em: < http://www.planetpu-
blish.com/wpcontent/uploads/2011/11/The_Picture_of_Dorian_Gray_NT.pdf > Acesso em: 20 set.
2017.
GAY LANGUAGE: LEVANTAMENTO DE COLOCAÇÕES
DA COMUNIDADE HOMOSSEXUAL

Guilherme Aparecido de SOUZA (UNESP)


Adriane ORENHA-OTTAIANO (UNESP)

97
Introdução

Neste trabalho serão abordados aspectos teórico-metodológicos necessários para a extração de


colocações gerais da comunidade homossexual, a partir de um corpus paralelo bilíngue formado pelas trans-
crições das cinco temporadas da série Queer as Folk. Este, narra à história de cinco homens homossexuais,
sendo um marco na luta dos direitos do grupo Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis (LGBT), investindo
em uma trama sem cunho pornográfico ou apelativo, mas sim, mostrando homossexuais como pessoas
comuns, vivendo em seu dia-a-dia.
Acreditamos que ao desenvolver um estudo focado nas colocações, especificamente nas coloca-
ções da comunidade gay e baseado em corpora, a língua é vista sob um novo aspecto, pois valoriza a com-
panhia mantida pelas palavras, ou seja, pelas combinações lexicais e pelas frequências e recorrências destas
na língua em uso.
Assim, ao enfatizar e adotar a perspectiva que privilegie o falar natural no estudo das combinações
lexicais, em especial, das colocações é necessário discorrer sobre os arcabouços teóricos citados abaixo,
sendo eles: Linguística de Corpus, Conceito de colocação para os teóricos da Linguística de Corpus, Com-
posição do corpus e o Levantamento das colocações que levaram ao desenvolvimento deste artigo, bem
como das colocações do mundo homossexual contida na série analisada.

Linguística de corpus

A Linguística de Corpus estuda a língua por meio da observação de grandes quantidades de dados
linguísticos reais, isto é, textos falados ou escritos provenientes da comunicação no mundo real, ou seja,
da língua em uso. Berber Sardinha (2004) afirma que o auxílio de ferramentas computacionais é meio
facilitador e de grande valia para o pesquisador.
Ainda de acordo como Berber Sardinha (2004), corpus pode ser definido como: “uma coletânea de
porções de linguagem que são selecionadas e organizadas de acordo com critérios linguísticos explícitos, a
fim de serem usadas como uma amostra de linguagem”. O mesmo complementa afirmando que: “a Lin-
guística de Corpus ocupa-se da coleta e da exploração de corpora, ou conjunto de dados linguísticos coletados
criteriosamente com o propósito”.
Para entender melhor essa definição, é necessário precisar o que se entende por corpus neste con-
texto. Segundo a definição de Sánchez (1995):
um corpus é um conjunto de dados linguísticos (pertencentes ao uso oral ou escrito da
língua, ou a ambos), sistematizados segundo determinados critérios, suficientemente ex-
tensos em amplitude e profundidade, de maneira que sejam representativos da totalidade
do uso linguístico ou de algum de seus âmbitos, dispostos de tal modo que possam ser
processados por computador, com a finalidade de propiciar resultados variados.

Para Sinclair12 (2005), o corpus é uma coletânea de textos em certo idioma que esteja em formato
eletrônico. Especificamente, esses textos devem ser selecionados de acordos com critérios externos, ou
seja, critérios que nascem a partir das necessidades da pesquisa na qual o corpus será usado e que sejam
capazes de representar uma língua ou uma parcela de língua.
Sendo assim, a principal característica da Linguística de Corpus é a observação de dados empíricos
de uma ou mais línguas, armazenados em bancos de dados que compõem um corpus, com a utilização de 98
ferramentas eletrônicas especialmente desenvolvidas para ajudar o pesquisador na análise dos dados, faci-
litando assim o seu trabalho quanto à verificação dos fenômenos da língua em uso, neste caso, Língua
Inglesa.
No Brasil a Linguística de Corpus (LC) ainda é jovem, como apontado em um levantamento reali-
zado por Berber Sardinha e Almeida (2008). Pretendemos com este trabalho consolidar que a LC é uma
vertente no ensino de Língua Inglesa.
Atualmente, a LC tem grande influência nos estudos e pesquisas linguísticas nas mais variadas
áreas, com relação a detalhados aspectos da linguagem. Com base em Sinclair (2005), Sardinha (2004) e
Sanchez (1995), a compilação ou coleta dos textos estabelece a necessidade das seguintes diretrizes: (a)
selecionar textos autênticos por meio de critérios regidos pela pesquisa para a qual o corpus está sendo
construído e (b) selecionar textos representativos da língua, modalidade da língua ou domínio.
Sinclair (1991) refere-se ao corpus geral como “um tipo de corpus que armazena uma enorme quan-
tidade de dados e está em constante utilização na língua-alvo”. Entretanto, pessoas interessadas nas colo-
cações do mundo homossexual, o corpus citado pelo autor não é apropriado, nesse caso optamos pela
compilação de um corpus.
O corpus é desenvolvido para atender às necessidades específicas de uma pesquisa particular, de
acordo com objetivos propostos. Segundo o objetivo da pesquisa vários corpora especializados têm sido
coletados com o propósito e conteúdos distintos, e, portanto diferenciados pelo modo, tempo, seleção,
conteúdo, autoria, disposição interna e finalidade (Berber Sardinha, 2004).

O conceito de colocação

Orenha-Ottaiano (2004) explica que “dentro da esfera da fraseologia, inserem-se as colocações,


uma de suas categorias mais relevantes, também consideradas a maior classe de unidades multipalavras”.
O termo colocação foi utilizado pela primeira vez por Firth (1957), em seu artigo “Modes of meaning”
que também criou a frase, “julgue uma palavra pela companhia que ela tem” que chama a atenção para a
importância de se estudar o significado de uma palavra por meio das suas colocações, para referir-se à
coocorrência frequente entre unidades lexicais.
Halliday (1961, p.75), seguindo ideias apresentadas por Firth (1957) situa as colocações no domínio
do léxico, acreditando que a teoria lexical não faz parte da teoria gramatical, mas, ao invés disso, comple-
menta-a. Orenha-Ottaiano (2009, p.34 apud HALLIDAY, 1961) menciona que tanto podemos dizer strong
tea (relacionado à cor do chá) quanto podemos dizer a powerful tea, porém powerful tea não é frequente.

12 Todas as traduções são de nossa autoria.


Segundo a autora “a combinação powerful tea poderia ser até empregada no sentido de tratar de um chá
poderoso, com poderes curativos”.
Por sua vez, Sinclair (1966 apud KOIKE, 2001, p.17), define colocação como “a ocorrência de
duas ou mais palavras com um curto espaço entre cada uma delas num texto”. Sinclair delimita a distância
entre os membros que unem uma colocação como um espaço de quatro elementos antes e depois da
palavra-chave.
Béjoint (1994 apud Orenha-Ottaiano, 2004, p.24) “referiu-se às colocações como o fenômeno das
afinidades lexicais e, de acordo com o autor, as ligações entre as palavras de uma colocação são geralmente
lexicais e não semânticas”, portanto, entendemos que as ligações de fato não são semânticas, porém são
sintagmáticas e convencionais. Orenha-Ottaiano afirma que são “rígidas pela convenção que lhes foi im-
posta para que, seus elementos possam se combinar”. 99
Sinclair (1991) elaborou dois princípios diferentes de interpretação, o princípio de escolha e o de
idioma (open choice e idiom principles). O princípio de escolha (open choice principle) vê a produção da linguagem
como uma série contínua de escolhas abertas que devem ser preenchidas por um léxico.
As colocações fazem parte do princípio do idioma (idiom principle), também conhecido como prin-
cípio colocacional (collocational principle), e significa que as palavras não ocorrem ao acaso em um texto e,
portanto, a escolha de uma palavra afeta a escolha das outras que seguem. Por exemplo, por que em inglês
prefere-se dizer pay a compliment (= fazer um elogio), e não make a compliment? Esses são exemplos que não
são aplicados a livre-escolha (Orenha-Ottaiano, 2004).
Smadja (1989 apud Orenha-Ottaiano, 2004, p.1) afirma que “muitas escolhas de palavras não tem
explicações sintáticas ou semânticas; elas são idiossincráticas”. Segundo Hausmann (1997, p.65) as colo-
cações são formadas pela contribuição de uma palavra autosemântica (base) com uma sinsemântica (colo-
cada), uma vez que a escolha da palavra sinsemântica está restringida pela palavra autosemântica.
A seguir a pesquisa apresentará algumas colocações do mundo homossexual encontradas no cor-
pus, exemplificada com a base tipologia apresentada por Orenha-Ottaiano (2004, p.33-34 e 2009, p.41-
42), à luz da proposta de Hausmann (1985).

Nominais
Substantivo (base) + Substantivo (colocado) = fag hater (odiar veados)
Substantivo (base) + preposição + Substantivo (colocado) = gay as blazes (fogo gay)
Adjetiva
Adjetivo (colocado) + Substantivo (base) = gay twist (toque gay)

Metodologia

Para o levantamento e análise das colocações, compilamos um corpus paralelo constituído pelas
transcrições das legendas em inglês e em português das cinco temporadas da série Queer as Folk, que retrata
as dificuldades e conquistas de cinco homens homossexuais. Seguindo a tipologia de corpus sugerida por
Berber Sardinha (2004) para a compilação será considerado alguns aspectos importantes, tais como: au-
tenticidade dos textos, propósito de pesquisa linguística, manuseio por computador e representatividade
de uma dada variedade.
Segundo Sinclair (2005), o corpus é uma coletânea de textos em certo idioma que esteja em formato
eletrônico. Especificamente, esses textos devem ser selecionados de acordos com critérios externos, ou
seja, critérios que nascem a partir das necessidades da pesquisa na qual o corpus será usado e que sejam
capazes de representar uma língua ou uma parcela de língua.
Para Berber Sardinha (2004) o corpus é um objeto criado com fins específicos de pesquisa e de
acordo com a sua extensão. O corpus desta pesquisa é considerando médio-grande, pois é composto por
81 episódios, totalizando 5.177.124 palavras.
Por meio do software WordSmith Tools (Scott, 2004), versão 5.0, foi salvo as transcrições dos episó-
dios do seriado em formato txt, o que permitiu o manuseio do corpus pelo referido software, no qual foi
realizado o levantamento das colocações. A ferramenta apresenta três recursos: WordList, KeyWords e Con-
cord. A WordList é utilizada para gerar listas de palavras a partir do corpus de estudo.
Uma vez coletado o corpus, de acordo com critérios rigorosos (detalhadamente apresentados em
Berber Sardinha, 2004), seus arquivos serão selecionados para a criação da lista. Na WordList são apresen-
tadas todas as palavras do corpus, individualmente, com suas frequências. São geradas duas listas: uma em
ordem alfabética e outra em ordem de frequência. 100
A segunda ferramenta, KeyWords, é usada para gerar listas de palavras-chave a partir da lista gerada
pela WordList. Para gerar as listas de palavras-chave, além da lista de palavras do corpus gerada pela
WordList, é preciso ter um corpus de referência. O corpus de referência deve ser de língua geral e prefe-
rencialmente cinco vezes maior que o corpus de estudo para garantir que as palavras-chave sejam real-
mente especificidades do corpus de estudo. As palavras-chave são aquelas que ocorrem com mais frequên-
cia, estatisticamente, no corpus de estudo do que no corpus de referência.
A terceira ferramenta é o Concord, que gera “concordâncias ou listagens de ocorrências de um item
específico chamado palavra de busca ou nódulo, que pode ser formado por uma ou mais palavras acom-
panhado do texto ao seu redor o cotexto” (Berber Sardinha, 2004). Também é possível analisar os colo-
cados, que são as palavras que coocorrem com o nódulo, e seus contextos.
Após a seleção das palavras-chave, o próximo passo foi o levantamento das colocações com o
auxilio da ferramenta Concord, por meio das abas concordance e collocates, que será exemplificando, com o
nódulo gay (homossexual).
Outras importantes ferramentas para análise e interpretação das colocações levantadas foram os
corpora de referência: British National Corpus (BNC), utilizado como referência para formarmos a lista de
palavras-chave (KeyWords); Corpus of Contemporary American English (COCA), empregado para compararmos
a frequência das colocações em inglês na língua em uso.

Levantamento das colocações

Por meio das 500 palavras-chave (KeyWords), disponibilizados pelo software WordSmith Tool 5.0, fo-
ram selecionados três nódulos que remetem ao léxico dos homossexuais, comumente empregadas pelo
referido grupo (fag, faggot e gay) na série em análise e que poderiam formar colocações da língua geral.
Conforme mencionado na metodologia, as linhas de concordância para o nódulo gay, geradas pela
ferramenta Concord, mostra que trata-se de uma palavra recorrente no corpus, com a frequência de 438. Por
meio dessa análise, notamos que gay tinha potencial para formação de colocações no corpus analisado.
Sendo assim, utilizamos a aba collocates da ferramenta Concord para identificar palavras que apareciam à
direita e a esquerda da palavra de busca; a partir das quais selecionamos aquelas pertencentes ao léxico do
grupo homossexual e candidatas a colocações.
Vale lembrar que as colocações para estes nódulos estão separadas por sua formação morfológica,
segundo classificação apresentada na Fundamentação Teórica, em que se destacam as colocações substan-
tivas: substantivo + substantivo, substantivo + preposição + substantivo e as colocações adjetivas: adjetivo
+ substantivo. Observamos também o equivalente da colocação em língua portuguesa, assim como exem-
plos extraídos do corpus em inglês e traduções para o português, baseadas nas legendas do corpus em portu-
guês por tratar-se de um corpus paralelo.

Quadro 1 – Colocação substantiva para o nódulo gay


Gay (substantivo) + Substantivo
Gayon-gay Ladrão gay
I'm starting to suspect gayon-gay crime. Estou começando a suspeitar de um ladrão gay.

Quadro 2 – Colocações adjetivas para o nódulo gay


Gay (adjetivo) + Substantivo 101
Gay twist Toque gay
Welcome to that quaint, heterosexual male tradition Bem-vindo a curiosa tradição heterossexual masculina conhe-
known as "the stag party", with a slightly gay twist. cida como “Despedida de Solteiro”. Com um leve toque gay.
Gay community Comunidade gay
It's once again all the rage, especially in the gay commu- Voltou a estar na moda. Principalmente na comunidade gay.
nity.
Gay rights Direitos dos gays
And I have fought for gay rights more than you have or E eu luto pelos direitos dos gays mais do que você luta ou
ever will. alguma vez lutou.
Gay club Clube gay
There’s been an explosion at Babylon, a local gay club. Houve uma explosão na Babylon, um clube gay local.
Gay people Pessoas gays
That's when gay people will find out. Quando os Gays descobrirem isso.
Gay player Jogador gay
Bottom line - a gay player is disruptive to a team. O balanço final é que um jogador gay desestrutura todo o time.
Gay fans Fãs gays
You can meet your gay fans, see what a role model and Conhecer seus fãs gays, ver o modelo real e inspiração que você
inspiration you've become. se tornou.
Gay minister Ministro gay
Every time I read about a gay minister being defrocked Cada vez que leio algo sobre um ministro gay que é obrigado
or a gay couple having their kids taken away from them, it a se demitir ou um casal gay que não pode adotar filhos, me
just fucking breaks my heart. parte o coração.
Gay couple Casal gay
A gay couple having their kids taken away from them. Um casal gay que não pode adotar filhos.
Gay-friendly Amigos gays
By having an event they might be perceived as gay- Posso ver que eles também conseguem persuadir nossos ami-
friendly. gos gays.
Gay mayor Casamento gay
Well, last time I heard, they had a gay mayor. A última coisa que ouvi é que eles tiveram um casamento gay.
Gay superheroes Super-heróis gays
Two gay superheroes getting married? Dois super-heróis gays que vão se casar.
Gay occasions Ocasiões gays
Art openings are Always such gay occasions. A estreia das exposições de arte são sempre ocasiões tão gays.
Gay son Filho gay
Justin Taylor, my beautiful gay son. Justin Taylor, meu lindo filho gay.
Gay marriage Casamento gay
It's not enough they can say no to gay marriage. Now Não foi o bastante o fato de terem dito "não" ao casamento
they're gonna go after everything? gay e agora eles querem lhe tirar tudo?
Gay imagery Desenvolvimento gay
I understand your concern but, right now, we're here to Entendo sua preocupação, mas neste momento estamos aqui
discuss gay imagery in mythology and history. para discutir o desenvolvimento Gay, História e Metodologia.
Gay cause Causa gay
Last thing I want to think about right now is another gay A última coisa que quero pensar agora
cause. é em outra causa gay.
Gay eunuch Gay estéreo13
It’s an honour to count among our close personal friends É uma honra apoiar meu amigo íntimo que se tornou o gay
television's latest gay eunuch. estéreo da televisão.
Gay crusader Guerreiro gay
My development people are going to shop it around, the Meu pessoal de desenvolvimento está tentando vendê-lo, um
gay crusader is too powerful to be defeated by some ass- guerreiro gay é muito poderoso para ser derrotado por alguns
hole who can't see beyond the box office. idiotas que não podem ver além das bilheterias.
102
Gay adoption Adoção gay
She took the first gay adoption case in Pennsylvania to Ela levou o primeiro caso de adoção gay, na Pensilvânia, até a
the state's supreme court, and won. - Yeah. suprema corte do estado, e ganhou. - Yeah.
Gay comic Gibi gay
Yeah, this is supposed to be a gay comic. Sim, é para ser um gibi gay.
Gay parents Pais gays
Gay parents have to be better than straight parents. Pais gays precisam ser melhores que pais héteros.
Gay street Rua gay
I work at a small gentleman’s haberdashery, on Liberty Eu trabalho em uma casa de artigos para homens na Avenida
Avenue. Oh, the gay street. Liberty. A rua gay.
Gay aesthetics Estética gay
It reflects the subject of the course I’m teaching: A survey O gibi reflete o tema da aula: uma pesquisa da estética gay na
of gay aesthetics in post-modern american art and liter- arte pós-moderna americana e literária.
ature.
Gay press Imprensa gay
I’ve invited members of the gay press. Convidei membros da imprensa gay.
Gay bowlers Jogadores gays
Let them get away with making fun of gay bowlers? Deixar que rissem dos jogadores gays?
Gay world Mundo gay
But you know, our guy’s gay. He lives in a gay world. He Porque nosso homem é gay. Vive em um mundo gay. Tem
has gay sex. sexo gay.
Gay bashing Preconceito gays
They don’t want to think about it. Or about gay bashing Eles não querem pensar nisso. Nem em preconceito gay ou
or Aids, or any of the other shit we all have to live with. Aids, ou nem nas coisas com as quais convivemos.
Gay studies Estudos gays
Hey, Michael. Uh, I teach gay studies at Carnegie Mellon. Olá, Michael. Leciono Estudos Gay no Carnegie Mellon.
Gay semiotics Semiótica gay
You have this incredible knowledge of gay semiotics you Você tem esse incrível conhecimento de semiótica gay e nem
don’t even realize. imagina.
Gay asshole Bicha imbecil14
They outhta give him their outstanding gay asshole Deviam lhe dar o prêmio de bicha imbecil.
award.
Gay advocate Defensor dos gays
The centre’s giving him their outstanding gay advocate Dizem aqui que ele receberá o prêmio de Defensor dos Gays.
award.
Gay homeless Desabrigados gays

13 Sugestão de tradução do autor.


14 Sugestão de tradução do autor.
He's, uh, doing some extra pro bono work at the gay Ele está fazendo um trabalho voluntário no abrigo para desa-
homeless shelter. brigados gays.
Gay issues Causas gays
Senator Bexter’s very supportive of gay issues. A senadora Bexter apoia causas gays, claro que gostariam.
Gay rag Destaque gay (jornal)
Anyone seen a certain hot little item in our local gay rag Já viram o destaque no jornal gay?
?
Gay thump-thump Vibração gay
Come on, you. Ah-h! Do you feel that gay thump- Venha. Sente a vibração gay?
thump? God, I missed that! Puxa, senti falta disso!
Gay cruise Cruzeiro gay
Talk about your gay cruise. There was this place behind Fale do seu cruzeiro gay. Havia esse lugar atrás da baía de mu- 103
the ammo bay where you could get a blow job any time, nição onde a gente poderia ter um boquete a qualquer hora, dia
day or night. ou noite.
Gay apartment Apartamento gay
If you must know, I am going back to my gay apartment, Se quer saber, vou voltar para o meu apartamento gay, tirar
taking off my gay clothes, and getting into may gay bed. minhas roupas gays, e deitar na minha cama gay.

Quadro 3 – Colocação substantiva para o nódulo gay


Gay (Substantivo) + preposição + Substantivo
Gay as blazes Fogo gay
Those people on “gay as blazes” do exist. Aquela gente de Fogo Gay existe de verdade.

Quadro 4 – Colocação substantiva para o nódulo fag


Fag (substantivo) + Substantivo
Stepford fag Bicha pra casar15
I'm a Stepford fag. Eu sou uma bicha pra casar.
Fag-hater Odeia veados
What more do you need? Someone who’s not a homo- De que mais precisa? De alguém que não seja homofóbico. Por
phobe. Because hem ade a couple of cracks? That doesn’t que ele disse algumas besteiras? Não significa que ele odeie ve-
mean he’s a fag-hater. ados.

Quadro 5 – Colocações adjetivas para o nódulo fag


Adjetivo + Fag (Substantivo)
Fag hag Líder gay
Nice to see you back on the job. As Liberty Avenue's lead- Bom vê-la de volta ao trabalho. Como a líder gay da Av.Li-
ing fag-hag? berty?
Goddamn fag Bicha maldita16
He's a fag like you said, a goddamn fag. Como você disse, ele é uma bicha maldito.

Godless fag Veado ateu


Tell them I’m a depraved monster. A godless fag, right, Diga-lhe que eu sou um monstro depravado. E um veado ateu.
mom ? Certo, mãe?
Professional fag Bicha profissional
I told you - I'm a professional football player, not a pro- Eu te disse, sou um jogador de futebol professional, não uma
fessional fag! bicha professional!
fag jokes Piadas de bichas

15 Sugestão de tradução do autor.


16 Sugestão de tradução do autor.
You know, just because you found a body on Liberty Av- Só porque você encontrou um corpo na Avenida Liberty não
enue, doesn’t give you the right to make fag jokes. tem o direito de fazer piadas sobre gays.

Quadro 6 – Colocações adjetivas para o nódulo faggot


Adjetivo + Faggot (Substantivo)
Silly faggot Bicha idiota17
Well, what about your apology for calling Melanie a cunt? Você não tem de se desculpar com Melanie, por tê-la chamado
I’ll apoligize for calling her a cunt when she apologizes for de cretina?
calling me a silly faggot. Só se ela se desculpar por ter me chamado de bicha idiota.
Brave faggot Viado corajoso
You stood beside your partner, no matter what anyone Você apoiou seu companheiro e independente do que os outros
said, and that makes you a very loyal, very brave faggot. digam isso o torna um viado corajoso e muito leal. 104
Fucking faggot Bicha de merda
Not before you suck on this, you fucking faggot. Não antes de você chupar aqui, sua bicha de merda.
Little faggot Bichinha
Oh, you fucking... dirty little faggot! Oh, você me paga... sua bichinha de rua!

Conclusão

O principal objetivo desse artigo foi produzir um levantamento de colocações do mundo homos-
sexual encontradas em nosso corpus de estudo. Dando prosseguimento essa pesquisa consiste na compi-
lação de um glossário bilíngue de colocações, na direção da tradução inglês/português e português/inglês,
com base no corpus paralelo bilíngue, constituído pelas transcrições das legendas em inglês e em português,
dos episódios do seriado Queer as Folk.
Este pode servir como fonte de pesquisa para estudantes, pesquisadores e interessados no estudo
de Linguística de Corpus e da Fraseologia e demais interessados no estudo das colocações do mundo ho-
mossexual. Visto que estas combinações usualmente não são encontradas em dicionários de língua geral.
A contribuição dos corpora linguísticos no âmbito de ensino de Língua Inglesa, principalmente no
que tange ao aprendizado de colocações dos gays, uma vez que proporcionam um acesso rápido a contex-
tos extremamente restritos da população geral e enriquecimento do léxico mental de pessoas interessadas
no léxico de tal grupo, permitindo a produção de enunciados mais precisos e coerentes, de modo que se
comuniquem e interajam com naturalidade.

Referências

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CONFERENCE, 2005. Proceedings... Birmingham, 2005. p. 14-17.
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Vale, O. A. (Orgs). Avanços da Linguística de Corpus no Brasil. São Paulo: Humanitas, 2008.
BERBER SARDINHA, T. Linguística de Corpus. São Paulo: Manole, 2004.
FIRTH, J. R. Papers in Linguistics 1934-1951.London: Oxford University Press, 1957.

17 Sugestão de tradução do autor.


HALLIDAY, M. A. K (1961), “Categories of the theory of grammar”, Word, 17, 241-292 in Koike, Kazumi
(2001)
HAUSMANN, F. J. (1997) O dicionário de colocacíons. Criterios de organización. In: Actas do I Coloquio
Galego de Fraseoloxía. Santiago de Compostela: Centro Ramón Piñeiro, p.63-81.
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ORENHA-OTTAIANO, A. Unidades fraseológicas especializadas: colocações e colocações estendidas em contratos sociais
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SÁNCHEZ, A., et al. (1995). Cumbre. Corpus Lingüístico del Español Contemporáneo. Fundamentos, Metod-
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SINCLAIR, J. Corpus and text: basic principles. In: Wynne, M. (Ed.). Developing linguistic corpora: a guide to
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SINCLAIR, J. Preface. Corpus Concordance Collocation. Oxford University Press. 1991.
SINCLAIR, J.M (1966), “Beginning the study of lexis” in Koike, Kazumi (2001).
ASTAROTH, DE STEFANO BENNI E AS ESPECIFICIDADES
DA TRADUÇÃO TEATRAL

Paula Albernaz Dias VIEIRA (UFMG)


Anna PALMA (UFMG)

106

Introdução

Stefano Benni é um escritor e dramaturgo italiano nascido em Bologna, em 1947. Seu primeiro
livro, Bar Sport, foi publicado em 1973 e trata-se de uma coletânea de contos. Desde então, o autor publicou
mais de 30 livros entre romances e outras coletâneas de contos, teatro e poesia. Ainda hoje Benni continua
a escrever em suas redes sociais e site pessoal e a publicar livros. Seu livro mais recente, Teatro 3, foi
publicado em novembro de 2017.
No entanto, apesar da sua vasta produção literária, e de ter sido finalista de importantes prêmios
literários, como o Premio Bancarella, Stefano Benni ainda é um autor pouco estudado e pouco conhecido
no Brasil. Seus livros foram traduzidos para línguas como inglês, francês e espanhol, todavia, é possível
encontrar somente uma tradução publicada em português: Terra! que foi publicada pela Ed. Marco Zero
em 1987 como Terra! Uma aventura, uma viagem, uma descoberta. Essa edição contudo está esgotada e não
consta nem mesmo no catálogo de grandes bibliotecas, e só pode ser encontrada em alguns sebos. Mais
recentemente, a novela “Alice”, do livro Grammatica di Dio foi traduzida em um artigo publicado pela
revista Entrepalavras (Almeida, 2012, p.188). Sendo assim, faz-se necessário traduzir textos do autor a fim
de propagar um grande nome da literatura italiana contemporânea não só no meio acadêmico mas também
fora dele.
Para este trabalho será apresentada uma versão inicial da tradução para o português de um trecho
de “Astaroth”, peça publicada pela Feltrinelli no livro Teatro, de 1999, e ainda inédita no Brasil. Trata-se
de um diabo, que dá nome à peça, que recebe os mortos em um acidente estradal e deve decidir o destino
de cada um dos mortos de acordo com o que fizeram em vida. Na peça, conceitos tradicionais céu e
inferno são subvertidos e bem e mal são colocados em segundo plano, enquanto aspectos como persona-
lidade e interesses de cada um deles ganham relevância no momento em que o protagonista define em
qual escada cada morto deve seguir, e, portanto, qual será o seu destino.

O texto teatral

Segundo Travaglia (2007), os objetivos de um texto, suas funções sociocomunicativas, condições


de produção, etc. são critérios usados para caracterizar um tipo específico de texto. Os gêneros teatrais,
ainda segundo Travaglia (2007, p. 57), são predominantemente representativos, ou seja, aquele que o re-
cebe terá a reprodução de uma determinada situação através da forma essencial do diálogo. O texto teatral,
portanto, apresenta particularidades que o distingue de outros tipos de textos literários, por se tratar de
um contexto de enunciação muito específico, uma vez que trata-se de um texto criado para ser encenado,
e não para ser lido silenciosamente. “A encenação (...) é o ato de colocar à vista, sincronicamente, todos
os sistemas significantes cuja interação é produtora de sentido para o expectador” (PAVIS, 2008, p.21).
Isso significa que, em um texto encenado, além das palavras, outros elementos ganham relevância como
cenário, figurino, trilha sonora e o próprio ambiente onde a peça é representada. Uma peça representada
ao ar livre, por exemplo, tem um impacto diferente daquela representada em um grande teatro tradicional.
Todos esses elementos, quando somados produzem um sentido que o texto escrito por si só não seria
capaz de alcançar e sobra pouco espaço para a imaginação daquele que terá diante de si os componentes
que transcendem o texto.
Cabe aqui lembrar, que, tratando-se de uma peça teatral, o receptor do texto não será um leitor,
mas um espectador que deve alcançar o sentido desse todo. Se por um lado, esse espectador tem diante
de si muito mais do que palavras, isso não significa que a compreensão da mensagem será automática e 107
facilitada. Como bem explica Osimo,

“é bom procurar ter uma concepção do público não desequilibrada demais em


nenhum sentido: nem considerado composto por seres mentalmente preguiçosos e cul-
turalmente debilitados, nem exagerar dando a eles trabalho demais, porque é necessário
levar em consideração as urgente limitações temporais (no teatro nem mesmo o especta-
dor muito disponível tem o tempo material para consultar eventuais metatextos.”
(OSIMO, 1998, p. 194, tradução nossa)18

Pavis lembra que o texto teatral é um “(...) texto proferido pelo ator, num tempo e lugar concretos
dirigido a um público que o recebe no fundo de um texto e de uma encenação” (PAVIS, 2008, p. 124). O
tempo e lugar concretos do teatro farão com quem outros elementos, que não sejam a peça por si só,
disputem a atenção do espectador. O espectador não pode escolher, por exemplo, quando e onde vai
assistir a peça, mas deve ir a um lugar pré-determinado, escolhido para aquele fim, em uma hora também
definida anteriormente. Além disso, questões pessoais do indivíduo, como preocupações de qualquer na-
tureza, ruídos externos, incômodos físicos ou até mesmo a vibração do celular, por exemplo, contribuem
para dissipar a concentração do espectador e, como consequência, podem dificultar não somente a com-
preensão de trechos do texto mas até mesmo do espetáculo em geral, uma vez que não há pausas ou a
possibilidade de repetição de determinada cena. Mesmo que uma mesma peça seja representada pelos
mesmos atores, nas mesmas condições, mais de uma vez, não significa que o espetáculo será exatamente
igual, de modo que cada momento torna-se único.
Se por um lado busca-se minimizar a influência de elementos externos à peça que causam estra-
nhamento ao leitor ou, mais precisamente, ao espectador, em relação ao texto, ao mesmo tempo é neces-
sário dosar o distanciamento a ser feito do texto original, uma vez que tal afastamento em maior ou menor
grau é inevitável em um processo de tradução e encenação. No entanto, isso não significa que a aceitabi-
lidade e recepção do espectador devem ser completamente ignoradas.
Sendo assim, a construção da peça deve levar em consideração e dosar todos esses aspectos a fim
de torná-la mais compreensível e de ser capaz de captar a atenção do espectador. Isso não significa que a
capacidade de entendimento do espectador deva ser subestimada, mas, por se tratar de uma experiência
única, algumas adaptações devem ser feitas para que o texto seja inteligível. Dessa maneira, “[...] as omis-
sões aparentemente inócuas, as inexatidões e as impropriedades lexicais, a fraqueza ou excesso de tom

18 “[...] è bene cercare di avere una concezione del pubblico non troppo sbilanciata in nessun senso: né considerarlo composto
da esseri mentalmente pigri e culturalmente debilitati, né esagerare dando loro troppo lavoro da fare, poiché bisogna tenere
presenti le pressanti limitazioni temporali (a teatro nemmeno lo spettatore molto disponibilie ha il tempo materiale necessario
di consultare eventuali metatesti).” (OSIMO, 1998, p. 194)
repercutem em vazios cênicos, em ‘buracos’ nesse ou naquele personagem [...] em desequilíbrio de com-
portamento recíproco entre um personagem e outro” (Luzi, 1990 apud OSIMO, 1998, p. 192, tradução
nossa).19 Em textos literários, além da possibilidade de recuperação de informações, uma vez que no caso
de não compreensão o leitor pode reler o trecho ou pesquisar informações que lhe faltam, essas inexatidões
são eliminadas por meio de explicações que frequentemente acabam por ser suprimidas em uma peça
teatral de modo que, mesmo com a presença dos elementos não verbais, o sentido pode ficar incompleto
ou inadequado.

Tradução teatral

O processo de tradução teatral deve levar em consideração todas as particularidades do texto teatral 108
em si, uma vez que trata-se de um “texto escrito para ser encenado por muitos e para muitos” (MELLO
et al. 2016, p.4). Além disso, o tradutor não pode ignorar o fato de que a realização plena do texto se dará
em cena e, portanto, deve zelar pela manutenção da diversidade dos códigos linguísticos do texto teatral
original para que a tradução mantenha sua funcionalidade.

“O tradutor de teatro é aquele que, acima de tudo, visa a tradução teatral como
uma atividade do discurso que só se realiza, plenamente, em cena. [...] O tradutor precisa
agir como profissional ligado à realização da peça, e deixar de lado a posição confortável
de um meio no qual está acostumado a trabalhar: o textro escrito para ser lido” (MELLO
et al. 2016, p.5)

Em vista disso, o processo de tradução teatral não deveria ser feito somente em uma etapa na qual
a palavra escrita é protagonista. A tradução textual deveria ser na verdade, apenas um primeiro passo desse
processo, uma vez que “Na tradução teatral que se associa à representação cênica surgem também as
variantes de tradução, que se apresentam como etapas intermédias do processo, situadas na passagem do
texto escrito para o texto dito” (ZURBACH, 2007, p.20). Mello et al. (2016) sugere que para a tradução
teatral seria ideal fazer um trabalho colaborativo que contasse com pesquisadores e tradutores que realizem
o processo tradicional de tradução interlingual, e com profissionais do campo dramático como atores e
dramaturgos que se encarreguem dos aspectos cênicos.
Dentre esses aspectos, devem ser levados em conta a fluidez do texto e seu ritmo que estabelecerão
a comunicação com o público e o processo de construção do sentido no discurso. Nesse processo, consi-
dera-se até mesmo a facilidade de pronúncia e os sons das palavras que são parte fundamental desse pro-
cesso de fluidez. A fluidez da linguagem torna-se aspecto chave da tradução, uma vez que o texto teatral
imita a linguagem falada (Currás-Móstoles, Candel-Mora, 2011). Para isso, como etapa posterior à tradução
interlingual do texto dramático, seria adequado contar com a equipe citada para fazer uma leitura em voz
alta do texto, a fim de detectar termos incompreensíveis, de difícil articulação, repetições desnecessárias
etc. para que sejam feitas as modificações iniciais. Contudo, a versão final ideal da tradução dramatúrgica
só se daria após o contato com o público e posterior análise.

19 “[...] le omissioni apparentemente innocue, le inesatezze e le improprietà lessicali, la fiachezza o l’eccesso di tono si
ripercuotono in vuoti scenici, in <<buchi>> su questo o quel personaggio [...] in squilibri di comportamento reciproco tra un
personaggio e l’altro.” (Luzi, 1990 apud OSIMO, 1998, p. 192)
Proposta de tradução: “Astaroth”

A tradução de Astaroth, que ainda não se encontra em sua versão definitiva contou em um pri-
meiro momento com um estudo aprofundado do texto. Tal estudo foi feito tanto no nível do enredo em
si quanto em relação à linguagem utilizada, a fim de tentar transportar para a tradução o máximo possível
da essência do texto original, mantendo os traços da escrita do autor.
Uma vez que a proposta de tradução aqui apresentada limita-se ao monólogo inicial do protago-
nista Astaroth, cabe lembrar que trata-se de um “anjo-diabo”, como definido por Benni. Seu nome per-
manece igual em várias línguas e estudos feitos de modo que também aqui será mantido inalterado. No
entanto, embora seja mencionado em versões gregas e latinas da Bíblia, suas definições são múltiplas o
que torna uma criatura cercada de mistérios. Em boa parte dos estudos, é citado como um demônio de 109
primeira hierarquia, no entanto, autores como Manfred Lurker (1993) afirmam que seu nome seria, na
verdade, o plural de Asthoreth, usado para se referir a um coletivo de divindades femininas. Seguindo essa
mesma linha, Nogueira coloca Astaroth (Ashtoreth) como “deusa lunar cultuada na Mesopotâmia com o
nome de Ishtar” (NOGUEIRA, 2000, p.18). Cousté, por sua vez, declara que Astaroth “afirma ter sido
condenado injustamente à sua situação. (...) Sua expectante posição nos infernos provém do cargo de
tesoureiro-geral, e é tal condição que o faz recomendável como protetor dos banqueiros, homens de ne-
gócios e financistas” (COUSTÉ, 1996, p. 257). O autor coloca ainda a existência de Astartéia, que seria
mulher de Astaroth.
No que diz respeito à sua linguagem, Astaroth é irreverente e irônico empregando inclusive termos
vulgares e de baixo calão. Por outro lado, demonstra ser culto, tanto pelas referências a personagens e
fatos históricos que faz ao longo da peça, quanto pelas construções sintáticas e vocábulos. Esse linguajar,
ainda que pouco marcado no trecho selecionado da peça, foi mantido sem nenhum juízo de valor a fim
de preservar a natureza do protagonista e o estilo de escrita do autor. Assim, por se tratarem de expressões
idiomáticas, nem todos os termos foram traduzidos literalmente, mas alguns foram modificados a fim de
manter as nuances de uso e significado do italiano também na língua alvo. Em relação ao uso de maiúscu-
las, minúsculas e da pontuação, a tradução propõe uma aproximação com o texto de Benni, de modo a,
também nesse aspecto, preservar ao máximo o estilo do autor.
A tradução de Astaroth ainda está em curso, de modo que a tradução aqui apresentada não neces-
sariamente será a versão final. São apresentadas aqui duas versões de tradução. A primeira delas é basica-
mente interlingual. A segunda versão, posterior à primeira, contém modificações que serão comentadas
ao final baseadas nos princípios já apresentados. Tais alterações foram feitas após leituras em voz alta da
primeira vez e ainda não foi possível realizar leituras do texto com atores ou profissionais do teatro, assim
como defende Osimo: “Para bem traduzir qualquer texto o ideal seria fazer a leitura da própria versão no
teatro, diante de um público: o espírito autocrítico do tradutor deste modo seria grandemente ampliado”
(OSIMO, 1998, p.193, tradução nossa).20 Os trechos que serão comentados estão sublinhados e, uma vez
que há diferenças de tamanho entre as três versões, para os comentários será usada como referência a
numeração das linhas da versão original, em italiano.

Linha Original 1ª Versão 2ª Versão


1 Astaroth Astaroth Astaroth
2
3

20“Per ben tradurre qualsiasi testo l’ideale sarebbe farsi leggere la propria versione a teatro, davanti a un pubblico: lo spirito
autocritico del traduttore in questo modo verrebbe grandemente amplificato.” (OSIMO, 1998, p.193)
4 (Su una roccia nera, tra (Sobre uma rocha negra, (Sobre uma rocha negra,
5 fumo e luce rossastra, sta entre fumaça e luz aver- entre fumaça e luz aver-
6 Astaroth, un diavolo- melhada, está Astaroth, melhada, está Astaroth,
7 angelo dalle lunghe ali um diabo-anjo de longas um diabo-anjo de longas
8 grigie, e guarda in giù asas cinzas, e olha para asas cinzas, e olha para
9 con fare pensoso. Vicino baixo com ar pensativo. baixo com ar pensativo.
10 a lui, un albero Perto dele, uma árvore Perto dele, uma árvore
11 scheletrito, dai cui rami esquelética, de cujos ra- esquelética, de cujos ra-
12 pendono orologi da mos pendem relógios de mos pendem relógios de
13 polso. A sinistra, una pulso. À esquerda, uma pulso. À esquerda, uma
14 scala porta verso l'alto. escada leva para o alto. escada leva para o alto.
15 Da destra, sale una Da direita sobe uma es- Da direita sobe uma es- 110
16 scala.) cada.) cada.)
17
18 ASTAROTH ASTAROTH ASTAROTH
19 Un altro giorno Um outro dia sem Um outro dia sem
20 senza sole e senza sol e sem lua, sem a sol e sem lua, sem a
21 luna, senza il colore cor de uma estação, cor de uma estação,
22 di una stagione, sem neve e sem gri- sem neve e sem gri-
23 senza neve e senza los, só fumaça e cin- los, só fumaça e cin-
24 grilli, solo fumo e zas, e uma estrada de zas, e uma estrada de
25 cenere, e una strada pedra da qual eu sou pedra da qual eu sou
26 di pietra di cui io um degrau. Em- um degrau. Em-
27 sono uno scalino. baixo, lá embaixo baixo, lá embaixo
28 Sotto, laggiù, (indica (aponta para baixo, (aponta para baixo,
29 in basso, la terra) un para a terra) um con- para a terra) um en-
30 ingorgo di anime gestionamento de al- garrafamento de al-
31 affaticate e stanche, mas exaustas e can- mas exaustas e can-
32 e poi una stretta sadas, e então uma sadas, e então uma
33 porta, e dietro estreita porta, e atrás porta estreita, e atrás
34 questa un nuovo dela um novo con- dela um novo engar-
35 ingorgo di pena che gestionamento de rafamento de penas
36 li attende. E io, penas que as espera. que as espera. E eu,
37 Astaroth, da mille E eu, Astaroth, há Astaroth, há mil
38 anni sto qua e mil anos estou aqui e anos estou aqui e
39 giudico. E sono julgo. E estou can- julgo. E estou can-
40 stanco di questo. Ma sado disso. Mas jul- sado disso. Mas jul-
41 giudicare e dare gar e dar prêmios e gar e dar prêmios e
42 premi e salvazioni e salvações e conde- salvações e conde-
43 condanne e roghi nações e fogueiras nações e fogueiras
44 sembra essere il parece ser o motivo parece ser o motivo
45 motivo perché tutto pelo qual tudo isso porque tudo isso foi
46 questo è stato fatto, foi feito, céus incul- feito, céus inocentes
47 cieli incolpevoli e pados e puros lá em e puros lá em cima e
48 puri lassù e palude cima e pântano con- pântano condenado
49 dannata quaggiù, e il denado aqui em- aqui embaixo, e o
50 gran formicaio sulla baixo, e o grande grande formigueiro
51 terra che pensa a noi formigueiro na terra na terra que pensa
52 confuso, sento i loro que pensa em nós em nós confuso, es-
53 pensieri riempire confuso, escuto os cuto os pensamen-
54 l'aria e raggiungerci: seus pensamentos tos deles encherem
55 “ci sarà qualcosa encherem o ar e nos o ar e nos alcança-
56 lassù?”, “sarà simile alcançarem: ‘haverá rem: ‘será que tem
57 a noi?", “sarà meglio alguma coisa lá em alguma coisa lá em
58 di noi?”, “e cosa ci cima?’, ‘será pare- cima?’, ‘será pare-
59 sarà dopo?”... cido com a gente?’, cido com a gente?’,
60 Quanto dolore ha ‘será melhor que ‘será melhor que
61 causato inventare nós?’, ‘e o que ha- nós?’, ‘e o que será
62 questo sguardo che verá depois?’... que tem depois?’...
63 vi sovrasta. Quanto Quanta dor causou Quanta dor causou
64 “domani” ha ucciso invertar este olhar invertar este olhar
65 quel “dopo”. que vos domina. que lhes domina.
66 Quanta noia e Quanto “amanhã” Quanto “amanhã” 111
67 inutilità e delitti e matou aquele “de- matou aquele “de-
68 rinunce prima, pois”. Quanto tédio pois”. Quanto tédio
69 aspettando un e inutilidade e deli- e inutilidade e deli-
70 "dopo" che metta tos e renúncias an- tos e renúncias an-
71 tutto in fila, che dia a tes, esperando um tes, esperando um
72 tutti un senso, alunni “depois” que colo- “depois” que colo-
73 di una scuola que tudo em fila, que que tudo em fila, que
74 miserabile che la dê a todos um sen- dê a todos um sen-
75 maestra libera di tido, alunos de uma tido, alunos de uma
76 colpo in una strada escola miserável que escola miserável que
77 oscura dopo averli a professora libera a professora libera
78 non confortati ma de repente em uma de repente em uma
79 spaventati e estrada obscura de- estrada obscura de-
80 torturati. (vede il pois de os haver não pois de os haver não
81 pubblico, lo indica con confortado mas as- confortado mas as-
82 un dito adunco) Oh, sustado e torturado. sustado e torturado.
83 clienti miei, non vi (vê o público, o indica (vê o público, o indica
84 spaventate, noi com um dedo curvo) com um dedo curvo)
85 vecchi diavoli siamo Oh, clientes meus, Oh, clientes meus,
86 così. E’ il nostro não se assustem, nós não se assustem, nós
87 lavoro, borbottiamo velhos diabos somos velhos diabos somos
88 di scenari oscuri e assim. É o nosso tra- assim. É o nosso tra-
89 minacciamo balho, resmunga- balho, resmunga-
90 tormenti ma fa parte mos sobre cenários mos sobre cenários
91 della sinfonia, c'è chi obscuros e ameaça- obscuros e ameaça-
92 promette salvezze e mos tormentos mas mos tormentos mas
93 chi l'abisso, anche faz parte da sinfonia, faz parte da sinfonia,
94 sulla terra ci sono i há quem promet sal- tem quem promete
95 profeti di sventure vações e quem abis- salvações e quem
96 ma anche la fortuna, mos, mesmo na abismos, mesmo na
97 il destino, il gioco terra há profetas de terra há profetas de
98 del lotto e le desventuras mas desventuras mas
99 medicine miracolose também a sorte, o também a sorte, o
100 e il buon governo e destino, o jogo da destino, o jogo da
101 l'amore eterno, ah, loto e os remédios loto e os remédios
102 come vi piace milagrosos e o bom milagrosos e o bom
103 quest'aggettivo, governo e o amor governo e o amor
104 “eterno”, come si eterno, ah, como vos eterno, ah, como
105 vede che conoscete agrada esse adjetivo,
106 un tempo piccolo, “eterno”, como se lhes agrada esse ad-
107 non la misura vê que vocês conhe- jetivo, “eterno”,
108 tremenda di questa cem um tempo pe- como se vê que vo-
109 parola, “eternità”. queno, não a medida cês conhecem um
110 Non credete a chi tremenda desta pala- tempo pequeno, não
111 vuole vendervela, vra, “eternidade”. a medida tremenda
112 non è merce da Não acreditem em desta palavra, “eter-
113 baratto o piccoli quem quer vendê-la, nidade”. Não acredi-
114 traffici. Non pensate não é mercadoria de tem em quem quer
115 troppo all’ eternità, permuta ou peque- vendê-la, não é mer-
116 accontentatevi di un nos tráficos. Não cadoria de permuta
117 risveglio ogni pensem demais na ou pequenos tráfi- 112
118 mattina. eternidade, conten- cos. Não pensem
119 tem-vos de acordar demais na eterni-
120 cada manhã. dade, contentem-se
121 de acordar cada ma-
122 nhã.
123
124

Inicialmente, cabe destaque a ser feito na apresentação das propostas de tradução trata das
didascálias, que estão indicadas em itálico entre parênteses. Por tratarem-se de indicações cênicas, como
cenário e gestos feitos pelos personagens, a preocupação maior é com a clareza para o ator, diretor e todos
aqueles que participam da construção da cena. Uma vez que tais palavras não serão levadas ao público,
aqui não cabe uma avaliação a respeito de fluidez do texto, por exemplo, mas tão somente de entendimento
para os que participam da elaboração da peça. Baseando nisso, a tradução das didascálias foi mantida igual
nas duas versões, por considerar que encontravam-se suficientemente claras.
Além disso, no trecho em questão, não haviam expressões idiomáticas ou gírias, o que reduziu a
distância entre as duas versões apresentadas. As poucas particularidades de uso de termos ou tempos
verbais será destacada mais adiante.
A primeira palavra a ser evidenciada, portanto, é strada, presente na linha 24. Normalmente é tra-
duzida nos dicionários bilíngues como “rua” ou “estrada” e, embora haja diferença de significado em
português, uma vez que normalmente usa-se “estrada” para referir-se a trechos intermunicipais, tal dife-
rença não é significativa para a peça. Sendo assim, foi feita a opção de manter o termo “estrada” pela
semelhança fonética com a palavra italiana.
Nas linhas 31 e 32, a expressão stretta porta foi traduzida em um primeiro momento como “estreita
porta”. Por um lado, em italiano, assim como em português, sintaticamente os substantivos normalmente
precedem os adjetivos, ao contrário do que acontece nesse trecho. Por esse motivo, em um primeiro
momento, a ordem das palavras foi mantida tal qual estava no texto original. Todavia, a leitura em voz
alto revelou que a mudança na ordem dos termos traria em português um alto nível de artificialidade,
inadequada ao contexto. Dessa maneira, ainda que afastando do texto original, a opção feita foi a de trocar
a ordem dos termos para “porta estreita”.
A palavra ingorgo, por sua vez, aparece duas vezes no trecho selecionado: nas linhas 29 e 34. Dentre
as traduções possíveis, na primeira versão, a escolhida foi “congestionamento”. No entanto, para manter
o som oclusivo velar dos dois “g” de ingorgo, foi feita a mudança para “engarrafamento”. Também neste
caso, em que ambas as palavras são sinônimos, não haveria qualquer mudança de significado no texto, e a
escolha aqui foi feita a partir de uma questão fonética que aproxima a tradução do texto em italiano.
Também na linha 44, em que aparece a palavra perché, a mudança na tradução de “pelo qual” para “porque”
foi motivada pela aproximação fonética com o texto original.
Logo em seguida, na linha 46, encontra-se a palavra incolpevoli. Nesse caso, o caminho trilhado na
tradução foi o oposto dos últimos casos. Inicialmente, foi escolhida a palavra “inculpados” para ocupar
esse lugar. No entanto, a palavra em português é pouco usada e faz parte de um registro mais alto em
relação à palavra italiana, o que fez com que seu uso se tornasse inadequado. Por essa razão, ainda que
haja distanciamento fonético, na segunda versão da tradução, a palavra “inculpados” foi substituída por
“inocentes”, de significado semelhante.
Já nas linhas 54, 57 e 58 uma outra expressão se repete: ci sará. Trata-se do futuro indicativo do
verbo esserci, que tem o sentido de “existir”. O futuro, nesse caso, foi usado como sinal de incerteza, de
dúvida. Em português, para expressar essa mesma ideia, poderia ser usado o verbo “haver”, sempre no 113
futuro. Todavia, aqui também haveria um problema de registro, uma vez que o verbo “haver” revela um
registro muito mais alto do que o esserci do italiano. Embora a substituição de “haver” por “ter” pudesse
solucionar a questão do registro, para a segunda versão da tradução foi feita a opção pelo uso de uma
expressão muito difundida no português coloquial e que expressa a mesma ideia de incerteza: “será que”.
O uso de tal expressão tem a dupla vantagem de manter a informalidade característica da fala de Astaroth
e ainda aproximar foneticamente do italiano.
Outro exemplo da presença do verbo esserci se dá na linha 90. Embora o verbo mantenha sempre
o seu sentido de existência, aqui não mais trata-se de uma incerteza. Ainda assim, o raciocínio foi o mesmo
anterior: trazer um registro que torne a fala do anjo-diabo mais coloquial, de modo que a escolha final foi
a do verbo “ter” e não “haver”. Ainda pensando na questão do registro, nas linhas 62 e 101, notamos a
presença do pronome vi (voi). No português, o pronome correspondente seria “vos (vós)” que, no entanto,
é pouquíssimo usado na língua falada, ao contrário do uso corrente do italiano. O uso do pronome pessoal
“vós”, apesar de ser muito frequente na linguagem religiosa, pareceu inadequado pois cria a sensação de
distanciamento, possivelmente por questões hierárquicas, de Astaroth em relação às pessoas. Contudo,
apesar de Astaroth ter o poder de decisão sobre o destino pós-morte dessas pessoas, ao longo da peça
nota-se que não há esse afastamento, de modo que o uso do pronome “você” e de seu correspondente
“lhe” pareceu mais adequado em detrimento de “vós” e “vos”.
Por fim, em mais um caso envolvendo os pronomes, pode-se citar a tradução do trecho das linhas
103 a 105. Nesse caso, é importante ressaltar que, em italiano, os pronomes pessoais são frequentemente
omitidos, uma vez que a forma verbal indica por si só a qual pessoa se refere. Se em português em teoria
acontece algo semelhante, na prática, com os pronomes de tratamento, a situação muda. Acontece que
esses pronomes são acompanhados por verbos na terceira pessoa singular, o que dá margem para confusão
no caso de sua omissão. Em face disso, em trechos como o citado, foi necessário acrescentar um pronome
para evitar ambiguidades que prejudicariam a compreensão da peça. Nesse caso específico, foi escolhido
o pronome “vocês”, em coerência com a escolha anterior de não utilizar o pronome “vós”.

Considerações finais

Sabendo da importância literária de Stefano Benni em seu país de origem, a Itália, e da extensão
de sua produção literária, faz-se necessário traduzir mais obras do autor para o português, a fim de que os
leitores brasileiros também possam entrar em contato com suas composições, sejam elas teatrais ou não.
No entanto, mais do que a simples transposição de palavras de uma língua para a outra, é necessário que
o processo de tradução seja feito a partir de um embasamento teórico e de reflexões do tradutor ao longo
de todo o desenvolvimento do trabalho, mesmo que o resultado final da atividade de tradução não seja
direcionado para um público acadêmico.
Ainda que a tradução e, mais especificamente, a tradução teatral seja permeada por desafios, uma
vez que o texto dramático é feito para ser encenado e não apenas lido silenciosamente, somente o estudo
e entendimento mais profundo desse trabalho e de todas as suas particularidades poderão levar ao aper-
feiçoamento do processo para que o público receba uma obra inteligível, de qualidade e que mantenha a
essência trazida pelo autor em seu texto original. Esse público não deve ser subestimado, mas não deve
carregar consigo toda a responsabilidade de construção do sentido da peça a partir de seus elementos
extratextuais.
O tradutor, ao fazer um trabalho de tal natureza deve estar consciente de suas escolhas tradutórias
para que o texto seja uniforme, mas, acima de tudo, coerente. Além disso, deve levar em consideração 114
outros aspectos que não sejam somente o texto em si, mas que farão parte da construção da cena. Todos
esses elementos, quando colocados juntos, possibilitarão ao espectador, que se fará presente em um lugar
e tempo específico e limitado, compreender o espetáculo que terá diante de si.

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DEIXA O CORPUS FALAR – ESTUDO DAS CORES
NA TRADUÇÃO DE OS BUDDENBROOK

Carolina Ribeiro MINCHIN (USP)

O primeiro romance de Thomas Mann (1875 – 1955), intitulado Buddenbrooks: Verfall einer Familie 116
e lançado em 1901, “consagrou a fama do jovem escritor, concedeu-lhe o prêmio Nobel em 1929 e é, até
hoje, seu livro mais popular, particularmente na Alemanha, com vendas de mais de 5 milhões de exempla-
res, quatro adaptações para o cinema e traduções em 42 línguas” (GALLE, 2016, p. 681). Como afirma
Galle (ibidem), o livro de estreia do autor alemão já foi objeto de incontáveis pesquisas, a partir dos mais
diversos prismas. Um aspecto relativamente pouco explorado desta obra específica é, no entanto, a pre-
sença das cores, que aparecem com frequência ao longo do enredo. As autoras Kurnickiené e Šapaliené
(2001), que analisaram, sob um viés morfológico e semântico, os substantivos e adjetivos formados a partir
de denominações de cores, encontraram 827 ocorrências para as oito cores contempladas no estudo: ver-
melho (rot), branco (weiß), preto (schwarz), azul (blau), cinza (grau), marrom (braun), amarelo (gelb) e verde
(grün). Já segundo o levantamento de Schumann (2013, p. 15), há no romance mais de 1.200 ocorrências
de palavras e expressões com cores.
Visto que um dos princípios da linguística de corpus, formulados por Sinclair (1991), é o de que
“características particularmente frequentes são significativas para a estrutura do discurso e para o signifi-
cado dos dados”, o objetivo deste artigo é apresentar um breve estudo comparativo das três cores de maior
chavicidade no romance alemão Buddenbrooks: Verfall einer Familie (1909) e na sua tradução para o portu-
guês. Para tal, recorremos à estilística de corpus, abordagem metodológica que consiste em utilizar ferra-
mentas da linguística de corpus como apoio à análise estilística de obras literárias.
A discussão que pretendemos iniciar gira em torno das possibilidades oferecidas pela linguística de
corpus para o trabalho com textos traduzidos, não somente de uma perspectiva estritamente linguística, mas
também dos estudos literários. Além disso, a comunicação que serve de base ao presente artigo foi apre-
sentada na sessão do congresso que levava o nome “Práticas profissionais de tradução”, de modo que a
análise aqui proposta também tem como objetivo elucidar e dar visibilidade ao trabalho do tradutor pro-
fissional, em especial considerando-se a relevância de Herbert Caro, até hoje considerado uma referência
na área e cujas traduções continuam sendo reeditadas por grandes editoras, incluindo a tradução d’Os
Buddenbrook, que foi reeditada diversas vezes desde a sua publicação original na década de 40, inclusive
para uma edição especial lançada em 2016, pela Companhia das Letras.
Judeu, nascido em Berlim e exilado no Brasil em 1933 para escapar à perseguição nazista, Herbert
Caro não demorou a se inserir no cenário cultural e literário brasileiro. Em 1939, começou a trabalhar na
célebre Sala dos Tradutores da Livraria do Globo, em Porto Alegre, ao lado de personalidades influentes,
como Erico Verissimo e Mário Quintana (cf. CANDELORO, 1995). Em um intervalo de apenas cinco
anos desde a sua chegada ao Brasil, Caro conseguiu dominar a língua portuguesa suficientemente bem para
enfrentar o desafio de traduzir, também para a Livraria do Globo, as mais de setecentas páginas de Budden-
brooks, de Thomas Mann. Não obstante o cenário político desfavorável, em meio à ditadura varguista (cf.
MINCHIN, 2017), sua tradução, publicada em 1942, sob o título Os Buddenbrook: decadência duma família,
resulta em um grande sucesso de crítica e de público, alçando Thomas Mann ao estatuto de autor canônico
também no Brasil (cf. THIMANN, 1989, p. 101).
O livro traduzido por Caro narra a história da decadência que assola uma família de comerciantes
do norte da Alemanha, ao longo de quatro gerações, ao final do século XIX. De acordo com Galle (2016,
p. 684), devido à influência das tendências naturalistas que se manifestavam na literatura europeia da época,
está presente no romance uma espécie de “determinismo biológico que prevalece sobre o destino dos
indivíduos e da família, conduzindo-os a uma decadência incontornável”. Isso se vê mais claramente no
uso que Thomas Mann faz dos chamados leitmotive, que se tornariam uma marca registrada de seu estilo:

[...] o autor fez questão, sobretudo, de aplicar à narrativa a técnica composicional de


Wagner, o leitmotiv. Isso nem era uma novidade absoluta: o motivo recorrente é um 117
recurso estilístico específico desde a Antiguidade (o epíteto de Homero) e o leitmotiv no
sentido mais estrito – a repetição de uma certa palavra ou sintagma – encontra-se também
em Ibsen, Kieland e outros autores da época. Para Mann, porém, esse recurso – junto
com a ironia – iria ser o elemento distintivo que ele cultivaria em toda sua obra (GALLE,
2016, p. 686).

Um conhecido leitmotiv em Buddenbrooks apresenta-se nas frequentes menções aos dentes das per-
sonagens. Thomas Buddenbrook, por exemplo, cujos “dentes, pequenos e amarelados, não eram lá muito
bonitos” (MANN, 1942, p. 16), acaba por morrer devido a problemas dentários, e é com a sua morte que
se inicia o declínio financeiro que levará à falência da empresa que por tantos anos trouxe prosperidade e
renome à família Buddenbrook. A decadência anunciada pela dentição de Thomas se agrava na figura de
seu filho, Hanno, de saúde frágil e dentes que “em todos os tempos, haviam sido a causa de várias pertur-
bações e moléstias dolorosas” (MANN, 1942, p. 441-2). Não por acaso, é com a morte de Hanno, que
definha precocemente devido à sua falta de tino para os negócios e à inclinação quase que doentia para a
música, que enfim se consuma a fatídica ruína da dinastia da família de comerciantes de Lübeck.
Em seu estudo sobre as cores na obra de Thomas Mann, Carina Schumann afirma que as cores
desempenham um papel frequentemente subestimado na construção dos enredos, a saber, desde os seus
escritos mais incipientes. De acordo com a autora, embora a maioria dos estudiosos reconheça o “caráter
referencial” das cores nas diferentes obras, não se vai muito além dessa constatação. Por isso, diz Schu-
mann:

[...] a utilização das cores deve ser vista como um importante leitmotiv, que merece mais
atenção do que a que lhe foi dada até agora. Por meio da simbologia das cores, são for-
necidas indicações, ora claras, ora sutis, a respeito de traços de caráter das personagens,
de sua função e de outros acontecimentos do romance. Com isso, essa simbologia subs-
titui uma intervenção mais clara do narrador, na medida em que o leitor se torna famili-
arizado, subliminarmente, com a representação de lugares, pessoas e situações (2013, p.
8, tradução e grifo meus).

A hipótese defendida por Schumann é, portanto, a de que as cores funcionam, em Buddenbrooks,


como leitmotive. Segundo a autora, um dos exemplos desse recurso estilístico no romance é a caracterização
de Bendix Grünlich, que se casa, por interesse, com a jovem Antonie (Tony) Buddenbrook, uma união
que culmina em um divórcio escandaloso e representa a primeira mácula à reputação da renomada família.
Uma das características físicas da personagem masculina, frequentemente reiterada pelo narrador, são suas
“suíças amareladas”, que, de acordo com o levantamento de Schumann, são mencionadas 14 vezes ao
longo do enredo, tornando-se assim “um dos leitmotive mais notáveis do romance” (2013: 17). De acordo
com a mesma autora, a cor amarela está vinculada, portanto, ao declínio financeiro e social da família. O
amarelo também é frequentemente associado à enfermidade e à morte. Além dos dentes amarelados de
Thomas, que denotam a sua saúde frágil e, em última instância, o levarão à morte, temos o caso de Lebrecht
Kröger, sogro do cônsul Johann Buddenbrook, cujo rosto se mostrava, momentos antes de sua morte,
“amarelo e marcado por sulcos frouxos” (MANN, 1942, p. 178), entre outros exemplos (cf. SCHU-
MANN, ibidem).
Em linhas gerais, portanto, o leitmotiv pode ser definido como “motivo central que é repetido de
maneira formulaica” (VON WILPERT, 1964 apud SOUSA, 1999, p. 77, tradução minha), o que pressupõe
que determinado item lexical ou conjunto de itens lexicais seja mencionado de maneira recorrente, em
uma configuração relativamente fixa. A frequência com que determinada palavra ou sintagma ocorre em
um texto é de especial importância para a linguística de corpus. De acordo com Fischer-Starcke, um dos 118
mais importantes princípios da linguística de corpus, formulados por Sinclair (1991), é a “pressuposição da
equivalência entre frequência e significância em dados linguísticos”. Ou seja:

[...] a linguística de corpus presume que propriedades particularmente frequentes são sig-
nificativas para a estrutura do discurso e para o significado dos dados. A alta frequência
de certas propriedades pode funcionar como um meio de evidenciá-las no texto, visto
que, devido às suas frequências, estas adquirem significância, ou pelo conteúdo do texto,
ou por sua estrutura (FISCHER-STARCKE, 2009, p. 494-5, tradução e grifo meus).

Se aceitarmos como verdadeiro o princípio de Sinclair, sintetizado por Fischer-Starcke, então a


linguística de corpus se torna uma importante aliada no estudo de textos literários, pois não somente permite
trabalhar com grandes quantidades de dados, como também é capaz de trazer à luz aspectos da obra que,
a princípio, seriam menos evidentes se observados “a olho nu”. É este o pressuposto que serve de base à
abordagem metodológica utilizada na presente análise: a estilística de corpus. Esta se caracteriza pelo recurso
a softwares de linguística de corpus como apoio para a análise de textos literários, tal como empreendida
pela própria Fischer-Starcke (2009), que examinou as palavras e os sintagmas mais frequentes em Orgulho
e preconceito, de Jane Austen.
Neste ponto, cabe dizer que, uma vez que a estilística de corpus não constitui um método propria-
mente dito, com um passo-a-passo bem definido, as ferramentas utilizadas na análise aqui empreendida
foram escolhidas livremente. Destarte, as etapas e procedimentos que descreveremos a seguir não devem
ser tomados como um conjunto de regras fixas, mas apenas como algumas das muitas possibilidades ofe-
recidas pela linguística de corpus.
A fim de poder trabalhar com os corpora que servem de base a esta análise, foi necessário obter uma
versão digital do texto em alemão e da tradução para o português, visto que a maioria dos softwares de
linguística de corpus só comporta arquivos no formato “.txt”. Felizmente, já existia um e-book de Budden-
brooks disponível online, na página da iniciativa Project Gutenberg, uma biblioteca digital que disponibiliza
livros digitais gratuitamente, em sua maioria, obras que já se encontram em domínio público. Dos termos
da licença do projeto consta que os textos podem ser utilizados para quaisquer fins, desde que o usuário
não tenha pretensões econômicas. A edição alemã de Buddenbrooks que se encontra no site data de 1909, e
foi publicada pela editora Deutsche Buch-Gemeinschaft.
O texto em português, por outro lado, precisou ser digitalizado na íntegra. Após escanear a edição
utilizada aqui (a primeira edição, de 1942, da Livraria do Globo), foi ainda necessário submeter o arquivo
em PDF a um programa de OCR (sigla em inglês para “reconhecimento ótico de caracteres”), que permite
reconhecer caracteres em um arquivo de imagem. O programa utilizado para este fim foi o ABBYY Fine-
Reader (versão 12.1.6 para Mac), que gerou um novo documento em PDF, a partir do qual foi possível
copiar e colar o texto no bloco de notas e salvar o arquivo no formato “.txt”21. Antes de carregar o arquivo
de texto para o primeiro programa de linguística de corpus utilizado neste experimento, porém, a tradução
brasileira teve de ser revisada para corrigir erros de ortografia causados pela leitura imprecisa dos caracteres
pelo software de OCR. No processo de reconhecimento dos caracteres, as letras “rn" podem ser transfor-
madas em “m”, por exemplo, de modo que o texto inteiro tem de ser revisado e corrigido para garantir
que a análise seja o mais precisa possível.
Finalmente, de posse das duas obras em formato de arquivo de texto, pudemos prosseguir ao
trabalho com as ferramentas de linguística de corpus. O primeiro software que utilizamos foi o AntConc
(versão 3.4.4w, para Windows), disponível para download gratuito na página oficial de seu desenvolvedor,
o professor Laurence Anthony. O programa foi utilizado, neste trabalho, com o objetivo de gerar uma
lista de palavras-chave da qual fosse possível extrair as três palavras de maior chavicidade no corpus em 119
alemão, que, por sua vez, serviriam de base à análise da tradução, como se verá adiante.
Conforme Berber-Sardinha (2005, p. 185), palavras-chave são:

[...] palavras cujas freqüências [sic] são estatisticamente diferentes no corpus de estudo e
no corpus de referência. As palavras-chave [...] têm se mostrado muito úteis na investiga-
ção de aspectos textuais importantes, como a temática (aboutness), o estilo e a organização
retórica (Batista, 1998; Bonamin, 1999; Conde, 2002; Dutra, 2002; Freitas, 1997; Fuzetti,
2003; Lima-Lopes, 1999; Lopes, 2000; Ramos, 1997; Santos, 1999; Silva, 1999).

O corpus de referência a que se refere Berber-Sardinha também é chamado de corpus de controle,


pois “[f]unciona como termo de comparação para a análise e fornece uma norma com a qual se fará a
comparação das freqüências [sic] do corpus de estudo” (BERBER-SARDINHA, ibidem). É a partir dessa
comparação que se estabelece a chavicidade de uma palavra no corpus de estudo, isto é, o uso marcado de
determinado item lexical no texto que se pretende analisar. Da lista de palavras-chave constam, portanto,
palavras que “indicam tópicos ou temas dominantes em um texto ou corpus, visto que a razão para a sua
ocorrência frequente nos dados é a sua significância para o conteúdo dos dados ou sua estrutura” (FIS-
CHER-STARCKE, 2009, p. 496).
No AntConc, é possível gerar uma lista de palavras-chave por meio da ferramenta “Keyword list”, a
última aba que aparece na tela principal do software e que pode ser acessada uma vez que o usuário carregar
um corpus de referência para o programa22. Por isso, o próximo passo da metodologia foi compilar um
corpus de referência.
Para tal, também através do AntConc, mais especificamente, da ferramenta “Wordlist”, contabiliza-
mos o número de tokens (número de palavras em um texto) e de types (número de palavras diferentes em
um texto) presentes no corpus em alemão e obtivemos os seguintes resultados: 228.570 tokens e 24.895 types.
A partir do número de tokens, definimos o tamanho que o corpus de referência deveria ter. Optamos por
um corpus de referência de cerca de 1 milhão e 500 mil tokens, portanto, pouco mais de cinco vezes maior
do que o corpus de estudo, pois, segundo Berber Sardinha (2005, p. 196): “Um corpus de referência cinco

21 Deixamos aqui registrados os nossos sinceros agradecimentos à inestimável ajuda de Márcio Longaray, que muito gentilmente
cedeu as imagens em PDF e os arquivos de texto d’Os Buddenbrook, o que reduziu muito o tempo gasto nessa etapa da
metodologia.
22 Não nos estenderemos aqui a respeito de todos os recursos do software, tampouco de sua operação. Aos interessados, na

página do projeto COMET (Corpus Multilíngue para Ensino e Tradução), da FFLCH/USP, é possível encontrar instruções de
uso das principais funcionalidades do programa:
<http://comet.fflch.usp.br/sites/comet.fflch.usp.br/files/u30/AntConc_Instala%C3%A7%C3%A3o%20e%20uso2014.pdf
> (Acesso em 10 abr. 2018).
vezes maior (em relação ao número de tokens) que o de estudo permite extrair um número maior de pala-
vras-chave do que corpora de referência menores”, possibilitando uma interpretação mais acurada dos re-
sultados. Abaixo, uma tabela comparativa do total de palavras no corpus de estudo, o romance Buddenbrook,
e no corpus de referência:

Corpora Itens (tokens) Formas (types)


Buddenbrooks 228.570 24.895

Corpus de referência 1.570.021 87.632


Tabela 1: Total de palavras nos corpora de estudo e de referência, respectivamente.
120
Nosso corpus de referência compreende apenas obras literárias em prosa, publicadas entre 1871 e
1903. Todos os textos foram extraídos de um dos corpora do Projeto DWDS (Digitales Wörterbuch der deuts-
chen Sprache), desenvolvido pelo Institut für Deutsche Sprache de Mannheim, Alemanha. O corpus escolhido foi
o Deutsches Textarchiv, que disponibiliza textos publicados entre os anos 1600 e 1900. Na página do corpus,
buscamos por obras literárias mais ou menos contemporâneas ao romance Buddenbrooks. O site permite
que o usuário filtre suas pesquisas conforme data, período, autor ou gênero textual específicos23, além de
possibilitar o download de todos os textos já no formato “.txt”, exigido pelo AntConc.
Visto que, para a montagem deste corpus de referência, não buscávamos uma palavra ou expressão
em particular, fizemos uma busca pela palavra und (a conjunção “e” em alemão), uma palavra gramatical
extremamente frequente em textos em alemão. Assim, os textos do nosso corpus de referência foram sele-
cionados com base na data de publicação e no gênero “texto literário”, totalizando vinte e três obras,
publicadas entre 1871 e 1903. A proposta de utilizar um corpus de referência composto exclusivamente de
textos literários se deve ao objetivo de determinar se o uso das cores pode ser considerado um traço
estilístico distintivo do romance Buddenbrooks, em comparação à literatura contemporânea a ele.
Com base nesse corpus de referência, portanto, foi criada uma lista de palavras-chave no AntConc, a
partir da estatística de comparação log-likelihood, opção padrão para usuários do software. As três cores de
maior chavicidade que constavam da lista eram, respectivamente, marrom, branco(a) e azulado(a), que
aparecem no corpus de estudo nas seguintes configurações:

Cor Posição na keyword list Nº de ocorrências


braunen (marrom) 140 41
weißen (branco/a) 229 71
bläulichen (azulado/a) 323 12
Tabela 2: As três primeiras cores da lista de palavras-chave, suas respectivas chavicidades
e frequência no corpus alemão.

Se tomássemos como verdadeira a hipótese de Schumann, segundo a qual as cores assumem uma
função de leitmotiv em Buddenbrooks, seria de se esperar uma maior chavicidade dos itens lexicais pertencen-
tes a esse campo semântico, na medida em que estes deveriam se destacar na comparação do corpus de
estudo com o corpus de referência. No entanto, os resultados revelam uma chavicidade relativamente baixa,
pois a primeira denominação de cor só aparece na posição de número 140 da lista e, nas primeiras três
palavras-chave, há uma diferença de quase cem palavras entre uma cor e outra.

23Para instruções (em alemão) de como fazer buscas refinadas no Deutsches Textarchiv:
<http://deutschestextarchiv.de/doku/DDC-suche_hilfe#inhaltliche_kon0> (Acesso em 28 abr. 2018).
Dessa maneira, ao menos no que diz respeito à chavicidade em si, não é possível confirmar ou
refutar a tese de Schumann. Porém, o que nos interessa neste trabalho é investigar de que maneira essas
denominações de cores se comportam na tradução brasileira, de modo que nos foi necessário ainda um
segundo software de linguística de corpus, que permitisse alinhar as ocorrências do corpus em alemão e do
corpus em português. Para isso, optamos pelo programa AntPConc, do mesmo desenvolvedor do AntConc,
que também é gratuito e possui uma interface bastante amigável ao usuário.
O AntPConc oferece a possibilidade de visualizar, simultaneamente, linhas de concordância parale-
las em dois ou mais corpora. O usuário pode carregar documentos “.txt” (no nosso caso, o romance em
alemão e a tradução em português) para o programa e selecionar qualquer um desses corpora para realizar
buscas no idioma desejado. O programa exibe, então, todas as ocorrências de um determinado item de
pesquisa no formato “KWIC” (sigla em inglês para “keyword in context”, “palavra-chave em contexto”), ou 121
seja, gera linhas de concordância nas quais o termo pesquisado é exibido no centro da tela, como na figura
abaixo, na qual vemos alguma das linhas de concordância da primeira cor de maior chavicidade no corpus
em alemão: braunen (marrom).

Figura 1: Linhas de concordância da cor de maior chavicidade no corpus em alemão e, abaixo, as linhas em que apa-
recem as traduções das ocorrências. A imagem é uma captura de tela feita durante o uso do software AntPConc.

Como vimos na tabela 2, a palavra “braunen” aparece no corpus alemão 41 vezes. À primeira vista,
o que mais chama a atenção nas linhas de concordância desse item de busca é a quantidade de vezes em
que esse item lexical coocorre com a palavra Augen (“olhos”): no total, são 16 ocorrências. Mais interes-
sante ainda é o fato de que, em oito dessas ocorrências, ou seja, em 50% dos casos, a construção “braunen
Augen” (“olhos castanhos”) aparece acompanhada de “nahe beieinanderliegenden” (“próximos um do outro”).
Uma construção que se repete oito vezes exatamente da mesma maneira parece ser dotada de um
caráter formulaico que coincide com a definição de leitmotiv que comentamos anteriormente. Se essa hipó-
tese estiver correta, seria importante para o significado da obra literária como um todo que Herbert Caro
tivesse traduzido também de maneira formulaica, na medida em que um leitmotiv é de grande relevância
para a interpretação da obra literária como um todo. Então, o passo seguinte foi observar, no próprio
AntPConc, de que maneira Caro traduziu as oito ocorrências da expressão “nahe beieinander liegenden braunen
Augen”. Vejamos como o tradutor procedeu:

Original alemão Tradução em português


[...] und Gerda Arnoldsen, die in [...] e Gerda Arnoldsen, natural de Amster-
Amsterdam zu Hause war, einer eleganten dam. Esta era uma figura estranha e elegante,
und fremdartigen Erscheinung mit com bastos cabelos ruivo-escuros, olhos cas-
schwerem, dunkelrotem Haar, nahe tanhos, pouco distantes entre si, e um belo
beieinander liegenden braunen Augen und rosto branco que denotava certa altivez.
einem weißen, schönen, ein wenig
122
hochmütigen Gesicht.
Mit ihrem schweren dunkelroten Haar, O basto cabelo ruivo-escuro, os olhos cas-
ihren nahe beieinander liegenden, braunen, tanhos, pouco distantes entre si, orlados de
von feinen bläulichen Schatten umlagerten finas sombras azuis [...]
Augen [...]
[...] und in den Winkeln der nahe [...] e nos cantos dos olhos castanhos, pouco
beieinander liegenden braunen Augen distantes entre si, havia sombras azuladas.
lagerten bläuliche Schatten.
[...] tiefer und dunkler als sonst lagerten in Nos cantos dos olhos castanhos, pouco dis-
den Winkeln ihrer nahe beieinander tantes entre si estendiam-se sombras azula-
liegenden braunen Augen bläuliche das, mais profundas e mais acentuadas do
Schatten ... que habitualmente...

In den Winkeln ihrer etwas zu kleinen und Nas comissuras dos olhos castanhos algum
etwas zu nahe beieinander liegenden tanto pequenos, pouco distantes entre si, es-
braunen Augen lagerten immer noch die tendiam-se ainda as sombras azuladas...
bläulichen Schatten ...
[...] und in ihren seltsamen, nahe Tinha nos olhos castanhos, singulares,
beieinanderliegenden braunen Augen lag pouco distantes entre si, aquele cintilar mis-
der rätselhafte Schimmer, den die Musik terioso que a música costumava dar-lhes.
ihnen zu geben pflegt.
[...] ihre nahe beieinanderliegenden braunen [...] firme e investigadora, fitava-o com os
Augen, in deren Winkeln bläuliche Schatten olhos castanhos, pouco distantes entre si, es-
lagerten, fest und spähend auf ihn gerichtet ses olhos orlados de sombras azuladas...
hielt.
[...] und ihre nahe beieinanderliegenden, Arregalava os olhos castanhos, pouco dis-
braunen, von bläulichen Schatten tantes entre si e cercados de sombras azula-
umlagerten Augen blickten blinzelnd, das, numa expressão pisca de repugnância
zornig, verstört und angewidert. irada e confusa.
Tabela 3: Ocorrências da construção formulaica “nahe beieinanderliegenden braunen Augen” e suas
respectivas traduções para o português.

Na tabela 3, observa-se que Caro de fato traduziu todas as ocorrências da expressão em alemão de
maneira consistente, invariavelmente utilizando a construção “olhos castanhos, pouco distantes entre si”,
e assim recriou, em português, a estrutura formulaica do original.
De um ponto de vista dos estudos literários, é interessante que, em todas as vezes, a expressão é
utilizada pelo narrador para se referir à figura de Gerda Arnoldsen, a dama estrangeira e dona de uma
beleza exótica que mais tarde se casará com Thomas Buddenbrook e dará luz a Hanno. Em seu estudo,
Schumann chama a atenção para o fato de que a cor dos olhos é um importante elemento de diferenciação
das personagens, na medida em que os olhos azuis são um traço distintivo dos membros da família Bu-
ddenbrook. Em alguns trechos, o contraste azul-castanho denota uma diferença de origem geográfica das
personagens, na qual os olhos claros remetem ao norte e os olhos escuros, ao sul, como no caso do patri-
arca Johann Buddenbrook sênior, o maior representante do sucesso do negócio de família, cujos olhos
azuis contrastam com o da segunda esposa, Antoinette Buddenbrook, que “descendia, pelo avô, de uma
família franco-suíça” (MANN, 1942, p. 10). No caso de Gerda, assim como no do filho Hanno, porém,
os olhos castanhos parecem adquirir uma simbologia diversa:

De geração em geração, estabelece-se uma predisposição ao sonhar e uma predileção pela


arte que suplanta a mentalidade de comerciante e alcança seu ápice no pequeno Hanno. 123
Chama a atenção o fato de que a cor castanha dos olhos deste – assim como os da sua
mãe – é utilizada como um leitmotiv. Em ambos os casos, a cor castanha dos olhos é
associada a uma certa alteridade (SCHUMANN, 2013, p. 21-2).

Gerda é uma apaixonada musicista e, como tal, diferencia-se do marido Thomas, que ainda apre-
senta uma “mentalidade de comerciante”, embora esta já esteja um pouco mais diluída se comparada às
representações de seu pai e seu avô, comerciantes natos. Hanno, seu filho, herda da mãe não somente o
castanho dos olhos, como também a paixão pelas artes, e se tortura por não ter o talento necessário para
levar adiante os negócios da família. Como vimos anteriormente, a morte precoce de Hanno encerra o
ciclo do romance e, com ele, é enterrada toda a esperança de prosperidade da família Buddenbrook.
A segunda cor de maior chavicidade no corpus alemão foi a palavra weißen (branco/a). Entre as três
cores contempladas neste estudo, este é o item lexical de maior frequência, apresentando 71 ocorrências
no corpus. Em relação a esta palavra-chave, o aspecto mais notável observado no corpus é o fato de que a
cor branca geralmente aparece acompanhada de palavras que designam partes do corpo, peças de roupa
ou a decoração da casa, como se vê na imagem abaixo:

Figura 2: Linhas de concordância da palavra weißen no software AntPConc.

Nas linhas de concordância aqui usadas como exemplo, vemos que weißen coocorre predominan-
temente com palavras como Atlaskleid (“vestido de cetim”), Bart (“barba”), Finger (“dedos”), Gesicht
(“rosto”), Glacéhandschuhe (“luvas de seda”) etc. Por vezes, a cor também é usada para descrever os ambi-
entes da casa e o mobiliário, como no caso de Flügeltür, as portas duplas na entrada da suntuosa sala de
jantar do casarão Buddenbrook. No entanto, não encontramos grandes indícios de que a cor branca seja
utilizada de maneira especialmente formulaica por parte de Thomas Mann, ao contrário do que acontece
claramente com braunen. Na pesquisa realizada, encontramos algumas coocorrências esparsas, como weißen
Karyatiden (“cariátides brancas”), com duas ocorrências, e três ocorrências de weißen Götterfiguren/Göttersta-
tuen (“figuras/estátuas brancas de divindades”), que se referem, respectivamente, às imagens que enfeitam
a fachada da casa de Thomas e Gerda, na Breite Strasse, e às representações de deuses que decoram a Sala
das Paisagens do casarão da Mengstrasse.
Ao observar linhas de concordância da tradução, também não pudemos identificar um padrão
claro no proceder de Herbert Caro, o que sugere que, apesar de ser um item lexical que aparece no corpus
com uma frequência relativamente alta, as construções com a cor branca não têm um caráter formulaico,
não podendo ser considerada, portanto, um leitmotiv por si só. Essa hipótese também é sustentada pelo
fato de weißen apresentar uma chavicidade menor se comparada a braunen, embora esta última apresente
trinta ocorrências a menos no corpus estudado. Deste modo, o uso da cor marrom é estatisticamente mais
representativo do que o da cor branca no corpus estudado e deve ser, portanto, mais significativo também 124
no plano do conteúdo. Diante disso, o tradutor muito provavelmente não viu necessidade de traduzir as
ocorrências de weißen de maneira consistente, como o faz com a construção “olhos castanhos”, comentada
anteriormente.
Por fim, chegamos à terceira e última cor-chave no corpus: bläulichen (azulado/a). Em relação a esta
denominação de cor, o que salta aos olhos já de saída é a chavicidade relativamente alta se levarmos em
conta a frequência com que o item lexical ocorre no corpus. Embora apresente apenas doze ocorrências, a
palavra bläulichen aparece, dentre as denominações de cores, como a terceira palavra de maior chavicidade,
o que pode ser um indício de sua relevância para a estrutura do discurso na obra. Ademais, é possível
identificar uma construção claramente formulaica em 75% das ocorrências desse item lexical: em nove das
12 ocorrências totais, a palavra bläulichen aparece acompanhada de Schatten (“sombras”), em uma estrutura
fixa e recorrente, como se vê na figura abaixo:

Figura 3: Nove ocorrências de “blaulichen Schatten” no AntPConc.

Ao que tudo indica, então, tal construção é utilizada de maneira formulaica ao longo do romance,
de modo que a tradução deveria apresentar uma fixidez correspondente à da expressão original, como
acontece no caso de “nahe beieinander liegenden braunen Augen”, examinado anteriormente. Na tabela da página
a seguir, apresento as soluções de tradução encontradas por Herbert Caro:

Original alemão Tradução em português


[...] dem später der Blick seiner eigenartig Naquela expressão com a qual, mais tarde, os
goldbraunen Augen mit den bläulichen olhos de um castanho singularmente dou-
Schatten sich immer mehr anpaßte... rado, cercados de sombras azuladas, harmo-
nizariam cada vez mais...
[...] diese nahe beisammen liegenden, [...] os olhos, esses misteriosos olhos casta-
rätselhaften, braunen Augen mit den nhos, pouco distantes entre si, cercados de
bläulichen Schatten, lächelten heute. sombras azuladas, sorriam naquela manhã.
Die langen Wimpern vermochten nicht die As compridas pestanas não eram capazes de
bläulichen Schatten zu verdecken, die in esconder as sombras azuladas que pairavam
den Augenwinkeln lagerten. sobre as comissuras dos olhos.
[...] und noch immer lagen, wie bei seiner Como no rosto da mãe, sombras azuladas
Mutter, die bläulichen Schatten in den lhe obumbravam as comissuras dos olhos
Winkeln seiner Augen [...] [...]
In den Winkeln ihrer etwas zu kleinen und Nas comissuras dos olhos castanhos algum
etwas zu nahe beieinander liegenden tanto pequenos, pouco distantes entre si, es-
braunen Augen lagerten immer noch die tendiam-se ainda as sombras azuladas... 125
bläulichen Schatten...
Mit ihrem schweren dunkelroten Haar, O basto cabelo ruivo-escuro, os olhos cas-
ihren nahe beieinander liegenden, braunen, tanhos, pouco distantes entre si, orlados de
von feinen bläulichen Schatten umlagerten finas sombras azuis [...]
Augen [...]
[...] und unter zusammengezogenen Brauen Por baixo das sobrancelhas franzidas, os
blickten seine goldbraunen, von bläulichen olhos, cingidos de sombras azuladas, mira-
Schatten umlagerten Augen blinzelnd, mit vam, com expressão de repugnância e medi-
einem abgestoßenen und grüblerischen tação, o rosto do cadáver.
Ausdruck in das Antlitz der Leiche.
[...] und unter zusammengezogenen Brauen Sob as sobrancelhas franzidas, os olhos de
blickten seine goldbraunen, von bläulichen brilho dourado, orlados por sombras azula-
Schatten umlagerten Augen blinzelnd, mit das, dirigiam-se para o lado, com uma ex-
einem abgestoßenen und grüblerischen pressão de repugnância e meditação.
Ausdruck zur Seite [...]
[...] und ihre nahe beieinanderliegenden, Arregalava os olhos castanhos, pouco dis-
braunen, von bläulichen Schatten tantes entre si e cercados de sombras azula-
umlagerten Augen blickten blinzelnd, das, numa expressão pisca de repugnância
zornig, verstört und angewidert. irada e confusa.
Tabela 4: Ocorrências do sintagma “bläulichen Schatten” (“sombras azuladas”) no original alemão
e suas respectivas traduções na versão de Herbert Caro.

É interessante observar que, em quatro das linhas de concordância reproduzidas acima, o sintagma
“bläulichen Schatten” aparece muito próximo à expressão que analisamos anteriormente, “nahe beieinander
liegenden braunen Augen”. Nessas ocorrências, o narrador se refere aos olhos de Gerda, que são não somente
castanhos e “pouco distantes entre si”, mas também rodeados por olheiras azuladas. Nas cinco ocorrências
restantes, porém, os olhos referidos são os de Hanno, de um tom dourado, levemente mais claros que os
da mãe. Novamente, portanto, parece ser traçado um paralelo entre Gerda e o filho, que compartilham o
amor pela música e, com isso, se apresentam como um contraponto às figuras pragmáticas da linhagem
dos Buddenbrook.
Na tabela 4, observa-se que a estrutura “bläulichen Schatten” é repetida como uma fórmula em todos
os nove casos, mas em especial nos três últimos, cujos contextos trazem também outras palavras repetidas,
como o adjetivo blinzelnd, que designa o movimento de um piscar rápido dos olhos. Entre a penúltima e a
antepenúltima ocorrência vê-se, inclusive, que Thomas Mann utilizou, quase que ao pé da letra, a mesma
estrutura. Este espelhamento também ocorre na tradução de Herbert Caro, que usa duas vezes a constru-
ção “com uma expressão de repugnância e meditação”. Conclui-se, portanto, que o caráter formulaico da
expressão “sombras azuladas” não passou despercebido ao tradutor, que reproduziu a fixidez da estrutura
em quase todas as ocorrências, à exceção do quinto caso, no qual optou pela forma “sombras azuis”. No
caso da expressão “bläulichen Schatten”, assim como no de “nahe beieinander liegenden braunen Augen”, parece-
nos plausível que o sintagma se comporte como um leitmotiv, visto que figura praticamente como um
epíteto, tanto para Gerda, quanto para Hanno.
Gostaríamos de concluir este artigo ressaltando que os resultados apresentados aqui são fruto de
uma pesquisa bastante limitada, na qual foram examinadas algumas ocorrências selecionadas de apenas
três palavras-chave de um corpus consideravelmente volumoso. Não temos, com isso, a pretensão de refutar
ou corroborar a hipótese levantada por Schumann, segundo a qual as cores podem ser consideradas leit-
motive em Buddenbrooks, e sim apenas indicar que este é um campo de pesquisa que vale a pena explorar.
Nosso principal objetivo foi, portanto, demonstrar, ainda que de maneira admitidamente superficial, que 126
ferramentas bem simples (e gratuitas!) de linguística de corpus podem trazer à luz certas propriedades de
textos literários e de suas traduções, como exemplificado aqui pelo romance de Thomas Mann e a exce-
lente tradução de Herbert Caro.
Ousamos dizer, inclusive, que a linguística de corpus pode vir a se tornar um valioso auxílio não
somente para a análise de textos traduzidos, como também para a produção desse tipo de texto. Afinal,
um software tem muito mais condições de identificar aspectos relevantes do texto original que, em uma
leitura intuitiva, feita pelo tradutor humano, poderiam passar despercebidos. Aqui vale, é claro, mais uma
ressalva: o recurso aos procedimentos descritos neste artigo só seria viável ao traduzir em um contexto
acadêmico, pois, como sabemos, na prática profissional, o tradutor ou tradutora dificilmente disporia do
tempo necessário para realizar esse tipo de trabalho.

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SCHUMANN, C. Zur Bedeutung von Farben bei Thomas Mann. Dissertação (Master of Arts em Germanística).
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THIMANN, S. Brasilien als Rezipient deutschsprachiger Prosa des 20. Jahrhunderts – Bestandsaufnahme und
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Lang, 1989.

VON WILPERT, G. Sachwörterbuch der Literatur. 4ª ed. Stuttgart: Alfred Kröner Verlag, 1964.
INTRODUÇÃO DE EQUIVALENTES SUÍÇOS
NO DICIONÁRIO DE EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS (DEIPF)
PORTUGUÊS – FRANCÊS

Maria Emília P. CHANUT (UNESP)

128
Introdução

O artigo trata da pesquisa em que foram coletados, no período de 2014 a 2016, os equivalentes em francês
da Suíça (com seus respectivos contextos de uso) das 1500 expressões idiomáticas (EIs) em português que
constam como entradas no Dicionário de expressões idiomáticas português do Brasil e de Portugal - francês da França,
da Bélgica e do Canadá24 (XATARA, 2013). Para a proposta de equivalentes em FS, buscamos as EIs em
site:ch e em dicionários específicos. Após a revisão das propostas de equivalência em francês suíço,
analisamos os necessários acréscimos de equivalentes idiomáticos não encontrados ou propostas de
tradução aproximativa no caso de ausência de equivalentes (considerando expressão idiomática uma
unidade fraseológica complexa, figurada e consagrada pela tradição cultural de uma comunidade
linguística, segundo estudos de Xatara, 1998).
Com base nas características que são intrínsecas às EIs, pode-se supor e de fato se verifica sem
dificuldades que seu entendimento e uso adequado por um aprendiz de LE não são óbvios, da mesma
forma que entender e usar corretamente uma EI apresentam um obstáculo mesmo para um usuário em
sua LM com menor exposição à competência lexical, seja por ainda ser jovem, seja por ter um baixo nível
de escolaridade. Embora reconheçamos que se, para um usuário em sua LM as EIs acabam sendo apren-
didas com o tempo por osmose (ROBERTS, 1996), para um aprendiz de LE não bastam conhecimentos
gramaticais e lexicais para a compreensão das EIs mais opacas.
O DEIPF, portanto, procura descrever essas unidades fraseológicas centrando-se nas necessidades
do usuário de informação completar pragmática e é o único a apresentar correspondentes em duas
variantes da língua portuguesa e quatro da língua francesa, com a inclusão da Suíça. A pesquisa encontra-
se em fase de implementação dos equivalentes suíços coletados no dicionário do site e, neste artigo,
apresentaremos alguns dos resultados obtidos na coleta de dados, ainda inéditos.
Quanto à natureza do DEIPF, podemos caracterizá-lo como:
a) semasiológico, porque parte das EI (as unidades significantes) como entradas e apresenta em seguida
suas significações, seus sentidos;
b) analógico, porque reúne expressões sinônimas (as que têm uma relação de similaridade visto que o
sentido dos sinônimos em PB ou dos equivalentes em PP, FF, FB, FC e FS deve ser similar ao da entrada,
numa analogia mais estreita ou apenas aproximada);
c) e eletrônico, o que permite sua periódica ampliação e atualização dos dados, bem como várias interfaces
de busca.

24 Disponível em <www.deipf.ibilce.unesp.br>.
O objetivo parcial desta pesquisa foi, pois, colaborar na ampliação dessa obra que testemunha,
seja para a função de decodificação, seja para a de codificação, o uso dos idiomatismos, unidades fraseo-
lógicas tão abundantes na linguagem cotidiana e de equivalência muitas vezes tão complexa.

Sobre expressões idiomáticas

No âmbito da Fraseologia, devemos entender as EIs como unidades fraseológicas, sempre lexias
complexas de sentido conotativo, revelando diferentes níveis de abstração, que se estratificam, com dife-
rentes graus de fixidez ou variabilidade restrita, e se apresentam com profusão na língua comum ou colo-
quial (XATARA, 1998). Convém esclarecer que utilizamos “lexias complexas” na concepção de Pottier
(1974), como unidades funcionais significativas do discurso constituídas por uma sequência estereotipada 129
de lexemas.
Também reforçamos que a cristalização dessas expressões representa muitas vezes apenas uma
estabilização estrutural e semântica relativa (GROSS, 1996; MEJRI, 1997, 1998, 2002, 2003; PETIT,
2003a, 2003b, 2009; LAMIROY & KLEIN, 2005; CLAS & GROSS, 2008). Por isso, para expressar o
sentimento de "avivar uma dor, uma mágoa", podemos encontrar em francês EIs como enfoncer le couteau
dans la plaie, mas ainda mettre le doigt sur la plaie, ou mesmo remuer le couteau dans la plaie e retourner le couteau
dans la plaie, ou appuyer là où ça fait mal. Essas variações do verbo ou de substantivos e de preposições no
interior das EIs não comprometem, entretanto, seu sentido e seu emprego, dando-nos apenas um leque
de expressões sinônimas.
A profusão de uso (e também de criação) das EIs, que só se aplica quando a associação dos ele-
mentos constituintes atinge um alto grau de coesão (BALLY, 1951), explica-se pelo desejo do usuário em
comunicar suas experiências pessoais de modo mais expressivo, ou em ser mais persuasivo, ou em provo-
car reações em seu interlocutor por meio de combinações inusitadas. Por isso as EIs não podem ser con-
sideradas idiossincrasias, um aglomerado de escolhas subjetivas; ao contrário, resultam de combinações
convencionais de relações sintático-semânticas regulares, aceitas e reconhecidas por um grupo. Essas com-
binações ganham, então, um sentido global figurado, distinto do sentido individual de seus elementos
formadores, ou seja, não composicional.
Ainda de acordo com os estudos de Xatara (1998), Expressões idiomáticas (EIs) são concebidas como
segmentos polilexicais conceituados pela tradição cultural de uma comunidade linguística. Desse modo, a
tradução de EIs não deve ser tratada como o transporte de um idioma a outro, mas de uma cultura a outra,
concebendo mudanças significativas na construção e na escolha lexical em detrimento do conteúdo a ser
transmitido.

Sobre a base lexical para a pesquisa do DEIPF

A primeira coleta de idiomatismos em língua francesa e portuguesa para o DEIPF foi realizada
com base em cerca de 40 dicionários mono e bilíngues, o que se chama fonte secundária, termo proposto
por Haensch et al. (1982), em contraposição a fontes primárias que seriam os documentos autênticos e os
corpora. Tal compilação resultou em 9000 EIs em francês da França (FF) e 6900 equivalentes em português
do Brasil (PB) (XATARA, 2002). E esse acervo coletou expressões frasais, verbais, nominais, adjetivas e
adverbiais, mas não atestou sua frequência de uso.
Já a segunda coleta debruçou-se sobre essa questão da frequência extraída de base textual. Foram
seguidos, então, os princípios de Colson (2003) que foi o primeiro e único pesquisador até o momento
que se lançou a propor um limiar de frequência para unidades complexas: uma unidade a cada milhão de
ocorrências. Como se vê, é necessário recorrer a uma base de dados bastante considerável, sobretudo
alimentada de textos coloquiais, e os testes realizados com as bases a que tivemos acesso (a do Laboratório
de Lexicografia da UNESP de Araraquara, o Frantext ou a base do CIRAL) foram frustrantes. Por isso
são valiosas as sugestões de Kilgarriff & Grefenstette (2003) e de Colson (2006, 2007), que defendem a
utilização da web como corpus, apesar de a web revelar uma série de inconvenientes (conjunto assistemático
de textos, não preparados e codificados segundo regras predefinidas, informações temporárias ou às vezes
pouco fidedignas e com erros de ortografia e sintaxe). Uma vez determinados o limiar de frequência e a
base lexical com que se trabalharia, foi obtido o número de páginas nas línguas pesquisadas e suas variantes
que circulam na web, com as pesquisas de Grefenstette e Nioche (2000), Grefenstette (2004), Evans et al.
(2004) para o PB e com a União Latina (2006) para o FF, a saber:
- 56 resultados diferentes ou páginas da web em site:br; 130
- 157 resultados diferentes em site:fr.
Chegou-se, então, a um número bem mais reduzido: 2500 EIs francesas frequentes e 1500 brasileiras
(XATARA, 2007).
A terceira coleta representa praticamente uma versão impressa dos resultados divulgados eletroni-
camente em 2007, mas sem as interfaces de buscas e a indicação das noções conceituais presentes em cada
EI (XATARA, 2008).
A quarta coleta ampliou as equivalências com a variante do português de Portugal (PP), com a
variante do Canadá (FC). Para sua atestação de frequência, buscaram-se nas mesmas fontes mencionadas
acima os novos limiares:
- 14 resultados diferentes ou páginas da web em site:pt;
- 7 resultados diferentes em site:ca.
A quinta e última coleta realizada incluiu as EIs em francês da Bélgica (FB) com o seguinte limiar:
- 19 resultados diferentes em site:be;

Esta pesquisa: inclusão dos equivalentes em francês da Suíça

No que tange à língua, a Suíça romanda (la Suisse romande) é a região da Confederação onde se
fala francês, que, nesse caso, é uma variante do domínio d´oïl (uma variante românica) que se implantou
na Suíça mesmo antes de chegar ao Sul da França. Desde o século XIII, essa variante de língua francesa
foi progressivamente tomando o lugar do latim como língua escrita e, a partir do século XVII, dos dialetos
falados, franco-provençais na maior parte. Embora a Suíça romanda se considere entidade cultural há pelo
menos dois séculos, nunca se tentou oficializar esses dialetos restritos às comunidades locais ou regionais;
ao contrário, a adoção do idioma francês por parte da Suíça romanda fez-se espontaneamente, inclusive
com menos imposições do que em certas regiões da França (THIBAULT, 1997, p. 9-32).
Nesta pesquisa, aceitei o convite feito para me integrar à equipe da Profa. Xatara, contribuindo
com a variante suíça das expressões correspondentes às entradas em PB apresentadas nos verbetes já cons-
tituídos. Um fator importante no que se refere às EIs é sua variação em idiomas considerados semelhantes,
como o português do Brasil e de Portugal e o francês da França, da Bélgica, do Quebec canadense e dos
cantões da Suíça, os quais dispõem de variações lexicais geográficas, como descrito por Galarneau:

O francês da Suíça, assim como o da Bélgica e do Quebec eram, até o final dos anos
1970, considerados e descritos como uma variedade regional do “francês padrão”, ou
francês de referência. A partir dos anos 1980, sobretudo, a situação mudou e uma valo-
rização crescente começou a ser percebida principalmente pela presença das diferentes
variedades do francês, presentes nas obras lexicográficas e na produção terminológica e,
além disso, pelo reconhecimento da importância da variação lexical geográfica dos orga-
nismos internacionais de normalização. Surge no meio francófono uma nova disposição
no sentido de preservar as identidades culturais nacionais e ao mesmo tempo encorajar a
comunicação internacional. O francês da Bélgica, assim como o do Québec e da Suíça
passam então a ser definidos como variedades nacionais e as designações de suas parti-
cularidades lexicais são chamadas, respectivamente, de belgicismos, quebecismos, e hel-
vetismos (GALARNEAU, A.; VÉZINA, R. apud CHANUT, 2012, p. 51).

Um exemplo dessa variação pode ser visto em a coisa está feia para, em português do Brasil, no
sentido de que a situação está ruim, desfavorável, encontrado no português de Portugal como o caldo está
entornado, no francês da França e da Bélgica como c’est la galère pour e no Quebec canadense como ça va mal 131
à shop; além de comprovar a variação, tais EIs expressam também a estranheza ou até incompreensão no
caso de uma tradução generalizada, pois enquanto para determinada cultura uma expressão remete a um
significado específico, para outra ela pode significar apenas palavras soltas.
Devido a essa variação e ao fator cultural considerado determinante na concepção e consagração
de uma EI, é bastante significativo o levantamento de equivalentes suíços, visto que o país se configura
como um imenso laboratório para estudos interculturais devido a sua diversidade linguística e sua história.

Importância da variante suíça

É de conhecimento geral que, de um lado, há uma grande semelhança entre o francês da França e
o do Quebec canadense, o da Bélgica, o de cantões da Suíça e o das diversas ex-colônias francesas, seme-
lhanças que não permitem considerá-los como idiomas distintos; por outro lado, existem diferenças mar-
cantes no que concerne a alguns elementos linguísticos, sobretudo ao léxico e a seus usos. Em primeiro
lugar, portanto, é indiscutível que a Suíça representa uma comunidade francófona bastante significativa na
Europa, o que assegura como pertinente a escolha dessa variante da língua francesa. Além disso, a Suíça
configura-se como um grande laboratório para os estudos interculturais, dado sua diversidade linguística
intrínseca e os conflitos culturais provenientes dessa tensão, que se refletem nos usos exclusivos da língua
em cada cantão. A Suíça tem, portanto, essa particularidade importante em relação à França: é uma Con-
federação (helvética), em que ocorre o plurilinguismo e a interinfluência de diferentes culturas dentro do
próprio país. Na criação do Estado federal moderno, em 1848, a Suíça adotava quatro línguas nacionais
oficiais: alemão, francês, italiano e romanche, porém, desde 1938, o artigo 116 da Constituição federal
suíça considera o romanche “nacional” mas não “oficial” (Rossillon, 1995, p.60). Dos 26 cantões, quatro
são exclusivamente francófonos: Genebra, Vaud, Neuchâtel e Jura; três são bilíngües, francês-alemão: Va-
lais, Friburgo e Berna.

Especificações para uso do dicionário: dados microestruturais concernentes à nomenclatura em


PB

a) As entradas representam sempre o núcleo de cada EI, ou seja, a menor unidade complexa de
significação no discurso, sobretudo no caso das EIs verbais, mas são indicadas as combinações variáveis
mais comuns. Por exemplo, apenas “numa fria” (em situação adversa, embaraçosa) e seu equivalente dans
le pétrin figuraram como entradas, mas está descrito que o seu uso é frequente depois de verbos como
“andar”, “entrar”, “estar”, “ficar” etc., ou, em francês, depois de être, finir, se mettre etc., o que evita uma
multiplicação de entradas com o mesmo significado.
b) A cada EI em PB segue uma definição parafrásica, simples e curta. No caso das entradas
polissêmicas, cada definição ou sentido é numerado.
b) Abaixo da definição, constam entre colchetes informações complementares úteis para o usuário do
dicionário, seja uma marca de nível de linguagem ou de valor de significação, seja uma nota em relação à
origem ou à motivação criadora da expressão, seja ainda alguma restrição sintática.
Como as origens hipotéticas ou supostas são abundantes no universo fraseológico, a explicitação
das origens é restrita às origens supostas mais confiáveis (sobretudo quando há uma relação histórica à
qual a EI se vincula) ou do que diz respeito aos domínios que motivaram a criação da expressão (como
Biologia, História, Religião etc.).
Quanto aos níveis de linguagem, são considerados os níveis coloquiais (que implica uma proximi-
dade entre locutores, autorizando-os a transgredir certas regras na interlocução) e padrão como específicos 132
das EIs. Por essa razão, eles não são informados nas entradas. Em contrapartida, os registros cultos (busca
por um nível de purismo, de elegância e vulgar (emprego de unidades lexicais grosseiras ou que apresentam
conotação de caráter indecoroso) são indicados, assim como o coloquial distenso (intermediário entre o co-
loquial e o vulgar).
Também assinalam-se as marcas de valor: as acepções intensivas (sentidos mais fortes em intensi-
dade), irônicas (sentidos que revelam depreciação, utilizando muitas vezes a antífrase), eufemísticas (sentidos
que apresentam certo atenuação), melhorativas (sentidos que implicam uma percepção favorável ou elogiosa)
e pejorativas (sentidos que implicam, ao contrário da acepção anterior, uma percepção desfavorável, degra-
dante ou depreciativa) são indicadas especialmente porque elas são pertinentes para a função de codifica-
ção ou de produção textual que este dicionário também favorece.
No caso de restrições sintáticas (restrições de sujeito ou complementos ou de combinatórias ver-
bais, para os SN, SAdj ou SAdv), elas são inseridas nas informações complementares.
c) Os exemplos são todos extraídos da web com a indicação do endereço e data de consulta.
d) A sinonímia: se a EI da entrada possui uma ou várias outras expressões de sentido similar, estas
são indicadas em ordem alfabética (por exemplo: acertar na mosca e acertar no alvo são sinônimos que
constam na entrada acertar em cheio), mas estes equivalentes figuram apenas no verbete da primeira EI
do paradigma alfabético (nas entradas acertar na mosca ou acertar no alvo, remetemos o usuário à
entrada acertar em cheio, a primeira em ordem alfabética).

Metodologia da busca dos equivalentes FS

a) Para a proposta de equivalentes em FS, buscamos em site:ch, voltando aos dados oferecidos
pela União Latina que, para o FS, estabelece 4 milhões de páginas da web. E esse número garante o limiar
de 4 ocorrências em páginas diferentes, para podermos atestar uma expressão utilizada em contexto suíço
como frequente. Então, como primeiro procedimento metodológico, levantamos na web os equivalentes
suíços às 1500 entradas do PB, com base nos equivalentes franceses, belgas e canadenses já estabelecidos.
Utilizamos, em seguida, os dicionários específicos suíços.
b) As preposições, de uso obrigatório ou muito frequente nas EIs, constam em cada equivalente,
assim como na entrada de cada verbete.
c) Os equivalentes seguem estritamente a classe gramatical da entrada. A uma sequência verbal
(SV) como entrada em PB correspondem equivalentes SV nas outras línguas; a uma sequência nominal
(SN), estarão associados equivalentes que pertencem à classe dos SN; se uma sequência estiver em função
adjetiva (SAdj) em PB, seus equivalentes pertencerão à classe SAdj; e para as entradas que são sequências
adverbiais (SAdv), os equivalentes em FS, assim como em PP, FF, FB e FC, pertencerão à mesma classe.
d) Os exemplos também foram todos extraídos da web com a indicação do endereço e data de
consulta. Procuramos selecionar os contextos de modo a fazer um recorte de trechos suficientemente
ilustrativos do sentido da EI em questão.
e) Sempre que o nível de linguagem ou a marca de valor dos equivalentes forem distintos do nível
ou valor da entrada, esses equivalentes indicarão a diferença.

Modelo de verbete (verde: PP; azul: FF; amarelo: FB; vermelho: FC; roxo: FS)

A introdução dos equivalentes e contextos em FS na estrutura esquemática do dicionário seguiu o


modelo abaixo:
133
EI en PB: paráfrase definicional em PB
[informações complementares, de natureza diversa (origem, restrições
sintático-semânticas ou especificações sociolinguísticas e pragmáticas)]

Contexto do exemplo.
(fonte web, data)

Sin.: xxx, yyy, zzz, (sinônimos em PB, quando houver)


Equiv. em: xxx (EIs sinônimas em PB que é a 1ª EI em ordem alfabética = remissão)

EI em PP: Contexto do equiv. (fonte web, data)

EI em FF: Contexto do equiv. (fonte web, data)

EI em FB: Contexto do equiv. (fonte web, data)

EI em FC: Contexto do equiv. (fonte web, data)

EI em FS: Contexto do equiv. (fonte web, data)

A título de ilustração:

balaio de gatos: confusão, desordem


[pej.; alusão à imagem denotativa dos movimentos desatinados que vários gatos fariam num
balaio]

Nas décadas seguintes, a new age ganhou tantas divisões que acabou virando um balaio de gatos.
(veja.abril.com.br/090102/p_106.html, 08/03/11)

Sin.: saco de gatos


balaio de gatos: A oposicao é um balaio de gatos! Por isso o AJJ e sua turma se
perpetuaram na Madeira! (dnoticias.pt/comment/reply/248554/69658, 08/03/11)

saco de gatos: Dividido em grupos e grupinhos, o PSD não é mais do que um saco de
gatos onde já ninguém se entende.
(cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/.../um-saco-de-gatos, 08/03/11)

134
sac d'embrouilles: La vie de Kevin devient vite un dangereux sac d'embrouilles.
(gallimard.fr/gallimard-cgi/AppliV1/affied.pl?ouvrage=210520012177200, 07/04/05)

sac de noeuds: Enfin, la candidature turque ajoute son propre noeud de difficultés au sac de nœuds
européen. (epoint.fr/edito/document.html?did=145262, 21/04/05)

sac d'embrouilles: Les quatre experts chargés de vider le sac d’embrouilles sont clairs : il sera
difficile d’auditionner les magistrats, sous peine d’entacher de nullité les procédures judiciaires en cours de
l’Affaire Fortis.
(richard3.com/2009/02/les_gaietes_du_parlement.html, 07/02/12)

sac de noeuds: Chacun retrouvera dans ces personnages des traits de personnes connues peu ou prou, et
appréciera, à la mesure de l’écho qu’elle fait chez lui, la résolution cathartique de ce sac de noeuds
familial.
(martinrou.be/site/index.php?node_id=742, 07/02/12)

sac de noeuds: Si nous commençons à nous emmêler nous-mêmes dans les fils de nos festivals de cinéma,
imaginez le sac de noeuds qu'y voient nos amis étrangers.
(moncinema.cyberpresse.ca › ... › Chroniqueurs, 08/03/11)

sac d'embrouilles: [...] la connaissance des droits des employés peuvent s'avérer un sac
d'embrouillespour une entreprise nouvellement établie et devenir un vrai casse-tête [...]
(icsglobal.ch/ICS_labour_law_fr_13.shtml, 26/02/14)

• sac de noeuds: L'exercice était pour le moins périlleux. Le dossier CGN était un véritable «sac de
noeuds » où s'affrontaient des objectifs souvent divergentes […]

(blogs.verts verts-vd.ch/marthaler/2011/cgn-tout-est-bien-qui-commence-bien,
26/02/14)

Resultados e discussão para a coleta dos equivalentes suíços:


Apresentamos a seguir os resultados inéditos de uma amostra das 200 primeiras EIs do DEIPF,
na qual foram encontradas 3 expressões de uso específico da Suíça:
abrir a boca: falar o que sente, o que pensa ou o que sabe; re- piper mot : “C'est uniquement
velar segredos l'expression de votre choix d'être
[relaciona-se à parte do corpo humano comum em metáforas entendu par le juge au lieu d'accepter
sobre expressão verbal] une condamnation sans piper
mot.”
Se você não abrir a boca, se não souber expressar seus
(http://www.jurisconsult.ch/,
sentimentos, jamais poderá reclamar que não é compre-
23/04/16)
endida.
(revistaandros.com.br/fale3_2004.html, 02/04/04)
135
a jato: muito rapidamente en deux temps (et trois
[intens.; refere-se ao avião "a jato"] mouvements) : Ambiances
crépitantes en deux temps deux
Para inaugurar as fotos gastronômicas resolvi fazer uma
mouvements.
jantar a jato. Daqueles que ficam prontos em meia hori-
(http://www.lecintra.ch/events.
nha.
html, 15/05/16)
(bolsademulher.com/revista/ 15.976.1462/file_a_jato.html,
15/09/05)
ano de vacas gordas: tempos de fartura, de prosperidade vaches grasses : Les vaches
[orig.: Bíblia; vem do Antigo Testamento, quando um rei do grasses paraissent de plus en plus
Egito sonha com sete vacas magras devorando sete vacas gor- lointaines. Selon l’étude 2016 du
das. Esse sonho revelaria sete anos de prosperidade e sete Crédit Suisse sur le marché
anos de miséria] immobilier suisse, les portes du
paradis se sont refermées. Mais on est
Para os Estados e os municípios brasileiros que recebem
loin de l’enfer!
royalties sobre a produção e de petróleo, 2001 foi um ano
(http://www.toutimmo.ch/med
de vacas gordas.
ia/transfer/doc/i_2016_03_07_
(infoener.iee.usp.br/infoener/ hemeroteca/ima-
802_c.pdf, 15/05/16)
gens/56530.htm, 21/02/06)

Tais equivalentes revelam uma aproximação da Suíça com os outros países francófonos, devido à
pouca quantidade de resultados, apesar de configurar-se como um país plurilinguista. Seria necessário um
levantamento de dados realizado na língua falada do cotidiano suíço para confirmar os usos e desusos das
EIs, pois quanto se trata de expressões presentes nos textos escritos da web, o que sobressai é a utilização
na Suíça das mesmas expressões empregadas na França e em outros países francófonos.
Entretanto, observou-se também que, dos 200 equivalentes iniciais, 14 deles não apresentaram
equivalentes em FS, como descrito abaixo:

abrir a mão: dar com generosidade


a ferro e fogo: brutalmente
aí é que a porca torce o rabo: aí é que está a grande dificildade
aí tem truta: há algo escondido e suspeito
a oitava maravilha do mundo: algo de extraordinário
a passos de tartaruga: lentamente
apunhalar pelas costas: trair alguém covardemente
arrastar a asa para: cortejar, lisonjear
arrastar as sandálias: dançar
arrumar a casa: colocar as coisas em ordem
banho de gato: banho tomado de modo muito superficial
bater com a cara na porta: não encontrar a pessoa com quem se quer falar
beijo de desentupir pia: beijo bastante prolongado e ardente, envolvendo a língua
beijo de Judas: gesto de falsidade

Apenas nos dois últimos casos, beijo de desentupir pia e beijo de Judas encontramos equivalentes que, 136
contudo, não apresentaram a frequência mínima em contextos de uso. São eles langue fourrée e baiser de Judas.
São os casos que devem ser encontrados com maior facilidade na língua falada do cotidiano suíço e que,
contudo, não se fazem presentes em grande quantidade na língua escrita.
Finalmente, conforme análise dos dados levantados, compreendeu-se que o entendimento e a cor-
reta utilização de uma EI é bastante complexo para um aprendiz de língua estrangeira, do mesmo modo
que sua utilização pode ser difícil até mesmo para um falante em sua língua materna quando este se apre-
senta menos exposto à variação lexical devido ao baixo nível escolar ou à diferença de gerações.
Contudo, mesmo que um falante em sua língua materna consiga depreender o sentido da EI através
do contexto / situação ou mesmo através da exposição às variações linguísticas com o passar dos anos,
para um aprendiz de língua estrangeira não basta apenas o contexto ou o tempo, daí advém a importância
da ampliação do dicionário, visto que EIs são tão usadas no cotidiano quanto qualquer outra expressão ou
construção lexical.
Sendo as variações linguísticas decorrentes do tempo e das gerações, é de extrema necessidade sua
constante pesquisa e atualização, de modo a auxiliar tanto um nativo quanto um aprendiz a compreender
velhas e novas EIs, proporcionando-lhes a leitura de textos antigos e mais atuais sem que haja o incômodo
do desconhecimento nesse quesito.
Por fim, ao abordar o francês da Suíça, é importante ressaltar que, apesar da pouca variação ex-
pressada nessa amostra da pesquisa, trata-se apenas dos 200 primeiros equivalentes comparados de um
extenso dicionário sempre propício a ampliações, de modo que é esperado um aumento significativo de
equivalentes únicos quando comparados percentualmente os equivalentes aqui levantados ao todo do di-
cionário.

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O ESFORÇO COGNITIVO
NO PROCESSAMENTO DE PARTÍCULAS MODAIS ALEMÃS

Marceli Cherchiglia AQUINO (USP)

Introdução 139

Segundo a premissa das abordagens processuais em tradução, para acessar a intenção pretendida
pelo texto-fonte, é preciso identificar as informações do ambiente cognitivo mútuo, isto é, o conhecimento
que o comunicador acredita compartilhar com seu público-alvo. Cabe, então, ao tradutor reconstruir o
ambiente cognitivo compartilhado no texto-fonte, já que com base na perspectiva da Teoria da Relevância
(doravante TR), apesar de o código linguístico exercer um papel importante na comunicação verbal, ele
não representa por si só um fator decisivo no processo de interpretação.
Para Gutt (2000), o elo entre o texto traduzido e o original encontra-se na relação de semelhança
estabelecida a partir da interpretação de diferentes estímulos. O conceito de semelhança interpretativa é
também adotado de forma análoga por Leiss (2012) contempla a tradução como a habilidade de negociar
e identificar as informações compartilhadas, em que o emissor e o receptor tornam-se envolvidos na in-
terpretação de um estímulo (LEISS, 2012). Segundo a Teoria da Mente (doravante ToM), esta habilidade
linguística de identificar as informações do ambiente cognitivo é chamada de deslocamento duplo
(ABRAHAM; LEISS, 2012). De acordo com os postulados da ToM, por meio das PMs os indivíduos
envolvidos no processo interpretativo são divididos em múltiplos pontos de vista para que a comunicação
seja bem-sucedida. Assim, as PMs seriam meios de acessar o ambiente cognitivo do receptor e convidá-lo
à interação.
Aquino (2016) defende que, se compreendidas e utilizadas adequadamente, as partículas modais
(doravante PM) podem gerar implicaturas fortes na busca de semelhança interpretativa e, por meio da
capacidade metarrepresentativa, pelo viés da TR, proporcionam um elo entre os ambientes cognitivos dos
indivíduos. Segundo a perspectiva de Gutt (2005), a metarrepresentação é alcançada via metareflexão, ou seja, a
capacidade que os seres humanos têm de representar como outra pessoa representa um estado de coisas.
Desta maneira, a metarrepresentação tem o intuito de reconstruir tanto os ambientes cognitivos do público-
alvo do texto-fonte quanto o do público-alvo do texto-alvo. A capacidade de metarrepresentar desempe-
nha um papel primordial para os estudos da tradução de PMs, pois ajuda a explicar como os processos de
explicitação ocorrem, orientando o pesquisador no reconhecimento das estratégias utilizadas durante a
realização da tarefa de pós-edição (doravante PE).
A ligação entre as Teorias da Relevância e da Mente está, portanto, relacionada com a capacidade
de inferir a respeito de estados mentais uns dos outros, sendo que as PMs funcionariam como pistas
comunicativas que direcionariam a geração de implicaturas fortes ou fracas para o processamento inferen-
cial. Para a tradução, esta capacidade estaria aplicada à busca por semelhança interpretativa ótima, em que
autor, tradutor e público-alvo compartilham mutuamente seus ambientes cognitivos. Para tanto, a noção
de metarrepresentação se faz necessária, porque nem sempre essa configuração ideal é possível.
Existem diferentes propostas e formas de investigar o significado, o uso e a função das PMs no
discurso. A dificuldade de compreensão destes elementos está ligada à sua direta dependência contextual,
à sua interação com o conteúdo sintático e à sua relação com os indivíduos envolvidos no processo inter-
pretativo. Neste sentido, as PMs são utilizadas para realizar diferentes funções no diálogo, podendo ser
consideradas como: indicadoras ilocucionárias (HELBIG, 1977, p. 34; KAWASHIMA, 1989, p. 281); in-
dicadoras de fronteira, na oração, entre informações novas e antigas (KRIVONOSOV, 1989, p. 33-35);
estabelecedoras de coerência (KÖNIG; REQUARDT, 1991); expressões da atitude do emissor e receptor
(GELHAUS, 1995, p. 371); meios de adequar um discurso a uma interação comunicativa (THURMAIR,
1989, p. 2; HELBIG; BUSCHA, 1986, p. 476). Além disso, as PMs foram apontadas como tendo uma
natureza indexical (FILLMORE, 1984; PETRIC, 1995; WALTEREIT, 2001), na qual sua função grama-
tical seria a de conectar o discurso com o contexto pragmático. 140

Concomitantemente, Leiss (2012, p. 44) qualifica as PMs como técnicas para proporcionar uma
ligação especial entre o enunciado, o contexto e o conhecimento mutuamente manifestado entre o emissor
e o receptor. Essa relação é guiada pela troca de informações relevantes. Ou como Abraham (2012, p. 76)
descreve “O emissor investiga o que o ouvinte sabe e tem conhecimento, permite que ele saiba sobre esta
investigação, e o convida a comentar esta investigação (confirmando, corrigindo ou modificando)
(ABRAHAM, 2012, p. 76)”.25
Consequentemente, as PMs podem ser descritas como marcadores lexicais contextuais, com a fun-
ção principal de relacionar o enunciado com uma informação particular, considerando as intenções e ex-
pectativas dos indivíduos, e como estas são acessadas na busca de sentido (AQUINO, 2017, p. 158). Por-
tanto, as PMs apresentam uma função comunicativa tão relevante que, por meio delas, podemos modificar
e até mesmo criar situações (AQUINO, 2012, p. 12). Além disso, um fator importante para a compressão
e interpretação das PMs é o contexto. Segundo Heringer (1988, p. 739), a grande dificuldade de descrição
semântica das PMs advém do fato que elas ganham significado apenas dentro de um contexto.
Tendo isso em vista, um dos objetivos deste estudo é observar o impacto do insumo da máquina
sobre o processamento das PMs. Considerando que uma das maiores dificuldades para a máquina resida
na compreensão do contexto (HEDBLOM, 2010), parece plausível conceber que períodos contendo PMs
manifestem dificuldade no processo de refinamento de suposições inferenciais na pós-edição. No entanto,
supõe-se que o insumo linguístico gerado pelo sistema de tradução automático poderá suscitar inferências
pelo tradutor com o auxílio do insumo gerado pelo estímulo linguístico do texto-fonte.
De acordo com a perspectiva relevantista, os processos humanos são orientados à maximização
da relevância. Esta, por sua vez, é definida em termos de esforço e efeitos cognitivos envolvidos para
chegar a uma interpretação satisfatória do estímulo recebido (SPERBER; WILSON, 1995, p. 465). Os
efeitos cognitivos constituem o resultado da interação produtiva, isto é, relevante, entre o estímulo e o
conjunto de suposições armazenadas no sistema cognitivo. Neste sentido, a PE se encaixa na orientação
relevantista, já que aventa uma redução efetiva no esforço despendido no processo de tradução. O pós-
editor, ao receber o insumo da máquina, tem a tarefa de corrigir ou revisar os erros de significado e com-
preensão do texto cru (texto gerado pela máquina sem intervenção do pós-editor). Portanto, o profissional
trabalha com um produto inicial, tendo de corrigir o texto-alvo para alcançar um produto de qualidade em
um menor tempo de processamento.

25Tradução da autora para: “The speaker appraises what the hearer knows and what he is aware of, lets her know of this act of
appraisal, and invites her to comment on this appraisal (to confirm, to correct, to modify).
Propomos neste trabalho investigar o esforço de processamento de PMs no par linguístico ale-
mão/português, elucidando questões ainda não exploradas sobre a PE destes elementos. Neste sentido, a
duração e número das fixações oculares serão analisadas processualmente, com a intenção de acessar o
esforço despendido em tarefas de pós-edição em termos de texto-fonte e texto-alvo, tendo como ponto
de partida das áreas de interesse (doravante AOI), isto é, as orações contendo as PMs doch e wohl. Levan-
tamos a hipótese que o esforço de processamento nas AOI com as PMs será superior em relação ao
esforço de processamento no restante do texto-fonte e do texto-alvo.

Metodologia

Os dados processuais foram coletados com base na metodologia da triangulação (ALVES, 2003), 141
com a intenção de analisá-los por meio da relação entre métodos quantitativos e qualitativos. Com o apoio
do cruzamento dos dados procuramos aumentar as chances de sucesso e relevância da pesquisa ao obser-
var e tentar compreender o processo de pós-edição das partículas modais. Logo, foram empregados três
instrumentos de investigação, a saber: registros do programa Translog (JAKOBSEN; SCHOU, 1999 e sua
versão mais recente CARL, 2012), que gera dados quantitativos e permite o registro detalhado das ações
de teclado e movimentos do mouse enquanto o profissional realiza uma tarefa de tradução; as fixações
oculares por meio do rastreador ocular Tobii T60, que fornece dados qualitativos e quantitativos com re-
lação à fixação durante a realização da tarefa; protocolos verbais retrospectivos (livres e guiados) para a
obtenção de dados qualitativos que consistem na verbalização dos tradutores ou pós-editores após a rea-
lização da tarefa tradutória.
A amostra foi constituída de 20 participantes brasileiros falantes de português como L1 e alemão
como L2, e proficiência em L2 classificados como B2 até C1.26 Com relação à experiência em tradução,
60% dos participantes afirmou possuir alguma experiência e 40% nenhuma experiência, sendo que entre
eles 10% eram profissionais de tradução, e 10% tinham familiaridade prévia com PE, o restante adquiriu
este conhecimento por meio do workshop oferecido pela pesquisadora anterior à coleta de dados. O ex-
perimento foi constituído por cinco tarefas de PE realizadas em textos retirados de três sites alemães
(Stylebook, Yahoo e Spiegel), selecionados por apresentarem linguagem acessível e compatível para um pro-
cessamento em PE. As traduções automáticas foram realizadas pelo Google Tradutor.
Finalmente, as análises apresentadas neste trabalho foram pautada principalmente por dados pro-
cessuais adquiridos pelos resultados relativos ao número e à duração das fixações geradas pelo rastreador
ocular com relação às áreas de interesse contendo as duas PMs, na observação das mudanças e correções
por meio do programa Translog e pelos comentários retrospectivos nos protocolos (livre e guiados).

Análise dos resultados

Com o intuito de analisar o esforço de processamento despendido nas tarefas de PE em AOI


contendo PMs, apresentam-se, na sequência, o gráfico 1, que mostra em segundos a média da duração
(duração e número) por fixação ocular dos 20 participantes nas tarefas T1 a T5 para 2 AOIs nos textos
fonte e alvo contendo as PMs doch e wohl, e com relação ao resto do texto, também no texto-fonte (TF) e
texto-alvo (TA). Os resultados oferecem pistas sobre o esforço cognitivo despendido no processamento
de orações com PM, assim como, no restante do texto.

26 Classificação de proficiência baseada em certificados de diferentes instituições.


Duração por fixação

TF AOI
Média (s)

TF Restante
TA AOI
142
TA Restante

Gráfico 1: Distribuição da duração média das fixações por tarefa para todos os participantes na AOI e restante do texto.

Por meio da análise dos dados das cinco tarefas apresentadas no gráfico 1, uma das diferenças que
emerge à primeira vista é o valor superior das fixações no texto-alvo em comparação ao texto-fonte em
todas as tarefas. Para aferir a significância dessa diferença, aplicou-se um Teste T para as amostras refe-
rentes à AOI em cada uma das tarefas. Os resultados apontam que apenas no caso da T5 a diferença não
é estatisticamente significativa, (t(T1) = -4.408, p < 0.01; t(T2) = -1.879, p = 0.034; t(T3) = -1.920, p =
0.031; t(T4) = -1,851, p = 0.036; t(T5) = -0.722, p = n.s.). Este resultado corrobora com os encontrados
em outros estudos com tradução humana (PAVLOVIĆ; JENSEN, 2009; HVELPLUND, 2011). Conse-
quentemente, os dados de fixação indicam que existe um maior esforço alocado no processamento das
AOIs do texto-alvo, ou seja, no momento da PE das PMs no texto em português. Este impacto no esforço
de processamento advém da necessidade de novas inferências face ao insumo linguístico do tradutor au-
tomático.
Com relação ao esforço cognitivo despendido na área de interesse no texto-alvo, observa-se uma
maior duração de fixação nas tarefas T1, 351.06 ms, (DP: 71.38 ms); T3, 348.07 ms, (DP: 89.49 ms); e T2,
328.58 ms, (DP: 78.76 ms); respectivamente. Além disso, o esforço alocado na AOI contendo PMs, com
exceção às tarefas T3 e T4, foi superior ou semelhante com relação ao esforço despendido no restante do
texto. Tal constatação também se verifica para o TF. Segundo a hipótese deste trabalho, o processamento
das AOIs contendo PMs seria superior quando comparado ao esforço despendido no texto-fonte e texto-
alvo do restante do texto sem PMs. Este fato pode ser observado apenas em algumas tarefas (T1, T2 e T5
no texto-fonte e T1 e T5 no texto-alvo), onde é possível encontrar uma maior duração de fixação na
oração contendo PM. Entretanto, a diferença mostra-se não estatisticamente significativa tanto para o TF
(t(T1) = 0.248, = n.s.; t(T2) = 0.333, p = n.s.; t(T3) = 0.006, p = n.s.; t(T4) = -0.264, p = n.s.; t(T5) =
0.171, p = n.s.) quanto para o TA (t(T1) = 0.513, p = n.s.; t(T2) = 0.061, p = n.s.; t(T3) = -0.293, p = n.s.;
t(T4) = -0.697, p = n.s.; t(T5) = 0.332, p = n.s.). Assim, com a amostragem disponível para a realização
do presente trabalho, pode-se apenas reconhecer uma tendência com relação à aceitação da hipótese. Em-
bora a análise estatística descritiva não nos forneça, portanto, a aceitação (ou rejeição) da hipótese de
trabalho, os dados indicam, na maioria das tarefas, que o esforço de processamento nas AOIs pode vir a
ser maior que o despendido no restante do texto.
Um maior esforço de processamento nas AOIs contendo PMs pode advir do desafio de interpretar
ou metarrepresentar estes elementos na busca de semelhança interpretativa para o português. Este dado
aponta que o processamento das PMs exige um maior esforço para alcançar efeitos contextuais desejados.
Entretanto, a diferença entre o esforço despendido na AOI e no restante do texto não apresentou dife-
renças tão significativas como primeiramente suposto. Neste sentido, por meio da descrição das unidades
de tradução (doravante UTs) e dos protocolos verbais será foi evidenciar estas e outras características
encontradas no processamento das tarefas.
A necessidade de selecionar macro UTs nas AOIs justifica-se pelo fato de constituir um indício
que permite analisar a distribuição do esforço em termos de texto-fonte e texto-alvo. Para que se possa ter
143
um panorama geral das UTs geradas por cada participante nas tarefas de PE, e das alterações realizadas
no insumo do sistema de TA, as tabelas subsequentes mostram o conjunto de UTs produzidas nas AOIs
com as PMs doch e wohl.
Como comentado anteriormente, após a coleta de dados, os participantes realizaram dois proto-
colos verbais sobre o processo que acabaram de efetuar, com o uso da função replay do Translog, momento
em que os tradutores tiveram a oportunidade de visualizar todo o processo que acabaram de realizar, para
que então pudessem fazer os seus comentários se baseando naquilo que viam na tela. Os protocolos são
instrumentos de coleta que possibilitam a recuperação de informações de natureza inferencial e processual
permitindo ao pesquisador tentar construir hipóteses baseadas em dados quantitativos.
No protocolo livre, os pós-editores foram estimulados a verbalizar suas reflexões sobre as diferen-
tes etapas do processo de PE, comentando, dentre outros, sobre a tomada de decisão e problemas encon-
trados. No segundo protocolo, o guiado, responderam-se perguntas específicas sobre a AOI. As questões
disponibilizadas aos participantes foram previamente preparadas pela pesquisadora e tinham o intuito de
obter informações relevantes com relação ao processamento das PMs, sem informar qual era o interesse
principal deste trabalho.
Para auxiliar a compreensão das edições realizadas nas cinco tarefas (T1-T5) reportamos, nas ta-
belas abaixo, as modificações feitas pelos participantes (P1-P20) nas AOIs com PMs. Além disso, apre-
sentamos os temas principais oferecidos nos relatos retrospectivos. Estes dados são referentes às edições
e comentários direcionados apenas à AOI contendo PM.
144

Tabela 1: Macro UT da T1 com PM wohl

A T1 representou a com maior duração média de fixação ao se comparar com as outras tarefas e
com o restante do texto. Este resultado pode ser justificado pela necessidade de mais instâncias de inter-
venção com relação ao insumo da máquina, por apresentar uma tradução literal. Entretanto, a relação entre
esforço e efeito foi satisfatória, já que os participantes conseguiram efetivamente encontrar efeitos con-
textuais relevantes para o texto-alvo. O comentário do P6 nos ajuda a melhor compreender o processa-
mento da AOI:

P6: “A máquina vai ao pé da letra. Isso me incomodou. A construção da última frase com portanto, por
exemplo, é difícil de passar para o português. A frase em português estava estranha e eu reescrevi da forma
que julguei o que era mais parecido em alemão”.

Desse modo, P6 precisou metarrepresentar a intenção pretendida pelo texto-fonte em alemão,


procurando encontrar semelhanças interpretativas por meio da avaliação do ambiente cognitivo e do con-
texto. A PM doch precisou ser editada a fim de interpretar a sua função no contexto, ou seja, evidenciar
uma contradição na concepção do receptor, apresentando uma opção que ele deveria considerar. Com o
uso desta partícula, a personagem finaliza o assunto, não abrindo espaço para uma discussão. Portanto, o
participante necessitava representar o ambiente cognitivo deste emissor, e encontrar semelhanças inter-
pretativas que gerariam efeitos contextuais adequando para o texto-alvo em português.
As verbalizações nesta tarefa estavam focadas principalmente na não aceitação do insumo da má-
quina, assim como na importância da adequação do significado de doch para o português. Neste sentido,
os participantes comentaram sobre a problemática de interpretar este elemento, demonstrando uma pre-
ocupação efetiva em aumentar os níveis de acessibilidade contextual para os leitores do texto pós-editado.
O exemplo abaixo auxilia a compreensão desta representação:

P5: “Eu mudei para quem não puder que pare de me seguir. Eu achei que tinha que ser uma coisa mais forte.
Essa construção é recorrente no português. Para mostrar que ela estava contra-atacando. Queria que pa-
recesse uma frase mais direta”.

145

Tabela 2: Macro UT da T2 com PM doch

Segundo as decisões tradutórias, como os relatos, os participantes consideraram que o sistema de


TA ofereceu uma tradução adequada para a AOI, necessitando, no entanto, edições quanto à função da
PM wohl neste contexto. Além disso, a interpretação das funções semânticas, dependendo da posição da
PM wohl, foi um tema recorrente. Neste sentido, tanto as edições como os comentários retrospectivos,
demonstraram a relevância de analisar as PMs em diferentes posições em contextos específicos.
Em geral a partícula wohl é utilizada quando o emissor quer sinalizar incerteza com relação à pro-
posição (THURMAIR, 1989, p. 143). Na AOI do texto-fonte, esta PM evidencia uma suposição que o
assassino será acusado e/ou processado na segunda-feira. Assim, o ato de ser acusado deve acontecer, já
que ele assumiu a autoria do crime, a dúvida ou hipótese recai sobre o momento em que esta ação acon-
tecerá. Os comentários abaixo explicitam a metareflexão com relação à significação deste elemento dentro
do texto:

P5: “Tirei provavelmente e coloquei deve. Provavelmente parecia uma ideia, sem saber. Deve por causa do con-
texto, vai ser processado na próxima segunda-feira. Referencia à situação do tempo, quando algo será feito.
Deve fica mais provável que provavelmente, fica mais forte e no português, soa melhor”.

P11: “O que me incomoda é o uso do wohl ele não tem uma correspondência clara. Eu procurei encontrar
algo que ficasse claro no português. Eu acabei omitindo e realizei mudança na ordem da frase para trazer
para o português”.

As edições e os comentários retrospectivos evidenciaram a importância da PM na frase, sinalizando


que a sua função é de extrema importância para a metarrepresentação de um texto para o outro. A PM dá o
tom de como o enunciado deve ser compreendido, ou seja, qual a intenção comunicativa do emissor, e
qual a expectativa do público-alvo. Ou como poderíamos explicar em consonância com a ToM, por meio
de um deslocamento duplo, o pós-editor é dividido entre a intenção do emissor e a expectativa do receptor.
Ainda, nesta tarefa, a PM precisa ser traduzida com atenção à ênfase dependendo não apenas na sua função
comunicativa e no contexto, mas também da posição em que se encontrava na frase.

146

Tabela 3: Macro UT da T3 com PM wohl

Nesta tarefa, novamente wohl foi traduzida pela máquina como provavelmente. No entanto, ao
avaliar as pistas comunicativas desta PM na oração, alguns participantes não concordaram com a interpre-
tação do sistema de TA para wohl. Os pós-editores que realizaram estas mudanças concentraram-se não
apenas na recuperação no nível lexical, mas sim levando em consideração questões de natureza contextual.
Para produzir efeitos contextuais adequados, eles procuraram representar como o público-alvo melhor
compreenderia as informações pretendidas.
Já as verbalizações foram focadas na ordem da oração, ou seja, a necessidade em reorganizar os
elementos lexicais e sintáticos na frase. Outros temas relevantes foram o significado da PM wohl e a ade-
quação de semelhança interpretativa deste elemento modal para o português:

P1: “O wohl tem aqui mais grau de certeza que probabilidade”.

P3: “Eu mudei o wohl e coloquei é mesmo, afirmei. Ele está dizendo que é o melhor”.
Durante a produção textual da PE, estes participantes sustentaram-se em sua intuição e percepção
sobre a relevância e os efeitos contextuais. Segundo Gutt (2005), essa é uma estratégia que o tradutor pode
adotar tanto para auxiliar a audiência a ajustar seu ambiente cognitivo como para produzir a semelhança
interpretativa. Em vista disso, de acordo com a representação dos participantes, para esta tarefa, o advérbio
parece não oferecer a semelhança interpretativa adequada para o português, no sentido de acessar a inten-
ção do emissor do texto e do ambiente cognitivo do público-fonte. Este dado vem confirmar que é ne-
cessário levar em consideração a função das PMs dentro do contexto, avaliando a sua intenção comunica-
tiva.

147

Tabela 4: Macro UT da T4 com PM wohl

A AOI foi composta por uma grande oração que exigia instâncias de intervenção para uma reor-
ganização lexical, entretanto, os resultados da fixação ocular demonstraram que estas inferências não de-
mandaram um maior esforço cognitivo. Além da reorganização, a PE desta AOI, pedia um conhecimento
específico sobre futebol, o qual não fazia parte do ambiente cognitivo de boa parte dos participantes.
Portanto, alguns participantes tiveram dificuldade em processar a AOI por não conseguirem interpretar
as informações do texto-fonte para o texto-alvo, já que não tinham o conhecimento adequado para alcan-
çar efeitos contextuais relevantes, o que refletiu nos dados de fixação ocular.
No caso da PM, a maioria manteve a tradução oferecida pela máquina, ou seja, pareceu satisfeito
com a solução do insumo da máquina. Destarte, o processamento da PM também satisfez a relação de
esforço/efeitos necessários para a compreensão da intenção comunicativa da PM wohl neste contexto.
Com os exemplos das verbalizações apresentadas por P3 e P5 podemos ter acesso ao processamento de
wohl:

P3: “Deixei a tradução do wohl como provavelmente porque eu achei que nesse caso cabia neste contexto”.

P5: “De novo eu tirei provavelmente e coloquei deve. Que se o jogo fosse hoje é isso que deve acontecer né 148
(sic). Aí troquei a ordem da oração”.

Tabela 5: Macro UT da T5 com PM doch

O desafio principal desta tarefa foi encontrar indicações contextuais adequadas para a interpretação
da AOI. Os participantes verbalizaram com frequência sobre a dificuldade de encontrar semelhantes in-
terpretativos para doch, já que esta partícula se remetia a um acontecimento anterior que não conseguiam
identificar. Muitos mantiveram a tradução oferecida pela máquina, o que pode advir tanto da falta de
contexto como pela satisfação com relação à solução da máquina, ou pela escolha em utilizar o máximo
do insumo do texto-alvo.

P6: “Eu não traduziria o doch como na verdade ou no entanto, mas confiei na máquina. Como teria algo antes
que influenciaria na tradução, que eu não sei, acabei deixando. Se eu fosse traduzir sozinha teria falado é
bem verdade, que tem tom de adversativa, de oposição”.

P18: “A tradução de doch não representa o sentido dessa frase, eu tirei. Primeiro li a frase inteira e pensei
no sentido para ver se precisava colocar algo no português”.
O processamento, assim como nos relatos, evidencia que, na busca de pistas contextuais para en-
contrar semelhantes interpretativos da AOI com a PM doch, os participantes sinalizaram a importância da
interpretação destes elementos dentro de contextos específicos. Deste modo, com a falta de certas infor-
mações anteriores, parece difícil encontrar uma relação adequada entre os ambientes cognitivos do emissor
do texto-fonte e o público do texto-alvo. Tendo isso em vista, podemos observar que os resultados das
unidades de tradução para esta tarefa são homogêneos, pois os participantes aceitaram a tradução automá-
tica, apresentando dificuldade em solucionar o problema em questão.

Conclusão
149
Tendo como base os postulados relevantistas, tivemos a intenção principal de investigar o esforço
de processamento e decisões tradutórias durante a PE das PMs doch e wohl traduzidas automaticamente
pelo Google Tradutor. Para tal fim, foram observados e comparados dados de duração e número de fixações
oculares na área de interesse contendo as PMs, assim como no texto restante. Os resultados obtidos indi-
cam uma maior carga cognitiva na área contendo as PMs, fato esse que poderia ser explicado pela com-
plexidade de interpretação desses elementos modais.
De maneira geral, o desempenho dos participantes no experimento indica que a recriação do am-
biente cognitivo do texto–fonte no texto-alvo obedeceu à premissa de semelhança interpretativa, sendo
regulada por uma busca de equilíbrio entre o nível de esforço (cognitivo) empreendido e o nível de efeito
(contextual) almejado e variando segundo a metarrepresentação que o participante tenha dos textos–fonte e
alvo. Como foi observado, os resultados evidenciam uma tendência em direção a um maior esforço de
processamento na pós-edição de PMs, porém alcançando efeitos contextuais adequados.
Portanto, a análise das formas de interação entre o esforço e os efeitos cognitivos na PE de PMs
convergem para a mesma direção na interpretação do processo da tradução proposto por Alves (2005), na
qual a relação esforço/efeito é uma questão de grau. À luz da TR, o autor argumenta que a metarrepresentação
e o ambiente cognitivo dos tradutores têm um papel central para a atribuição do esforço necessário para
se alcançar os efeitos cognitivos, apontando para o dinamismo das relações entre esforço/efeitos.
Por fim, cabe salientar que este trabalho vem contribuir para a pesquisa na área de estudos da
tradução e linguística aplicada, no sentido que apresenta uma nova perspectiva sobre a função das PMs,
seu uso e função comunicativa dentro de textos jornalísticos, além de compreendê-las como elementos
dependentes de um contexto específico que pode ser traduzido em um sistema de tradução automática.
Não obstante, na literatura não é possível encontrar pesquisas empíricas a respeito do processamento e da
intepretação de PMs em tarefas de PE. Em vista disso, os resultados desta pesquisa podem enriquecer os
estudos de pós-edição à luz da TR, assim como compreender o significado e função comunicativa das
PMs, levando em conta que essa tarefa envolve processos mentais não só de compreensão, mas também
de metarrepresentação, seguida de reformulação em código distinto do recebido para compreensão.

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Pragmatics 33, 9, 2001, 1391-1417.
OS TERMOS PRÉFECTURE, SOUS-PRÉFECTURE E MARIE E SUA RELA-
ÇÃO COM A EMISSÃO DE PASSAPORTES E DOCUMENTOS FRANCESES

Milena de Paula MOLINARI (UNESP)


Lidia Almeida BARROS (UNESP)

152

Introdução

O Brasil e a França têm uma forte relação de amizade e, diante desse fato, em 2006 um projeto foi
lançado pelo Presidente Jacques Chirac (1995-2007) juntamente com o Presidente Luiz Inácio da Silva
(Ex-presidente Lula, 2003-2011), para que o Brasil ocupe um lugar no Conselho de Segurança da ONU
(FRANCE, 2014f). O comércio entre Brasil e França dobrou desde 2003 e a França se encontra atualmente
em posição de liderança com relação aos países que investem no Brasil. Há também forte cooperação
científica entre Brasil e França, com formação de muitos doutores e vários programas de intercâmbio de
estudantes brasileiros para França (FRANCE, 2014f).
Diante dessa relação entre esses dois países, estudar a terminologia dos passaportes e elaborar um
glossário dos termos nele encontrados é de grande importância social, visto que pode colaborar para uma
melhor comunicação entre autoridades alfandegárias e também contribui intensamente para o trabalho
dos tradutores juramentados ao se depararem com passaportes ou até outros documentos da área jurídica.
Nosso projeto se insere em um projeto maior, o Lextraju - O léxico para a tradução juramentada,
coordenado pela Profa. Dra. Lidia Almeida Barros na Unesp de São José do Rio Preto. Cada membro do
Lextraju trabalha com um tipo de documento visando, no futuro, à criação de um dicionário jurídico.
Esse trabalho é parte da Dissertação em nível de Mestrado intitulada Terminologia do domínio
dos passaportes franceses: estudo terminológico e elaboração de glossário monolíngue francês, realizado
sob a orientação da Profa. Dra. Lidia Almeida Barros e financiamento CAPES.
O objetivo deste trabalho é discutir a problemática dos termos Préfecture, Sous-Préfecture e Mairie e
sua relação com a emissão de passaportes e documentos franceses. Esses termos ocorreram em nosso
corpus 27e é importante ressaltar que a França possui uma organização política-administrativa diferente do
Brasil e por isso o conceito que o termo Préfecture designa, por exemplo, não é o mesmo conceito que o
termo Prefeitura designa, por isso esse trabalho se faz essencial no momento de uma tradução.

Os passaportes na França

Segundo Fichet (2014), foi sob o reinado de Luís XIV, no século XVII, que surgiu a necessidade
de criação de um documento que restringisse a entrada de pessoas na França e também que permitisse a
entrada dos franceses em outros países. Esse documento foi chamado de “passe-port”, pois a maior parte
das viagens aconteciam pelo mar, então, eles teriam que passar pelo porto.

27
O termo Mairie não ocorre em nosso corpus, porém para que não haja dúvidas em que o termo Préfecture não designa
o mesmo conceito que o termo Prefeitura, em português, houve a necessidade de pesquisarmos sobre esse termo.
Aos poucos outros países da Europa também foram aderindo a esse sistema, e além dos passapor-
tes, era necessária uma permissão do país para que os estrangeiros pudessem entrar em seu território. De
acordo com Fichet (2014), essa permissão era confirmada pelo carimbo que hoje conhecemos por visto.
Ainda segundo Fichet (2014), a partir de 1724 os viajantes franceses precisavam de um passaporte
especial, mas foi só a partir de 1792, com a Revolução Francesa, que esse passaporte foi criado. Esse
documento permitia que os franceses viajassem dentro da França, de região para região. Nessa época,
então, existiam dois tipos de passaportes: os passaportes para viajar dentro da França, e os passaportes
para o exterior, que custavam cinco vezes mais que o primeiro.
De acordo com Fichet (2014), em 1793, foi instituída também uma carta de segurança para morar
em Paris. Essa foi uma forma encontrada para assegurar que o morador não fosse suspeito de algum ato
de guerra, como explica Fichet (2014): 153

Em 12 de março de 1793 foi instituída a carta de segurança para residir em Paris, com a
finalidade de se certificar de que o portador não fosse suspeito. Ela ficou em vigor até
1799. Para obter esse documento, cada cidadão devia se apresentar acompanhado de duas
testemunhas no seu Comitê de Supervisão, ou do bairro depois de 1794, que realizava a
investigação. Nas cartas eram mencionadas profissão, idade, endereço e lugar de origem.
(FICHET, 2014)

Notamos que, aos poucos, crescia a preocupação do franceses com as pessoas que habitavam e
trabalhavam em território francês. Nesse sentido, eles começaram a adotar medidas que visavam uma
maior proteção do seu território.
Em 1803, a França criou o livreto de trabalho (que controlava os horários dos trabalhadores via-
jantes). Os trabalhadores viajantes que não possuíssem esse documento também poderiam ser considera-
dos como suspeitos de algum crime e até condenados. Essa medida foi abolida em 1890. O livreto de
trabalho, assim como os passaportes, buscavam a segurança da França e dos franceses, pois dessa forma
conseguiam controlar a entrada e saída de estrangeiros em seu território (FICHET, 2014). Também se
pode considerar a hipótese do controle do Estado sobre os cidadãos no sentido político, principalmente
num momento em que os movimentos dos trabalhadores intensificavam a pressão por direitos trabalhistas.
Retornando aos dois tipos de passaportes encontrados na França nessa época, de acordo com
Fichet (2014), os passaportes para o exterior eram emitidos pelas Préfectures e Sous-préfectures. Os passaportes
para o interior eram emitidos pelas Câmaras Municipais. Em Paris, pelos chefes de polícia. Fichet (2014)
explica que, de 1815 à 1870, os franceses foram obrigados a ter os dois passaportes para viagens no interior
e exterior da França:
De 1815 a 1870, é o decreto do 10° Vindimiário ano IV (02/10/1804) que obrigava as pessoas a
possuírem um “passaporte para o interior” para deixar os limites do cantão e um “passaporte para o exte-
rior” expedido pela Préfecture para viajar fora da fronteira. (FICHET, 2014)
Fichet (2014) também argumenta que o decreto que obrigava os franceses a possuírem os dois
passaportes foi sofrendo mudanças com o passar dos anos. Em 1828, as pessoas tinham que dizer quanto
dinheiro ganhavam para que assim pudessem ficar livres das taxas portuárias e os jovens tinham que jus-
tificar sua situação militar, para conseguir fazer viagens para outros países.
A partir de 1860, as ferrovias foram sendo utilizadas com mais frequência e o passaporte para o
interior foi aos poucos sendo deixado de lado até cair em desuso.
Ainda em meados de 1860, houve uma liberação entre França e Estados Unidos, ou seja, não havia
necessidade de obter o visto para viajar da França para os Estados Unidos, ou vice-versa, até que em 1868
houve uma supressão dos passaportes entre esses países (FICHET, 2014).
Entre 1860 e 1870, essa supressão dos passaportes também aconteceu entre ingleses, irlandeses,
noruegueses, suecos, belgas, espanhóis, dinamarqueses e luxemburgueses (FICHET, 2014). Não havia,
então, a necessidade de ter um passaporte para viajar de um desses países para outro, porém as pessoas
eram aconselhadas a andarem sempre com seus documentos pessoais que provassem sua identidade.
Segundo Denis (2010), o fim do século XIX foi uma época decisiva, pois foi marcada pelo fim do
passaporte para viajar no interior da França, e ao mesmo tempo aumentavam as viagens dos franceses
para o exterior, incrementando-se a demanda de estrangeiros querendo entrar na França.
Ainda no fim do século XIX, a França e toda a Europa foram tomadas por uma época de turismo,
por isso as pessoas queriam tanto entrar e sair da França (CANADÁ, 2015). Alguns querendo entrar para
conhecê-la, outros querendo sair para conhecer os países vizinhos. Sendo assim, os franceses precisavam
tomar medidas e distinguir quem poderia se beneficiar da proteção do Estado e dos direitos civis e sociais. 154
Crescia a exigência de ter a carteira de identidade que provasse quem era ou não francês e consequente-
mente, aumentava a exigência do passaporte também, para a identificação dos franceses no exterior (Ca-
nada, 2015).
Segundo Chirac (1986), depois de uma onda de atentados em 1986, o seu governo suspendeu todos
os acordos de isenção do visto de entrada e reestabeleceu a obrigação deste visto para os cidadãos de todos
os países do mundo, com exceção dos países da União Europeia, da Suíça, do Liechtenstein, de Mônaco,
de São Marino e do Vaticano. Além do visto de entrada, a França impôs um visto de saída, que os estran-
geiros residentes na França deviam pedir para viajar. Chirac (1986) acredita que essa mistura de povos
pode causar incerteza, mas também expectativa e esperança.

Mais profundamente ainda, a França se questiona sobre seu futuro enquanto nação, unida
pelo amor da mesma cultura e pela vontade de viver junto. De um lado, o crescimento
ininterrupto da população estrangeira sobre seu território, apesar do fim oficial, mas não
controlado da imigração; de outro lado, o inverno demográfico que entorpece nosso di-
namismo e não nos permite mais renovar nossas gerações. Todos esses fenômenos, que
tocam a alma coletiva de um povo, contribuem para se criar um clima complexo onde se
combinam ao mesmo tempo incerteza, mas também expectativa e esperança. (CHIRAC,
1986)

Chirac (1986) mostra a sua insegurança com relação aos estrangeiros que habitam na França.
Mesmo tendo havido o fim da imigração, esses estrangeiros ali presentes vão se reproduzindo e, assim, os
franceses vão se tornando um povo miscigenado. Esse sentimento que Chirac demonstra é um tanto xe-
nofóbico, característica eminente em muitos europeus. Esse fator pode ter contribuído para a preocupação
ao longo da história da França com a entrada de imigrantes, como se todos eles fossem um risco para o
território. Já nos anos 2000, com a imigração proveniente de vários países do mundo, a preocupação com
a segurança da França e dos franceses crescia a cada dia. Por conta desse fato, os passaportes estão sendo
atualizados com novas tecnologias e novas medidas de segurança. Em 2001 inicia-se na França o uso do
passaporte Delphine (Délivrance de passeports à haute intégrité de sécurité), um passaporte que possui
uma zona de leitura óptica (FRANCE, 2014d). Se esses passaportes fossem emitidos antes de 2005 não
seria necessário o visto para ir aos Estados Unidos, para os passaportes emitidos depois dessa data, o visto
se torna obrigatório (FRANCE, 2013i).
Os passaportes Delphine estão sendo substituídos por passaportes eletrônicos que possuem um
chip com informações como: nacionalidade, cor dos olhos, tamanho, nome da família, lugar e data de
nascimento, entre outras. Todas essas informações são para assegurar que o portador do passaporte é o
seu legítimo detentor (FRANCE, 2005c).
Nesse passaporte podemos notar as informações como nome, sobrenome, nacionalidade, sexo,
tamanho, cor dos olhos, data de nascimento, lugar de nascimento, data de emissão, data de expiração e
autoridade expedidora, como antes mencionados. As informações de descrição de pessoa física também
servem para a divulgação na mídia e nos órgãos de segurança, caso a pessoa seja suspeita de algum delito.
Segundo o Regulamento (CE) No 2252/2004 do Conselho de 13 de dezembro 2004, o passaporte
eletrônico é substituído pelo passaporte biométrico. Esse novo modelo de passaporte possui em seu chip
a imagem do portador digitalizada com duas de suas impressões digitais, medidas para maior segurança do
que apenas as informações contidas no passaporte eletrônico. Ele também é ligado ao sistema DEL-
PHINE, primeiro banco de dados biométricos francês utilizados para fins administrativos.
O passaporte biométrico é o passaporte usado atualmente pelos franceses, desde 2009 (Mairies et
Préfectures, 2014). Neste passaporte também há toda a descrição física que havia no anterior (passaporte 155
eletrônico). Além disso, nele também se encontra uma foto do portador digitalizada com duas de suas
impressões digitais, o que os torna mais moderno e mais seguro.
Nesse sentido, podemos observar a evolução dos passaportes com o passar dos anos, sobretudo
na França. Um documento que aos poucos foi se tornando obrigatório, pois com a globalização as pessoas
se deslocam de um país a outro com mais facilidade, tornando-se necessária a identificação dos mesmos
em países que não os seus de origem.

Fundamentação Teórica

Nossa pesquisa se dá no campo da Terminologia e se sustenta nos pressupostos teóricos da Teoria


Comunicativa da Terminologia (TCT) – Maria Teresa Cabré, 1999. Cabré (1999) ressalta que é impossível
desconsiderar o contexto no qual os termos estão inseridos, ou seja, os termos, antes de serem termos e
antes de estarem dentro de um contexto de especialidade, fazem parte do léxico da língua geral. Segundo
Barros (2004, p. 57), “a TCT reconhece a variação conceptual e denominativa nos domínios de especiali-
dade e leva em conta a dimensão textual e discursiva dos termos”. Cabré resume sua proposta da seguinte
maneira:

Em linhas gerais, a teoria que propomos pretende dar conta dos termos como unidades
singulares e às vezes similares a outras unidades de comunicação, dentro de uma esquema
global de representação da realidade, admitindo a variação conceptual e denominativa, e
levando em conta a dimensão textual e discursiva dos termos. Para atingir seus propósi-
tos, esta teoria se fundamenta em um conjunto de princípios que se descrevem por uma
serie de fundamentos coerentes com os pressupostos. (CABRÉ, 1999, p. 120)28

A TCT propõe, então, uma teoria que leva em consideração o contexto o qual os termos estão
inseridos. A TCT também considera a existência de variantes, de homônimos, de sinônimos e de termos
polissêmicos, pois sabemos que é difícil haver uma denominação única para cada conceito.
O objeto de estudo da Terminologia é o termo, ou seja, “a designação, por meio de uma unidade
linguística, de um conceito definido em uma língua de especialidade” (ISO 1087, 1990, p. 5). O termo

28
En líneas generales, la teoria que proponemos pretende dar cuenta de los términos como unidades singulares y a la vez
similares a otras unidades de comunicación, dentro de un esquema global de representación de la realidade, admitiendo la
variación conceptual y denominativa, y teniendo en cuenta la dimensión textual y discursiva de los términos. Para cobrir sus
propósitos esta teoría se fundamenta en un conjunto de principios y se describe por una serie de fundamentos coerentes con los
supuestos. (CABRÉ, 1999, p. 120)
também é conhecido como unidade terminológica e o conjunto dessas unidades é chamado de termino-
logia.
De acordo com Barros (2004, p. 40), o termo pode ser analisado de diferentes ângulos: do signifi-
cante e do significado, das relações de sentido que mantém com outros termos (sinônimos, homônimos
etc), do seu valor sociolinguístico etc. É importante levar em consideração o contexto de uso no qual o
termo está inserido, para, assim, podermos analisá-lo em seu uso real. Segundo Pavel e Nolet (2003), “o
contexto fornece informação sobre os traços semânticos de um conceito ou sobre o uso de um termo”.
Os termos são unidades linguísticas e, do ponto de vista de sua organização léxicossemântica, eles
podem ser classificados como termo simples e termos complexos. Os termos simples são formados por
apenas um lexema, por exemplo o termo simples passaporte. Já os termos complexos são constituídos de
dois ou mais lexemas, como passaporte de serviço ou passaporte diplomático. 156
O levantamento e estudo do conjunto de termos dos passaportes franceses e da legislação que os
rege que realizamos são feitos com base em um corpus textual, aqui entendido, como um “conjunto de
textos selecionados que serve de base a uma análise terminológica” (PAVEL; NOLET, 2003).
Para a identificação dos termos próprios do domínio dos passaportes tomamos a relevância se-
mântica como principal critério, ou seja, da importância (ou não) desse termo para o campo de estudos.
Além da relevância semântica, adotamos os critérios apresentados por Barros (2007, p. 42 a 50), utilizados
em Terminologia para se verificar o grau de lexicalização dos sintagmas terminológicos e determinar os
limites das unidades terminológicas sintagmáticas, a saber:
a) Designação de um conceito de área de especialidade: se a unidade lexical designar um conceito
particular da área de especialidade em questão, então esta pode ser um termo.
b) Não-separabilidade dos componentes: se ao separar os componentes, o significado original
dessa unidade for assim modificado, concluímos que não pode haver essa separação.
c) Existência de uma definição: se já houver em um dicionário especializado uma definição da
unidade terminológica, essa provavelmente será um termo.
d) Compatibilidade sistêmica: conjunto de termos que denominam conceitos relativos a elementos
de um mesmo campo conceptual. Por campo conceptual podemos entender um “conjunto de conceitos
que estão ligados entre si e que podem ser agrupados em torno de um conceito-chave” (ISO 1087, 1990,
p.4).
e) Substituição sinonímica: substituir um sintagma lexical por um termo simples ajuda na identifi-
cação dos termos.
f) Maneabilidade: facilidade de uso do termo em questão em textos especializados.
g) Imprevisibilidade semântica: neste caso o interpretante pode conhecer o sentido separadamente
de cada palavra do sintagma, sem conhecer o sentindo particular do termo sintagmático ou composto.
h) Co-ocorrências: o fato de aparecer sempre a mesma associação de palavras em um texto, indica
que pode ser um termo.

Esses critérios constituíram a base da análise terminológica que desenvolvemos com o fim de
identificar os termos de maior relevância e pertinência ao domínio dos passaportes franceses e da legislação
que os regem. É também importante destacar que cada um deles possui limitações, sendo necessário aplicar
mais de um critério para se ter certeza de que a sequência lexical estudada é realmente um termo.
Metodologia

Após o estudo das principais características do domínio dos passaportes na França, constituímos
um corpus formado pelo Decreto n° 2005 – 1726 de 30 dezembro de 2005 (FRANCE, 2005c) relativo
aos passaportes franceses e algumas cópias de passaportes obtidas pela internet, pois, por serem franceses
e por se tratar de um documento tão importante, encontramos dificuldade em ter esse documento real em
mãos emprestado por alguém. O corpus foi armazenado no Hyperbase, programa informático de tratamento
e análise de textos e léxico, desenvolvido por Etienne Brunet, pesquisador da Universidade de Nice –
França. – usamos a ferramenta Concordance (lista de concordâncias).
Para a verificação do estatuto de termo de cada unidade terminológica levantada, consultamos
dicionários jurídicos e de áreas afins para verificar se esses termos se encontram dicionarizados e se sua 157
definição coincide com o conceito que pudemos depreender dos contextos de uso. Outro critério utilizado
para esse fim consistiu em observar se os termos levantados são empregados na legislação relativa ao
domínio dos passaportes na França.
Para cada termo foi criada uma ficha terminológica composta dos seguintes campos: termo, gê-
nero, definição, contexto de uso, e observações sobre o termo. Nessas fichas foram registrados todos os
dados terminológicos acerca de cada unidade terminológica levantada em nossa pesquisa.
Após finalizado nosso glossário, partimos para as análises dos termos presentes em nosso corpus e
nos deparamos, então, com os termos Préfecture, Sous-préfecture e Mairie e sua problemática com a emissão
de passaportes e documentos franceses.

Reflexão sobre os termos préfecture, sous-préfecture e mairie

O termo Mairie não se encontra em nosso corpus, porém ao pesquisarmos sobre as definições dos
termos Préfecture e Sous-préfecture, deparamo-nos com o termo Mairie e com a necessidade de fazer a dife-
renciação entre eles, evitando assim uma confusão no momento da tradução dos mesmos para o portu-
guês.

PRÉFECTURE – s.f.
Símbolo de classificação : 1.2.1329
Definição/ Contexto explicativo: 1. Ville chef-lieu d’un département ou d’une région. Ensemble des
services dirigés par le préfet. 2. Immeuble dans lequel sont installés les services de l’administration
préfectorale. (CORNU, 2004, p. 691)
Contexto de uso: Les agents des préfectures et des sous-préfectures chargés de la délivrance des titres
visés aux articles 4 et 15, individuellement habilités par le préfet ou le sous-préfet. (FRANCE, 2005c)
Observações extralinguísticas: O termo Préfecture em francês é um órgão administrativo que tem como
circunscrição uma região maior do que apenas o município, como são as prefeituras no Brasil. 30

SOUS-PRÉFECTURE – s.f.
Símbolo de classificação : 1.2.16

29 Os números do Símbolo de classificação é para podermos identificar os termos na árvore de domínio, também
realizada em nossa dissertação.
30 Ficha de nosso glossário.
Definição/ Contexto explicativo: 1. Chef-lieu de l’arrondissement. 2. Ensemble des services dirigés par
le sous-préfet. 3. Immeuble dans lequel sont installés le sous-préfet et ses services. (CORNU, 2004, p. 864)
Contexto de uso: Les agents des préfectures et des sous-préfectures chargés de la délivrance des titres
visés aux articles 4 et 15, individuellement habilités par le préfet ou le sous-préfet. (FRANCE, 2005c)
Observações extralinguísticas: O termo arrondissement diz respeito a uma organização administrativa em
três cidades francesas – Marseille, Lyon e Paris.31

MAIRIE – s.f.
1. Administration municipale. 2. Bâtiment où se trouvent le bureau du maire, les services de
l’administration municipale et où siège normalement le conseil municipal. Hôtel (de ville). (ROBERT,
2012)32 158

PASSEPORT – s.m.
Símbolo de classificação : 1.1.12
Definição/ Contexto explicativo: Titre délivré par l’autorité administrative qui, certifiant l’identité, la
nationalité et le domicile de son titulaire, permet à celui-ci de voyager librement, not. de franchir les
frontières. V. visa. (CORNU, 2004, p. 653)
Contexto de uso: Afin de faciliter l'authentification du détenteur des passeports mentionnés à l'article
1er, ces titres comportent un composant électronique contenant les données mentionnées au même article,
à l'exception de la signature, ainsi que, hors le cas prévu au premier alinéa de l'article 6-1, l'image numérisée
des empreintes digitales de deux doigts. (FRANCE, 2005c)
Observações extralinguísticas: Os passaportes franceses são emitidos pelas prefeituras (Mairie) mais
próximas do lugar de domicílio. Se a aquela determinada prefeitura não puder emitir esse documento, as
pessoas devem procurar os órgãos chamados de Préfecture ou sous-préfecture. Em Paris, o pedido tem que ser
feito antecipadamente na Préfecture de Police do arrondissement (distrito) de domicílio. Fora da França, os pas-
saportes podem ser emitidos nas embaixadas ou nos consulados. (MAIRIES ET PRÉFECTURES,
2014).33

Pensando nos termos que denominam documentos temos os passaportes franceses, que são emi-
tidos pelas prefeituras (Mairie) mais próximas do lugar de domicílio. Se a aquela determinada prefeitura
não puder emitir esse documento, as pessoas devem procurar os órgãos chamados de Préfecture ou Sous-
préfecture.

O passaporte é emitido ou renovado pelo préfet ou pelo sous-préfet. Em Paris, ele é emitido
ou renovado pelo préfet de police. No exterior, ele é emitido ou renovado pelo consul.
(FRANCE, 2005c)34

Podemos perceber que em Paris, o pedido deve ser feito na Préfecture de Police do arrondissement
(distrito) de domicílio. Fora da França, os passaportes podem ser emitidos nas embaixadas ou nos consu-
lados.

31 Ficha de nosso glossário.


32 Definição do dicionário Le Petit Robert (2016). Não consta em nosso glossário.
33 Ficha de nosso glossário.
34
Le passeport est délivré ou renouvelé par le préfet ou le sous-préfet. À Paris, il est délivré ou renouvelé par le préfet de police. À l'étranger, il est
délivré ou renouvelé par le chef de poste consulaire. (FRANCE, 2005c)
Segundo Cornu (2004, p. 692), o Préfet é um alto comissário da República, responsável por uma
região ou departamento, diferente do prefeito no Brasil, que é responsável pelo bom funcionamento de
uma cidade. Já o Sous-préfet é responsável pelo bom funcionamento de um arrondissement. A Sous-préfecture
é o órgão administrativo responsável pela circunscrição de um arrondissement, que seria um bairro ou
distrito de uma cidade brasileira. O Sous-préfet é o responsável pela Sous-préfecture.
Podemos perceber que entre os termos desse tópico há uma relação do conceito que denominam
e a organização política e administrativa da França, pois além do uso, a configuração semântica varia tam-
bém, porque representam uma hierarquia colonial, em que préfet e sous-préfet são da França continental, isto
é, a metrópole e as demais são de territórios com bem menos autonomia e autoridade do que a França
hexagonal
Devido as diferenças entre a organização política-administrativa entre Brasil e França, concluímos 159
que a tradução adequada para o termo em português Prefeitura é Mairie e não Préfecture, constituindo-se
em um falso cognato a ser destacado por poder induzir o usuário a uma situação delicada. A Mairie é o
órgão mais próximo da nossa prefeitura, mesmo tendo alguns traços que as diferenciam. A Préfecture é
responsável por uma região maior que um município, sendo então um órgão diferente da nossa prefeitura.
A Sous-préfecture é o órgão administrativo responsável pelo arrondissement (termo que diz respeito à orga-
nização administrativa da cidade de Paris, Marseille e Lyon) (MAIRIES ET PRÉFECTURES, 2014)

Conclusão

Concluímos que a organização política-administrativa da França é diferente do Brasil e por isso


não poderíamos traduzir o termo Prefeitura como Préfecture em francês ou vice-versa. A Préfecture na França
é responsável por uma região maior do que apenas uma cidade, sendo assim já é um traço que diferencia
de nossa Prefeitura. A Sous-préfecture é responsável pelo bom funcionamento do arrondissement (organização
administrativa das cidades Paris, Marseille e Lyon) ou seja, dentro de cada uma dessas cidades possuem
várias Sous-préfecture. Tanto a Préfecture quanto a Sous-préfecture podem ser responsáveis pela emissão de pas-
saportes.
Por fim, o órgão mais próximo da nossa Prefeitura seria a Mairie, porém existem traços que as
diferenciam também, como por exemplo a emissão de passaportes. A Mairie também pode ser responsável
pela emissão de passaportes, sendo que no Brasil o único órgão que possui essa função é a Polícia Federal.

Referências

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QUESTÕES DE EQUIVALÊNCIA (PT↔FR) DOS
TERMOS DENOMINATIVOS DAS INSTITUIÇÕES DO DOMÍNIO
DAS CERTIDÕES DE CASAMENTO

Beatriz CURTI-CONTESSOTO (UNESP)


Lidia Almeida BARROS (UNESP)

161

Introdução

A Tradução Juramentada (TJ) pode ser entendida como a “tradução feita em formato apropriado
para ter validade oficial e legal perante órgãos e instituições públicas” (ANDRART, 2018). Nesse sentido,
a TJ “recobre-se de grande importância para as relações entre povos” (BARROS, CAMARGO, AUBERT,
2009, p. 50), já que é graças a ela que documentos são considerados oficiais em outros países.
Atualmente, a TJ no par de línguas português do Brasil (PT) e francês da França (FR) encontra-se
em um crescendum em virtude do estreitamento das relações entre esses dois países: são vários intercâmbios,
estágios e propostas de emprego tanto lá para brasileiros quanto cá para franceses. Dentre os tipos de
documentos mais traduzidos nessa modalidade, estão os documentos pessoais, tais como as certidões de
casamento, por exemplo.
A certidão de casamento é utilizada pelos cônjuges para comprovar diante do Estado e da socie-
dade a união constituída pelo casamento civil. Como todo documento, a certidão de casamento é regida
por uma legislação que é própria de um país e é registrada em sua língua. Por ser representativa da visão
de mundo de seus falantes, a língua é altamente marcada do ponto de vista cultural, uma vez que sofre
influências e interferências várias. Ademais, as relações jurídicas e civis também são altamente marcadas
do ponto de vista cultural. Assim, a certidão de casamento é um dos tipos de registro que, além de possuir
status jurídico, revela, por meio de sua terminologia, diversos aspectos sociais, políticos, históricos e cultu-
rais.
Considerando esses fatos, este trabalho tem os seguintes objetivos: a) comparar brevemente as
bases legais que atualmente tratam a celebração e o registro dos casamentos civis no Brasil e na França,
atentando-nos às semelhanças e às diferenças existentes entre as legislações desses países no que tange à
matéria em pauta, e b) discutir, à luz de uma perspectiva comparada, os graus de equivalência entre os
termos denominativos das instituições envolvidas na celebração e no registro de casamentos civis e na
expedição das certidões que comprovam esse tipo de união no Brasil e na França.
Para realizar nossas análises, fundamentamo-nos nos pressupostos teóricos e metodológicos da
Terminologia (BARROS, 2004 e 2007; CABRÉ, 1993), mais especificamente no da Terminologia Bilíngue
(AUBERT, 1996; DUBUC, 1895, dentre outros). Este trabalho foi divido nas seguintes partes: apresenta-
ção e comparação da legislação atual que rege os casamentos civis e as certidões de casamento no Brasil e
na França; breve exploração dos pressupostos teóricos adotados neste trabalho; explicação sobre a meto-
dologia utilizada para a formação de nossos corpora de estudo e para o estabelecimento dos graus de equi-
valência dos termos que denominam os locais que celebram e registram os casamentos civis, e expedem
as certidões de casamento no Brasil e na França; exposição dos resultados de nosso estudo terminológico
bilíngue sobre os equivalentes português-francês dos termos analisados, atentando-nos às semelhanças e
às diferenças terminológicas e dos aspectos socioculturais que lhes subjazem; e apresentação de algumas
considerações finais sobre este estudo.

Legislações da França e do Brasil que regem atualmente os casamentos civis

Na França, o casamento é considerado uma instituição e, como tal, é um ato jurídico, público e
solene por meio do qual dois indivíduos de mesmo sexo ou de sexos diferentes se comprometem “um
com o outro, diante da e com a sociedade, a formar, juntos, uma família35” (FRANÇA, 2013a, tradução
nossa), tendo como prova dessa união a certidão de casamento.
O casamento civil e laico na França foi instituído legalmente no ano de 1792 e, atualmente, é rea- 162
lizado de acordo com o Artigo 63 do Capítulo III do Código Civil francês (FRANÇA, 2013b), que rege
essa união. O responsável por celebrar o matrimônio (cujo cargo, na França, denomina-se officier de l’état
civil), antes que o casamento seja realizado, deve elaborar um documento, no qual estarão constados os
nomes, os prenomes, profissões, domicílios e residências dos futuros esposos, assim como o endereço do
local onde se realizará a cerimônia civil. Esse documento será fixado à porta da mairie durante dez dias e,
apenas ao final dos mesmos e dentro do prazo máximo de um ano, o casamento deverá acontecer. Ade-
mais, a união deve ser celebrada “em uma comuna com a qual ao menos um dos noivos possua ligação
duradoura direta [ou seja, possuir domicílio ou possuir residência estabelecida durante um mês contínuo,
no mínimo] ou indiretamente (por meio do pai ou da mãe)36” (FRANÇA, 2013c, tradução nossa).
Por ser um ato público, o casamento civil deve ser celebrado com as portas da mairie abertas e cada
noivo deve apresentar ao menos uma testemunha, desde que todas possuam idade igual ou superior a 18
anos. Durante a celebração, o responsável faz as leituras aos futuros esposos das disposições do Código
Civil concernentes ao ato após ter confirmado a identidade de cada um deles e também das testemunhas.
Eles lhe dão o consentimento e, caso não haja oposição por parte de terceiros, o responsável assina a
certidão de casamento que permanecerá guardada no acervo da mairie onde foi realizada a cerimônia. Por
fim, ele entrega aos casados o livret de famille, uma espécie de livrinho que reúne os documentos pessoais da
família (cópias autenticadas das certidões de nascimento e casamento, por exemplo) e informações a res-
peito dos direitos conferidos à instituição familiar como filiação, adoção, divórcio (ou separação) e faleci-
mento de um dos cônjuges ou de um filho menor de idade (FRANÇA, 2013d).
A certidão de casamento francesa (o acte de mariage) é um documento elaborado pelo responsável
delegado por lei para fazê-lo (o officier de l’État civil), que nele registra todos os dados dos cônjuges, dos pais
de ambos e das testemunhas, e tudo o que aconteceu durante o ato do casamento, bem como o caso de
alguém ter se pronunciado contra a realização do matrimônio. Esse documento fica guardado na mairie
onde se celebrou tal ato, sendo entregue aos cônjuges apenas a cópia autenticada do mesmo.
No Brasil, por sua vez, o casamento civil foi instituído em 1890 – cerca de cem anos depois da
França. Atualmente, essa união é regida pela Lei nº 10.406, promulgada em 10 de janeiro de 2002 e que
institui o Código Civil Brasileiro. Essa confere aos cônjuges comunhão plena de vida, com base na igual-
dade de direitos e deveres, perante o Estado e a sociedade (BRASIL, 2002). A celebração do casamento
civil acontece quando dois indivíduos de mesmo sexo ou de sexos diferentes manifestam a vontade de se
casarem perante o juiz, que os declara casados (BRASIL, 2013).

35 No original: (…) l’un envers l’autre, devant et envers la société, pour fonder ensemble un foyer.
36 No original: (…) dans une commune avec laquelle au moins un des futurs époux a des liens durables, de façon directe [son domicile ou
sa résidence établie par au moins 1 mois d'habitation continue] ou indirecte (via un parent).
Diferentemente da França, no Brasil há também a possibilidade de se registrar o casamento religioso
para que esse tenha os mesmos efeitos civis que o casamento civil tem perante o Estado e a sociedade. O
nome que se dá a esse tipo de união matrimonial é casamento religioso com efeito civil, que deve atender às
mesmas exigências da lei que validam o casamento civil. O local de celebração desse casamento é a insti-
tuição religiosa e seu registro oficial é feito pelo Oficial de Registro Civil em cartório após a sua celebração.
Feito seu registro, a certidão de casamento é expedida pelo cartório e o casamento religioso produz os
efeitos civis após sua celebração (BRASIL, 2002).
No que tange aos procedimentos necessários para se casar legalmente em nosso país, esses são os
mesmos para o casamento civil e para o casamento religioso com efeito civil. Nesse sentido, a habilitação
deve ser feita pessoalmente pelos nubentes diante de um Oficial do Registro Civil (BRASIL, 2002). No
caso de a documentação exigida de ambos estar em ordem, o oficial do Registro Civil dará continuidade 163
ao procedimento, emitindo o edital dos proclamas, que será afixado nas circunscrições dos cônjuges du-
rante um período de 15 dias e publicado na imprensa local. Passado esse período e não havendo quaisquer
oposições à união matrimonial, o oficial emitirá o certificado de habilitação do casamento, que deverá ser
celebrado no período máximo de noventa dias. A data, o horário e o lugar de sua celebração serão previ-
amente definidos pela autoridade que presidirá o ato. Quanto ao local, este poderá ser a sede do cartório
ou outro edifício, público ou particular, sob consentimento do celebrante e atendendo às formalidades
necessárias para que a celebração seja pública. Durante a celebração do casamento, devem estar presentes
ao menos quatro testemunhas. Atendidas às formalidades, os cônjuges devem pronunciar seu desejo de se
casarem por livre e espontânea vontade. (BRASIL, 2002)
Uma vez feita essa declaração dos nubentes, o presidente da celebração os declara casados. No caso
de algum dos contraentes se recusar a confirmar sua vontade ou declarar que não deseja se casar, o presi-
dente deverá suspender a celebração do casamento (BRASIL, 2002). Se houver alguma impossibilidade de
ir até o local de celebração por parte de um dos nubentes, a autoridade pode se deslocar até ele. Caso a
autoridade competente não possa presidir a celebração do casamento, um de seus substitutos legais o faz
em seu lugar ou, se houver impedimento do oficial do Registro Civil, este é substituído por outro ad hoc,
nomeado pelo presidente do ato (BRASIL, 2002).
A certidão de casamento é o documento que prova a união matrimonial entre dois indivíduos
celebrada no Brasil. Após a celebração do casamento, o oficial de registro lavra no livro de Registro Civil
do cartório e assinam-no ele, os cônjuges e as testemunhas. Esse documento fica guardado no cartório e
é registrado no livro de registro de casamentos civis.
Com base no exposto anteriormente, vemos que, por um lado, há semelhanças entre os trâmites
legais para se celebrar o casamento civil no Brasil e na França. Nesses dois países, o casal deve dar entrada
no pedido de casamento civil e os proclamas devem ser publicados para que se verifique se não há nada
que os impeça de se casarem. Além disso, a celebração dos casamentos civis tem um desenrolar muito
semelhante nos dois países: estão presentes os noivos, as testemunhas e uma autoridade que preside a
celebração e que segue o protocolo de verificar os documentos dos futuros cônjuges, de perguntar se eles
aceitam se unir em matrimônio e de os declarar casados em caso afirmativo.
Por outro lado, há diferenças entre as legislações brasileira e francesa no que tange aos locais de
celebração e de registro do casamento civil, e de expedição das certidões de casamento. Na França, os
casamentos civis são celebrados e registrados na mairie e é nesse mesmo local que se expedem as certidões
de casamento francesas. Já no Brasil, os casamentos civis geralmente são celebrados no Cartório de Regis-
tro Civil, mas, segundo a legislação que os rege, é possível que ele seja celebrado em outro local.
Ao contrário da França, há a possibilidade de os casamentos religiosos serem válidos do ponto de
vista jurídico no Brasil – o que não é previsto pela legislação francesa que rege a matéria. Assim, os casa-
mentos religiosos com efeitos civis têm como locais de celebração as instituições religiosas. Já o registro
dessa modalidade de casamento e a expedição da certidão de casamento que a comprova são feitos em
cartório.

Terminologia Bilíngue e graus de equivalência

O compartilhamento de informações (especializadas ou não) em diferentes línguas é realizado,


sobretudo, por meio da tradução. Assim, “a tradução tem por objetivo reproduzir o conteúdo de um texto
em outro texto, vasado em outra língua, sendo tal reprodução constituída pela equivalência de sentido”
(CAMARGO, 1993, p. 15). Em outras palavras, ao realizar seu trabalho, o tradutor reescreve um texto de 164
uma língua de partida (LP) em uma língua de chegada (LC).
O processo tradutório é, no entanto, muito complexo, sobretudo porque envolve aspectos linguís-
ticos, socioculturais, históricos, estéticos, políticos e individuais (AUBERT, 1996). Nesse sentido, traduzir
não é tão simples assim: não basta apenas encontrar os equivalentes, já que as palavras e os conceitos não
são universais. Dessa forma, consideramos que, muitas vezes, “a realidade contida no texto em LP não
existe em LC ou, se existe, não recobre todos os aspectos da unidade léxica de partida” (RODRIGUES,
2013, p. 29).
No âmbito deste trabalho, consideramos que a “equivalência terminológica é a chave da termino-
logia multilíngue e que a estruturação da realidade de uma língua de especialidade pode não coincidir em
línguas diferentes, especialmente em campos pouco estruturados, como os das ciências humanas ou soci-
ais”37 (CABRÉ, 1993, p. 107, tradução nossa). Desse modo, entendemos que as equivalências não existem
de modo perfeito entre as línguas e que um estudo intra/interlinguístico mais aprofundado se faz, por-
tanto, necessário.
Em Terminologia Bilíngue, os diferentes graus de equivalência são estudados por vários pesquisa-
dores. Neste trabalho, adotamos as contribuições de Dubuc (1985) com relação aos graus de equivalência
estabelecidos entre unidades terminológicas de duas línguas.
Para Dubuc (1985), os termos são equivalentes (totais) quando apresentam entre si uma identidade
completa tanto de sentido quanto de uso em um mesmo domínio (DUBUC, 1985, p. 55). Outra possibi-
lidade são os termos correspondentes (ou equivalentes parciais), que existem quando o termo da LP recobre
parcialmente o conceito denominado pelo termo da LC e vice-versa ou, ainda, quando um dos termos
encontra-se em um nível de língua diferente do outro (DUBUC, 1985, p. 55). Por último, o autor considera
os vazios de equivalência ou de correspondência, ou seja, quando não há qualquer grau de equivalência, nem
total, nem parcial.
No esquema abaixo, podemos visualizar melhor a proposta de Dubuc (1985):

Figura 1. Graus de equivalência, segundo Dubuc (1985, p. 55) (Fonte adaptada: Jesus e Alves, 2009, p. 301).

37 No original: La equivalencia terminológica es la clave de laterminología multilingüe e que la estructuración de la realidad de una lengua de
especialidad puede no coincidir en dos lenguas distintas, especialmente en campos poco estructurados como los de las ciencias humanas o sociales.
No primeiro círculo, A e B são equivalentes totais, ou seja, recobrem exatamente os mesmos traços
semântico-conceituais nas duas línguas; no segundo, A e B se coincidem em alguns traços, o que os torna
equivalentes parciais ou coincidentes; e, no terceiro caso, A e B não se encontram em nenhum traço se-
mântico-conceitual, o que configura em um caso de vazio de equivalência.
Fundamentando-nos em Dubuc (1985), consideramos que as relações de equivalência são estabe-
lecidas principalmente com base em três critérios, a saber: quando o termo da LC a) denomina o mesmo
conceito do termo na LP de um domínio de especialidade específico; b) apresenta o mesmo uso, ou seja,
ocorre nesse mesmo domínio em ambas as línguas estudadas; c) apresenta o mesmo nível de língua. Dessa
forma temos que: se dois termos (um da LP e outro da LC) atenderem a esses três critérios, trata-se de um
caso de equivalência total. Se dois termos atenderem a pelo menos um desses critérios, temos um caso de 165
equivalência parcial. Enfim, se os dois termos estudados não tiverem nenhum desses critérios em comum,
trata-se de um vazio de equivalência.
O estudo dos graus de equivalências é feito por meio da identificação de ganchos terminológicos, en-
tendidos aqui como “os descritores comuns aos contextos que acompanham os termos-entrada em uma
ficha terminológica”38 (DUBUC, 1985, p. 72, tradução nossa). Descritores são, nesse sentido, “os elementos
reveladores do conceito presentes no contexto”39 (DUBUC, 1985, p. 62, tradução nossa). Por vezes, os
ganchos terminológicos não estão explícitos no contexto. Nesses casos, o terminólogo deve tentar encon-
trar ganchos implícitos que demonstrem a relação entre os conceitos em análise.
Assim, propomo-nos neste trabalho a análise dos conceitos denominados pelos termos em francês
e em português recorrentes no domínio das certidões de casamento e dos contextos de uso desses termos
para, com base nisso, estabelecer os equivalentes totais ou parciais e, se for o caso, indicar os vazios de
equivalência. Aqui, restringimo-nos aos termos que denominam as instituições que ocorrem no domínio
das certidões de casamento brasileiras e francesas.

Metodologia

Primeiramente, criamos dois corpora: o CCBCorpus, que se compôs de certidões de casamento


brasileiras expedidas entre 1890 e 2015, e o CCFCorpus, composto por certidões de casamento francesas
expedidas entre 1792 e 2015. Esses documentos foram recolhidos graças a colaboradores anônimos e à
internet. Para constituirmos esses corpora, todas as certidões foram digitadas e as informações pessoais que
nelas constavam foram substituídas por [x]. Cumpre dizer que a data de 1890 para as certidões brasileiras
foi determinada pelo fato de ter sido nesse ano que se instituiu o casamento civil no Brasil. Na França,
porém, a instituição do casamento civil ocorreu cerca de cem anos antes (1791). Dessa forma, entendemos
que esses corpora são homogêneos do ponto de vista temporal.
Com o auxílio do programa Hyperbase (BRUNET, 2015), levantamos os candidatos a termo em
português e em francês presentes nesses corpora. A ferramenta Concordance do referido programa nos for-
neceu uma lista de concordâncias, em que cada item lexical presente nos corpora é colocado como núcleo
de um co-texto (texto ao redor) seguido e antecedido de palavras (à esquerda e à direita). Assim, pudemos
analisar um por um dos candidatos a termo em seu contexto de uso.
Para delimitarmos o conjunto terminológico do domínio em pauta, valemo-nos, sobretudo, do

38 No original: (…) les descripteurs communs aux contextes accompagnant les vedettes d’une fiche terminologique.
39 No original: (…) des éléments révélateurs de la notion contenus dans le contexte.
critério da relevância semântica que considera a importância (ou não) desse termo para o campo de estu-
dos, independente da frequência atingida pelo termo nos corpora estudados. Adotamos, outrossim, os cri-
térios apresentados por Barros (2007), utilizados, em Terminologia, para se verificar o grau de lexicalização
dos sintagmas terminológicos e para determinar os limites das unidades terminológicas sintagmáticas. São
eles: designação de um conceito de área de especialidade; não-separabilidade dos componentes; existência de uma definição;
compatibilidade sistêmica; substituição sinonímica; maneabilidade; imprevisibilidade semântica; co-ocorrências; uso e frequên-
cia de uso (BARROS, 2007). Segundo a autora, esses critérios permitem identificar o termo em seu contexto
de uso e determinar os limites de um termo sintagmático, bem como o seu grau de lexicalização.
Feito esse processo, chegamos a duas listas finais: 307 termos em português e 107 termos em
francês. Partimos, então, para a busca dos equivalentes PT↔FR das unidades terminológicas encontradas.
Para tanto, consideramos a proposta de Dubuc (1985), que apresentamos anteriormente, com relação aos 166
graus de equivalência.

Graus de equivalência (PT↔FR) entre os termos denominativos das instituições

Neste trabalho especificamente, propomo-nos a analisar, à luz de uma perspectiva comparada, as


unidades terminológicas que denominam as instituições envolvidas na celebração e no registro dos casa-
mentos civis, e na expedição das certidões de casamento no Brasil e na França a fim de estabelecer os
graus de equivalência entre esses termos. A seguir, apresentamos a lista de termos que nos propomos a
estudar neste trabalho:

CCBCorpus CCFCorpus

Câmara Municipal Hôtel-de-Ville

Cartório de Registro Civil/ Cartório Mairie


de Paz/ Cartório

Igreja Maison Commune

Igreja Matriz

Intendência municipal

Paróquia

Serviço de Registro Civil/ Serviço


Registral
Quadro 1. Termos denominativos das instituições do domínio das certidões de casamento.

Como vemos, encontramos mais termos em português do que em francês em nossos corpora de
estudo. A seguir, estudamos caso a caso a fim de estabelecer os equivalentes nas direções PT↔FR dos
termos presentes no Quadro 1.
Primeiramente, tomemos as unidades terminológicas Intendência Municipal e Câmara Municipal. No
CCBCorpus, encontramos os seguintes contextos de uso:
CCB1895/200540: [...] Assento de Casamento nº [x]. Aos [x] Diaz do mez de [x] de [x],
n’esta Villa [x], na casa da Intendencia Municipal, em publica audiência, pelas [x] horas
da manhã, presente o Juiz dos Casamentos cidadão [x] commigo official interino e as tes-
temunhas [x] e [x] [...];
CCB1911/1963: Aos [x] de [x] de [x], às [x] horas da tarde, na Câmara Municipal desta
cidade de [x], onde se achava o Major [x], 1º Juiz de Paz, acompanhado por mim Off. Do
Reg. Civ., adiante assignado, perante as testemunhas [...].
Quadro 2: Exemplos de ocorrência dos termos Câmara Municipal e Intendência Municipal.

Como vemos, os termos Câmara Municipal e Intendência Municipal ocorreram apenas em documentos 167
antigos, datadas do período da República Velha (1889-1930) no Brasil, e denominam o local de celebração e
de registro de casamentos civis e de expedição das certidões de casamento no domínio das certidões de casamento
brasileiras.
Naquela época, as Câmaras Municipais possuíam funções diferentes das que hoje elas exercem em
nossa sociedade. Antigamente no Brasil,
a Câmara Municipal não era composta apenas por vereadores, juízes e procuradores, se-
não também pelo almotacé (fiscal), escrivão e porteiro, que auxiliavam na rotina admi-
nistrativa. E esta era bem intensa desde os tempos mais remotos, uma vez que os cha-
mados oficiais da Câmara zelavam, por exemplo, pelos muros que defendiam a vila dos
ataques de índios; cuidavam das fontes e caminhos públicos; davam alinhamento às cons-
truções ao longo das ruas; contratavam e fiscalizavam as diversas obras públicas; cuida-
vam da limpeza da cidade; fiscalizavam a qualidade, o peso e venda de alimentos bem
como o de diversos outros gêneros e produtos; ordenavam e fiscalizavam os diversos
ofícios ou profissões (padeiros, ferreiros, oleiros, dentre outros); juramentavam indiví-
duos para a polícia da terra, nomeavam carcereiros, cuidavam da cadeia, efetuavam pri-
sões e arbitravam processos dos mais diversos como os de injúria; arrecadavam impostos,
bem como cobravam as dívidas ativas; prestavam contas do dinheiro circulante; escritu-
ravam os livros de receita e expedientes diversos; verificavam os bens do Conselho, den-
tre outras funções (BRASIL, 2007, p. 6-8).

Assim, podemos considerar que o termo Câmara Municipal denominava o conceito de órgão compe-
tente para gerir os municípios. Em francês, não encontramos um termo que denomine o mesmo conceito e
que tenha o mesmo uso e o mesmo nível sociolinguístico de Câmara Municipal. Sendo assim, entendemos
que se trata de um caso de vazio de equivalência.
Como as Câmaras Municipais possuem atualmente funções diferentes na sociedade brasileira, o
termo Câmara Municipal passou a denominar um conceito diferente, a saber: “1. Corpo de vereadores que
tem a função de legislar para um Município; edilidade; órgão legislativo do Município. 2. Edifício onde os
vereadores se reúnem para o desempenho de sua função. 3. Executivo municipal; poder administrativo do
Município” (DINIZ, 2005, p. 563). Assim, entendemos que esse termo sofreu uma evolução semântica,
isto é, mesmo sem sofrer mudanças em sua expressão, esse termo teve uma alteração no nível semântico
com o passar do tempo. Por isso, há essa diferença entre o termo Câmara Municipal do final do século XIX

40CCB1895/2005 é o código que atribuímos a uma certidão de casamento civil, que teve sua primeira via expedida em 1895 e
sua segunda via em 2005. Assim, todos os documentos do CCBCorpus são identificados pelo código CCB[ANO DE
EXPEDIÇÃO - 1ª VIA]/[ANO DE EXPEDIÇÃO - 2ª VIA] (se houver). Nos casos em que os anos de expedição se repetem,
utilizamos as letras do alfabeto após a indicação deles para diferenciarmos os documentos: CCB2004a, CCB2004b e CCB2004c,
por exemplo.
e início do XX no Brasil e o termo Câmara Municipal dos dias atuais nesse país.
Na França, existe o Conseil Municipal que denomina a assemblée élective chargée de gérer les affaires de la
commune (CILF, 2018). Nesse sentido, vemos que os termos Câmara Municipal e Conseil Municipal se aproxi-
mam em partes do ponto de vista conceitual, uma vez que ambos denominam órgãos que gerem municí-
pios. Além disso, esses termos apresentam o mesmo nível de língua pelo fato de serem do domínio do
Direito tanto em português quanto em francês. No entanto, essas unidades terminológicas não denomi-
nam exatamente o mesmo conceito e nem apresentam o mesmo uso (já que não ocorrem em certidões de
casamento) – o que nos leva a entender que se trata de um caso de equivalência parcial.
Com base nessa análise, temos que Câmara Municipal (1) é o termo que ocorre no CCBCorpus
como local de celebração e de registro dos casamentos civis e de expedição das certidões, mas não possui
equivalente em francês. E Câmara Municipal (2) é o termo que não ocorre em nosso corpus, mas que tem 168
como equivalente parcial o termo Conseil Municipal.
Por sua vez, as Intendências Municipais surgiram após a instituição da República no Brasil com o
intuito de substituir as Câmaras Municipais, já que “nos discursos dos republicanos, [em virtude dos] vícios
de corrupção e ineficiência típicos do regime monárquico, as Câmaras Municipais, governadas pelos ho-
mens bons leais ao Império, não poderiam ter mais espaço no regime [republicano] recentemente implan-
tado” (SANTOS, 2009, p. 3). Assim sendo, os municípios republicanos passaram a substituir pouco a
pouco as Câmaras Municipais pelas Intendências Municipais como resultado da Proclamação da República
(BRASIL, 2007).
Assim, o termo Intendência Municipal foi cunhado para denominar a instituição governamental com-
petente para gerir os municípios de modo autônomo do ponto de vista político-administrativo no regime
recentemente implantado (República) no final do século XIX. Para implementar essa ideia, nos anos pos-
teriores, “inúmeras leis e decretos se seguiram [nos diferentes estados da República], todos eles protegendo
e acentuando o princípio de autonomia municipal, tido como um dos alicerces do Regime Republicano”
(SANTOS, 2009, p. 4).
Nos diferentes estados brasileiros, as Intendências Municipais foram substituídas pelas Prefeituras
Municipais até fins da I República (1930). Assim, após a suspensão das Intendências Municipais, o conceito
de órgão competente para gerir, do ponto de vista político-administrativo, os municípios brasileiros passou a ser denomi-
nado pelo termo Prefeitura Municipal. Por sua vez, “as antigas Intendências foram transformadas em Seções:
Justiça, Polícia e Higiene, Obras e Finanças, todas elas subordinadas ao Prefeito” (BRASIL, 2007).
Por conseguinte, as Câmaras Municipais foram restabelecidas – o que explica a ocorrência do termo
Câmara Municipal na certidão de casamento de 1911 que consta do Quadro 2. No entanto, o conceito desse
termo foi modificado, visto que as Câmaras Municipais adquiriram outras funções.
Com base nesses dados, consideramos que, em francês, não há equivalente para o termo Intendência
Municipal pelo fato de este ser muito específico da história da estrutura político-administrativa brasileira.
Trata-se, portanto, de outro caso de vazio de equivalência.
Outro caso interessante diz respeito aos termos Cartório de Registro Civil e Serviço de Registro Civil que
ocorrem no CCBCorpus. Vejamos alguns exemplos de contextos de uso retirados de nosso corpus:

CCB1904: [...] como tudo se vê do Acto lavrado e assignado no livro competente ao qual
me reporto ao meu poder e cartório, do que dou fé [...];
CCB1936b: [...] como tudo se vê do acto lavrado assignado no livro competente, ao qual
me reporto e dou fé. / Cartório de Paz do Districto de [x], [x] de [x] de [x] [...];
CCB1959/1969: [...] CERTIFICO, que no livro n.º B [x], de assento de casamentos, dêste
cartório, às fls. 6 e sob n.º de ordem 1306, consta lavrado em data de 12 de setembro de
1959 o assento do matrimônio de [x] e [x], contraído perante o Juiz de Casamentos [x] [...];
CCB1963: REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL / ESTADO DE [x]
/ COMARCA DE [x] / DISTRITO DE [x] (Do município de igual nome) / Cartório do
Registro Civil das Pessôas Naturais / SERVENTUÁRIO / [x] / CERTIDÃO DE RE-
GISTRO DE CASAMENTO / [...];
CCB1964: [...] Foram apresentados os documentos exigidos pelo art. 180 N.º 1, 2, 3 e 4
do Código Civil. – Observações: Regime comum. Assentamento feito em 24 de janeiro de
1965. / O referido é verdade e dou fé. / [x], 28 de junho de 1965. / O Oficial / [x] /
Cartório do Registro Civil / Dr. [x] / Oficial Vitalício / Município de [x] – Est. de [x]
[...]; 169
CCB1955/1997: 1º SERVIÇO DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS
– ([x] – SP) / SUBDISTRITO / [x] / OFICIAL INTERINO / [x] / Escrevente Substituto
/ [x] / Escrevente Autorizado / CERTIDÃO DE CASAMENTO [...];
CCB1997/2011: [...] Nome que cada um dos cônjuges passou a utilizar (quando houver
alteração) / Observações / Averbações / Casamento celebrado neste Serviço Registral,
perante o Juiz de Casamentos [x] (suplente) [...];
CCB2008: República Federativa do Brasil / Registro Civil das Pessoas Naturais / Certidão
de Casamento / Nomes: [x] e [x] / Matrícula: [x] / NOMES COMPLETOS, DATAS E
LOCAIS DE NASCIMENTO, NACIONALIDADE E FILIAÇÕES DOS CÔNJUGES
[...] OBSERVAÇÕES / AVERBAÇÕES: / Ato registrado no livro [x], as folhas [x], sob
o nº [x]. Estado civil dos cônjuges: ele solteiro e ela divorciada. / 13º Cartório de Reg.
Civil do [x] [...];
CCB2009: ESTADO DE [x] / SERVIÇO REGISTRAL DAS PESSOAS NATURAIS
/ Av. [x] Centro CEP [x] TEL. [x] / Bel. [x] / Oficial / [x] / Escrevente
Substituta / CERTIDÃO DE CASAMENTO / LIVRO [x] / FLS [x] E Vº Nº DE OR-
DEM [x] [...] (grifos nossos).
Quadro 3: Exemplos de ocorrência dos termos Cartório de Registro Civil (ou cartório) e Serviço de Registro Civil (ou Ser-
viço Registral).

Como vemos, os termos Cartório de Registro Civil (e suas variantes: Cartório de Paz e cartório) e Serviço
de Registro Civil (e sua variante: Serviço Registral) denominam os locais de celebração de casamentos civis e de registro
de casamentos civis e de casamentos religiosos com efeito civil, e de expedição das certidões que comprovam oficialmente esses
casamentos no Brasil. Na França, não há um órgão como os cartórios. Os serviços prestados por essa insti-
tuição brasileira existem em território francês, mas estão sob a responsabilidade de outros órgãos. Por essa
razão, nem Cartório de Registro Civil e nem Serviço de Registro Civil possuem equivalentes em francês. Trata-
se, portanto, de mais dois casos de vazio de equivalência.
É interessante observar que o termo Serviço de Registro Civil não havia constado nas certidões em
período anterior aos anos 1990. Verificamos que o termo Serviço de Registro Civil foi cunhado com base na
Lei nº 8.935 de 1994 (BRASIL, 1994) para substituir oficialmente o termo Cartório do Registro Civil e deno-
minar
uma serventia extrajudicial, um local onde se praticam atos de registro ligados a
momentos importantes da vida de uma pessoa. Lá, são registrados, principalmente: Nas-
cimentos; Casamentos; Óbitos. São, também, averbadas separações, divórcios,
emancipações, interdições e, ainda, fornecidas certidões de todos esses atos (BRA-
SIL, 2014, grifos nossos).

Assim, os ganchos terminológicos que grifamos nos indicam que Serviço de Registro Civil denomina
o local e não apenas o tipo de serviço prestado por ele. Nesse sentido, esse termo se diferencia de Service
de l’État civil, que denomina o service public chargé d’établir et de conserver les actes de l’état civil (naissance,
mariage, décès) (IATE, 2017, grifos nossos) ou seja, trata-se do serviço relacionado aos atos de registro
dos fatos da vida de uma pessoa. Por isso, esse termo não pode ser considerado equivalente de Serviço de
Registro Civil, que é recorrente no CCBCorpus. Cumpre dizer que, apesar dessa alteração, o termo cartório
ainda existe no domínio jurídico brasileiro e é, portanto, utilizado (vide documento CCB2008 do Quadro
170
3).
Outro tipo de ocorrência que encontramos no CCBCorpus diz respeito aos termos que denomi-
nam instituições religiosas. Vejamos alguns contextos de uso:

CCB1972/1984: [...] Foram apresentados os documentos exigidos pelos art. 180 Nºs 1, 2
e 4 do Código Civil. / O casamento foi realizado no dia [x] do mês de [x] de [x] às [x]
horas na sala Paróquia [x], inscrito em [x] de [x] de [x]. [...];
CCB1976: PRIMEIRO CARTÓRIO E OFÍCIO DE JUSTIÇA [x] / Escrevente Habili-
tada / [x] – EST. de [x] / REGISTRO CIVIL E TABELIONATO / [x] / Serventuário /
[x] / Escrevente / [x] TABELIONATO / Reconheço a firma abaixo de [x] e dou fé. / [x]
/ Em testemunho ___ da verdade. / O CASAMENTO RELIGIOSO FOI CELE-
BRADO NA IGREJA [x] NO DIA 16 DE 04 DE 76 PELO PADRE [x]. [...];
CCB1987/2000: [...] Casamento realizado perante o(a) SR. [x] -TEST. QUALIFICADA
em [x] de [x] de [x] às 17:00 horas, no (a) IGREJA [x], nesta cidade sob o regime de
COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. [...];
CCB2004c: [...] Casamento religioso com efeito civil, realizado de acordo com o art. 1515
do Código Civil Brasileiro na IGREJA MATRIZ [x] - GUARÁ II – DF, no dia [x] de [x]
de [x], às 20:30 horas, pelo celebrante Sr(ª) Diác. [x] [...] (grifos nossos).
Quadro 4: Exemplos de ocorrência de locais de celebração do casamento religioso com efeito civil.

Como vemos, as unidades terminológicas igreja, igreja matriz e paróquia denominam locais de celebração
de casamentos religiosos com efeitos civis e, por isso, constam das certidões de nosso corpus. No CCFCorpus, esse
tipo de instituição não ocorre, visto que os casamentos religiosos não podem ter efeito civil na França.
Contudo, essas instituições religiosas também existem nesse país. Assim, do ponto de vista conceitual,
temos o seguinte:

Igreja Église

Associação religiosa. 2. Direito canônico. a) Édifice religieux des cultes catholique et orthodoxe
Congregação de fiéis que reconhece o Papa (CILF, 2018).
como seu pastor; b) prédio ou templo sa-
grado onde o culto divino é exercido, ao
qual os fiéis têm o direito de ir para praticá-
lo, especialmente o público; c) catolicismo;
d) autoridade eclesiástica; e) clerezia (DI-
NIZ, 2005, p. 881-882).

Igreja Matriz Église décanale

Aquela que tem jurisdição sobre outras de (...) elle est le siège d'un doyenné, regroupant
uma determinada circunscrição (DINIZ, plusieurs paroisses autour d'un doyen
2005, p. 882). (LAROUSSE, 2017).

Paróquia Paroisse

1. Território ou circunscrição territorial da Circonscription ecclésiastique confiée à un curé 171


diocese sujeita à administração e à jurisdição (CABRILLAC, 2004, p. 287).
espiritual do pároco. 2. Freguesia. 3. Igreja
matriz em que o pároco atua exercendo suas
funções eclesiásticas (DINIZ, 2005, p. 593).
Quadro 5: Análise dos ganchos terminológicos dos termos igreja x église, igreja matriz x église décanale e paróquia x pa-
roisse.

Como vemos, podemos considerar que os pares de termos igreja x église, igreja matriz x église décanale
e paróquia x paroisse denominam os mesmos conceitos. Também entendemos que essas unidades termino-
lógicas apresentam o mesmo nível de língua, mas se diferenciam com relação ao uso, visto que igreja, igreja
matriz e paróquia ocorrem em certidões de casamento brasileiras, mas église, église décanale e paroisse não ocor-
rem nas certidões francesas. Assim, consideramos que essas unidades terminológicas são equivalentes par-
ciais dos termos igreja, igreja matriz e paróquia.
Por fim, nossa análise do CCFCorpus nos revelou que, em certidões de casamento francesas, ocor-
rem três tipos de instituições que denominam os locais franceses de celebração e de registro dos casamen-
tos civis, e de expedição das certidões de casamento, a saber: mairie e maison commune. Vejamos alguns
contextos de uso retirados de nosso corpus:

CCF180841 : [...] De tout quoi, j’ai réglé le présent acte en la maison commune de [x] et
après en avoir fait lecture aux époux, parents et témoins, je l’ai signé avec [x] [...] ;
CCF1820 : [...] L’an [x], le [x], [x] heures du soir, en la mairie et devant Nous, [x], Maire,
Officier de l’État Civil de [x] et demeurant soussigné ; sont comparus le sieur [x] [...] ;
CCF1837a : [...] Après quoi, moi [x] adjoint au Maire faisant fonctions d’Officier public
de l’état civil, ai prononcé, au nom de la loi, que lesdites parties sont unies par le mariage.
Il a été dressé le présent acte dont lecture a été faite publiquement dans la principalle salle
de la maison commune, et qui a été signé avec moi. ;
CCF1850 : [...] Le Maire du [x] Arrondissement de [x], certifie que M. [x] et D [x] ont été
mariés aujourd’hui en cette mairie. [...] ;
CCF1857 : [...] lesquels nous ont requis de procéder à la célébration du mariage projeté
entre eux, et dont les publications ont été faites devant la principale porte de notre maison
commune, les [x] jours de dimanche, heure de midi, et affichées pendant huit jours à ladite

41A codificação das certidões de casamento francesas seguiu o mesmo método que utilizamos para identificar as certidões
brasileiras. Alteramos apenas o início do código: de CCB (Certidão de Casamento Brasileira) para CCF (Certidão de Casamento
Francesa).
porte, conformément à la loi. [...] ;
CCF1904 : Maire et d'Officier de l'État civil de la commune du [x], arrondissement de [x],
département des [x], étant en l’Hôtel-de-Ville, sont comparus : [...] ;
CCF1913 : [...] La publication de mariage a été conformément à la loi, affichée le dimanche
[x] courant à la porte de la mairie de [x] [...] ;
CCF1937/1959 : DÉPARTEMENT [X] / MAIRIE DE [X] / ARRONDISSEMENT
DE [X] / EXTRAIT DES ACTES DE MARIAGES / du [x] / ACTE DE MARIAGE /
de [x], [profession], domicilié à [x], né à [x] le [x] fils de [x] et de [x] d'une part [...] ;
CCF1960 : [...] Le [x] à [x] heures [x] minutes devant Nous ont comparu publiquement en
la maison commune : [x], [profession], né à [x] le [x], domicilié à [x] devant [x], fils de [x], 172
[profession], et de [x], son épouse, [profession], domiciliée à [x] devant [x] [...] ;
CCF2004/2005 : EXTRAIT DE L'ACTE DE MARIAGE Nº [x] / le [x] à [x] heures /
devant Nous ont comparu publiquement en la Maison Commune [...] / Compléter ainsi
la formule : qu’il n’a pas été fait de contrat de mariage / ou qu’un contrat de mariage a été
reçu le [x] (date) par (nom et résidence du notaire) / Mentions marginales / [x] / L’Officier
de l’Etat civil / Mairie de [x]. (grifos nossos)
Quadro 6: Exemplos de contextos de uso dos termos mairie, hôtel-de-ville e maison commune.

Como vemos, os termos mairie, hôtel-de-ville e maison commune denominam os locais em que se cele-
braram e se registraram esses casamentos civis, bem como se expediram essas certidões de casamento.
Segundo a base terminológica do Conseil International de Langue Française (CILF), mairie é o órgão responsável
pela administração municipal das cidades francesas. Já o termo hôtel-de-ville denomina a sede das autoridades
municipais. Maison commune, por sua vez, denomina todo e qualquer prédio que seja destinado aos serviços
públicos. No CCFCorpus, tanto hôtel-de-ville e maison commune referem-se ao prédio da mairie, tal como ve-
mos nos trechos dos documentos CCF1904 e CCF2004/2005 do Quadro 6. Trata-se, portanto, do mesmo
local.
Para encontrarmos os equivalentes em português dos termos mairie, hôtel-de-ville e maison commune,
realizamos a seguinte análise dos ganchos terminológicos:

Hôtel-de-Ville Prefeitura

1. Siège des autorités municipales dans les (...) literalmente quer exprimir o comando,
agglomérations d'une certaine importance. V. Mai- a direção, o governo, a intendência exercida
rie (CILF, 2018). por alguém. Assim, revela a função ou cargo
de prefeito, mostrando também a soma de
Mairie serviços ou de encargos de uma municipali-
dade chefiada por um prefeito. (...) Extensi-
1.-Charge du maire. 2.-Administration vamente é atribuída a denominação para de-
municipale. 3.-Bâtiment où se trouve le bureau du signar o edifício, em que se acham instala-
maire, les services de l'administration municipale, et dos os serviços de uma administração mu-
où siège normalement le conseil municipal. V. Hôtel nicipal. (SILVA, 2007, p. 1078)
de ville (CILF, 2018).

Maison commune

B – Bâtiment ou ensemble de bâtiments destiné à


un usage spécial. 1. Édifice public. Maison
communale*. Maison commune, maison de
ville (vieilli) (TLFi, 2014).
Quadro 7: Análise dos ganchos terminológicos dos termos mairie, hôtel-de-ville e maison commune x prefeitura.

A análise dos ganchos terminológicos a que procedemos no Quadro 7 nos revelou que os termos
hôtel-de-ville, mairie e maison commune recobrem em partes o conceito de prefeitura. Isso porque, na França, a
mairie é o local em que fica o Conseil Municipal, mas, no Brasil, a Câmara Municipal tem seu próprio prédio
e este não é o mesmo da Prefeitura. Ademais, a mairie exerce funções diferentes daquelas exercidas pela
prefeitura brasileira, como vimos.
Além de não denominarem a exatamente o mesmo conceito, o uso desses termos é diferente, visto
que prefeitura não ocorre no domínio das certidões de casamento brasileiras por não ter ligação com a 173
celebração e o registro de casamentos civis, nem com a expedição desse tipo de documento. O nível de
língua, por sua vez, é o mesmo, já que esses termos têm o Direito como área de especialidade. Assim
sendo, consideramos que o termo prefeitura é equivalente parcial dos termos mairie, de hôtel-de-ville e de
maison commune.

Considerações finais

Esta investigação se propôs a realizar a comparação entre as legislações brasileira e francesas, so-
bretudo no que tange aos locais que realizam a celebração e o registro dos casamentos civis, bem como a
expedição das certidões de casamento no Brasil e na França, bem como a busca pelos equivalentes nas
direções PT↔FR dos termos que denominam esses locais.
Realizar este estudo se mostrou desafiante, pois não encontramos equivalentes em francês para
todos os termos em português do CCBCorpus (Câmara Municipal, Intendência Municipal e Serviço de Registro
Civil/Serviço Registral ou Cartório de Registro Civil/Cartório de Paz/Cartório). Nos casos em que foi possível
estabelecer uma relação de equivalência entre os termos em português e em francês, essa se deu em um
grau parcial (Igreja → Église, Igreja Matriz → Église décanale, Paróquia → Paroisse, Prefeitura → Hôtel-de-Ville,
Mairie e Maison Commune).
Essa dificuldade de se estabelecer equivalentes entre os termos é uma das problemáticas mais in-
teressantes desta pesquisa, uma vez que esse fato torna evidentes as diferenças socioculturais entre esses
dois países, as quais se refletem na legislação de ambos.
Há, por exemplo, a ocorrência de algumas instituições religiosas em certidões de casamento brasi-
leiras (Igreja, Igreja Matriz e paróquia), mas não nos documentos franceses. Isso pode ser explicado com
base nas legislações do Brasil e da França. Anteriormente, vimos que a legislação brasileira que rege os
casamentos civis prevê a possibilidade de se casar oficialmente em instituições religiosas – o que, na França,
não é reconhecido por lei. Embora haja casamentos religiosos em território francês, esses são opcionais e
não podem ter efeitos civis, tal como o casamento religioso com efeito civil no Brasil.
Por sua vez, os casamentos civis na França só podem ser celebrados e registrados na mairie, que é
também o órgão responsável pela expedição de certidões de casamento nesse país. Já no Brasil, os casa-
mentos oficiais são registrados pelos Serviços de Registro Civil (antigos cartórios), os quais expedem as
certidões. No entanto, a legislação brasileira prevê a possibilidade de se celebrar os casamentos civis em
lugar diferente dos Serviços de Registro Civil – o que não é previsto pela legislação francesa.
Outra observação interessante que fizemos diz respeito à evolução de alguns termos no CCBCor-
pus. O termo Câmara Municipal, embora não tenha sofrido mudanças em sua expressão, passou pelo pro-
cesso de evolução semântica ao longo do tempo, como vimos. O termo Cartório de Registro Civil, por sua
vez, sofreu alteração no nível lexical e foi substituído oficialmente pelo termo Serviço de Registro Civil. Já o
termo Intendência Municipal durou pouco tempo após a sua criação na legislação brasileira e, portanto, não
existe mais no domínio do Direito.
Já no CCFCorpus, notamos que os termos hôtel-de-ville, mairie e maison commune não se modificaram
ao longo tempo. Assim, esses termos ainda são utilizados no domínio do Direito e denominam os mesmos
conceitos. Tampouco foram cunhados termos diferentes para denominar os locais de celebração e de
registros de casamentos civis, e de expedição das certidões de casamento na história da legislação francesa
que rege a matéria.
Com base neste estudo, vemos que o tradutor pode deparar-se com particularidades terminológicas
ao realizar traduções. Essas particularidades são o reflexo dos aspectos socioculturais de cada país, cada
cultura, cada história. 174

Referências

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176
DESAFIOS DO (PROFESSOR) TRADUTOR
NA PRODUÇÃO DE ARTIGOS INSTITUCIONAIS MILITARES

Eliane Mariano de Oliveira de ALBUQUERQUE (Escola naval/UFRJ)

177
Introdução

O presente trabalho tem como objetivo apresentar resultados iniciais de uma pesquisa que
investiga as dificuldades que um grupo de professores de língua inglesa tem enfrentado ao se deparar
com a necessidade de atuar como tradutores em um projeto de versão do português para o inglês de um
periódico pertencente à instituição em que lecionam. À medida que o trabalho foi se desenvolvendo, foi
possível observar que o processo de traduzir do português para o inglês estava sendo muito complexo
para os professores, a despeito de sua comprovada competência linguística no idioma alvo. Essa
situação-problema suscitou o interesse de buscar verificar quais seriam os elementos que teriam gerado
os obstáculos no processo de traduzir.
As perguntas iniciais que têm direcionado este estudo são: Que problemas foram encontrados nos
textos-alvo com base na leitura e comparação como os textos-fonte? Alguns erros ou dificuldades seriam
recorrentes? Será que parte da dificuldade em traduzir estaria sendo causado por problemas encontrados
no texto fonte? Em caso afirmativo, quais seriam essas características? A dificuldade de tradução estaria
no fato de se estar fazendo traduções a partir da língua materna para língua estrangeira? As dificuldades
estariam sendo causadas por lacunas na formação acadêmica dos professores? Para dar conta de investigar
esses fenômenos, escolhi como base metodológica os estudos de tradução baseados em corpora, o que
será descrito a seguir.

Aporte teórico metodológico

Nas palavras de Berber Sardinha (2000, p. 325), a Linguística de Corpus ocupa-se da coleta e
exploração de corpora, ou conjuntos de dados linguísticos textuais que foram coletados criteriosamente
com o propósito de servirem para a pesquisa de uma língua ou variedade linguística. Como tal, dedica-se
à exploração da linguagem através de evidências empíricas, extraídas por meio de computador.
De acordo com Shen (2010), a pesquisa baseada em corpus vem sendo cada vez mais influente em
muitas áreas de pesquisas relacionadas à linguagem. Inseridos nesse contexto, os estudos de tradução
baseados em corpus têm passado por significativo crescimento. A integração entre corpora e estudos de
tradução gerou um paradigma rico e coerente que dá conta de descrever uma variedade de questões
pertinentes à teoria, descrição e prática de tradução. Com relação à teoria, a corpora pode ser usada
principalmente para estudar o processo tradutório ao explorar como uma ideia é transmitida de uma língua
para outra, por meio de comparação das características linguísticas e sua frequência no texto original e no
texto traduzido. A pesquisa baseada em corpus ajudou a desenvolver novos modos de conceptualização,
estudo e ensino de tradução. Essa visão é corroborada por Hunston (2002, p. 123) quando diz que o
corpus não somente oferece evidências de como uma palavra é usada e que tradução é possível ou
frequente para uma palavra ou sintagma, mas na verdade oferece também percepções sobre o próprio
processo de traduzir.

Para Berber Sardinha (2002:15) pesquisadores de tradução e linguistas de corpus acordam com
relação à importância da utilização de corpora eletrônicos em tradução e no quanto a pesquisa acadêmica
e prática tradutória têm a ganhar com a Linguística de Corpus.
A linguística de Corpus difere de outras abordagens analíticas em linguística por possuir certas
características essenciais:
• É uma investigação empírica, pois analisa padrões de uso em textos naturais.
178
• Utiliza uma coleção grande e consistente de textos naturais, conhecido como corpus como base
de análise.
• Utiliza computadores.
• Depende de técnicas de análise.
Essas características juntas garantem escopo e confiabilidade à investigação. Todavia, deve-se
deixar claro que a análise baseada em corpus não se limita a quantificar características linguísticas, pois ela
exige interpretações qualitativas e funcionais. O objetivo dessa investigação não é simplesmente relatar
resultados quantitativos mas explorar a importância dessas descobertas sobre padrões do uso da língua.
(BIBER, CONRAD e REPPEN, 1998, p.5).
Considero importante reforçar a visão apresentada acima no que diz respeito à necessidade de se
aliar à análise quantitativa dos dados os aspectos qualitativos de uma pesquisa baseada em corpus. Para
House (2002, p. 206) independentemente de sua frequência ou representatividade, os dados do corpus são
úteis porque são dados melhores do que dados advindos da introspecção, por exemplo. Porém, para que
os corpora atinjam seu potencial ao máximo, eles devem ser usados em conjunto com outras ferramentas,
como a introspecção, a observação e a análise textual e etnográfica. Nos Estudos de Tradução, assim como
em outras disciplinas, devemos avaliar o valor relativo do paradigma analítico-nomológico de um lado,
onde hipóteses ou categorias já existentes devem ser confirmadas ou rejeitadas e onde as variáveis são
explicadas ou operacionalizadas, e de outro lado o paradigma interpretativista, onde estudos de caso são
conduzidos para desenvolver categorias para capturar fenômenos emergentes. É importante que essas
duas linhas de pesquisa não sejam mutuamente exclusivas, mas que sejam consideradas como
complementares uma da outra. Corroborando a visão desta autora, neste trabalho pretendo triangular os
dados obtidos por meio do estudo de corpora com informações relativas à formação dos
professores/tradutores utilizando questionário.

O objeto de pesquisa

O periódico que está sendo pesquisado é uma revista de natureza institucional, publicada em uma
academia militar na cidade do Rio de Janeiro. É uma publicação que apresenta artigos escritos por oficiais
da Marinha do Brasil, da ativa e da reserva e pelo corpo discente e docente da instituição. Os artigos dos
professores, de modo geral, têm caráter acadêmico, retratando suas pesquisas, reflexões e resultados de
atividades pedagógicas realizadas na escola ou em suas pesquisas acadêmicas. Os artigos dos militares, por
sua vez, abordam temas relativos à sua prática profissional, como logística e estratégia militar, por exemplo.
Também são publicados artigos sobre história naval nacional e internacional, como grandes batalhas e
biografias de vultos históricos. Em 2014, a instituição sentiu a necessidade de produzir uma edição da
revista em inglês que servisse como material de divulgação da marinha brasileira para marinhas de outros
países. O público leitor alvo é, portanto, composto por militares de marinhas estrangeiras e representantes
de instituições governamentais estrangeiras em visita ao Brasil. É preciso ressaltar que, diferentemente da
edição da revista em português, a edição da revista em inglês é bem mais compacta. De modo geral, os
artigos selecionados para a versão em inglês são de natureza mais técnica e mais especificamente ligados a
assuntos militares. A instituição optou por não contratar tradutores externos. Em vez disso, preferiu
convidar os professores de inglês da própria instituição para fazer a versão do português para inglês dos
artigos selecionados pelo conselho editorial da revista, sendo que uma das professoras ficaria responsável
por revisar e coordenar o projeto. A escolha dos professores-tradutores foi feita com base em
voluntariado.
179
A equipe de professores/tradutores

A equipe é formada por cinco professores, sendo que uma das professoras do grupo é a revisora
e coordenadora do projeto. Por meio de questionário, foi feito um levantamento da formação acadêmica
dos professores. As perguntas foram as seguintes:
1. Qual foi a habilitação da sua graduação?
2. Qual foi a instituição em que você se formou e qual o ano de conclusão do curso?
3. Na sua grade de disciplinas foi oferecido um curso dedicado ao estudo da tradução? Foi uma
disciplina obrigatória ou eletiva?
4. Se você cursou uma ou mais disciplinas em tradução, achou que o conteúdo dessa disciplina o
ajudou ou capacitou a desempenhar o papel de tradutor? Ela contemplou o estudo, ou treinamento
somente na tradução de inglês para português ou nas duas direções?
5. Você fez algum curso de tradução como curso livre ou em nível de pós-graduação? O curso
contemplou o estudo, ou treinamento somente na tradução de inglês para português ou nas duas direções?
A análise das respostas ofereceu informações significativas. A professora 1, que é a coordenadora
e revisora da revista em inglês, fez sua graduação em Inglês e respectivas literaturas em uma universidade
estadual da cidade do Rio de Janeiro e concluiu o curso em 2000. Na sua grade curricular não houve
nenhuma disciplina dedicada a tradução, nem mesmo havia opção de disciplina eletiva nessa área à época.
Essa professora, contudo, relata que sempre sentiu muita falta de uma formação em tradução, e por isso
chegou a fazer cursos livres de tradução à distância. Após envolvimento com o projeto da revista, ela
sentiu uma grande necessidade de cursar disciplinas em tradução, o que a levou a fazer uma pós-graduação
na área. Além disso, segundo a professora, os conteúdos aprendidos no curso de pós-graduação a ajudaram
muito, fazendo muita diferença tanto ao traduzir quanto a avaliar a qualidade dos textos que ela precisou
revisar. Os cursos livres e o curso de pós-graduação privilegiaram a tradução de inglês para português.
A professora 2 formou-se em Letras Português-Inglês em 1986 numa universidade federal. Assim
como a professora 1, ela relata que durante sua graduação não foi oferecida nenhuma disciplina ligada à
tradução, e também buscou suprir essa necessidade por meio de cursos livres na área. Os cursos livres
privilegiaram técnicas de tradução de inglês para português.
O professor 3 e a professora 4 se formaram em Letras Português-Inglês na mesma universidade
federal, em 1994 e 1995 respectivamente. Esses dois professores cursaram uma disciplina obrigatória em
tradução dentro da grade curricular. O professor 3 já não se lembrava do conteúdo da disciplina. A
professora 4, por sua vez, lembra-se de que a disciplina cursada não a ajudou a exercer a função de
tradutora por ter sido muito superficial. Ambos fizeram cursos livres em tradução em momentos diferentes
e, de modo semelhante ao que aconteceu às professoras anteriormente mencionadas, os cursos enfatizaram
a tradução do inglês para português.
Finalmente, a professora 5 relata que se formou em Letras Português-Inglês na mesma
universidade que os professores 4 e 5, no ano de 2004. É interessante verificar que mesmo se passando
dez anos entre a conclusão de curso do professor 3 e a professora 5, o cenário foi absolutamente o mesmo:
Ela havia cursado uma disciplina obrigatória em tradução dentro da grade curricular, e descreveu a
disciplina cursada como “fraca” e insuficiente.
Esse cenário vai ao encontro da afirmação de Azenha Júnior (2006:159) quando diz que, de modo
geral, a valorização da tradução encontra pouco respaldo nas grades curriculares dos diferentes níveis de
formação. Para o autor, “a experiência mostra que continua acentuada a resistência em aceitar o papel e a
importância da tradução na formação do estudante de letras”. 180
A seguir, apresentarei os dois maiores desafios identificados na execução do projeto de tradução
da revista. Conforme mencionado anteriormente, este estudo apresenta apenas resultados parciais, pois a
pesquisa ainda está em andamento. A priori, partindo da avaliação das entrevistas com os professores, foi
verificado que os problemas para realizar a função de tradutores são relativos à formação insuficiente em
tradução. Isso mostra que existe um desconhecimento do que seja a competência tradutória. Esse seria o
primeiro desafio encontrado para execução da tradução dos artigos da revista.

O desafio da competência tradutória

Quando o projeto foi idealizado, o conselho editorial da revista optou por solicitar que os próprios
professores de inglês da escola, e não tradutores externos, fizessem o trabalho de tradução. Com essa
escolha por parte do conselho, ficou claro que na visão institucional, o professor de língua inglesa já teria
a competência necessária para atuar como tradutor.
Essa visão, aparentemente, faz parte de um senso comum de acreditar que do momento que
alguém domina um idioma estrangeiro, ele é capaz de traduzir de uma língua para outra. No caso de um
professor de inglês cuja língua nativa é o português, acredita-se que ele esteja capacitado para traduzir tanto
de inglês para português quanto de português para inglês.
O entendimento de que qualquer falante bilíngue seja capaz de traduzir é refutada por Hurtado-
Albir (2005) quando diz que embora qualquer falante bilíngue possua competência comunicativa na língua
que domina, isso não necessariamente comprova que qualquer falante bilíngue possua competência
tradutória. A competência tradutória é um conhecimento específico, integrado por um conjunto de
conhecimentos e habilidades a serem aprendidos e desenvolvidos. Isso torna o tradutor alguém singular,
diferenciando-o de outros falantes bilíngues que não são tradutores.
Com exceção da professora 1, os professores/tradutores citados não tiveram o conhecimento nem
a oportunidade de desenvolver uma competência tradutória durante sua formação acadêmica nem nos
breves cursos livres que fizeram. E o que vem a ser essa competência?
A pesquisadora Hurtado-Albir, juntamente com Beeby, A.; Fernández, M.; Fox, O.; Hurtado Albir,
A.; Kuznik, A.; Neunzig, W.; Rodríguez-Inés, P.; Romero, L.; Wimmer, S. da Universidade Autônoma de
Barcelona formaram o grupo de pesquisa PACTE (Processo de Aquisição da Competência Tradutória e
Avaliação). Esse grupo elaborou um suporte teórico metodológico de competência tradutória. A partir de
uma extensa pesquisa que se iniciou em 1977, o grupo PACTE (2011) buscou definir o conceito de
competência tradutória como um sistema subjacente de conhecimentos necessários para traduzir que
possui três características principais: A competência tradutória é um conhecimento específico que não
pertence a todas as pessoas bilíngues; é um conhecimento predominantemente procedural (ou operativo)
e abrange subcompetências que estão inter-relacionadas e incluem componentes estratégicos.
A pesquisa do grupo PACTE tem como objetivo servir como base de estudos empíricos,
oferecendo dados para descrever os componentes da competência tradutória e suas relações.
O grupo elaborou um diagrama do que é a competência tradutória apresentado abaixo:

181

A subcompetência bilíngue diz respeito aos conhecimentos pragmáticos, sociolinguísticos, textuais


e léxico-gramaticais de determinado idioma. A subcompetência extralinguística abrange conhecimentos
sobre o mundo em geral, conhecimentos culturais e enciclopédicos dos idiomas em que o tradutor
trabalha. A subcompetência de conhecimentos de tradução compreende conhecimentos dos princípios,
processos, métodos e procedimentos que regem a tradução. A subcompetência instrumental inclui o uso
de tecnologias que fazem parte do trabalho do tradutor como por exemplo, letramentos em informática,
CAT tools, leitores de caracteres ópticos, entre outras ferramentas. A subcompetência estratégica tem a
ver com conhecimentos operacionais que garantem a eficácia do processo tradutório. É uma competência
que fica no centro do diagrama porque planeja os processos e métodos mais adequados para uma tradução,
ativa as diferentes competências e compensa deficiências entre elas, identifica problemas e aplica
procedimentos a sua resolução. Por fim, os componentes fisiológicos relacionam-se às características
como memória, percepção, atenção e atitudes como curiosidade intelectual, perseverança e conhecimento
do limite da própria capacidade, para citar alguns.
Além disso, Martins (2006, p. 29), complementa que além da competência tradutória faz-se
necessário que o tradutor seja capaz de se familiarizar com novos assuntos e novas modalidades de
tradução de modo rápido e eficiente, que consiga identificar e observar normas e convenções e que seja
esteja preparado para justificar suas opções e escolhas em caso de questionamento. É preciso que ela saiba
trabalhar em conjunto com outros tradutores. A autora chama esse conjunto de habilidades de competência
de tradutor (“translator competence”), que abarca não são a capacidade de propor traduções adequadas, mas
também a capacidade de usar ferramentas e conhecimento para produzir traduções que serão aceitas como
boas pela comunidade que receberá o trabalho.
O desafio de traduzir para uma língua não materna

O segundo desafio no processo de tradução dos artigos militares foi a dificuldade em traduzir do
português para o inglês. Juntando-se à insuficiência na formação em tradução que os professores do
projeto já apresentavam, a tradução na direção inversa, ou como preferimos denominar, a tradução para
língua não-materna, mostrou-se ainda mais difícil.
Apesar de ser uma prática frequente na esfera comercial, a tradução para língua não materna é
ainda menos ensinada e sua pesquisa, ainda muito mais escassa do que a tradução do inglês para o
português. A tradução para língua não materna é envolta de visões e conotações negativas. Um dos 182
conceitos mais arraigados, especialmente por abordagens mais prescritivas, é que a tradução na direção
inversa é pouco profissional, não-recomendada e em geral de baixa qualidade, conforme ressalta Pavlovic
(2007, p. 6).
Entretanto, segundo Heeb (2016, p. 75) pelo fato da língua inglesa ocupar o lugar de língua franca,
existe uma demanda por traduções de língua nativa para o inglês que não para de crescer, especialmente
em países de língua nativa pouco difundida. Esta pesquisa, por exemplo, serve como exemplo desse
cenário: a motivação para iniciar o projeto de tradução da revista do português para o inglês foi para
divulgação da marinha brasileira no exterior.
Conforme salientam Silva e Silveira (2017, p. 1748) é muito importante que haja uma formação de
tradutores especializados capazes de traduzir para língua estrangeira especialmente na área acadêmica para
que haja um desenvolvimento e disseminação do conhecimento gerado em nosso país. O que acontece
muitas vezes é que a tarefa de traduzir do português para língua estrangeira acontece baseada em erros e
acertos.
As dificuldades na tradução do português para o inglês puderam ser observadas por meio do
corpus. Conforme afirmação de Frankenberg-Garcia (2014, p.8), com o advento de corpora, hoje é
possível seguir uma abordagem mais descritiva em tradução. Além disso, o corpus paralelo, que é o corpus
do texto fonte alinhado a sua respectiva tradução, permite descobrir tendências predominantes que não
poderiam ser identificadas ao examinar o texto fonte e a tradução, um a cada vez.
Gostaria de frisar que como a pesquisa está em fase inicial, ainda não foi feito um levantamento
de todo o corpus, mas apenas de parte dele. A análise consiste em dois corpora paralelos, um no texto-
fonte, em português e outro no texto-alvo, em inglês, que foram alinhados no software de tradução
MemoQ, versão 2015. A seguir, discorrei sobre três problemas de tradução encontrados pelos
professores/tradutores que foram demonstrados pelo corpus.

O uso do sintagma nominal em inglês

O sintagma nominal pode ser considerado um elemento difícil de se traduzir tanto do inglês para
o português quando do português para o inglês, pois ele apresenta estruturas morfossintáticas distintas
nesses dois idiomas.
Observando alguns exemplos de traduções, verificou-se que um dos tradutores preferiu transpor
para o inglês a preferência em construir um sintagma com a preposição of (que poderia ser traduzida como
de, do ou da) em vez de usar a estrutura mais comum em língua inglesa, que é o posicionamento de
determinantes antes do substantivo-núcleo do sintagma.
Isso pode ser observado nos seguintes excertos, em que apresento o original em português, sua
tradução para inglês e a revisão.

Português Inglês
Face ao desconhecimento, por parte dos aspirantes da The aim of this study was to address the unawareness
Escola Naval, a respeito da correta destinação a ser dada of the Brazilian Naval Academy midshipmen
aos materiais do fardamento que não são mais úteis, este concerning the correct way to dispose of used
estudo começou a ser desenvolvido para sanar tal uniforms.
questionamento
Revisão The aim of this study was to address the Brazilian
Naval Academy midshipmen unawareness of the
correct ways to dispose of used uniforms. 183
Português Inglês
[ …] em seu Artigo 1, define que as pilhas e baterias [ …] Article 1 states that the users themselves should
deverão ser entregues, pelos próprios usuários, aos deliver rechargeable and non-rechargeable batteries to
estabelecimentos que as comercializam ou à rede de the network of the technical assistance authorized
assistência técnica autorizada pelas respectivas by their respective industries
indústrias.
Revisão [ …] Article 1 states that users themselves should take
rechargeable and non-rechargeable batteries back to
the authorized technical assistance network

Português Inglês
[ …] programas de reciclagem e de diminuição de [ …] recycling programs and a decrease in the
consumo de recursos naturais consumption of natural resources [ …]
Revisão [ …] recycling programs and a decrease in natural
resources consumption

Uso de inversões sintáticas em português

A inversão sintática refere-se ao recurso de trocar a ordem dos termos sintáticos em uma sentença,
que de modo geral segue a ordem de sujeito + predicado + objeto. Autores podem utilizar esse recurso
para criar ênfase, por exemplo. Contudo, a inversão sintática nem sempre pode trazer bons resultados,
pois pode comprometer a clareza da sentença ou levar a uma dupla interpretação. No caso de revista
Villegagnon, foi constatado o uso bastante recorrente de inversões sintáticas. Essas inversões dificultaram
a versão para inglês.
Como exemplo, analisei o excerto abaixo no original em português, sua tradução e a revisão.
Observa-se que o ideal nesse caso seria inverter a sentença para ordem convencional a fim de se obter
maior clareza no texto em inglês.

Português Inglês
Face ao desconhecimento, por parte dos Aspirantes The aim of this study was to address the unawareness
da Escola Naval, a respeito da correta destinação a ser of the Brazilian Naval Academy midshipmen
dada aos materiais do fardamento que não são mais concerning the correct way to dispose of used
úteis, este estudo começou a ser desenvolvido a fim uniforms that are no longer useful.
de sanar tal questionamento.
Revisão The aim of this study was to address the Brazilian
Naval Academy midshipmen unawareness of the
correct ways to dispose of used uniforms that are no
longer useful.
O uso inadequado de tradução automática (MT - machine translation)

Nesta seção, destaco o uso inadequado, por parte do tradutor, de ferramentas como a tradução
automática, também conhecido por machine translation (MT). No excerto selecionado abaixo, pode-se
verificar que o autor do texto em português usou a conjunção “Por outro lado” para fazer a transição de um
parágrafo para outro. Porém, o parágrafo introduzido por essa conjunção não expressava contraste, mas
sim, adição. Aparentemente, o tradutor aceitou a sugestão da tradução automática, sem refletir no que
estava sendo traduzido.

Português Inglês
[…] Pensando nessa tendência, algumas empresas já […] Thinking about this trend, some companies have 184
promovem a logística reversa e estrategicamente already started promoting reverse logistics to convey a
buscam veicular uma imagem institucional de empresa company´s institutional environment-friendly
ecologicamente correta. institutional image, which is a strategy.
Por outro lado, ao reintroduzir em seus processos On the other hand, when companies reintroduce the
produtivos os materiais que seriam rejeitados ao final materials that would be rejected at the end of the process
do processo pelos consumidores, as empresas podem by the consumers they can avoid the need to make use
evitar a necessidade de fazer uso de matéria-prima of new raw materials and save resources in the making
nova ou de gastar recursos novamente […] of new items […]

Revisão Considering this trend, some companies adopted reverse


logistics as a strategy to convey an environment friendly
institutional image.
Besides, when companies reuse materials that have
been discarded by consumers, they can avoid the need
for more raw materials and save resources in the making
of new items […]

Conclusão

A formação do tradutor e o desenvolvimento de sua competência é um aspecto fundamental para


valorização da profissão e busca pela produção de trabalhos de qualidade. Portanto, a intenção desta
pesquisa é a investigação dos problemas enfrentados por esses professores/tradutores e com isso buscar
desenvolver soluções que possam mitigar essas dificuldades. Acreditamos que essa busca pelo
conhecimento do que vem a ser o conhecimento especializado de tradução será de grande valia para o
aprimoramento dos profissionais dessa instituição que fazem parte do projeto ou outros que virão a fazer
parte dele que precisarão exercer a função de tradutor.

Referências

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1763, 2017.
Sobre as organizadoras

Claudia Zavaglia é professora do curso de Bacharelado em Letras com Habilitação de


Tradutor na Unesp de São José do Rio Preto e do Programa de Pós-graduação em Estudos
Linguísticos, na linha de pesquisa Lexicologia e Lexicografia, na mesma instituição.
Tradutora Pública e Intérprete Comercial do idioma italiano JUCESP (2001) e Livre-
docente em Lexicografia e Lexicologia pela Unesp (2009). É autora de vários artigos
científicos sobre léxico e dos dicionários “Um Significado Só é Pouco: Dicionário de
Formas Homônimas do Português Contemporâneo do Brasil” (Ciência Moderna) e
“Dicionário Multilíngue de Regência Verbal” (Disal). Idealizadora da Coletânea 186
“Xeretando a linguagem” em inglês, francês, espanhol e latim (Disal), é também autora do
volume em italiano dessa coleção e organizadora da obra “Estudos do léxico em contextos
bilíngues (Mercado de Letras). É supervisora de língua italiana na Oficina de Tradução
(Unesp/São José do Rio Preto).
E-mail: claudia.zavaglia@unesp.br

Angélica Karim Garcia Simão é docente do curso de graduação de Bacharelado em


Letras com Habilitação de Tradutor na Unesp (São José do Rio Preto) e do Programa de
Pós-graduação em Estudos Linguísticos, na linha de pesquisa Lexicologia e Lexicografia,
na mesma instituição. Hispanista, especialista em língua espanhola (MAE/AECI), mestre
em Estudos Linguísticos (Unesp) e doutora em Letras pela Universidade de São Paulo
(USP), no Programa de Língua e Literaturas Espanhola e Hispano-americana. É tradutora,
autora do livro “Xeretando a Linguagem em Espanhol” (Disal) e do livro “Curso de
Tradução Jornalística” (Transitiva). É autora de artigos na área de Tradução que enfocam
as questões do léxico e da fraseologia do espanhol e do português brasileiro e organizadora
da obra “Tendências contemporâneas dos estudos da Tradução” (Unesp). É supervisora
de língua espanhola na Oficina de Tradução (Unesp/São José do Rio Preto).
E-mail: angelica.karim@unesp.br

Melissa Alves Baffi-Bonvino é docente do curso de graduação de Bacharelado em Letras


com Habilitação de Tradutor na Unesp (São José do Rio Preto). É mestre e doutora em
Estudos Linguísticos (Unesp). Com atuação na área de Língua Inglesa, ministra disciplinas
de Língua Inglesa, Prática de Tradução, Prática de Redação em Língua Inglesa e Estágio de
Tradução em Língua Inglesa. Tradutora, atua na área de Linguística Aplicada na área de
Lexicografia e Fraseologia, com foco na tradução de unidades simples e complexas do lé-
xico em língua inglesa, assim como na área de ensino e aprendizagem de línguas estrangei-
ras, com foco em temas como avaliação em língua estrangeira, proficiência em língua es-
trangeira, proficiência oral e vocabulário. É supervisora de língua inglesa na Oficina de
Tradução (Unesp/São José do Rio Preto) e atualmente exerce o cargo de Coordenadora de
Curso de Graduação de Bacharelado em Letras com Habilitação de Tradutor da Unesp.
E-mail: melissa.baffi@unesp.br
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