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DA TRÍPLICE FRONTEIRA
A CLÍNICA COMO ACONTECIMENTO
D I A N A A R A U J O P E R E I R A ( O R G. )
CARTOGRAFIA IMAGINÁRIA
DA TRÍPLICE FRONTEIRA
A CLÍNICA COMO ACONTECIMENTO
UNIVERSITÁRIO
DOBRA EDITORIAL
EDITOR Reynaldo Damazio
CON SEL HO EDITORIAL Adolfo Montejo Navas, Carlos Felipe Moisés,
Edison Carmagnani Filho, Eduardo Sterzi,
Frederico Barbosa, Tarso de Melo
COMERCIAL Paula Amorim
INTERNET Ricardo Botelho
CONTATO Rua Araújo, 154 • 2° andar • Centro • São Paulo • SP
CEP 01220-020
www.dobraeditorial.com.br
IMAGEM DA CAPA
© Dobra Editorial 2014 Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou
armazenada, por quaisquer meios, sem a autorização
prévia e por escrito da editora e do autor.
PREFÁCIO........................................................................................................................7
GEOPOÉTICA TRIFRONTEIRIÇA
OUTRAS FRONTEIRAS
Cuentos pintados del Perú: memorias, imágenes y lenguas del ande ..... 263
Rosaura Andazabal Cayllahua (UNMSM – Peru)
APRESENTAÇÃO
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 7
em Ciudad del Este, o segundo destino turístico do Brasil, as fron-
dosas Cataratas do Iguaçu, a imponente Itaipu, a Conscienciologia,
etc... atores socioculturais que se imbricam em uma relação ambígua,
às vezes tensa e às vezes complementar, em uma região que abriga
todas as contradições da vida contemporânea, somadas as suas pró-
prias idiossincrasias, como é o caso da memória tão presente da guerra
da Tríplice Aliança (conhecida no Brasil como guerra do Paraguai).
De forma mais ampla, este livro pretende problematizar o conceito
de fronteira como construção geográfica que se sobrepõe a imaginários
e processos históricos compartilhados e que, por outro lado, impõe
restrições territoriais e identitárias voltadas ao Estado Nacional; propo-
mos outra abordagem da fronteira como lugar de passagem, trânsito e
circulação de mercadorias, seres, ideias, línguas e práticas sociais que
criam novas territorialidades, novas paisagens (Milton Santos), com
características próprias e particulares. O limite imaginário da fronteira
em contraposição à prática social articulatória que gera hibridações
em diversos âmbitos culturais.
Os textos reunidos na primeira parte do livro – Imaginários da
Tríplice Fronteira – refletem sobre a construção contemporânea deste
lugar a partir dos usos sociais e culturais dos seus espaços. Partem do
princípio de que a região se constrói – e reconstrói – através de imagens
e discursos gerados dentro e fora do seu território. Tais representações
criam uma cartografia imaginária na qual circulam antigos e novos
interesses geopolíticos, além de um imaginário coletivo alimentado
pelo trânsito do seu capital simbólico e da memória histórica regio-
nal. Através da análise das distintas vozes que compõem o cenário
trifronteiriço (árabes, brasiguaios, membros da conscienciologia, mí-
dias hegemônicas e alternativas), elaboram uma espécie de mosaico,
no qual a diversidade das peças emprestam o colorido e as formas
inusitadas de um território em movimento.
Já o segundo bloco – Geopoética Trifronteiriça – parte da análise
de textos do poeta Douglas Diegues (certamente um dos mais em-
blemáticos da criativa porosidade linguística e cultural da região),
passando pelo híbrido capítulo (entre o ensaio e a prosa poética)
do também escritor Damián Cabrera, e pela análise do projeto e da
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produção da UNILA Cartonera, para chegar a propor uma Antologia
Literária nascida da experiência de habitar este lugar, de apreendê-lo
e torná-lo “legível”; inclui, também, uma entrevista com o ativista
cultural Silvio Campana. Compõem a Antologia alguns textos publi-
cados pela UNILA Cartonera e colaborações de poetas que vivem a
fronteira como realidade cotidiana: Douglas Diegues, Pedro Granados
e, complementarmente, Carlos Aguasaco, colombiano radicado nos
Estados Unidos, que nos brinda um conto nascido nesta outra fron-
teira linguístico-cultural que sempre nos servirá de contraponto para
nossa própria observação.
Ainda neste sentido, de estabelecer contrapontos que permitam
uma relação dialógica, isto é, procurando ampliar o espectro de re-
flexão do livro, foram incluídos dois capítulos que fogem da Tríplice
Fronteira e se voltam para outras importantes fronteiras culturais da
América Latina: a que une e separa o México dos Estados Unidos, e a
que une e separa a capital peruana, Lima, da serra andina. Fronteiras
que permeiam relações historicamente construídas entre culturas
diferentes que habitam o mesmo território; entre nações diferentes
ou entre regiões diversas de uma mesma nação.
Cartografia Imaginária da Tríplice Fronteira tem por objetivo
introduzir o leitor neste contexto que, se por um lado é de tensão
e conflitos, por outro é de extrema riqueza cultural e criatividade.
Os horizontes desta região trifonteiriça procuram acomodar a ex-
periência de habitar tempos e espaços que sonham com criar uma
nova territorialidade própria, híbrida, tão física quanto subjetiva
ou simbólica.
Esta publicação busca, portanto, contribuir para a reflexão sobre
as fronteiras – este espaço que oscila entre o âmbito territorial e o
simbólico, e que vem preocupando cada vez mais a crítica cultural
latino-americana. Pretendemos incluir a região trinacional neste amplo
debate que teve na fronteira entre o México e os Estados Unidos um
forte ponto de partida. A Tríplice Fronteira, com suas peculiaridades,
tem muito a acrescentar à reflexão sobre os “laboratórios” sociocultu-
rais da contemporaneidade. E assumimos sua (re)nomeação – Tríplice
Fronteira – para subvertê-la e reinventá-la.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 9
Com este livro encerramos o primeiro ciclo do projeto interdisci-
plinar Literatura e cultura como espaços de integração da universidade
no projeto latino-americano (2010-2013), financiado pelo Programa
de Educação Tutorial do MEC. Para tanto, conta com a colaboração
de bolsistas do programa e de pesquisadores de outras instituições
que, ao longo deste período, dialogaram com as atividades realiza-
das pelo grupo ou com os temas de interesse para a pesquisa que foi
levada a cabo.
Diana Araujo Pereira
Foz do Iguaçu, fevereiro de 2014.
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IMAGINÁRIOS DA TRÍPLICE FRONTEIRA
P A R A G U A Y Y S U S F R O N T E R A S.
Apuntes sobre culturas en movimiento
en territorios que se reconfiguran
Aníbal Orué Pozzo
(Universidad Nacional del Este, UNE – Paraguay
Centro de Estudios de las Relaciones Paraguay-Brasil)
Introducción general
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los espacios de frontera de la entonces Provincia de Paraguay (Orué
Pozzo, 2002). Igualmente, durante los años de la dictadura francista
y de su sucesor, Carlos Antonio López, los límites de la república con
sus vecinos siempre constituyeron una de las tantas asignaturas pen-
dientes. El reconocimiento de la independencia de Paraguay por parte
de los países vecinos (Argentina, Brasil, Bolivia), implicaba también
reconocer las fronteras físicas existentes entre éstos y Paraguay; en la
práctica no se dio de esa manera, pues continuaron como fronteras
sumamente gelatinosas.
Con la guerra de la Triple Alianza o guerra del Paraguay (1865-
1870), las fronteras paraguayas con sus vecinos se rediseñan. Emerge
un nuevo país, distinto a aquel que existía antes del inicio de la con-
tienda. Nuevos territorios nacionales emergen de los tratados de límites
firmados con Argentina y Brasil, en el último tercio del siglo XIX, como
consecuencia de los resultados de la guerra que llevaron al país a la
pérdida no solo de territorio, también de una parte de la población y
de un modelo socio-político que los Aliados se encargaron de destruir.
Posteriormente, y girando la vista hacia el occidente paraguayo, hacia
el gran Chaco, cuyo territorio, a pesar de una documentación que
demostraba la pertenencia de dichos espacios a Paraguay, entraba
en disputa con Bolivia. Nuevamente una guerra se encarga de definir
y reconfigurar estos espacios sociales como territorio y ocupación
humana, entre los años 1932-1935.
Sin embargo, si bien lo explicitado más arriba corresponde a uno
de los grandes componentes de lo que se dio en llamar el Estado-
Nación – es imposible la existencia de un estado, en los moldes de
la modernidad, sin un territorio claramente definido y limitado – ,
existen también fronteras en movimientos como resultado de un
intenso y extenso movimiento o flujo migratorio humano. Desde el
fin de la guerra de la Triple Alianza, Argentina fue el país al cual los
paraguayos concurrieron masivamente, sea para trabajar en cosechas
de algodón en territorios fronterizos con este país, sea como exiliados
políticos – y económicos – buscando de alguna manera una protección
a sus ideas, reprimidas en Paraguay. Esto fue Argentina para Paraguay
por muchos años, un lugar, un espacio, la posibilidad de construir
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un ágora del exilio paraguayo sin presiones y sin control político de
las fuerzas de seguridad. Este fue otro componente de frontera para
Paraguay. Ubicados o situados en ciudades límites con Argentina,
los paraguayos y sus familiares consideraron casi siempre la frontera
como algo en movimiento, es decir, pasible de eludir los controles
de seguridad, conviviendo inclusive con la población de las ciudades
paraguayas fronterizas.
A fines de la década del ’50 e inicios de los ’60 del siglo XX,
otra nueva frontera física y cultural comenzó a ser configurada en
Paraguay, con la fundación de Puerto Presidente Stroessner, hoy
Ciudad del Este, en el año 1957. Se inicia la gran “marcha hacia el
Este” en Paraguay; el giro geopolítico de la diplomacia paraguaya,
iniciada ya por vuelta de 1941, se consolida. Desde ese momento,
la frontera Este del país pasó a ser un sitio de conflicto, de intensos
desplazamientos humanos, ocupando tierras fiscales, en las cuales
supuestos beneficiarios de la reforma agraria volvían a vender sus
tierras – ilegalmente adquiridas o apropiadas – , a colonos brasileños
expulsados de sus posesiones en el sur y sudeste de Brasil (Ipardes,
1982). Los ’60 y ’70 son años de ocupaciones de esta frontera del
Este paraguayo por parte de migrantes internos estimulados, pocos
años más tarde, por el inicio de la construcción de la hidroeléctrica
de Itaipu en 1974; pero también por colonos brasileños, provocado
por el bajo costo de la tierra, a la cual accedían luego de venderlas
o perderlas en su país, en función de la penetración del capital en el
campo, señalado en el estudio citado más arriba. En este contexto,
Ciudad del Este, y el departamento de Alto Paraná, pasaron a ser
espacios sociales de intensos relacionamientos no sólo económicos,
también culturales y simbólicos.
El cruce permanente de la frontera hacia uno u otro país, incluyen-
do Argentina, configuró esta región como una de las más dinámicas
en los últimos 40 años. Allí se da un intercambio comercial, cultural,
emergen nuevas realidades socioculturales. La lengua se convierte
en algo vivo, en permanente transformación y adaptación; los inter-
cambios culturales, al mismo tiempo que imponen ciertos aspectos
hegemónicos, la domestican transformándolos en posibilidades de
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entendimientos más horizontales. El guaraní, español y portugués,
circulan libremente al igual que el mate y el tereré. Emerge una lin-
gua franca que desde la época de los jesuitas – con el Guaraní como
proyecto histórico – estuvo en el horizonte simbólico, concretándose
ahora en una lengua-dialecto-comunicacional que dialoga con el te-
rritorio y con sus ocupantes.
Es esta frontera social y cultural, la que se desplaza continua-
mente en la región. Igual situación se presenta – aunque con menor
intensidad, pero no menos dinámica – en otras regiones de frontera
Paraguay-Brasil, como es el caso existente entre las ciudades de Pedro
Juan Caballero (Paraguay) y Ponta Porã (Brasil), y otros espacios
semejantes a lo largo de esta división física entre ambos países.
Con Argentina se presenta una situación un tanto diferente, aun-
que no menos significativa. Los intercambios comerciales pasan a ser
el epicentro de toda esta nueva configuración de frontera. Apoyada
por la presencia de familias paraguayas en territorios argentinos, pro-
ducto de intensas y extensas migraciones políticas y económicas desde
mediados del siglo XIX, estos intercambios reconfiguran nuevamente
las fronteras territoriales, a pesar de existir una clara demarcación de
fronteras, ya como producto de acuerdos políticos y diplomáticos.
La dinámica de los intercambios Paraguay-Argentina, sumamente
intensos y dinámicos hasta los años ’60, se reconfigura en una suerte
de flujo paralelamente construido entre Paraguay y Brasil, con carac-
terísticas diferentes a la primera. Ocupaciones ilegales de territorio,
tensiones sociales, aglomeraciones de grupos humanos que huyen
o son expulsados por el desarrollo capitalista del campo brasileño,
marchan hacia el Este como forma de ocupar territorios históricamen-
te abandonados – todo esto da una nueva significación a la política
de la dictadura Stronista, acentuada durante los largos años de la
transición encabezada por el mismo partido político que sustento a
la misma. Finalmente, llegamos a los tiempos actuales, a las grandes
plantaciones de soja en manos de extranjeros y empresas multinacio-
nales, a la introducción del agronegocio extensivo, que nada más es
que la llegada de un capitalismo tardío al territorio paraguayo, y que
nuevamente rediseñan esta frontera del Este paraguayo.
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En consecuencia, a lo largo de la historia del país, sus fronteras
físicas, territoriales, y aquellas humanas y culturales, han estado en
permanente movimiento, siguiendo sinuosamente los pasos guiados
por el poder político; en otros momentos por expresiones más au-
tónomas e independientes, aunque no por eso menos autoritaria y
socialmente controladas. Es sobre estas fronteras humanas y cultura-
les que voy a tratar de referirme en las siguientes líneas. Desde esta
perspectiva, los párrafos que siguen apuntan más a la introducción
y presentación de un borrador de línea de investigación, aportes y
apuntes a su estructuración, antes que a un análisis de datos empí-
ricos levantados. Son borradores que introducen y predisponen una
perspectiva a futuro.
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modernidad, por esos años el país carecía de una delimitación clara
y exacta de su territorio. Una gran reconfiguración territorial se da
en Paraguay como resultado de la guerra que, entre los años 1865-
1870, involucró a Brasil, Argentina y Uruguay. Nuevamente desde los
tratados de límites posteriores a la finalización de la contienda – que
significó una derrota para el país – , los territorios se delimitan, sien-
do parte del mismo anexado por Argentina, entre los ríos Bermejo y
Pilcomayo; otra, la del pantanal al norte, y más allá de las cordilleras
del Mbaracayu y Amambay, por Brasil (Cardozo, 1989).
En relación a la situación de la frontera con Bolivia, en los años
posteriores a la finalización de la guerra de la Triple Alianza – y tal
vez una vez que los territorios de frontera con Brasil y Argentina
estuvieron mejor delimitados –, comienza en Paraguay una intensa
discusión respecto a los derechos sobre la región Occidental o Chaco,
por esos años reclamada por Bolivia. Entre fines del siglo XIX y los
primeros años del siglo XX, varios trabajos surgen en esta dirección.
Audibert (1901), Domínguez (1925, 1946), Báez (1932), De Gandía
(1935), entre otros, se dedicaron a investigar y publicitar de manera
más explícita la cuestión de límites entre ambos países, reivindicando
una determinada tesis paraguaya. Inclusive, una de las más emblemá-
ticas revistas científico-literaria de Paraguay de inicios del siglo XX, la
Revista del Instituto Paraguayo (Orué Pozzo, 2007), llegó a publicar,
entre 1899 y 1905, varios números con artículos y documentos histó-
ricos relacionados a los límites entre Paraguay y Bolivia. Sin embargo,
el conflicto latente por esos años se resuelve más tarde, entre los años
1932-1935, por medio de una guerra cuyo resultado trae consigo una
nueva configuración del territorio paraguayo.
Lo apuntado más arriba explicita, de alguna manera, ciertas vi-
siones y problemas con relación a las fronteras del país, que tuvieron
como una de las vías de resolución, la guerra; con esta acción se
resuelve el conflicto político por otras vías. Desde entonces, lo que se
inserta y está presente en Paraguay, en su población y en su cultura,
es la emergencia de fronteras móviles relacionadas a ocupaciones
hacia el Este del país, asimismo también con Argentina, que impli-
can pensar en territorios que, a pesar de bien delimitados, poseen
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fronteras culturales sumamente flexibles y gelatinosas. Es el caso de
los amplios territorios que separan a Paraguay de Argentina, con el
cauce de los ríos Paraguay y Pilcomayo como líneas demarcadoras
definidas, pero con un permanente flujo migratorio que implican
ocupaciones del territorio en ambas márgenes y el desarrollo de una
cultura propia desde esta situación.
La gran marcha hacia el Este, es decir hacia Brasil, tiene como un
punto de inflexión la visita del presidente Getulio Vargas a Paraguay en
el año 1941, y la retribución del presidente paraguayo, Higinio Morínigo
a ese país, al año siguiente. Desde ese momento estaba planteada la
posibilidad del giro geopolítico de la diplomacia paraguaya. Es decir,
volver la vista hacia Brasil, desalentando la mirada hacia Argentina,
país que siempre fue el gran receptáculo de la migración paraguaya.
Con la fundación del entonces Puerto Presidente Stroessner, en el
año 1957, se consolida este giro, que por su vez es interno y externo
(Ynsfrán, 1990); el país, bajo la conducción de la dictadura cívico-
militar de Stroessner, comenzaba a ocupar amplias extensiones de
tierra al Este, en el Departamento de Alto Paraná, distribuyendo exten-
siones de tierras fiscales, de manera prebendaría, a grupos de amigos
y simpatizantes del gobierno. Con la firma del Tratado de Itaipu, en
1973, y luego con el comienzo de las obras de construcción de la
hidroeléctrica al año siguiente, esta región cobra un nuevo impulso.
Varios estudios e investigaciones emergen en este contexto, entre
los cuales citamos el de Velilla Laconich (2008) y el de Fogel (2002),
éste último como resultado de una amplia investigación histórica,
sociocultural y arqueológica en el área de Itaipu; varios artículos en
la Revista Paraguaya de Sociología entre los años 1970-1990, también
apuntan al estudio de este fenómeno en el país.
No es mi intención agotar o, en todo caso, profundizar la discusión
con relación al levantamiento bibliográfico existente sobre territorio
de fronteras en Paraguay. Lo que traté de apuntar es simplemente
que este tema estuvo presente desde los primeros momentos de la
república. En estos últimos años, si bien existen fronteras físicas aun
indeterminadas – la construcción de Itaipu desdibujó los hitos fron-
terizos entre Paraguay y Brasil que aun están en discusión – , esta
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dinámica física y territorial fue desplazada por otra dinámica, humana,
de ocupación de territorios, de intensos intercambios comerciales y,
consecuentemente, culturales y simbólicos. Todo este proceso da paso
a la emergencia de nuevas realidades y, por su vez, a las brechas por
las cuales se introducen nuevos problemas en estos intercambios.
Lo que se da en denominar Triple Frontera, intersección de tres
países (Paraguay, Brasil y Artentina), se constituyó en los últimos años
en uno de los territorios de mayor efervescencia comercial, de gran
intercambio humano y, en este sentido, una región que se reconfigura
a cada momento. Lengua, territorio, culturas están en permanente
movimiento y transitando fluidamente en algunos tiempos de forma
menos conflictiva, más tensamente, en otros, contribuyendo a redise-
ñar nuevos espacios sociales como producto de estas interacciones e
integraciones. Pero también la denominación de Triple Frontera es algo
nuevo que emerge como producto “externo” y de bruscos acontecimien-
tos políticos; en consecuencia, también puede ser entendida como una
denominación socialmente construida, desde arquetipos hegemónicos.
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mismo. Señala al mismo tiempo, la necesidad de pensar las culturas
como sitios de hogar/asentamiento y de movimiento/desplazamiento,
es decir, sostiene que el movimiento o desplazamiento debe ser toma-
do y llevado a serio. De esta forma, lo que está en juego o lo que es
necesario realizar, señala este investigador, “son estudios culturales
comparativos, aproximaciones o entendimientos de determinados
situaciones, tácticas, prácticas del día-a-día de asentamiento y mo-
vimiento: movimientos/desplazamientos-en-asentamientos/hogar,
asentamientos-en-movimientos.” (Clifford, 1997:36)
Por su parte Sassen (2013) sostiene la existencia actual de un
desfase entre el territorio y su construcción legal que incluye la au-
toridad soberana sobre el territorio por parte del estado, es decir, la
territorialidad. Apunta, en este sentido, que el territorio no puede
reducirse a un territorio nacional o territorio estatal, otorgando de
esta manera a la categoría de territorio una medida de autonomía
conceptual al del estado-nación; es necesario extender o ampliar el
entendimiento del territorio más allá de la territorialidad del estado.
Para la autora, ello requiere un cambio conceptual alejándose del
tradicional entendimiento de frontera bajo el estado-nación, como un
lugar de cambios/intercambios y de significados, únicamente.
Sassen propone la existencia de distintos territorios dentro de la
territorialidad del estado-nación. El territorio “existe como punto de
convergencia, prolongación y tensión entre lo material e inmaterial,
entre espacios y relaciones, entre extensiones (movimientos) e in-
tenciones (afecciones y pasiones)” (Sassen, 2013:26). Según Sassen,
algunos componentes de esta autoridad sobre el territorio ya no per-
tenecen al campo de lo nacional en el sentido histórico del término.
Constituyen, señala, “componentes desnacionalizados de la autori-
dad estatal: parecen nacional pero en realidad están orientados por
agendas globales, algunas buenas, otras sin embargo no muy buenas,
finalmente.” (Sassen, 2013:38)
Son transfronteras o lugares defronterizados (debordering) que
constituyen nuevos espacios de frontera dentro del mismo territorio
nacional; las mismas pueden ser internas al territorio del estado o
cruzarlas a través de las fronteras del estado, concluye la investigadora.
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Estos espacios pueden ser elementales (como los espacios que ocupan
los movimientos sociales y otros), o complejos (como territorios de las
finanzas globales, o una mezcla de redes digitales y ciudades globales).
Así, una especial protección para ejecutivos y técnicos altamente
calificados de empresas multinacionales se posicionan en estos nuevos
espacios territoriales con protecciones especiales institucionalizadas
globalmente; mientras, el flujo de personas y culturas, al contrario,
pierde protección legal y los mismos emprenden una lucha para tratar
de igualar estos flujos con los primeros citados. Es el caso de funcio-
narios altamente calificados de las multinacionales del agronegocio
afincadas en el departamento de Alto Paraná (Monsanto, Bunge y
Born, Dreifus, y otras), que contrasta profundamente con el flujo
diario de personas en el intercambio comercial del menudeo (boias
frias globales y mundializados en su consumo, expulsados del dis-
frute y del lazer/ocio necesario). Se establecen también diferencias:
cruzar el puente diariamente caminando, con “sacolas” al hombro,
o en algunos casos navegando el río Paraná, a diferencia del cruce
frecuente por aire, directamente a aeropuertos privados.
Dos formas de “intercambio”, dos maneras distintas de culturas en
movimiento en un espacio cada vez menos nacional. Lo hegemónico
y lo subalterno, lo dominante y lo residual o emergente (Williams,
1977), presentes en estas fronteras móviles entre los tres países. En
todas estas esferas, públicas y privadas, se dan profundos cambios/
intercambios culturales, entrelazados con hegemonías presentes en
los mismos cambios/intercambios. Ejecutivos globales, compradores
y boias frías subalternos “también” globales.
Pero, paralelamente a estos dos flujos mencionados, existen
también otros, más allá de lo movedizo diario, un poco más distan-
tes de esta instantaneidad de las relaciones establecidas en el cruce
diario por tierra o por aire. Son los migrantes forzados, obligados a
desplazarse del territorio brasileño al paraguayo, buscando un hogar/
asentamiento producto de un continuo movimiento/desplazamiento
humano y cultural; es la búsqueda de la tierra prometida del oeste
al este – por parte de grupos expulsados de la tierra y también de
aventureros de las finanzas ligados a la tierra – , a diferencia de de
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la gran utopía Guaraní de la tierra prometida al oeste, donde sale el
sol. Estos asentamientos/desplazamientos al tensionarse con aquellos
ya asentados/desplazados de Paraguay, van conformando nuevos
asentamientos/desplazamientos necesarios de ser estudiados a fondo,
de ser pensados seriamente, como señala Clifford (1997). Esta fue la
conformación del territorio del este paraguayo en los últimos 30 años
aproximadamente.
Estas fronteras como espacios transversalizados no constituyen
meros andariveles de cruces de idas y vueltas, como es el caso de
Ciudad del Este, también son constitutivos de capacidades territo-
riales distintivas; algunos buscan bienes de consumo asociados a la
frivolidad de la posmodernidad, otros bienes inmuebles, éstos sí ya
asociados a la necesidad de una acumulación originaria de manera a
dar paso, en poco tiempo, a un capitalismo tardío en estas regiones.
Si continuamos pensando en territorio desde la perspectiva del estado-
nación, corremos el riesgo de difuminarlo, quedándonos en la sombra
de la territorialidad del estado-nación, sin percibir los movimientos
internos y externos que fluyen desde estos procesos sociales.
La tierra como un bien inmueble cuya búsqueda ha generado todo
tipo de apropiaciones indebidas, muertes y asesinatos, intercambios
desiguales y combinados, conviviendo con la búsqueda de otro tipo
de bienes inmuebles y simbólicos, que también ha generado trans-
formaciones sociales y construcciones hegemónicas en el tiempo. Lo
crudo y lo cosido, lo manifiesto y lo latente, conviven diariamente en
este territorio movedizo, denominado y construido, desde el poder,
como Triple Frontera.
Por otro lado, y desde una perspectiva que implica el desdibuja-
miento de los territorios de fronteras en el contexto del estado-nación,
Beck (2008) plantea como una opción metodológica crítica, la adop-
ción de un nuevo tipo de mirada cosmopolita con sentido amplio del
mundo y ausencia de fronteras. Esta cosmopolitización obliga, según
este autor, a una nueva interpretación de los procesos territoriales
y de fronteras, huyendo de los entendimientos nacionalistas que no
contribuyen para una comprensión más amplia de los mismos. Estas
cosmopoliticidades sociales, políticas, culturales, presentes en la Triple
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Frontera, en los entrecruzamientos, pero también en los asentamien-
tos, son por su vez locales y globales. Por eso es imposible pensar
una cultura yopara en estos espacios, sin tener presente el profundo
enraizamiento de la cultura Guaraní en estos territorios sociales pa-
raguayos, brasileños y argentinos, desde los cuales se da la interme-
diación y diálogo tensionados con culturas externas a esta localidad,
siendo éstas, también, productos de intercambios y migraciones en
Brasil, Argentina, asimismo de regiones más distantes.
Desde una perspectiva de las ciencias sociales paraguayas, Prieto
Bazán (2002) señala la existencia de un ethos migratorio en Paraguay,
que se advierte como una constante a través de su evolución socio-
cultural. Por otro lado, este ethos también cambia o se transforma en
función del tiempo, asumiendo características y significados distintos
en relación a los procesos en curso; pierde claridad, se difumina. Así,
es posible identificar un intenso flujo de personas y culturas en la re-
gión del Este paraguayo, en los últimos 25 años: La gran marcha hacia
el Este emprendida por la dictadura de Alfredo Stroessner desde los
años ’60 del siglo pasado; la fundación del entonces Puerto Presidente
Stroessner, hoy Ciudad del Este, en 1957; la venta indiscriminada
de tierras a colonos brasileños expulsados de su tierra en el sur de
Brasil que se agudiza desde 1970; la construcción de la hidroeléctrica
de Itaipu en 1974 y, finalmente, el enclave comercial electrónico y
de todo tipo de bienes de consumo en esta ciudad, conformaron un
espacio social que dotó a la frontera de una configuración especial en
términos de dinámica poblacional y de proceso cultural.
El territorio ya no puede ser definido como un único y singular
significado; expresa y puede ser entendido desde diferentes contextos
históricos y sociales. Desde esta perspectiva el territorio puede ser
mejor comprendido como una tecnología política que incluye técnicas
para medir y controlar el territorio (Elden, 2010), y también como un
artefacto literario-cultural, es decir, socio-históricamente construido.
Palau (1994) sostiene que es cada vez mayor la tendencia de
pensar y estudiar los patrones migratorios de los últimos años, desde
perspectivas distintas a las encaradas en los años ’60 y ’70, y que son
necesarios nuevos enfoques para el estudio de tales desplazamientos;
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tendencia que refuerza lo señalado poco más atrás por Beck. Este
mismo autor señala la existencia de sociedades fronterizas, a partir
de la experiencia de Ciudad del Este y otras en Paraguay, en la cual
se presenta una exposición continuada de valores, ideas, costumbres,
gustos que se incorporan tanto de Brasil como de Argentina. Una ida
y vuelta permanente para usufructo de servicios sociales ofrecidos del
otro lado como escuelas, puestos médicos, seguridad social, y otros2.
Emerge de esta manera un tipo de familia, la familia de los fronte-
rizos binacionales, o la familia binacional transfronteriza, siendo que
“la combinación de ambas es bastante frecuente” (Palau, 1994:118).
En estos espacios sociales existe un desplazamiento de muy corta dis-
tancia y corto tiempo hacia el otro lado, según apunta este autor. Sólo
resta pensar – y datos empíricos pueden apoyarnos a desbrozar esta
situación – en la posibilidad de la existencia de una familia trinacional
transfronteriza, – en un entendimiento más amplio del concepto de
familia – con características particulares y por su vez mundializadas
en este espacio social tensionadamente compartido.
Cuando señalaba más atrás que espacios sociales del tipo existente
en la Triple Frontera rompen los contenedores y límites del tradicional
estado-nación que la modernidad introduce, me estaba refiriendo a
un ejemplo específico que queda fuera de los clásicos levantamientos
estadísticos emprendidos por un estado para orientar sus relaciones
y compromisos. Es el caso, por ejemplo, de los flujos y movimientos
migratorios transitorios diarios, de corta duración, de mercancías y
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bienes simbólicos, que quedan fuera de los levantamientos oficiales,
de los diferentes instrumentos de medición que la república desarrolla:
censos, encuestas de hogar, encuestas de población y otros tantos le-
vantamientos cuantitativos. ¿Cómo medirlos?, ¿cómo o de qué manera
ecuacionarlos cuantitativamente en toda su amplia complejidad? Estos
recorridos humanos no pueden ser incorporados como “fotografía de
la realidad”. Se necesitan ciencias nómadas (García Canclini, 1990),
o aluviales nocturnas (Martín Barbero, 1987) o cosmopolitas como
Beck, para dar cuenta de estos procesos sociales.
Pero no solamente en los levantamientos estadísticos oficiales
estos procesos en movimiento no pueden ser “capturados” en su
amplia dimensión, sino también en las propias esferas del estado.
Al presentarse una situación de transnacionalidad, de familias bi-
trinacionales transfronterizas, gran parte de los beneficios sociales,
educación, e inclusive ingresos en función de trabajos duros y también
ocasionales, quedan fuera de estos levantamientos. Es imposible pla-
nificar el desarrollo o crecimiento de una ciudad de frontera sin llevar
en cuenta, al mismo tiempo, un igual proceso de planificación en la
otra ciudad, en aquella situada frente a la misma. Las asimetrías de
desarrollo continuarán en dichos espacios sociales si estos aspectos
no son llevados en cuenta.
En su aspecto macro, existen los Fondos Estructurales del Mercosur
(FOCEM), como instrumentos y estrategias para vencer las grandes
asimetrías entre países miembros de dicho acuerdo de integración.
Por su parte, a nivel de estos espacios sociales, también es necesario
llevar en cuenta los procesos transnacionales de frontera para pensar
un desarrollo en equidad. Y esto, sin duda, no puede ser puesto sobre
la mesa desde las estructuras rígidas nacionales; una superación del
estado-nación, de su territorialidad, es necesaria.
¿Cómo expresar cuantitativamente una lengua en continuo movi-
miento y transformación, e insertarla en los límites del estado-nación?
Si es necesaria la exploración de ciencias nómadas para dar cuenta
de estos procesos sociales, lenguajes nómadas también existen que
expresan, denotan y construyen estas realidades. Nuevamente en este
punto emergen situaciones que, desde un comienzo, las personas
26
incorporan: varias formas de expresión para comunicar ideas y sen-
timientos; como Falstaff, es difícil agarrarlas con las manos.
Conclusiones provisorias
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 27
vez más urgente estudiar los asentamientos-en-movimiento, las trans-
fronteras y los espacios deborderizados para poder comenzar a entender
algo de este complejo enmarañado social denominado Triple Frontera.
Referencias
De Gandía, E. (1935) Los derechos del Paraguay sobre el Chaco Boreal, Buenos
Aires: Rosso.
28
Montoya, A. R. (1639) Conquista espiritual hecha por los religiosos de la
Compañía de Jesús en las Provincias del Paraguay, Paraná, Uruguay y Tape,
Madrid: Imprenta del Reino.
Williams, R. (1977) Marxism and literature, New York: Oxford University Press.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 29
D E F I N I E N D O F R O N T E R A S C U L T U R A L E S:
narrativas de experiencias entre inmigrantes árabes
en la Triple Frontera
Introducción
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 31
en slogan la noción de que en la Triple Frontera conviven en plena
harmonía decenas y decenas de etnias. La existencia de una especie
de “sobrecarga” discursiva sobre la región acabó por instalarse y uno
de sus efectos fue el de generar caracterizaciones apriorísticas de la
zona, alejadas de las prácticas, creencias e imaginarios de los grupos
que efectivamente la transitan2.
Desde otra perspectiva, vienen realizándose trabajos sociológicos
y antropológicos sobre la Triple Frontera y los grupos sociales que la
componen, privilegiando la investigación empírica y el conocimiento
en terreno3. En los últimos años abordé distintos aspectos relativos a la
comunidad árabe musulmana enfatizando o, al menos sin descuidar,
lo que podríamos denominar como espacios de intersecciones. Uno
de esos espacios fue el de los imaginarios construidos por la prensa;
otro, el de las conceptualizaciones que otras comunidades religiosas
de la región elaboraban en relación a la presencia del Islam en un
campo religioso marcado por la diversidad. Posteriormente, analicé los
proyectos misionarios evangélicos que tenían a la comunidad árabe
como destino de esfuerzos conversionistas, considerando un sistema
de interacciones motivado por el presupuesto proselitista de “llevar el
mensaje a los pueblos no alcanzados por el Evangelio”. He abordado
también, entre otros temas, el análisis de las narrativas de pertenen-
cia étnico religiosa y del “estar en la frontera” entre inmigrantes de
32
la comunidad árabe (MONTENEGRO, 2009; 2011; 2013). Este texto
tiene como objetivo continuar explorando el estudio de la comunidad
árabe-musulmana privilegiando el propio discurso de los actores y el
modo en que, a partir de sus experiencias de vida como inmigrantes y
descendientes, construyen y atenúan fronteras culturales con “Otros”
con quienes interactúan cotidianamente. Apelando a distintas formas
de presentarse y narrar sus trayectorias, distancias y proximidades
con los habitantes locales, nuestros entrevistados construyen diversas
narrativas de territorialización, entre las cuales escogemos algunas
para desarrollar en este trabajo.
Los relatos fueron recogidos en distintas instancias de trabajo
de campo, sea a través de entrevistas, de conversaciones informales
posteriormente registradas o en el contexto de observaciones y parti-
cipación en actividades de la comunidad. Preferentemente, privilegia-
mos la expresión de experiencias individuales de sujetos de distintas
generaciones a uno y otro lado de la frontera brasileño-paraguaya4.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 33
en el estudio de las formaciones identitarias complejizaron el modo
de pensar esa mutua implicación. Un conjunto de nociones básicas
forman parte del sentido común de este tipo de abordajes: los relatos
guían las acciones; los sujetos construyen identidades, múltiples y
mutables, localizándose a sí mismos o son localizados en un repertorio
de relatos; la “experiencia” se constituye por medio de narrativas y las
personas otorgan sentido a lo que les sucede o les está sucediendo al
integrar esos hechos en una o más narrativas; tienden a actuar en una
forma y no en otra sobre la base de proyectos, expectativas y memo-
rias derivados de un repertorio disponible, múltiple pero finalmente
limitado, de narrativas públicas, sociales y culturales (SOMMER:
1994). Como argumentara Bruner (1986) en otro clásico trabajo, la
experiencia no equivale al comportamiento, concepto que nos es más
familiar, y que supone un observador externo que describe la acción
de otro, como si uno formase parte de la audiencia de un evento que
implica el transcurrir de una rutina estandarizada. La experiencia
puede considerarse como algo más personal, como referida a un self
activo que no solo se involucra sino que moldea una acción. En tal
sentido, podemos tener una experiencia pero podemos no relacionarla
a un comportamiento, describimos el comportamiento de otros pero
caracterizamos nuestra propia experiencia.
Desde ese punto de vista, dado que como característica distintiva
la comunicación de la experiencia tiende a ser auto-referencial nos
encontramos con la dificultad de que sólo es posible experimentar
la propia vida y, por ende, no es posible conocer completamente
la experiencia de otro. De este modo, la materia prima del análisis
sería apenas las expresiones de esas experiencias, es decir, represen-
taciones, performances, textos, narrativas, etc5. Para el caso de las
5 Esa visión supone una relación dialógica entre experiencia y sus expre-
siones, considerando que la experiencia estructura expresiones y que enten-
demos a las otras personas y sus expresiones sobre la base de nuestra propia
experiencia y auto-entendimiento. Pero las expresiones también estructuran la
experiencia. Así, determinadas narrativas, rituales, etc, en tanto expresiones,
también definen, iluminan y articulan las experiencias. La advertencia de
34
historias de vida, Bruner reconoce una distinción entre la vida como
vivida (“realidad”) la vida como experimentada (experiencia) y como
narrada (expresión).
Este trabajo analiza el modo en que los relatos sobre la experien-
cia migratoria de llegar, vivir e interactuar en la frontera, elaborados
por inmigrantes árabes musulmanes y sus descendientes, se integran
en narrativas sobre el trabajo, la religión y las diferencias generacio-
nales. Al mismo tiempo, considero el papel de esos tres ejes en la
construcción y atenuación de fronteras culturales en el contexto de
la experiencia de territorializarse en la Triple Frontera6.
Bruner es que solo un positivista naive podría considerar que las experiencias
son equivalentes a la realidad, olvidando la brecha que en la vida cotidiana
se produce entre experiencia y su manifestación simbólica en una expresión.
6 En lo que respecta a las instituciones creadas por la comunidad árabe,
una de las más antiguas en Foz do Iguaçu es el Club Unión Árabe (1962)
que permaneció cerrado en la última década y fue revitalizado en 2011.
Cabe mencionar también la Asociación Beneficiente Musulmana de Foz de
Iguacú (finales de los ’70) y la mezquita Omar Ibn Al-Khattab (1983) de la
comunidad sunnita. En lo que respecta a las instituciones shiitas, en 1986 se
funda la Sociedade Islâmica de Foz do Iguaçu, siendo finalizada la construc-
ción del edificio donde funciona la sede de la entidad en 1993, que incluye
la Hussayniah Imam Al-Khomeini. En Ciudad del Este se funda en 1988 el
Centro Árabe Islámico Paraguayo, la Mezquita del Profeta Mohammed (1984)
de orientación shiita. En 2012 la comunidad sunita comenzó la construcción
de la mezquita Alkhaulafa Al-Rashdeen, cuya inauguración se prevee para
2014. Para más detalles ver las referencias bibliográficas de este artículo.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 35
israelí y las crisis económicas son motivos que, mencionados conjunta
o separadamente, siempre forman parte del repertorio discursivo de
los inmigrantes, de acuerdo a la época en que iniciaron sus itinerarios
migratorios. Estos relatos periodizan el proceso tomando como punto
de partida el momento previo a la decisión de salir de sus lugares de
origen, prosiguen retratando el espacio de destino para luego insertar
los eventos rememorados en una narrativa del inmigrante como sujeto
que busca el progreso a través de las oportunidades laborales, en este
caso ofrecidas por la frontera.
Uno de los espacios ocupacionales más importantes de los in-
migrantes árabes ha sido la actividad comercial, como minoristas,
mayoristas o empresarios vinculados a la importación de productos
diversos en el radio Ciudad del Este-Foz do Iguaçú. Pequeños loca-
les, grandes tiendas, galerías comerciales, restaurantes, etc. reflejan
los distintos emprendimientos de individuos de la comunidad. En
general, en ambas ciudades, la comunidad árabe es asociada con la
actividad comercial, representaciones de los árabes como dedicados
al comercio son preponderantes entre los paraguayos y brasileños
que en Ciudad del Este muchas veces trabajan como empleados en
sus tiendas. Incluso, con frecuencia, el crecimiento comercial de la
región es asociado al arribo y permanencia de una inmigración árabe
claramente visible. Por otro lado, entre muchos de los inmigrantes, este
retrato se ajusta a una de las marcas más fuertes de pertenencia a la
comunidad en cuanto “comunidad económica”, como fuera calificada
por algunos de mis entrevistados. En ese sentido, se identificaban
como perteneciendo a un grupo que, “como otras comunidades”,
permanencia en la frontera debido a las “oportunidades económicas”
y a las “relaciones de mercado” que era posible establecer en el nicho
ocupacional ya construido en ese espacio comercial.
Los pioneros, aquellos pocos que llegaron en la década del 60,
describen las ciudades de Foz y Ciudad del Este como lugares por en-
tonces poco poblados, carentes de infraestructura urbana, pero como
espacios propicios para intentar emprender la apertura de sus primeras
tiendas. Estos relatos presentan como hechos concomitantes la gradual
estabilización y mejora de sus condiciones económicas personales
36
y el crecimiento de la ciudad. Podemos decir que la expresión de la
propia trayectoria biográfica de este grupo de inmigrantes aparece
entrelazada con la biografía de las ciudades. Al aludir tanto a sus
historias personales como a la de las ciudades destacan los procesos
de expansión, desarrollo y mejora.
Algunos de los inmigrantes que llegaron a mediados de la década
del ‘80 también se refieren a la frontera como espacio de oportunidades
comerciales. Sin embargo, la mayoría estableció un corte temporal
recordando la existencia de una “época dorada”, que coincidió con
finales de la década del ‘80 y comienzos de la década del ’90. Al com-
parar con el presente, muchos comentaron que difícilmente pueda
volver a darse una coyuntura como esa. Como lo explicaba uno de
nuestros entrevistados: “A finales de los 80 pasé por un período muy
bueno, de despegue, compré casa, automóvil, traje a mis hermanos
para aquí, compré casa para mi familia en mi pueblo”. Otros relatan
cómo en ese período de una tienda pasaron a tener dos o más su-
cursales, cómo consiguieron comprar locales en lugar de alquilarlos
o mencionan la adquisición de otras propiedades que sirvieron para
obtener una renta extra. La experiencia de haber testificado épocas de
crisis del polo comercial de Ciudad del Este también aparece en estos
relatos y esos períodos de incertidumbre son atribuidos a los vaivenes
del tipo de cambio, a las políticas de fiscalización implementadas en
los últimos tiempos por Brasil y a otras coyunturas. La explicitación
de este cambio de situación se realizaba también en el contexto de
considerar cual sería el escenario para quienes decidieran migrar hoy.
Sobre este aspecto, nuestros interlocutores coincidieron en afirmar
que sería difícil o prácticamente imposible que recién llegados a la
frontera pudiesen repetir la trayectoria de aquellos que, como ellos,
ya llevan décadas en la zona. Sin embargo, podemos decir que en la
mayoría de lo relatos la frontera es presentada como un espacio de
oportunidades, donde la alusión a las crisis se contrarresta con una
visión que destaca las potencialidades que ofrecería la región.
Las condiciones laborales encontradas en la zona aparecen como
un factor determinante en la decisión de permanecer en ella. Los moti-
vos de la migración fueron siempre remitidos a múltiples factores, pero
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 37
siempre haciendo mención a la posibilidad de mejorar las condiciones
de vida. En este núcleo de relatos, la inflación, los salarios bajos o el
trabajo sin progreso visible en la tierra de origen fueron puestos por
encima de otras motivaciones. En ese contexto, la elección del lugar
de destino se relaciona a la existencia de redes familiares o de amistad
pero la permanencia es explicada por la “promesa” económica que
la frontera supondría.
En relación a los espacios de destino, tanto Ciudad del Este como
Foz de Iguaçu aparecían en este conjunto de narrativas como desti-
nos que no habían sido planeados, como ocasionales pero acertados,
porque “en la frontera hay trabajo” y “hay comercio árabe que facilita
las cosas”. Al vincular la migración con el trabajo y el progreso, estos
discursos exaltaron la existencia de un espacio económico y minimi-
zaron otros aspectos compartidos por la comunidad árabe, como su
pertenencia religiosa. De ahí que, al caracterizarse a sí mismos como
comerciantes, muchos hayan argumentado que esta actividad les deja-
ba poco tiempo para participar de la vida religiosa y sus instituciones
o, incluso, para vincularse más estrechamente con otros miembros
de la comunidad. Como afirmaba uno de los inmigrantes entrevista-
dos: “Podemos practicar nuestra religión en cualquier parte, incluso
en nuestra casa, pero sólo en algunos lugares es posible conseguir
trabajo y progresar”.
El trabajo también apareció como determinante del padrón de
asentamiento a uno u otro lado de la frontera. Vivir en Foz do Iguaçu
pero trabajar en Ciudad del Este es una forma típica de localizarse a
ambos lados. Este tránsito cotidiano permite que los sujetos construyan
nociones diferenciadas de ambas ciudades. En tal sentido, podemos
reconocer algunos argumentos que tienden a distinguir entre una y otra
urbe. Para muchos, Foz es buena para residir, por su infraestructura,
servicios, orden y limpieza, mientras que Ciudad del Este es buena
para trabajar, por su dinámica configurada en torno a la actividad
comercial. Otros sostienen que residir en Foz supone haber alcanzado
un cierto grado de estabilidad comercial y progreso, pues en épocas de
mayor precariedad vivieron en Ciudad del Este y se mudaron cuando
pudieron, manteniendo la ciudad paraguaya sólo como espacio de
38
trabajo. No obstante, comerciantes que vivían y trabajaban del lado
paraguayo muchas veces contradijeron estos argumentos, destacan-
do los aspectos positivos de la ciudad paraguaya y la comodidad de
vivir y trabajar en un mismo espacio, negando que el lado brasileño
les resultara más atrayente. Muchos también reconocen que ciertas
“informalidades” atribuidas al Paraguay favorecieron sus situaciones
individuales cuando no cumplían con los requisitos necesarios para
acceder a la documentación como residentes. Como sintetizó un in-
migrante que ahora vive del lado brasileño: “la verdad es que durante
cinco años no tuve ninguna clase de documento y no tuve ningún
problema, me movía libremente, esto no representaba un problema”.
Es posible afirmar que esta presentación de sí mismos como co-
merciantes, como inmigrantes que se instalan en un espacio propicio
para el trabajo, inserta las trayectorias individuales, otorgándoles sen-
tido y coherencia, en una narrativa que conecta en un continuum la
inmigración, el trabajo y el “progreso”. De este modo, los inmigrantes
también se consideran en una posición análoga a otros inmigrantes
que comparten su nicho ocupacional, como los chinos y otros que,
aunque considerados “distantes”, diferentes y, a veces, “cerrados”,
son también vistos como permaneciendo en ese espacio por las opor-
tunidades y potencialidades de la frontera.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 39
costumbres locales que a simple vista son contrarias a nuestra prác-
tica religiosa son sólo cuestiones secundarias”, “muchos brasileños
no comen cerdo, tampoco los judíos, muchos no beben alcohol por
cuestiones de salud”. Apostando a estas posibles compatibilidades
algunos entrevistados alegaron que, con el transcurrir del tiempo, las
costumbres de los musulmanes dejarán de ser vista como extrañas o
exóticas y los valores religiosos del Islam terminarían influenciando
la forma de vida de las poblaciones locales. Este tipo de discursos
muchas veces menciona a las instituciones educativas que la co-
munidad ha construido a lo largo del tiempo7 como espacios que
terminarán atrayendo a la sociedad local. Esta posibilidad aparece
elaborada en el contexto de una imaginación o proyección sobre el
futuro pues, según afirmaban algunos, la sociedad local ya percibe
la diferencia entre el tipo de educación que ofrecen las escuelas de la
comunidad y las otras. Las primeras son descriptas como luchando
por preservar valores morales que las otras ya no pueden transmitir
o como ejerciendo, a pesar de las dificultades, un mayor cuidado y
control sobre el comportamiento de niños y adolescentes. Los pocos
casos de brasileños y paraguayos que alguna vez han frecuentado
o frecuentan las escuelas de la comunidad árabe son puestos como
ejemplos de esta posible valorización del tipo de educación que estas
escuelas representan.
Otros imaginan que a través de las generaciones es probable que
su cultura comience a perderse o a “diluirse” por fuerza de la adopción
de los estilos de vida locales pero, al mismo tiempo, sostienen que es
la religión lo que perdurará por encima de los cambios que puedan
producirse. “Somos un pueblo espiritual” afirmaba uno de mis entre-
vistados. Coincidiendo con ese punto de vista, uno de los líderes de
la comunidad musulmana expresaba: “(…) van a predominar los que
40
entiendan bien la religión, en unas décadas religiosamente no va a
haber más libaneses o palestinos, todos serán locales, la religión nunca
acaba (…)”. Nuestro interlocutor señaló que el objetivo no era generar
conversos sino esclarecer estereotipos y mostrar compatibilidades. Y
en sus reflexiones esta posibilidad implicaría “salir del tribalismo y
del racismo de las primeras generaciones”. En su visión, la desapa-
rición de los vínculos ligados a la etnicidad será un proceso normal
del futuro lejano de esas comunidades, que conducirá a la preponde-
rancia de todo lo ligado a la religiosidad, afirmando al respecto que
“estos procesos son normales y forman parte del crecimiento y de la
globalización”. Otro de nuestros entrevistados, religioso observante,
planteo incluso que en el futuro la región podría transformarse en
una pequeña Malasia, atrayendo musulmanes de todo el mundo y
esto estaba asociado a su idea de que en esta zona era posible vivir
y practicar la religión con tranquilidad.
Es interesante considerar cómo en algunos de éstos discursos,
y también entre algunos jóvenes descendientes que participan en
la vida religiosa de la comunidad, aparece un desdoblamiento de
la adscripción cultural y la religiosa, suponiendo una perennidad de la
segunda y un peligro de pérdida respecto de la primera. Como se ha
señalado en otros trabajos (MONTENEGRO, 2011; PINTO 2011), y
a diferencia y semejanza de otros contextos que hemos estudiado, en
la Triple Frontera ser árabes y ser musulmanes configuran aspectos
yuxtapuestos y el Islam es aún una religión restringida al círculo de
los inmigrantes árabes y sus descendientes. A esto debemos sumarle
que no existe un grupo de conversos paraguayos o brasileños visible o
que participe en las instituciones religiosas de la comunidad, aunque
existen, como hemos podido comprobar en nuestros trabajos de cam-
po, algunos individuos aislados que se han convertido sin frecuentar
los espacios religiosos de la comunidad árabe8. No obstante, notamos
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 41
que en algunos casos cuando nuestros interlocutores arriesgaban
proyecciones sobre el futuro de la comunidad, consideraban lo que
denominaban “costumbres”9 como menos duraderas que la religión
o, al menos, como una dimensión más sujeta a la influencia local.
Es lógico que en una comunidad de inmigrantes donde los pioneros
llegaron hace más de 4 décadas, la camada siguiente hace casi 30 años
y donde hay ya un número considerable de descendientes nacidos en
Brasil y Paraguay que supera los 20 años, aparezcan distintas elabo-
raciones, proyecciones y puntos de vista en torno al futuro.
De este modo, inmigrantes y descendientes inscriben sus expe-
riencias, sobre las tensiones entre su cultura de origen y la atribuida
a las sociedades locales, en narrativas de diferencia, posicionándose
como singulares. Al apropiarse del discurso generalizado que los
concibe como “diferentes” construyen argumentos sobre el papel de
su especificidad religiosa en relación a los Otros locales.
42
La idea de que algunos jóvenes se apartan de la religión, cultivan
amistades locales, beben o se distancian de la comunidad muchas
veces es considerada como una circunstancia pasajera pero que
eventualmente puede incluir el peligro de una futura “dilusión” de la
comunidad. De ahí que las escuelas árabes creadas por los inmigrantes
sean consideradas posibles garantías de “reproducción”, tanto de los
aspectos religiosos como de los vinculados al origen nacional libanés
de la mayoría de los descendientes de los inmigrantes.
Otros relatos sumaron a esta esperanza en la eficacia de las escuelas
la importancia de propiciar que los jóvenes puedan viajar para pasar
un tiempo en las tierras de sus padres, en visita familiar o también
para perfeccionar el uso de la lengua en la comunidad de hablantes.
Las tensiones generadas por estilos de vida considerados diferentes se
expresa también en el discurso de algunos jóvenes que elaboran vi-
siones críticas de la educación recibida en las escuelas. En tal sentido,
algunos alegaron que este tipo de educación no los preparaba muy
adecuadamente para la vida local. Otros, enfatizando su fe religiosa,
se refirieron con cierta ironía a que muchas veces eran cuestionados
por sujetos que se alejan de la religión durante la mayor parte de su
juventud y vida adulta y regresan al final de sus vidas. A su vez, en
las propias instituciones educativas encontramos siempre relatos sobre
estas tensiones, la dificultad de educar a niños y jóvenes que, como
todos, acceden a estímulos contrarios a los valores que se les intenta
transmitir. Otra fuente de estos relatos es el discurso de algunos padres
que se muestran preocupados de que sus hijos varones inicien relaciones
con mujeres brasileñas o paraguayas; algunos explicitan su deseo de
que se casen dentro de los círculos de la comunidad y, otros, suponen
que es mejor no ejercer presiones dado que “solos se darán cuenta” de
los posibles conflictos que esto podría implicar.
Al analizar un conjunto de discursos que expresa las diferencias
en clave generacional, a la luz de ciertas representaciones que los ma-
yores elaboran sobre las jóvenes generaciones, notamos que subyace
la construcción de una visión dicotómica entre el lugar de origen y la
especificidad cultural atribuida al espacio de destino. Evidentemente,
nos referimos a un lugar de origen resignificado e, incluso, idealizado,
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 43
como un espacio donde la religión y los vínculos familiares aparecen
configurando las sociabilidades de los jóvenes. Un punto de vista
según el cual la religión parece constituirse en un legado cultural y,
como tal, se transmitiría de forma fluida en el contexto más amplio
de una cultura permeada por ella. Al mismo tiempo, siempre en el
contexto de estas representaciones, el espacio de destino migratorio
es categorizado como un ámbito donde los controles de la comunidad
no llegar a ser demasiado fuertes o posibles, teniendo en cuenta la
diversidad de opciones de estilos de vida asequibles en el mundo local.
Algunos entrevistados señalaron que esos jóvenes se encontraban
en una “fase transitoria” por la cual ellos mismos también habían
pasado, en momentos en que, en los espacios de destino, se alejaron
de la religión y postergaron el retorno a las prácticas. Entre nuestros
interlocutores pioneros, un conjunto coincidió en afirmar que antiguos
y nuevos inmigrantes pertenecían a una “misma cultura”, lo cual
garantizaba la existencia de redes de solidaridad y aprendizaje de las
tradiciones. No obstante, señalaron límites: “mientras los jóvenes no
hagan nada malo”, “siempre que no beban alcohol o vayan al casino
aprovechando que nadie los ve”, “cuando no terminen abandonando
su personalidad religiosa”, recordando también casos en los cuales las
amistades locales terminaron generando influencias en los estilos de
vida. En síntesis, este discurso se elabora a partir de un reconocimien-
to de las diferencias intergeneracionales, que propiciarían distintos
“modos de estar” en la frontera.
Consideraciones finales
44
secuencia que va de las condiciones previas a la partida, marcada por
la falta o agotamiento de las oportunidades, a veces en un contexto de
conflictividad política, y culmina con la incorporación a la dinámica
laboral entre Foz de Iguaçu y Ciudad del Este o en alguna de las dos
ciudades. De este modo, las trayectorias biográficas adquieren sentido
y pasan a formar parte de una dimensión más amplia de migración/
trabajo/”progreso”, en un espacio donde sujetos de diferente origen
confluyen también en la búsqueda de oportunidades de vida. En este
plano, nuestros entrevistados se consideraron insertos en una posición
análoga a la de otros contingentes migratorios de la zona.
Los sentidos otorgados a las diferencias culturales conforman otro
de los nodos a partir de los cuales nuestros entrevistados elaboraron
relatos que les permitieron posicionarse como singulares. Esa especifi-
cidad fue pensada o bien como una capacidad de influir y diseminarse
en los espacios locales o bien como una “propiedad” que podía per-
derse, desdibujarse o diluirse. Ambas tendencias tienen en común el
mantener el reconocimiento de una diferencia que demarca fronteras,
sean o no porosas. La perennidad atribuida a la religión de origen
hizo que, en algunos relatos, se produzca un desdoblamiento entre
lo que fue mencionado como “costumbres”, “cultura” y la religión,
vista como aquello que permanece a pesar de otros cambios. Al mis-
mo tiempo, estas narrativas sobre las diferencias hicieron emerger las
distinciones generacionales como un aspecto que también atraviesa la
propia mirada sobre las tensiones entre la preservación de la tradición
y el tornarse poco distinguibles de paraguayos y brasileños. Si bien en
los relatos las distinciones generacionales suponen diferenciaciones
al interior de la comunidad, también son incluidas para señalar las
tensiones entre los estilos de vida considerados como “propios” y los
atribuidos a la vida local.
Intentar referirse a las especificidades de una “comunidad” árabe
y/o musulmana implicaría homogeneizar una realidad de por sí hete-
rogénea. Esto constituye un problema empírico y al mismo tiempo de
perspectiva metodológica, vinculado a la forma de recortar unidades
de análisis. Lógicamente, si consideramos instituciones (escuelas,
mezquitas, asociaciones) es posible encontrar discursos que retratan a
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 45
la comunidad de modo más homogeneizante que si nos centramos en
el discurso de sujetos que expresan sus experiencias. Ambos análisis
son importantes y necesarios aunque, para el caso del estudio de las
narrativas, puede ser propicio recordar la advertencia que podríamos
denominar post-anti-substancialista, de Brubaker (2002), referida a
la posibilidad de pensar la etnicidad sin grupos o más allá de éstos.
Considerar el carácter eventual de la “grupedad”, que puede o no
cristalizar identificaciones, lenguajes y proyectos políticos de etniciza-
ción, puede funcionar como antídoto a la tendencia de analizar a los
grupos étnicos como unidades a las que pueden atribuirse identidades,
fronteras, intereses o agencias. Nuestra opción fue trabajar con los
relatos de un conjunto de individuos e identificar los nodos temáticos
que estructuran las narrativas que otorgan sentido a sus trayectorias
individuales. De este modo, no pretendemos generar caracterizaciones
generalizantes, pero es posible afirmar que no siempre los actores
elaboran sus identificaciones a través de categorizaciones étnicas.
En realidad, entre los árabes musulmanes de la Triple Frontera en-
contramos una multiplicidad de discursos, marcados por espacios de
posiciones: portavoces institucionales, comerciantes comunes, inmi-
grantes antiguos o recientes, jóvenes, hombres o mujeres, musulmanes
observantes o no. Lo anterior supone una complejidad que puede
ser observada al enfocar o tener en cuenta esos recortes específicos.
El objetivo de conocer cómo los sujetos se piensan en el espacio
de la frontera brasileño-paraguaya no implica desconocer que las
formas de territorialización construídas por estos grupos está también
permeada por el establecimiento de relaciones transnacionales, por
la manutención de referencias y relaciones con sus lugares de origen.
Sin embargo, cabe considerar que esta dimensión, materializada en
la forma de viajes frecuentes, en el interés por lo que sucede en la
tierra de origen o en preservar costumbres asociadas a éste, se pro-
duce o es construida también desde una “localización local”. Algunos
inmigrantes de mediados de la década del 80 relataron el asombro
por las transformaciones que habían visto al regresar a sus lugares de
origen, de los cuales habían conservado una cierta imagen que parecía
transformada. Las referencias al espacio de origen como imaginado
46
es, evidentemente, un elemento clave en la configuración identitaria
de los inmigrantes, pero no creemos que sea la única o la dimensión
que genera procesos de identificación más fuertes. Las contribucio-
nes de los debates en torno a la importancia de considerar el papel
de las prácticas de transnacionalismo en estos contextos destacaron
nociones como la de “localización dual” para señalar, precisamente,
una especie de localización y construcción de identificaciones en dos
espacios al mismo tiempo (TAMBIAH, 2000) No obstante, lo que puede
ser cierto para el caso de las primeras generaciones de inmigrantes
puede no tener la misma intensidad en el caso de las generaciones
subsiguientes. De hecho, tal vez prestar atención a las diferencias
generacionales sea el modo mas propicio de comprender la dinámica
y transformación de una comunidad que, como la árabe-musulmana,
tiene ya una prolongada presencia en la Triple Frontera.
Referencias bibliográficas
BRUNER, Edward. “Experience and Its Expressions”, In: Victor W. Turner and
Edward Bruner (eds.) The Anthropology of Experience, Chicago: University
of Illinois Press, 1986.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 47
_______________ “Imigrantes árabes na fronteira sul-americana: narrativas
de trabalho, religião e futuros imaginados”, Rever – Revista de Estudos da
Religião, Pontifica Universidade Católica de São Paulo, Brasil, Vol 13, N 1
(2013) pp. 9-30.
48
LA CONSTRUCCIÓN DEL IMAGINARIO
G E O P O L Í T I C O D E L A T R I P L E F R O N T E R A1
Introducción
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 49
frontera. Indagan en medios argentinos e internacionales, así como
en lo que ellas llaman “altermedios” (blogs, foros sociales, etc.), que
presentan un imaginario alternativo al de los medios. Aquí se realiza
un seguimiento actual de estos discursos, desde 2010 hasta marzo
de 2013, incluyendo medios de Brasil y Paraguay no tomados en
cuenta por las autoras. También se consideran fuentes institucionales
(Mercosur y sus Estados partes), lo que nos permite contemplar el
surgimiento de un posible discurso alternativo también a nivel oficial.
Para estas fuentes el recorte temporal utilizado es más amplio (2001-
2013), intentando captar su trayectoria y contrastarla con las otras.
El trabajo se organiza en dos partes, la primera exponiendo el
marco teórico utilizado, y la segunda consistiendo del análisis de los
diferentes discursos.
En la realidad, la dinámica con la que se construyen los imagi-
narios consiste en una yuxtaposición conflictiva de unos discursos
sobre otros, en complejas interrelaciones. La Triple Frontera en la que
confluyen Ciudad del Este (Paraguay), Puerto Iguazú (Argentina), y
Foz do Iguaçú (Brasil) es por varias razones una zona muy relevante
para el continente. Su posición geográfica es estratégica en Sudamérica
por ubicarse en el centro de la hidrovía Paraguay-Paraná-Río de la
Plata (que conecta Argentina, Paraguay, Uruguay, Brasil y Bolivia2),
a medio camino entre los Océanos Pacífico y Atlántico, y uniendo
importantes puertos de ambas costas con centros comerciales de
América del Sur. Al respecto, Montenegro y Béliveau (2006, p111) citan
a Ana Esther Ceceña, que en su libro La guerra infinita, hegemonía y
terror mundial menciona que “existen fuertes intereses económicos
ligados a la puesta en marcha del ALCA y a la obtención de recursos
naturales valiosos. La Triple Frontera [...] funciona como llave de
acceso político y militar a la región amazónica; es una frontera que
comunica a dos de los países más importantes de América del Sur
y está en un lugar rico en biodiversidad [...] y con mucha agua que
puede ser una buena fuente de energía eléctrica”.
50
Además de su biodiversidad, se trata de una región clave por
ser la principal área de recarga y descarga del Acuífero Guaraní3,
una de las reservas más grandes de agua dulce del mundo. Ubicada
geográficamente en el corazón de la Cuenca del Plata, el corredor
transfronterizo del Acuífero tiene su centro significativamente en la
Triple Frontera. Por otra parte, es una importante zona comercial
y turística, principalmente por las Cataratas del Iguazú, declaradas
recientemente como una de las Siete Maravillas del mundo natural,
y la zona franca de Ciudad del Este, una de las mayores de América
Latina y considerada por la revista Forbes el tercer polo comercial de
todo el mundo después de Miami y Hong Kong. Se agregan factores
culturales y sociales, relacionándose al tránsito fronterizo y una gran
diversidad étnica (fuerte presencia árabe, asiática, indígena, etc).
Adicionalmente, se trata de una zona delicada para la seguridad
regional por la presencia de la represa Itaipú (la mayor del mundo
en generación de energía), y por los peligros potenciales que trae
aparejados la confluencia de tres Estados nacionales.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 51
Las investigadoras también presentan una visión alternati-
va difundida desde de lo que denominan “altermedios”, que se
muestra crítica con los intereses subyacentes a ese imaginario de
frontera peligrosa (publicaciones de organizaciones sociales, foros,
eventos de la sociedad civil, etc.) Confluyen desde los dos ámbitos
discursos contradictorios que dan forma a este espacio; dos polos
que compiten pero, como demuestran, son permeables – la prensa
más “oficial” incorpora, con el correr del tiempo, elementos del
discurso de los altermedios. Se trata de una lucha por el poder
de nominación sobre la realidad. Estas disputas por nominar y
definir el objeto Triple Frontera deben ser comprendidas como
“luchas por el poder entre actores interesados en imponer su punto
de vista sobre la realidad social” (Montenegro y Béliveau, 2006,
p.22). La atribución de características influye en cómo se piensa
la región y en las acciones que se legitiman sobre la misma. Al
decir de las autoras, “lograr cristalizar el propio punto de vista
sobre el lugar implica imponer la cosmovisión vehiculizada por el
agente, y vuelve válidos y justificativos los intentos de los grupos
y de los actores de operar sobre la realidad social” (2006, p.233).
Así, mientras unos advierten sobre los peligros del terrorismo y la
falta de control de la Trilpe Frontera, otros llaman a la resistencia
frente a peligros diferentes, como la militarización de la región,
o la depredación de la biodiversidad, a causa de la codicia de las
potencias extranjeras.
Cuando hablamos de “imaginario geopolítico” pensamos en el
conjunto de representaciones que la sociedad construye sobre cierto
territorio y su importancia en términos políticos/estratégicos; dis-
cursos e imágenes que orientan la percepción de las personas acerca
de un espacio, la forma de las relaciones de poder y la vida pública
que en él existen, además de su relevancia estratégica, ya sea para
los Estados u otros actores políticos.
Para la geografía política, la Triple Frontera es muy particular.
Migraciones, fronteras nacionales porosas, recursos naturales y
conflictos políticos en torno a ellos, tienen aquí particular magni-
tud, tornando a la zona muy interesante desde un punto de vista
52
geopolítico4. No obstante, en este trabajo no hacemos un análisis de
la geopolítica de la Triple Frontera en sí misma, sino de las percep-
ciones acerca de ella que comparten grandes colectivos de personas.
Cómo se imagina geopolíticamente la Triple Frontera, desde dentro
y desde afuera, a veces desde muy lejos. Nuestro objetivo es con-
jugar los estudios sobre el imaginario social con el análisis político,
asumiendo que la producción de unas u otras imágenes se relaciona
a intereses y formas de entender las relaciones internacionales, de-
latando proyectos y valores políticos que pueden ser antagónicos.
Limitamos nuestro interés a los discursos objetivados en fuentes
periodísticas o documentales a nuestro alcance; noticias en medios
masivos de comunicación (procurando incluir al menos un medio de
cada país, para que sea representativo), o declaraciones de actores
políticamente relevantes (actas parlamentarias, por ejemplo), que
consideramos formadores de opinión.
La construcción del imaginario, y especialmente de un imaginario
geopolítico, implica una lucha por la hegemonía de unas imágenes
y discursos sobre otros. Antonio Gramsci elaboró en los años ‘30 el
concepto de hegemonía, que se refiere a la dirección ideológica y
cultural de una sociedad, y las luchas por el control del imaginario
colectivo. En América Latina su importante obra se difunde sobre todo
a partir de los años ‘60. Dênis de Moraes (2007) comenta al respecto:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 53
sistemas hegemónicos de pensamiento. […] La diseminación de
contenidos amplía o silencia manifestaciones del real histórico […]
Pero no olvidemos que los medios también pueden ser lugares
de producción de estrategias que objetivan replantear el proceso
social. […] los aparatos de difusión tienen capacidad ideológica de
definir una cartografía del imaginario colectivo. Pero, simultánea-
mente, existen puntos de resistencia a los discursos hegemónicos.
[…] Esa concepción dinámica del imaginario nos posibilita obser-
var la vitalidad histórica de las creaciones de los sujetos – esto
es, el uso social de las representaciones y de las ideas. […] Su
eficacia política va a depender del grado de reconocimiento social
alcanzado por la producción de imágenes y representaciones en
el cuadro de un imaginario específico a una cierta colectividad,
la cual “designa su identidad haciendo una representación de sí;
marca la distribución de los papeles y posiciones sociales; expre-
sa e impone creencias comunes que determinan principalmente
modelos formadores.”
5 “¿Es decir que, incluso en aquél que piensa no saber ciertas cosas, exis-
ten pensamientos relativos a esas mismas cosas que él cree no saber y que
son pensamientos verdaderos?”, pregunta Sócrates. “Sin duda”, responde
Menón. “Y ahora esos pensamientos despiertan en él, como sueños...”, divaga
Sócrates. (Durand, 1960).
54
de él. Teixeira Coelho propone en su libro Guerras culturales: Arte
y política en el 900 tardío (2000) entender el imaginario “como el
conjunto de imágenes no gratuitas y de las relaciones de imagen que
constituyen el capital inconsciente y el capital pensado del ser huma-
no.”. Imágenes “no gratuitas”, es decir, no un signo arbitrariamente
colocado como puente entre el objeto y su significado, sino por el
contrario, que “de algún modo” contienen “materialmente” su sentido.
La obra de Gilbert Durand ha sido fecunda y aún hoy vemos desar-
rollarse una ciencia del imaginario, que considera a éste:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 55
político no en sentido de invención o mentira, sino en tanto narrativa
verosímil que orienta las acciones políticas. Lo importante de estas
narrativas es que permiten ordenar los hechos – seleccionando unos
y excluyendo otros – de una manera que parece coherente. Como
afirman Montenegro y Béliveu,
56
en 1992 y 19946, que fueron relacionados con esta zona. (Montenegro
& Béliveau, 2006, p.16). Mencionada con este nombre, aparece fre-
cuentemente en la prensa de los tres países fronterizos o internacional,
especialmente desde 2001 en adelante, con connotaciones negativas.
¿Quiénes tejen ese imaginario, y por qué canales lo expresan?
Como toda narrativa, debe disputar espacio de nominación con otras
representaciones aún no consolidadas en un bloque coherente; ¿a qué
intereses responde, y contra qué otros relatos posibles? Dada la asi-
metría de poder existente en el sistema internacional, entre la prensa
regional y mundial, y los altermedios con que cuenta la ciudadanía,
¿qué márgen hay para la construcción de una narrativa contrahege-
mónica de la Triple Frontera?
En este artículo presentamos un recorte de la realidad social: una
muestra de esta “guerra” de imaginarios expresada en documentos y
actas institucionales, declaraciones políticas y proyectos de desarrollo
para la región, y un relevamiento de prensa que da continuidad, ocho
años después, al realizado por Montenegro y Béliveau en 2006.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 57
territorio. El mapa, geopolítica concretizada, fue definido por Yves Lacoste
en La geografía: Un arma para la guerra (1977, p.7) de esta forma:
58
Mapa nº1: Triple Frontera
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 59
Mapa nº3: Triple Frontera
60
alcanza para abastecer a toda la población mundial durante 200 años
a razón de 100 litros diarios por persona (Latarroca, 2005, p.17).
A pesar de su relevancia como recurso, el Acuífero sólo entró
en la atención internacional y el discurso político en la década de
1990. Esta preocupación se enmarca en una resignificación más
amplia de las reivindicaciones sociales que abarca a toda América
Latina, conjugando la defensa de la tierra y el medio ambiente con
la valorización de los pueblos originarios y su cultura. Las reformas
neoliberales de décadas recientes y la posibilidad de la creación del
ALCA11, generaron como respuesta movimientos de resistencia en
cuyo discurso los recursos naturales eran fuente de la soberanía
nacional y regional. En este contexto los recursos hídricos cobraron
mayor relevancia; discursivamente se afirma el carácter esencialmente
social del agua como derecho indispensable para la vida, rechazando
su mercantilización. La “guerra del agua” (levantamiento popular en
Cochabamba, Bolivia, en el año 2000) marca sin duda un punto de
inflexión que indica el comienzo de este nuevo ciclo de protestas. En
el año 1999 se aprueba en el congreso boliviano la “Ley de Servicios
de Agua Potable y Alcantarillado Sanitario”, que extendía el marco
legal para las privatizaciones de los recursos hídricos, ya privatizados
en Cochabamba desde 1993. Sumado a los aumentos tarifarios, pro-
vocó una gran protesta social. La victoria de los movimientos sociales
llegaría en abril de 2000, cuando la ley fue finalmente derogada. Se
proponía pensar al agua como un derecho de los pueblos, y por tanto
parte de su soberanía, y no tan solo como un recurso a ser explotado.
Otro caso es el de la reforma constitucional de 2004 en Uruguay, que
declara al agua como un derecho humano fundamental, impulsada
por un amplio abanico de organizaciones y movimientos sociales y
aprobada por el 64,6% de la ciudadanía. El proceso de politización
del agua abarca a toda la región, con muchos foros, movimientos y
altermedios que toman parte en esta lucha y en su discurso enfatizan
la importancia geopolítica que tiene el agua.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 61
En este contexto, diversos actores recuperan la importancia del
Acuífero Guaraní, cuyo centro está en la Triple Frontera (zona impor-
tante de recarga y descarga, donde el agua de precipitación se infiltra
y sale del acuífero; y punto de unión simbólico de tres de los cuatro
países en los que se ubica). Esto es identificado por Montenegro y
Béliveau en discursos como el del CEMIDA (Centro de Militares para
la Democracia Argentina)12 y del Foro Social de la Triple Frontera
(FSTF). Este último tiene lugar por primera vez en el año 2004 en la
ciudad de Puerto Iguazú, Argentina; surgió alineándose al Foro Social
Mundial (2001)13. En el primer FSTF se destacaron las temáticas lati-
noamericanas: la lucha contra la militarización, el pago de la deuda
externa y el ALCA, y la reivindicación de la “soberanía y la integración
solidaria de los pueblos”. En la segunda edición del Foro (Ciudad del
Este, 2006) tuvo centralidad el Acuífero Guaraní, considerado uno de
los “bienes naturales de Latinoamérica” que es necesario defender
de organismos internacionales, como el Banco Mundial (Montenegro
y Béliveau, 2006, p.213). Se rechaza el financiamiento otorgado por
el Banco Mundial al Fondo de Universidades para investigaciones
científicas del acuífero, que podrían disponibilizar los conocimientos
del mismo a las grandes potencias.
El CEMIDA participó activamente de foros como el FSTF, denun-
ciando la importancia estratégica del Acuífero Guaraní y los intere-
ses de apropiación del mismo, convirtiéndose en una de las fuentes
principales para la prensa alternativa. En una entrevista realizada por
Montenegro y Béliveau a la secretaria del CEMIDA, Elsa Bruzzone,
ella afirma: “Nosotros estamos en la vereda de los países pobres...
nosotros pensamos que ni el agua potable, ni la vida humana, ni la
vida vegetal, ni la vida animal ni la naturaleza, ni el planeta son mer-
caderías...” (2006, p.218) No obstante, luego de estas dos ediciones del
62
FSTF, el foro comenzó a perder impulso, debido en parte a que uno
de sus objetivos principales se viera realizado: la derrota definitiva
de la iniciativa del ALCA en noviembre de 2005. Algo similar aconte-
ció con el CEMIDA, que anunció su disolución en abril de 2012, por
considerar que “ya había cumplido su ciclo de vida”14.
Más allá de este declive en la sociedad civil, el acuífero no ha
perdido relevancia en los discursos regionales. Como veremos des-
pués, instancias oficiales incorporan la defensa del agua y la vida,
especialmente en la última década, e incluso al propio indígena que
le da nombre al acuífero (imaginados a menudo de manera homo-
génea, impregnada del mito del buen salvaje). Omar Arach, citado
por Montenegro y Béliveau, examina cómo el discurso ecologista,
asimilando el indio a la naturaleza y la pureza no contaminada por
la modernidad, imagina a los pueblos originarios americanos como el
sujeto portador de una racionalidad respetuosa del medio ambiente por
excelencia. “Las poblaciones indígenas y/o ‘tradicionales’ son vistas
como los ‘guardianes de la biodiversidad’ y como sujetos ecologistas
per se” (2011, p.119)
El acuífero es imaginado desde esta “vereda” como símbolo de
vida: la riqueza natural en su potencialidad e importancia para el
futuro. Según Montenegro y Béliveau (2011, p.66), el par pobreza
presente/riqueza pasada marca el pensamiento y la autopercepción
de los latinoamericanos. Esta “[…] riqueza originaria, pocas veces
discutida, siempre fantasmagórica […] es una ausencia mítica que
articula deseos y proyectos […]. Los actores de frontera parten de
la idea de la abundancia de las aguas superficiales y subterráneas,
para imaginar un mundo futuro en el cual este recurso falte”. En la
Triple Frontera esa riqueza es metaforizada en las aguas del Acuífero
Guaraní, el centro de la construcción imaginaria de la riqueza de la
región. Los términos utilizados para referirse al agua, “ ‘¿petróleo blan-
co’, mayor reserva de agua dulce del planeta, reflejan esta concepción
que la elevan al nivel de capital incalculable para la construcción de
14 http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-191617-2012-04-11.html,
visitado en junio de 2013.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 63
un futuro utópico que cambie los términos de la ecuación actual, que
describe una región potencialmente rica pero efectivamente pobre.”
64
que presuntamente financiarían desde aquí el terrorismo islámico,
enviando al exterior fondos obtenidos con actividades ilegales. Una
nota del Washington Times de 2003 nos ofrece un ejemplo fuerte
de estas imágenes: “campamentos de entrenamiento en esta región
selvática son una alianza de pesadilla entre Hamas, Hezbollah, IRA
[!] y rebeldes colombianos.”15
Estos “mitos” difundidos por los medios internacionales y repro-
ducidos por los nacionales, son expresiones variadas de un imaginario
que se encuentra en guerra contra otro, disputándose el narrar la regi-
ón; no obstante, los altermedios tienen su propia versión de la historia.
A partir de 2004, comienza a aparecer mencionado en los medios
hegemónicos un tema que originalmente sólo pertenecía a los alterme-
dios: los recursos acuíferos vinculados al interés internacional por la
Triple Frontera, y preocupaciones por una posible militarización de la
zona (a través de propuestas de colaboración internacional para hacer
frente a sus incontrolables problemas). Elsa Bruzzone, secretaria del
CEMIDA, “contesta” a la descripción anterior de la región en 200416:
15 http://www.washingtontimes.com/news/2003/aug/5/20030805-084101-
6466r/?page=all – 5/08/2003
16 http://www.paginadigital.com.ar/articulos/2004/2004prim/noti-
cias2/17267-1.asp – 11/1/04
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 65
estadounidenses a territorio paraguayo con una ley de inmunidad apro-
bada por el parlamento de Paraguay en 26/05/200517, para colaborar
en tareas de seguridad. Las autoras señalan que incluso especialistas
y figuras políticas de oposición en Paraguay también comenzaban
a relacionar de forma explícita la presencia militar EE.UU. con el
interés por el Acuífero, incorporando así el principal argumento de
los altermedios.
Entre los medios internacionales (CNN, The New York Times,
etc.) que sostienen un imaginario, y los altermedios locales o de
menor alcance (blogs, foros reales y virtuales), que divulgan un
relato antagónico a aquél, están los medios de comunicación de los
países fronterizos, nacionales o regionales (Clarín, ABC, Folha de São
Paulo); en éstos, los mitos empiezan a divulgarse juntos, mezclados y
contradictorios. Montenegro y Béliveau registran diferencias iniciales
entre los tres países de la frontera: Al comienzo, algunos medios y
funcionarios argentinos se mostraron alineados con las “acusaciones”
internacionales. Brasil, tal vez por ser el país con mayor margen para
una política independiente, se mostró contrario desde un comienzo;
posteriormente los tres países se alinearon más con esta postura. En
estas “arenas” discursivas, surgen ocasionalmente cuestionamientos
explícitos de un actor a la veracidad de lo que dice otro. Se trata de
procesos de negociación de una realidad.
Un ejemplo claro de confrontación explícita se dió a partir de
la posibilidad de que Kathryn Bigelow, directora de cine ganadora
de un Oscar, realizara una película de acción explotando la imagen
negativa de la Triple Frontera18. El anuncio de esta película en 2009
generó reacciones de rechazo por parte de funcionarios de gobierno
66
de Argentina, Paraguay y Brasil, así como de funcionarios de la zona,
preocupados con la imagen negativa creada del lugar y sus efectos
sobre el turismo, uno de los sostenes económicos de la región. Los
medios internacionales cubrieron, por primera vez, algunas voces
discordantes en la región.
“Tom Hanks protagonizará polémico filme en la Triple Frontera”,
anunciaba la BBC en español19 en 2010, y el diario The New York
Times20 reportaba que los gobiernos de Paraguay y Argentina “no
cooperarían” con la película; Enrique Meyer, ministro de turismo
de Argentina, dijo a France-Presse que su país había discutido el
proyecto con su colega de Paraguay y el gobernador de Misiones y
habían concordado que estaban “profundamente indignados cuando
descubrieron que el proyecto busca retratar negativamente esta regi-
ón.” Más elocuentemente, Liz Cramer, ministra de turismo paraguaya,
decía en la nota de BBC: “¿Y si con este filme resulta que somos el
nuevo eje del mal? Aunque sea ficticio, no importa21.”
En la actualidad, el estilo de la narrativa que se teje sobre la Triple
Frontera continúa evolucionando. Examinamos, entre 2010-2013, cambios
tanto en los medios de comunicación como en la retórica institucional
– sudamericana y estadounidense – , que presentamos a continuación.
Medios Internacionales
19 http://www.bbc.co.uk/mundo/noticias/2010/12/101202_cine_biego-
low_hanks_triple_frontera_jrg.shtml 03/12/2010
20 http://artsbeat.blogs.nytimes.com/2010/05/12/paraguay-and-argentina-
-wont-support-bigelows-new-film/ 12/2012
21 El destacado es nuestro, al igual que los próximos trechos que aparecen
en negrita.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 67
La cobertura periodística internacional de la región, que llegó
a ser muy fuerte durante el auge de la “guerra al terror” post 11 de
setiembre, es fluctuante; cobrando fuerza a raíz de eventos concre-
tos como los rumores de la mencionada película hollywoodense.
Si buscamos los registros de búsquedas en internet del término
inglés “triple frontier” en Google22, que es la principal manera de
referirse a esta área en el mundo angloparlante (“tri-border” es la
segunda variante) podemos ver que en diciembre de 2010 volvió a
tener un efímero auge: A fines de 2010 se anuncia que Tom Hanks
sería protagonista de la película23, lo cual tal vez explique este pico
de popularidad.
22 http://www.google.com/trends/explore#q=triple%20frontier%2C%20
&cmpt=q 12/2012
23 http://www.comingsoon.net/news/movienews.php?id=72002 11/2012
68
tienen probable presencia en la TF” (pág. 69), “el terrorismo
islámico está usando la TF con el propósito de guarecerse, re-
colectar fondos, lavar dinero, reclutar, entrenar, planear y
otras actividades terroristas (…) asesinatos mafiosos a hombres
de negocios y líderes de la comunidad que puedan oponerse
a sus intereses.
24 http://www.state.gov/documents/organization/105904.pdf
25 (Continúa) “Los gobiernos de Argentina, Brasil y Paraguay han estado
preocupados desde hace tiempo con el tráfico de armas y drogas, fraudes de
documentos, lavado de dinero, tráfico de personas, y la manufactura y mo-
vimiento de bienes contrabandeados a través de la Triple Frontera.” “Brasil
ha conseguido resultados visibles en infraestructura legal y fronteriza para
controlar el flujo de bienes – legales e ilegales – a través de la TF [...] En
particular, la estación de inspección en el Ponte da Amizade, completada por
la Receita Federal en 2007 […]”. Informe completo: http://www.state.gov/
documents/organization/195768.pdf 03/2012
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 69
De las audaces declaraciones de antes, sólo quedaba en el reporte
de 2011: “Hezbollah recibe apoyo financiero de comunidades Shiitas
libanesas en América del Sur. La Red Barakat – una red criminal que
opera en la Triple Frontera entre Paraguay, Brasil, y Argentina – es
un ejemplo de esta actividad criminal.”
Es decir, aunque se continúa viendo a la región como peligrosa,
la imagen de los terroristas se sustituyó por la de una tierra sin ley
donde operan células financieras de apoyo económico a militantes
extranjeros; hay un tono más moderado y más precaución en respal-
dar las afirmaciones. Las “acusaciones” internacionales a la Triple
Frontera tienen seguimiento en los medios locales de la zona. Por
ejemplo, la edición nº 1199 del diario Primeira Linha de Foz do Iguaçú
(03/2012) anunciaba triunfalmente que “EE.UU. admite inexistencia
de terrorismo en la triple frontera”. Sería de esperar que, a partir
de esto, el periodismo internacional adoptase también un tono más
moderado. Comparemos aquella imagen de 2003 (campamentos de
entrenamiento terrorista en la selva), con el tono que la CNN usa en
2013 para referirse a la región26:
26 http://www.bbc.co.uk/news/world-latin-america-19978115, 13/03/2013
70
La Triple Frontera en los medios internacionales (2010-2013)
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 71
BBC
72
La pérdida de eficacia del discurso antiterrorista puede ser la
razón por la que, sin salir de la narrativa de la Triple Frontera como
un peligro, el mito de la tierra sin ley haya recobrado fuerza (tráfico
de drogas, contrabando y piratería). Las acusaciones de crímenes
comunes, no relacionados con el terrorismo, son menos controver-
tidas porque no obligan al país acusado a reconocer la existencia de
organizaciones extremistas dentro de sus fronteras. Matthew Levitt,
experto estadounidense en terrorismo islámico, defiende explícita-
mente este viraje en una nota para CNN27:
27 http://globalpublicsquare.blogs.cnn.com/2011/07/29/hezbollah-party-
-of-fraud/?iref=allsearch
28 http://www.bbc.co.uk/mundo/noticias/2011/03/110301_pirateria_lu-
gares_paginas_jmp.shtml
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 73
sin mencionar al terrorismo una sola vez, pero enfatizando en
la ilegalidad:
Medios nacionales
74
Argentina
Brasil
Paraguay
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 75
En estas gráficas se puede observar que la atención brindada
a la zona por terrorismo ocupa un lugar similar en los periódicos
de Argentina y Brasil, con un 27,58% y 28,57% respectivamente,
y una atención considerablemente menor en Paraguay, donde
el 16,8% de las noticias en los tres años refieren a esta temáti-
ca. Con respecto a las noticias que muestran la triple frontera
como una tierra sin ley, los porcentajes de Argentina y Brasil
también son muy similares, alcanzando niveles en torno al 30%,
mientras que Paraguay presenta un porcentaje apenas mayor,
alcanzando el 35%.
En los tres paises, los mitos del terror y la tierra sin ley suman
la mayoría absoluta de las noticias relevadas. Sin embargo, en el
caso paraguayo la región parece ser más que eso, presentándose al
mismo tiempo como polo turístico y comercial importante del país.
No sucede lo mismo con la prensa de Argentina y Brasil, donde
solo tiene peso como zona de conflicto y dificultades. Incluso en
aquellas noticias que agrupamos en la categoría “otros” (eventos,
problemas municipales y estaduales, etc.) se hace énfasis en cosas
como la dificultad de la región para combatir el dengue, y la pobre-
za. Si agregamos las noticias que refieren al comercio y el turismo,
en Paraguay ABC se ocupa del tema en más de 16%, mientras que
los diarios argentinos y brasileños lo hacen en menos de 7% y 4%
respectivamente. Este dato, contrapuesto a las diferencias en torno al
mito del terror, marcan las miradas divergentes del diario paraguayo
con respecto a los otros.
Ahora bien, a la hora de pensar en la mirada regional que estos
periódicos producen y reproducen, es de relevancia la importancia
relativa que cada medio da a la región. A pesar de tomar para el
estudio un solo periódico paraguayo, la región es nombrada un
total de 268 veces, contra 161 de los dos diarios brasileños y 87 de
los dos argentinos.
76
La Triple Frontera en los medios regionales (2010-2012)
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 77
simple que dejaría al periódico paraguayo ABC con una importancia
desproporcionada frente a los otros.
Como muestra la gráfica de arriba, las noticias que muestran a la
región como una “tierra sin ley” ocupan la mayor cantidad de espacio
con un 34%, seguidos por el terrorismo con 24% y temáticas diversas
agrupadas en “otros” (problemáticas municipales y regionales como
el dengue, eventos en la frontera, noticias de Itaipú y proyectos edu-
cativos, de infraestructura e inversión), también con 24%. A su vez
el comercio y el turismo llegan a apenas un 9%, que contrapuesto al
16% ya mencionado en ABC remarca la particularidad paraguaya de
tender a pensar la región también como una potencialidad mas allá
de sus problemáticas.
Finalmente, este análisis se complementa con el peso que tie-
ne la mirada de EE.UU. en las noticias regionales, ya que, como
mencionan Montenegro y Béliveau (2006) las imágenes de la Triple
Frontera creadas desde los medios regionales surgen muchas veces
como repercusión o reacción a ella. En este sentido, es relevante
mencionar que del total de noticias que nombran la Triple Frontera
desde el año 2010 hasta el 2012 en los medios de Argentina, Brasil
y Paraguay relevados, más de una de cada cinco responden o se
refieren a la preocupación estadounidense con esta zona (22%),
concentrándose en la sospecha de financiamiento al terrorismo. El
papel de EE.UU. en la prensa es contradictorio, denunciado a veces,
otras tomado por la prensa de nuestros países como fuente para
reproducir acusaciones.
La prensa de la región, más allá de algunos cambios graduales,
mantiene la atención en el terrorismo y la delincuencia. La Triple
Frontera es presentada en los medios de gran alcance en términos
geopolíticos, ya sea desde la preocupación de EE.UU. con el terrorismo
o de sus intenciones de controlar la región, o por los problemas que
delincuencia y contrabando acarrean para el país. En cualquier caso,
la mirada es netamente nacional, centrándose en los intereses de cada
país; es mínima, en contraposición, la mirada hacia las potencialidades
de la región, su interculturalidad, perspectivas de integración de los
tres países o que trasciendan el horizonte nacional.
78
Junto a estos medios, podemos colocar a Wikileaks29 como un “al-
termedio internaconal”. Hacia finales del año 2010 y 2011, los medios
de la región se hicieron eco de varios cables diplomáticos filtrados por
Wikileaks y publicados en diarios internacionales30. En ellos se explicita
la preocupación norteamericana con la situación geopolítica de la región,
así como la conciencia estadounidense del recelo local, y en especial
de Brasil, ante la injerencia norteamericana en los asuntos regionales.
En un cable de febrero de 2009, divulgado en marzo del 2011 y
firmado por el entonces embajador norteamericano en Brasil, Clifford
Sobel, queda clara la preocupación:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 79
Aunque para los [norte] americanos sea ridícula la idea de que Esta-
dos Unidos pueda albergar planes para invadir o internacionalizar el
Amazonas o de apoderarse de las reservas petroleras en el pre-sal, lo
cierto es que esa preocupación se plantea regularmente en nuestras
reuniones con funcionarios, académicos o periodistas brasileños y que
está en la raíz de su desconfianza e inseguridad respecto a nuestra
presencia en la región.
Guerra de imaginarios
80
cómo la comunidad árabe y los habitantes de la Triple Frontera en
general reaccionaron a las acusaciones de la prensa internacional du-
rante el auge post – 11 de setiembre. El autor destaca tres iniciativas
que reúnen a gobierno, medios y sociedad civil, a través de las cuales
se combate la sospecha de terrorismo en la región: En noviembre de
2001 se realizó el evento “Paz sem Fronteiras” en rechazo a las es-
peculaciones a las que la Triple Frontera estaba siendo sujeta; en el
final del 2002 se inició un proceso jurídico por parte de la Prefectura
de Foz de Iguazú contra la CNN por daños a la imagen de la región;
y a mitad de 2003 se realizó una campaña publicitaria que satirizó la
supuesta visita de Osama Bin Laden a Foz de Iguazú para promover
el turismo. En una guerra de palabras, el silencio es derrota. Buscando
ganar visibilidad pública para no quedar sin voz y responder por los
mismos canales en los que fueron “atacados” (medios de comunica-
ción), los residentes de la Triple Frontera contestan las acusaciones
de las que son objeto en estas tres formas.
El evento “paz sem fronteiras”, que tuvo lugar apenas dos meses
después de la caída de las torres gemelas, reunió a 45.000 personas
de las ciudades fronterizas según la Policía Militar de Foz de Iguazú,
para condenar los actos de terrorismo y especialmente repudiar la
difamación de la Triple Frontera. Pese a que buscaba “producir una
repercusión en los medios de comunicación nacionales e internacio-
nales”, el autor subraya que “el impulso mediático proveniente de
la frontera […] registró un efecto nulo o limitado en los medios de
comunicación norteamericanos [...] efectivamente ignorados por la
prensa en Estados Unidos”. Este silenciamiento usado como arma es
caracterizado por el autor como un “embargo” mediático; los periódicos
que sí publicaron una noticia sobre la movilización, se encargaron de
“relativizar su mensaje mayor” (se trataba de rechazar las acusaciones
de terrorismo en la frontera), presentándolo apenas como una mani-
festación en contra de los atentados.
Un año después, como relata Karam, los “reportajes” de la CNN
generaron indignación y repudio no solo entre los árabes en la frontera
brasilero – paraguaya, sino también entre los dirigentes de la prensa
y del gobierno en Foz de Iguazú y Ciudad del Este. Para combatir el
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 81
llamado “terrorismo de la CNN”, ellos unieron esfuerzos para “de-
fender” la imagen de una etnia, y más aún, de una región fronteriza
sudamericana, culminando en la tentativa de procesar la emisora de
televisión norteamericana.
Es significativo que entre los demandantes estaban órganos gu-
bernamentales de dos países (así sea solamente a nivel municipal)
porque le da carácter oficial a la acción. Vemos a la sociedad civil e
instituciones locales enfrentándose directamente a un ente privado,
en este caso un consorcio mediático muy poderoso, pero a quien
se acusa de promover fraudulentamente los intereses estratégicos
de otro Estado. En esta ocasión, los medios internacionales tampoco
se hicieron eco de la respuesta local. Karam interpreta este “desbor-
damiento asimétrico” del mundo de las comunicaciones en el sentido
de “saturaciones que desinforman”. Los medios de comunicación son
a la vez la arena de disputa y parte interesada en el conflicto. Karam
caracteriza a los “flujos de imágenes circulados” (2011, p.205) por su
“disyunción”, es decir, imágenes contradictorias y fracturadas, que
circulan según relaciones de poder muy asimétricas.
Por último, en 2003 se satirizó la especulación a la que la zona
está sujeta utilizando a Bin Laden como “garoto propaganda” de las
cataratas – si él se arriesgó a venir hasta aquí, es porque vale la pena
– demostrando que el humor también puede utilizarse como arma.
82
de otros actores, más lentamente, las instituciones regionales también
construyen un discurso que incorpora preocupaciones e imágenes
originadas en los altermedios (aparecen en la retórica oficial, signi-
ficativamente, los pueblos originarios, la Conquista y las riquezas
americanas, al lado del Acuífero Guaraní, el agua como símbolo de la
vida). Esa trayectoria varía de un país a otro pero está enmarcada en
un viraje geopolítico regional: un antes y después de la “war on terror”
en 2001. Gobiernos de signo progresista en la mayoría de Sudamérica,
derrota definitiva de la iniciativa del ALCA en 2005, e incorporación de
Venezuela al Mercosur en 2012, generan un contraimaginario oficial
en proceso de consolidación.
La mayoría abrumadora de las veces, en el Consejo y el Parlamento
del Mercosur se aborda esta región por preocupaciones medioambien-
tales, en el centro de las cuales está el Acuífero Guaraní. Siendo ésta,
como dijimos, una zona de recarga para el acuífero en la que el agua
se encuentra a relativamente pocos metros de profundidad, los riesgos
de contaminación y la facilidad de acceso son grandes. De todos mo-
dos, así como vimos que el discurso ambiental es utilizado por otros
Estados y actores como el Banco Mundial para aumentar el control
internacional sobre la región, percibimos que para los Estados del
Mercosur el Acuífero Guaraní es un símbolo muy fuerte de soberanía.
La prehistoria del Mercosur está asociada con la Triple Frontera,
pues uno de los antecedentes más importantes del bloque es el Acta
para la Integración Argentino-Brasileña de 1985, conocida como
“Declaración de Iguazú” y firmada por los presidentes Sarney y
Alfonsín. La propia denominación del acuífero como Guaraní es
reciente (1996)33, muy significativa porque enlaza esa cuestión de
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 83
soberanía con la larga duración de la historia de nuestro continente
y remite a la memoria de los pueblos americanos y la Conquista; la
imagen-símbolo del Guaraní, una nación que pasaba de un margen del
río al otro sin cruzar ninguna “frontera”, permite además una lectura
integracionista. Coincide, por otra parte, con la constitución de un
Comando Tripartito, ese mismo año, y el comienzo de reuniones de
los Ministros del Interior de los tres países.
Durante los años ‘90, la Triple Frontera está en la agenda de se-
guridad del Mercosur; la década está marcada por esta preocupación
por la “tierra sin ley” en la que insistían gobierno y prensa estadouni-
denses.34 Sin embargo, a lo largo de esta década la preocupación por
la preservación del medioambiente de la región fue creciendo, indiso-
ciable del acuífero. En Noviembre de 2002 ocurre en Foz do Iguazú el
Primer Foro de Debates sobre Integración Fronteriza, promovido por el
Mercosur y, notablemente, la Comisión de Relaciones Exteriores y de
Defensa Nacional de la Cámara de Diputados brasileña, como también
la Prefectura Municipal de Foz, que ya había participado de la demanda
judicial contra la CNN por su difamación de la Triple Frontera en 2001.
Este foro, en 2002, no apenas municipal sino en el ámbito del Mercosur,
representó una instancia más alta de oficialización de los problemas
34 http://www.ub.edu.ar/investigaciones/dt_nuevos/233-fontana.pdf
03/2013
84
frontera trinacional como laboratorio para las cuestiones de inte-
gración del Mercosur”.
Esto marca el tono de lo que será el tratamiento de la Triple
Frontera por parte de las instituciones regionales durante el auge de la
“war on terror” estadounidense en la nueva década, diferenciándose
de los medios de prensa de sus países que, particularmente al inicio,
reproducían el imaginario negativo internacional. En el Mercosur se
destaca el turismo (Mercosur/CPC/ACTA Nº 3/02), la “convivencia
armónica integrada de hace más de 100 años” (CPC/DIS. 28 /02),
y la “importancia geopolítica de la Triple Frontera en el desarrollo
de los Estados partes y del Mercosur”. En 2002 se declara a la zona
“Laboratorio para las Cuestiones de Integración del Mercosur – Como
área de estudios y de implantación para acciones y proyectos de
desarrollo para regiones de Frontera”. Ahora se intenta convertir la
triple frontera en una metáfora de América Latina, diversa, expoliada.
En 2004 la Comisión Conjunta del Mercosur declaraba al
Acuífero Guaraní Patrimonio Natural del Mercosur (CPC/DEC.
Nº 5/04), declarando
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 85
de las principales reservas de agua dulce no se ha hecho esperar.
Que los 27.24 millones del ‘Proyecto del Sistema Acuífero Guaraní’
servirán para elaborar e implementar en forma conjunta un marco
institucional y técnico para el manejo y la preservación del Acuífero.
La reserva de agua es reconocida por el Banco Mundial en ese mismo
documento como “un recurso estratégico de agua potable en el Cono
Sur” (BM, Environmental Protection and Susteinable Development of
the Guaraní Aquifer System. Reporte Nº 23490 – LAC. Washington,
D.C. USA, 17 de mayo de 2002). […] debe ser declarado nuestro
interés por mantener este recurso natural bajo el control nacional y
del MERCOSUR, [...] más allá del modelo económico y de estado.
86
En 2008 se recomendó y en 2010 fue aprobada la creación de
un área de preservación integral del Medio Ambiente (10/2010/
INFCOM/SO XXIII – MEP/50/2010). Y en ocasión de la firma del
Acuerdo sobre el Acuífero Guaraní entre los países del Mercosur, de
2010, volvió a reiterarse la denuncia explícita a la codicia imperialista
sobre la triple frontera36.
Mención especial merece el intento de creación de un Foro de
Legisladores de la Triple Frontera, lanzado en 2011 con intención de
darle continuidad aunque después, y esto es sintomático de cómo
funcionan estos procesos de lenta construcción, parece haber quedado
suspenso37. Las respuestas de nuestra región se intensifican cuando
los ataques extrarregionales ganan intensidad, y en otros momentos
retroceden. El fundamento político del Foro38 es que
36 http://archivo.presidencia.gub.uy/sci/proyectos/2011/11/mrree_1261.
pdf 03/2013
37 http://www.parlamentodelmercosur.org/innovaportal/v/5465/1/secre-
taria/primer_foro_de_legisladores_de_la_triple_frontera.html 03/2013
38 http://www.forotresfronteras.com.ar/ 03/2013
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 87
el pretexto de que los actores competentes no han podido, sabido
o querido, lidiar con esas cuestiones.(...) poner sobre la mesa el
criterio de autodeterminación y también de una forma “regional”
de ejercer soberanía.
88
de imaginarios. Los gobiernos de Argentina, Paraguay y Brasil han
reaccionado de manera diferente entre sí a lo largo del tiempo; durante
2003-2013, la intensidad del enfrentamiento y la atención que se le
presta a la región en la prensa e instituciones son fluctuantes, y los
discursos se modifican.
A pesar de todo, la Triple Frontera parece estar ganando impor-
tancia en nuevos sentidos. Por una parte, vimos un cambio en la
retórica del gobierno estadounidense, más cauteloso en sus acusa-
ciones a medida que transcurre el período; en la prensa internacional
se sustituye un mito por otro (continúa la preocupación con la zona,
pero se tiende a presentarla como una “tierra sin ley” antes que como
refugio de terroristas). Por otra parte, los gobiernos e instituciones
regionales parecen finalmente haber cobrado conciencia del valor
estratégico de la Triple Frontera y pretenden movilizar otro tipo de
representaciones sobre ella.
Del mismo modo que las representaciones negativas seleccionan
ciertos trazos del objeto para construir su relato exclusivamente a
partir de ellos, el imaginario alternativo de la Triple Frontera gira en
torno a tres mitos positivos: Primero, la Triple Frontera como metá-
fora de la diversidad latinoamericana en convivencia pacífica (desde
manifestaciones logradas hasta los shows “típicos” ofrecidos para
turistas extranjeros). Luego, la Triple Frontera como polo educativo
regional y centro turístico internacional que ofrece sus tesoros natu-
rales. Por último, y a causa de esos tesoros, la Triple Frontera como
objeto codiciado por las potencias imperialistas.
La reflexión académica también ha vuelto su atención hacia la
Triple Frontera en años recientes: Además de las autoras Montenegro
y Béliveau, nucleadas en el más amplio Observatorio de la Triple
Frontera39 junto a Tofik Karam y otros, encontramos estudios sobre
los brasiguayos radicados en Paraguay provenientes de Brasil, o la
vida de los sacoleiros que revenden mercaderías de la frontera. Con
carácter más oficial, el trabajo de Melina Cosso, El Acuífero Guaraní
39 http://www.observatoriotf.com/ 04/2013
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 89
como Recurso Vital y Estratégico, en el marco de la Defensa Nacional
(s/d)40, divulgado por el Instituto Nacional del Agua y el ejército
argentino, aborda esta discusión explícitamente como una cuestión
de soberanía.
Finalmente, proyectos políticos de Brasil para la región que
intentan (descoordinadamente) regular el comercio del área (lei do
sacoleiro, Operación Ágata41).
El sentido de todas estas acciones tomadas en conjunto es un
intento de reapropiarse de esta frontera triple, “la” Triple Frontera,
en términos de soberanía nacional y posiblemente regional. La cons-
trucción de un nuevo imaginario es condición necesaria para ello.
¿Es esto posible? Con una imagen tan estratégicamente negativa, se
hace necesario levantar un contraimaginario de la región: Nuevas
narrativas que no solo expliquen creíblemente a la Triple Frontera en
términos distintos al imaginario hegemónico, sino que le contesten
directamente, desconstruyendo sus verdaderas motivaciones.
¿Cómo se imaginará a la Triple Frontera dentro de otros diez años?
Eso es lo que se está disputando actualmente.
Bibliografía
40 http://www.ina.gov.ar/pdf/ifrrhh/01_024_Cosso.pdf 04/2013
41 Ágata: Una serie de varias operaciones del ejército brasileño para incautar
drogas, armas y contrabando, que mereció la visita de la Presidenta Rouseff.
Lei do sacoleiro: Una solución legislativa que coloca un valor límite a la
cantidad de mercadería que los “sacoleiros” pueden llevar desde la Triple
Frontera para comerciar en otros lugares.
90
Montenegro y Béliveau (compiladores). A Tríplice Fronteira. Espaços nacionais
e dinámicas locais. Curitiba, Editora da Universidade Federal do Paraná, 2011.
Revistas
Otras fuentes
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 91
Rex Hudson, Terrorist and Organized Crime Groups in the Three Border Area of
South America, Federal Ressearch Division, Library of Congress, Washington,
2003.Actas y Documentos emanados de la Comisión Parlamentaria Conjunta
del MERCOSUR (1991 – 2006), Hugo Daniel Ramos // Eduardo Rivas
92
METÁFORAS DA TRÍPLICE FRONTEIRA
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 93
que o interesse dos EUA seria ressaltar os possíveis aspectos negativos
da região, a fim de legitimar uma futura invasão e domínio dos países
da América Latina, para exploração dos recursos naturais, sobre tudo
o Aquífero Guarani. Além disso, esses meios tentaram legitimar este
discurso utilizando trechos de estudos científicos sobre o Aquífero
Guarani, ou seja, não se explorava todo o estudo, apenas pontos que
interessavam e que auxiliavam na defesa desse discurso, bem como
na sustentação da ideia de que a água é uma das maiores riquezas
do futuro.
A descrição e a análise da construção desses discursos, que se
formaram sobre o espaço social e geopolítico da TF, fazem parte da
pesquisa realizada por Béliveau e Montenegro (2006), publicada no
livro intitulado La Triple Frontera: globalización y construcción social
del espacio. Este livro aborda os discursos que circularam nos primeiros
anos da década de 2000, e constata que foram totalmente voltados
à discussão sobre as possíveis células terroristas, evidenciando uma
força dicotômica, um embate entre aqueles que concordavam e os
que discordavam do tema. O poder hegemônico da discussão, apa-
rentemente, não possibilitou um espaço para se construir debates
diferentes sobre outros temas.
Nesse contexto, a expressão “Tríplice Fronteira” não se relaciona-
va apenas ao lugar. Conforme já dito, para o governo dos EUA a TF
significava terrorismo longe dos territórios do Oriente Médio, narcotrá-
fico, “terra sem lei”. Para os grupos contrários à ideia da presença de
células terroristas, a TF significava riquezas naturais, biodiversidade,
Aquífero Guarani, comércio, turismo, diversidade étnica.
Partimos deste estudo preliminar, visando contribuir com as refle-
xões acerca do tema e problematizando a construção imaginária da TF.
Para tanto, neste capítulo estudaremos algumas metáforas que trazem
outra corrente discursiva sobre a região, a qual passa a relacionar a
cidade à natureza, à difusão do conhecimento e às energias místicas
positivas. Nos últimos anos, a ideia da presença do terrorismo na
fronteira perdeu força e, no ano de 2012, foi parcialmente refutada
pelo próprio governo dos EUA, restando apenas a preocupação de que
os grupos no Cone Sul pudessem financiar o que o governo americano
94
entende por células terroristas. Vale observar que o governo do Brasil
reconhece o Hezbollah, por exemplo, como um partido político.
Essa outra perspectiva discursiva, abordada aqui através das me-
táforas da Conscienciologia sobre a TF, procura abrir a possibilidade
de se pensar a região sob outra ótica, haja vista que o discurso que
figurava como hegemônico, embora ainda esteja presente no discurso
midiático e no imaginário coletivo, vem perdendo força.
Portanto, para o presente estudo foram selecionadas, como objeto
de análise, algumas expressões metafóricas desenvolvidas e utiliza-
das pelo grupo da Conscienciologia. Esta amostra foi escolhida pela
sua orientação bastante oposta aos termos trabalhados pelo discurso
hegemônico da primeira década do século XXI.
A posição discursiva que o grupo selecionado mantém sobre a
região, abre a possibilidade de novos relatos e imagens, pautados
em outros atributos e características não trazidos à tona pela mídia1.
E, nesse sentido, possibilita lançarmos um questionamento: o novo
discurso proferido pela Conscienciologia pode ser considerado um
contra-argumento, como descrevem Béliveau e Montenegro (2006),
ou seja, respostas aos discursos negativos vinculados à região, ou
uma espécie de novo polo discursivo alheio a está realidade? Vale
observarmos que a escolha do referido grupo não o coloca como o
mais representativo da TF, ou um tipo ideal weberiano de organização
social desta região. Entendemos que não se pode eleger na TF apenas
um grupo como característico ou representativo, pois esse é um espaço
habitado por muitas e variadas “tribos urbanas”2 (MAFFESOLI, 2010).
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 95
Para tecer a reflexão proposta, no desenvolvimento deste estudo
abordamos o conceito multifacetado de imaginário social e coletivo,
principalmente a partir da análise de Emmanuel Lizcano (2006).
Esse autor define o imaginário como a instância na qual a sociedade
recria-se e modifica-se a si mesma, ou seja, o imaginário é visto como
o espaço social criativo da mudança, e as metáforas se constituem
como material essencial para sua investigação.
Frente à amostra e aporte teórico selecionados, nosso propósito é
refletir sobre a ideia de que a modulação de discursos tem a capacidade
de criar e transformar espaços sociais. Para o caso da TF, abordamos
as construções metafóricas utilizadas pelo Centro de Altos Estudos da
Conscienciologia (CEAEC), e como tais expressões desenham um espaço
social diferente do que foi construído entre os anos de 2001 e 2005.
96
Apesar de sua base intrínseca estar ligada às metáforas, o imagi-
nário não está presente apenas onde se supunha que ele estivesse: no
mito, na literatura, na fantasia, na utopia coletiva; também faz parte
da chamada racionalidade, está presente na ciência e nas instituições
sociais. Para Lizcano (2006, p. 57), o seio da racionalidade seria,
inclusive, o melhor refúgio do imaginário:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 97
XVII. Nesse contexto, o social era um termo reservado às associa-
ções restritas de pessoas que desenvolviam alguma atividade em
comum. Porém, a burguesia da época transformou o vocábulo em
algo abstrato, dispensando essa comunidade de hábitos, valores e
práticas para imaginar um “pacto social” mítico feito entre “[...]
unidades individuales atómicas, extrañas entre sí, y movidas sólo
por sus interesses egoístas, al modo de los socios que participan en
un negocio” (LIZCANO, 2006, p. 48).
Em síntese, Lizcano (2006) define o termo como criação do ima-
ginário burguês, que mais tarde serviu como base para a “sociedade
de consumo” e “sociedade de massas”. O autor entende que o termo
“social” seria mais direcionado a imaginários particulares sendo, as-
sim, mais adequado e genérico o uso do termo “imaginário coletivo”,
o qual abarcaria em seu bojo um número maior de imaginários.
Como já foi dito, um dos elementos basilares do imaginário são as
metáforas, e ao investigar suas origens comuns em uma coletividade,
pode-se conhecer a origem da constituição imaginária desse grupo.
O imaginário tem a capacidade de instituir e de ser instituído conti-
nuamente, ou seja, de permanecer e também de criar novas formas
recriando a si mesmo.
O imaginário possibilita a vida em comum dos grupos humanos
através da preservação dos hábitos, tradições, crenças consolidadas,
na criação de instituições e, contraditoriamente, também na criação
de significações novas.
Lizcano (2006 p.56) descreve o imaginário como “denso em todas
as partes”, e complementa:
98
in-corpora en su propio cuerpo los presupuestos desde los que ha
sido concebido, está revestido del tejido magmático cuyo flujo ha
quedado en él embalsado.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 99
o que realmente é.
Lizcano (2006, p. 65) nos apresenta sua própria sistematização
das metáforas. O autor prefere chamá-las de metáforas “mortas” ou
“zumbis”, pois são mortas viventes, e assim as descreve: “muertos
que viven en nosotros y nos hacen ver por sus ojos, sentir por sus
sensaciones, idear con sus ideas, imaginar con sus imágenes”. Essas
metáforas zumbis demonstram as camadas mais solidificadas do
imaginário, no qual a qualidade de instituírem se solidificou há muito
tempo. Neste grupo se incluem as metáforas “ideológicas”, que são
capazes de convencer e comover. Esse tipo de metáfora observa-se
corriqueiramente nas falas políticas, como por exemplo: “o caminho
para a modernidade é o futuro”, “o que não queremos de forma algu-
ma é retroceder ao passado”. No entanto, as metáforas não carregam
consigo apenas significados, mas também sentimentos e valores, como
aqueles que demonstram a esperança no futuro, no sentindo de que
ele seja diferente e melhor do que o passado: mesmo que seja algo
que o homem não conheça, ainda o vê como bom e frutífero, não
importa como esteja agora, mas com certeza no futuro estará melhor.
Em oposição às metáforas mortas, Lizcano nos fala das “metáforas
vivas”, que possuem como característica principal a capacidade de
imposição, ou seja, a capacidade social criativa da mudança. Essas
metáforas utilizam significantes já desvinculados de seus significados
originais – que lhe deram origem –, e os fazem ser vistos sob novos
ângulos. Assim, elas oferecem uma nova perspectiva a algo já conheci-
do, ou seja, um novo significado a um velho significante. No entanto,
nem toda metáfora viva tem a capacidade de causar uma mudança
social radical. Para isso, essa nova metáfora precisa encontrar um
cultivo adequado para conseguir consolidar-se.
Uma das formas de criar metáforas vivas seria inverter as metáfo-
ras “zumbis”, criando-se assim expressões de impacto. Esse processo
produz a verossimilhança necessária para serem melhor acolhidas.
As metáforas vivas são obtidas pelas mudanças das velhas metáforas,
que podem encontrar lugar em determinados grupos sociais e neles
obter um sentindo, tornando-se valiosas. Só depois de instituídas,
essas “metáforas vivas” poderão mostrar seu poder de mudança.
100
Lizcano (2006) cita os filósofos Gracían e Nietzsche como pensa-
dores que ensinaram o mundo a perceber que por baixo de um con-
ceito, seja do cotidiano ou do campo científico, sempre existirá uma
metáfora. Mas, com o passar do tempo e o uso reiterado do conceito,
a sua origem metafórica fica esquecida. E é dessa maneira que ocorre
a transformação de uma metáfora em um conceito fossilizado, que
passa a ser chamado de “dura realidade”.
As metáforas têm um poder enorme na vida social. Entre as suas
capacidades está a de modelar a percepção, o pensamento e as ações,
principalmente as que são usadas mais corriqueiramente como, por
exemplo, “o pé da mesa” ou o “impacto da ciência”. Para Lizcano
(2006), não somos nós que dizemos as metáforas, mas elas próprias
que nos dizem.
Mas onde nascem ou surgem as metáforas? O seu marco zero
pode estar no ato de nomear. O momento de dar nome a algo ainda
sem nome equivale à transmissão de um significado, um ato que
singulariza, que particulariza algo.
A construção social da TF
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 101
A TF não pode ser descrita como uma região homogênea. As três
cidades desse espaço (Foz do Iguaçu, Puerto Iguazú e Ciudad del Este)
caracterizam-se, principalmente, por terem várias zonas distintas entre
si, que acolhem diferentes culturas em seu bojo. Essa heterogeneidade
se intensifica pela proximidade geográfica entre os espaços urbanos
dessa região, gerando, em algumas circunstâncias, uma grande e
única figura urbana, principalmente no que se relaciona às questões
de comércio e turismo, as principais atividades econômicas da TF.
Segundo dados levantados por Béliveau e Montenegro (2006),
Ciudad del Este e Foz do Iguaçu estão extremamente ligadas. Observam
que os muitos moradores do lado brasileiro, como também os do lado
paraguaio, têm em diversas ocasiões seu lugar de trabalho como donos
de lojas e/ou empregados do comércio. O centro comercial paraguaio,
fora dos horários de atendimento, fica vazio, pois os comerciantes
e funcionários residentes no Paraguai retornam para outros bairros
alheios ao centro comercial de Ciudad del Este ou às cidades metro-
politanas do lado paraguaio, como Presidente Franco, Hernandarias
e Minga Guazú, e também para a cidade brasileira de Foz do Iguaçu.
Não são apenas os trabalhadores do centro comercial paraguaio
que participam do fluxo intenso desta integração regional, mas tam-
bém aquelas pessoas que cruzam a Ponte da Amizade diariamente
para deixar seus filhos na escola, os universitários que se deslocam e
outras pessoas que passam de um lado para outro para fazerem suas
atividades mais corriqueiras como ir ao supermercado, visitar amigos,
ir ao médico ou ainda fazer algum programa cultural.
Puerto Iguazu, em relação à Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, apre-
senta além de uma distância física maior, uma aduana de imigração
mais rígida. Para entrar ou sair da Argentina, é necessária a posse
de algum documento de identificação, dinheiro para a passagem do
ônibus, ou outro meio de locomoção. Diferente do trânsito Brasil/
Paraguai, que pode ser feito a pé, com ou sem identificação.
Mesmo Puerto Iguazu sendo um pouco mais distante das outras
figuras urbanas citadas, é à Foz do Iguaçu que os moradores do lado
argentino recorrem muitas vezes, em assuntos relacionados à saúde
e ao ensino. E, em relação às compras de produtos eletrônicos, entre
102
outros, buscam a Ciudad del Este. Já os brasileiros e paraguaios vão
até Puerto Iguaçu em busca de alimentos como: carne, salames, azei-
tonas, queijos e também combustível. Isso ocorre, devido ao preço
baixo e à boa qualidade desses produtos. No entanto, o trânsito nessa
fronteira se comprova de menor intensidade quando comparado ao
trânsito entre Brasil e Paraguai, principalmente, pelo rigor da aduana
de migração.
O sociólogo Park (1987) argumenta que a cidade não é formada
apenas pela sua estrutura física, mas, principalmente, pelas relações
que se estabelecem entre as pessoas. Além disso, define a cidade como
um ambiente natural do homem civilizado, configurando-se como
uma área cultural, ou seja, a cidade tem a sua própria cultura por ser
um meio urbano, e também a capacidade de trazer em si várias áreas
que compõem esse cenário. E é nesse sentido que consideramos esta
região da TF como um único espaço urbano.
As três cidades, juntas, fornecem, portanto, uma construção de
extrema vitalidade social:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 103
e, principalmente, por sua população ser formada por etnias muito
distintas entre si (como chineses, árabes, indígenas, além das três
nacionalidades presentes na região). Essas “tribos” dividem interna-
mente emoções, afetos, recordações; não se trata apenas de uma troca
de bens, é também um “comércio de ideias”, um “comércio amoroso”
(MAFFESOLI, 2010):
3 Ainda segundo Park (1987, p. 66), “não é preciso entender-se pela ex-
pressão “região moral” um lugar ou uma sociedade que é necessariamente ou
criminosa ou anormal, antes ela foi proposta para se aplicar às regiões onde
prevaleça um código moral divergente, por uma região em que as pessoas
que a habitam são dominadas, de uma maneira que as pessoas normalmente
não o são, por um gosto, por uma paixão, ou por algum interesse que tem
suas raízes diretamente na natureza original do indivíduo. Pode ser uma arte,
como a música, ou um esporte, como a corrida de cavalos. Tal região diferiria
de outros grupos sociais pelo fato de seus interesses serem mais imediatos
e mais fundamentais. Por essa razão, suas diferenças tendem a ser devidas
104
na qual indivíduos se reúnem para compartilhar gostos e ideias
em comum.
Tal grupo foi descrito em dezembro de 2012, pelo jornal “A Gazeta
do Iguaçu”4, através de uma entrevista concedida pelo seu líder, Waldo
Vieira, como um grupo formado por 692 pessoas, que se dividem em
58 equipes técnicas do Holociclo5, 73 autores do Holocliclo publica-
dos, 200 enciclopedistas, 154 professores universitários, 68 mestres,
doutores e pós-doutores, 84 psicólogos, 40 médicos, 35 engenheiros,
29 advogados, 14 arquitetos. Percebemos que a sua formação é ma-
joritariamente composta por um alto nível de instrução, sendo essa
uma das características principais do grupo, que busca desenvolver
pesquisas e estudos sobre a consciência, considerando o princípio
inteligente e imaterial dos indivíduos.
A Conscienciologia conta com uma infraestrutura ampla para o
desenvolvimento de suas pesquisas e estudos. No CEAEC existe o
Holociclo, uma espécie de laboratório ou incubadora de autores da
Enciclopédia da Conscienciologia. O prédio da Holoteca, que é um
espaço destinado à pesquisa e a exposições de artefatos culturais,
englobando várias áreas, conta com 276 diferentes coleções. Existem
também laboratórios utilizados para experimentos de autopesquisa.
A influência urbana do grupo pode ser percebida pela mudança
que causaram na cidade com a sua instalação. O CEAC está locali-
zado no bairro Cognópolis, na Rua da Cosmoética, ambas criadas
após a instalação do Instituto. Este bairro foi criado no ano de 2009.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 105
As nomenclaturas urbanas fazem com que percebamos que a influên-
cia da Conscienciologia ultrapassa os muros do CEAC, agindo sobre
a realidade geográfica e espacial da cidade, participando diretamente
da sua construção e transformação.
A TF não é formada apenas pelos diferentes grupos sociais, mas
também pelos diversos discursos produzidos sobre ela. Os espaços
não são criados apenas fisicamente, mas também através das rela-
ções que as pessoas que nele vivem traçam e expressam através do
discurso. Na seção seguinte, vamos nos ater às produções discursivas
provenientes da TF, criadas pela Conscienciologia. A forma como esse
grupo concebe a região é claramente verificada através de expressões
metafóricas que a retratam como um lugar de abundância cultural,
refúgio natural e energético. A descrição que fazem da região é alta-
mente positiva, ressaltando pontos e qualidades da TF que geralmente
não são lembrados pelos discursos midiáticos hegemônicos.
Também para Bourdieu (1998), a linguagem contribui para a
construção e formação da realidade social: “[...] o ditado, o provérbio
e todas as formas estereotipas ou rituais de expressão, são programas
de percepção” (BOURDIEU, 1998, p. 82). Em outras palavras, o que
se fala e como se fala, expressam e materializam uma forma da reali-
dade pensada pelos sujeitos. Quando existe um grupo de sujeitos que
dividem pensamentos que se expressam em discursos similares, em
torno disso forma-se uma realidade. Segundo esse autor, a linguagem,
quando proferida por sujeitos socialmente reconhecidos, tem o poder
de impor determinada visão de mundo.
Dessa maneira, o discurso de sujeitos reconhecidos como intelec-
tuais, sábios ou especialistas em comunicação, como por exemplo os
que falam através das grandes empresas midiáticas, possuem um peso
maior do que o de homens comuns; consequentemente, os indivídu-
os mais fortes no campo social constroem um real mais verossímil,
através de seus discursos.
106
peculiaridades e abarca três países em um espaço único. Não é pe-
culiar apenas por agregar cidades de três nações, mas também por
receber em suas terras cidadãos de todo o mundo, atraídos pelas be-
lezas naturais do lugar e outros atrativos turísticos e/ou comerciais.
A circulação enorme de pessoas faz com que, consequentemente, o
imaginário local seja também muito rico e diverso.
A Conscienciologia, autodescrita como neociência, tem como carac-
terística a criação e utilização de neologismos e metáforas. O espaço do
CEAEC atrai muitos visitantes e curiosos, com o intuito de conhecerem
sua proposta, e outros que vêm em busca de autoconhecimento. Nesse
contexto, a Conscienciologia vai muito além de um novo agrupamento
que escolheu esse lugar para desenvolver estudos. Ela tornou-se parte
da configuração do espaço urbano da cidade, já que com sua presença
gerou a criação do bairro “Cognópolis”, no qual existem três condomí-
nios, além do CEAC. A observação dos discursos emitidos pelo CEAC,
especialmente no que toca às metáforas, torna-se relevante na medida
em que se trata de um grupo cuja prioridade é “reinventar” a lingua-
gem para com isso “reinventar” a sua relação com o real, através da
produção de novos significados para antigos significantes.
Portanto, a sua atuação criativa intervém na cidade geográfica
e simbolicamente, na nomeação de rua, bairro e ressignificação do
contexto social por meio, principalmente, das metáforas, geradoras
de uma nova discursividade sobre a região. Como já foi dito ante-
riormente, entendemos que a criação de metáforas e neologismos
envolve o ato de tentar dar novos sentidos às velhas coisas, ou seja,
olhar para algo e buscar um novo ângulo, uma nova abordagem com
a qual lidar com o real.
A maioria das metáforas e neologismos utilizados pela Conscien
ciologia remetem a termos utilizados para descrever as pesquisas
conscienciológicas. No entanto, a riqueza vocabular do grupo é
grande, e se estende na relação com o lugar que ocupam e habitam.
As metáforas analisadas são utilizadas e criadas por frequentadores
e voluntários do CEAC. Elas foram selecionadas a partir dos vídeos
das tertúlias proferidas pelo propositor da neociência, Waldo Vieira,
disponibilizadas no site Youtube, e também por meio de sua entrevista,
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 107
divulgada pelo Jornal “A Gazeta do Iguaçu” sobre a cidade de Foz do
Iguaçu – em uma matéria especial, que entrevistou personalidades da
cidade com o objetivo de entender o que essas pessoas, consideradas
formadores de opinião, pensam sobre o futuro da cidade. Observamos
que esse periódico legitima a Conscienciologia, reconhecendo o seu
propositor Waldo Vieira como um importante ator social local.
Dividimos as metáforas selecionadas em três grupos: a) metáforas
relacionadas aos conceitos urbanos e culturais; b) metáforas relacio-
nadas à natureza; e c) metáforas aplicadas, que se concretizam em
espaços urbanos:
Quadro – Metáforas referentes à Tríplice Fronteira
A B C
Grupo A
108
interligadas. Já o “cosmopolita” (grego kosmopolítes, – ou, cidadão do
mundo), significa: Pessoa que considera o mundo como pátria. Pessoa
que viaja muito e que se sente bem em qualquer país. Que é de todos
os países. Que é relativo ou próprio dos grandes centros urbanos.
Essa metáfora descreve a cidade como receptiva às pessoas de
todas as nações e culturas, como lugar de morada para indivíduos de
diferentes etnias, e ainda um lugar de passagem. Em outras palavras,
por meio dessa construção linguística apresenta-se a realidade social
da TF, de fato construída por diversas diferenças étnicas e culturais,
como também por visitantes e turistas. A TF também é conhecida como
um lugar de passagem; passam por essa região, diariamente, pessoas
com diversos objetivos, que iniciam ou terminam aqui sua jornada.
As metáforas precedidas pela palavra “capital”, que designa ge-
ralmente o lugar no qual está fisicamente o governo de um Estado ou
País, ou qualquer lugar principal de uma nação, pretendem chamar a
atenção para a localidade, para suas características e qualidades. Tais
expressões conferem à região um grande potencial, considerando-a
como uma das regiões mais influentes em determinados assuntos.
A metáfora “Capital Bioenergética” pode ser encarada pelo lado
tecnológico, pela presença da Usina Hidrelétrica de Itaipu, ou ainda
em relação às energias espirituais, pois estudos esotéricos consideram
este lugar – por possuir um encontro de grandes rios – como uma re-
gião energética no sentido espiritual. Já a metáfora “Capital do verde”
faz referência ao Parque Nacional do Iguaçu, que tem sua extensão
dividida entre Brasil e Argentina.
A metáfora “Capital multicultural” retoma a ideia da presença de
diversas etnias, não só da América Latina como de todo o mundo, que
escolhem esse espaço para viverem sem maiores problemas. Ainda
dentro do contexto de capital, a metáfora “Capital da Educação”
faz referência às inúmeras universidades da cidade e à instalação,
em 2010, da Universidade Federal da Integração Latino Americana
(UNILA), como também ao bom desempenho apresentado pelo
ensino fundamental do Município de Foz do Iguaçu, no cenário
nacional, no ano de 2012.
A palavra Trifon é formada por aglutinação, que consiste no
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 109
processo de formação de palavras pela junção de duas ou mais uni-
dades linguísticas. Nesse caso: Tríplice + Fronteira = Trifon. Essa
nova palavra reforça, ainda mais, a necessidade de particularizar a
região e diferenciá-la do sentido associado ao termo Tríplice Fronteira6.
Portanto, demonstra a necessidade da Conscienciologia de “reinven-
tar”, por meio da linguagem, a percepção da realidade regional.
Nesse grupo, temos ainda a expressão “reciclagem existencial”,
referente às pessoas que buscam a Conscienciologia para iniciar es-
tudos relacionados à vida e à consciência, com o intuito de buscar
novos sentidos para a existência como um todo. A palavra reciclagem
remete à renovação, à transformação, à mudança e ao melhoramento
de algo já usado. Nesse sentido, a reciclagem existencial significa reno-
var a vida já existente, transformá-la, melhorá-la. Utilizar como base
a existência até o momento e recriá-la, a partir desse novo instante.
No sentido utilizado pela Conscienciologia, provavelmente, a partir
da busca pelo incessante autoconhecimento.
Grupo B
110
Usina de Itaipu, e o Rio Iguaçu, que passa pelo Parque Nacional do
Iguaçu e forma as Cataratas do Iguaçu. Foi também desses rios que,
em tempos históricos, os habitantes da região tiraram o alimento,
e usaram-nos como meio para locomoção através de embarcações.
Existem ainda, do lado paraguaio, outros afluentes do Rio Paraná que
formam a paisagem dessa região. Neste contexto, a palavra energético,
pode ser entendida de duas maneiras: primeiramente, em relação à
energia elétrica produzida pelas águas dos rios que aqui desembocam
(salientamos que a Itaipu Binacional é uma das maiores hidroelétricas
do mundo e parte da composição do cenário da TF). Por outro lado,
o Rio Iguaçu, no seu curso até chegar à região, passa por diversas
barragens de pequenas hidrelétricas.
A segunda maneira de entendermos o temo energético pode ser
como referência a uma energia espiritual, já que estudiosos esotéricos,
como também a Conscienciologia, consideram as Cataratas do Iguaçu
um dos chakras da terra, ou seja, um lugar de renovação energética
e espiritual.
A expressão “Estuário cultural”, utilizada para se referir à diver-
sidade cultural da TF, faz novamente referência às águas. A palavra
estuário, segundo o dicionário Priberam significa: “Parte de um rio,
próxima à sua foz no mar, onde a água doce se confunde com a
salgada. Braço de mar ou de rio que se estende pela terra a dentro.”
(DICIONÁRIO PRIBERAM, 2013, Não paginado).
O termo estuário, que descreve o rio no momento em que ele não
é apenas rio, mas se alarga e também é mar, remete ao lugar no qual
todas as grandes águas se encontram e desejam chegar ao oceano. Ao
completar-se com o termo cultural, denomina o lugar de encontro e
de convergência ecumênica para as culturas mundiais, assim como
as águas dos rios em algum momento se descobrem todas no mar.
Outra metáfora ainda relacionada à água e à energia é a “força
hídrica”, que também pode ser entendida como a força que a água
possui para girar turbinas e produzir energia elétrica e, ainda, a força
hídrica das Cataratas do Iguaçu, que demonstra uma beleza peculiar
quando milhões de litros por segundo despencam de cânions. Os dois
rios representativos da “força hídrica” juntam-se no Marco das Três
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 111
Fronteiras, formando apenas um rio. Então, a metáfora pode ainda
ser entendida em um sentido simbólico, como se as águas presentes
nessa localidade possuíssem uma força/energia diferente das de outras
localidades. A água, por si só, já nos remete às imagens de fonte de
vida renovada, de força e energia em sentido concreto ou abstrato.
Há também expressões formadas a partir da palavra energia, re-
tomando a ideia da produção de energia elétrica e também espiritual:
geoenergia, hidroenergia e aeroenergia. Trata-se de energias presentes
na terra, na água e no ar da região. Sugere a configuração do lugar
como sagrado ou místico, seja pela preservação e cuidado ecológicos,
pela sua peculiaridade, ou ainda por energias ocultas presentes nos
elementos da natureza.
As expressões que incluem a palavra chakra7 sugerem para a
região das Cataratas do Iguaçu o reconhecimento de atuarem como
“chakra(s) da terra”, “chakra positivo” e “chakra telúrico”. Positivo
no sentido de fazer circular boas energias no local, além de transmiti-
-las às pessoas que visitam o lugar. Telúrico, segundo o dicionário
Priberam, significa: “Relativo à Terra”. Nesse sentido, une a palavra
chakra, relacionada ao corpo humano, à Terra como planeta, ou seja,
um chakra terrenal.
Grupo C
112
A palavra Cognópolis, que nomeia um bairro da cidade de Foz do
Iguaçu, no qual está localizada a sede da Conscienciologia, é formada
pela aglutinação das palavras cognição+pólis, resultando em algo
como “a cidade do conhecimento”.
A partir dessa breve análise de expressões metafóricas, utilizadas
pela Conscienciologia, podemos interpretar a sua necessidade de
criar novas expressões para descrever o ambiente geográfico no qual
vivem, como uma tentativa de expressar a percepção do grupo sobre
a realidade local. Transmitem para o social aquilo que entendem e
percebem desse espaço. Ou podem, ainda por outro lado, procurar
imprimir, com tais expressões, seu desejo de sobrepor à região novos
sentidos e interpretações, mais adequados aos objetivos do grupo.
Para Pierre Bourdieu (1998, p.81-82), a linguagem tem uma eficácia
simbólica de construção da realidade social: “A nomeação contribui
para construir a estrutura desse mundo, de uma maneira tanto mais
profunda quanto mais amplamente reconhecida (isto é, autorizada).
Todo agente social aspira, na medida de seus meios, a este poder de
nomear e de constituir o mundo nomeando-o.”
Considerações Finais
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 113
A sua posição ideológica em relação a TF, expressada em suas
construções linguísticas, exerce influência a nível local, por serem
vistos como um grupo detentor de capital simbólico e cultural, o que
os legitima. Desse modo, participam da construção desse espaço jun-
tamente com os outros indivíduos e grupos que nesse lugar habitam,
construindo-o por meio de suas práticas sociais e discursivas.
A linguagem, segundo Bourdieu (1998), é o primeiro mecanismo
formal que possui capacidade ilimitada de criação, ou seja, ela pode
dizer tudo, e a partir do momento em que algo existe através da lingua-
gem, passa a existir na realidade. A linguagem possibilita criar novas
situações e perspectivas, moldar espaços e imaginários coletivos.
As metáforas aqui observadas podem ser consideradas, ainda,
como “metáforas vivas”, principalmente pela brevidade de sua existên-
cia. Existe a possibilidade de que algumas delas se tornem metáforas
fossilizadas e passem a fazer parte do uso corriqueiro da população
local, ou de qualquer indivíduo que venha a se referir à TF. E quando
isso ocorrer, o sentido dessas expressões discursivas fará parte da
“dura, pura e simples constituição da realidade”.
Existe a possibilidade de que as ideias transmitidas por meio des-
sas expressões passem a fazer parte hegemonicamente do imaginário
local, a partir do momento em que ingressem no ideário coletivo da
comunidade. Existe a possibilidade de que no futuro ninguém mais se
lembre de onde e como surgiram essas expressões metafóricas; se isso
ocorrer, as pessoas terão a impressão de que elas sempre estiveram
presentes no imaginário da TF, e essa construção imaginária será tão
verdadeira e tão pertencente à realidade, que dará a entender que
nunca poderia ter sido de outra maneira.
Referências
114
CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro:
Editora Paz e Terra, 1975.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 115
N A R R A T I V A S D E I D E N T I D A D E S:
a linguagem como lugar de (in)visibilização
Introdução
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 117
deparam-se, na escola, com a língua portuguesa escrita que pouco
conhecem. Embora a denominação “brasiguaio” aponte para a ho-
mogeneidade de um grupo, as pesquisas que venho realizando desde
a década de 1990, principalmente no contexto escolar, evidenciam a
impossibilidade de delimitação de características comuns e partilhadas
por todos. Como exemplificação da heterogeneidade, faço menção aqui
a apenas alguns traços, focalizados no contexto escolar, que refletem
a complexidade dessa nominação: alunos que não tiveram acesso à
educação com regularidade no Paraguai, ao retornarem ao Brasil,
foram colocados nas séries iniciais, resultando na formação hetero-
gênea quanto à diferença de idade em relação aos demais alunos, e
também quanto aos interesses próprios das respectivas faixas etárias,
ou foram incluídos em cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA);
alunos filhos de “brasiguaios” bem sucedidos no país vizinho, que
ainda lá mantêm residência, cujos filhos vêm para as escolas privadas
brasileiras para dar prosseguimento aos estudos; alunos que, embora
tenham estudado nas escolas paraguaias, não possuem documentação
que comprovem o grau de escolaridade já adquirido, sendo colocados
nas séries iniciais na escola brasileira, o que dificulta o reconhecimen-
to das dificuldades desses alunos quanto à sua linguagem “híbrida”2
(Bhabha, 2001), principalmente na escrita, altamente estigmatizada
na escola brasileira, motivo pelo qual, muitas vezes, são considera-
dos alunos fracos e/ou incapazes; alunos que foram alfabetizados
no país vizinho em espanhol e guarani , ao retornarem ao Brasil, são
visibilizados, no contexto escolar, pela linguagem híbrida português/
espanhol/guarani, sendo que alguns ainda mostram a presença de
118
traços de línguas próprias de suas culturas, como alemão, ou italiano,
ou chinês, etc. Como se pode observar, essa pequena ilustração, que
poderia ser consideravelmente ampliada, comprova a complexidade
escondida sob a denominação “brasiguaio”.
Considerando o exposto, o objetivo do presente trabalho é in-
vestigar como são construídas e (in)visibilizadas, na linguagem, as
identidades de alunos “brasiguaios”.
Concordo com Moita Lopes (2002: 16) quando afirma que “a escola
é um dos espaços institucionais mais importantes para aprendermos
a nos constituir como seres sociais e também para construirmos os
outros”. Assim, espero que, ao estender o olhar sobre o cenário escolar
da Tríplice Fronteira, possa contribuir para a compreensão das situa-
ções das minorias linguísticas da região, e talvez contribuir também
para a reflexividade e formação continuada do professor para atuar
nesse complexo contexto plurilíngue/pluricultural.
Para desenvolver o objetivo proposto, em primeiro lugar, faço
uma rápida apresentação da abordagem qualitativa/interpretativista
utilizada para a geração de registros; na sequência, discuto os concei-
tos de linguagem e identidade, os quais darão sustentação à análise
que será, na sequência, apresentada para, finalmente, apresentar as
considerações finais.
1. Geração de Registros
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 119
que os acontecimentos têm para as pessoas envolvidas focalizando,
então, situações da ‘vida real’ ou do contexto social ‘naturalístico’
(Bortoni-Ricardo, 2008; Denzin & Lincoln, 2006; Christians, 2006).
Lincoln & Denzin (2006) apontam uma série de tensões, contradi-
ções e hesitações que perpassam o vaivém do campo da pesquisa qua-
litativa e nos alertam para o perigo de leituras equivocadas do passado
quanto a suas vertentes positivistas, pós-positivistas e naturalistas mais
tradicionais e esperanças utópicas do futuro. Buscando ser cuidadosos
quanto aos perigos de escrever o presente, os autores apontam quatro
teses que sustentam a visão por eles denominada de sétimo momento
da pesquisa qualitativa. A primeira, distanciando-se de uma visão
linear progressiva do campo, refere-se às interrupções e rupturas que
definem a história da pesquisa qualitativa, não sendo possível descartar
a eventualidade de um retorno e exaltação de uma fase rétro, em que
seria criticado o momento atual como confuso e imperfeito.
Como segunda tese, os autores apontam a centralidade do com-
plexo compromisso humanista do pesquisador, no sentido de realizar
suas pesquisas a partir do ponto de vista do “indivíduo marcado pelo
gênero, situado historicamente, em interação” (p. 389), havendo sem-
pre a possibilidade de novos deslocamentos e articulações. Segundo os
autores, “todos acreditam que uma política da libertação deve sempre
iniciar com a perspectiva, os desejos e os sonhos daqueles indivíduos
e grupos que foram oprimidos pelas maiores forças ideológicas, eco-
nômicas e políticas de uma sociedade ou de um momento histórico”
(LINCOLN & DENZIN, 2006, p. 389).
A terceira tese está relacionada às encenações etnográficas dos
textos pelos respectivos autores, como uma forma de propiciar um
diálogo contínuo, ou seja, para que “as audiências realmente ma-
nifestem sua oposição às performances e aos seus significados, e
que de fato participem da performance e da criação de significado”
(p. 390) – o significado entendido como plural e sempre aberto a
novas interpretações – passando a atuar, tanto os autores quanto o
público, como críticos culturais.
A quarta tese pressupõe um direcionamento para uma epistemolo-
gia sagrada, em que a ética e a política são centrais, posicionamentos
120
também subjacentes às propostas de Moita Lopes (2006), Sousa Santos
(2003), Maher (2008), Cavalcanti (2006), entre outros, os quais nos
convocam à indagação sobre a escolha que fazemos quanto às me-
todologias utilizadas; quanto às teorias e arcabouços teóricos muitas
vezes naturalizados que usamos para criar inteligibilidade sobre a vida
contemporânea ao produzir conhecimentos; quanto aos contextos em
que são produzidos e a quem servem esses conhecimentos que produ-
zimos, considerando a importância dos cuidados que devemos ter em
relação ao ser humano. Para Moita Lopes (2006, p. 103), “a escolha
deve se basear na exclusão de significados que causem sofrimento
humano ou significados que façam mal aos outros”.
Christians (2006) ao tratar da ética na pesquisa, questiona os prin-
cípios do modelo por ele denominado de “ética utilitária” – proposta
pelos Conselhos de Ética – porque apresentam uma visão restrita,
revelando-se própria de uma ciência neutra que tem como objetivo,
basicamente, proteger as instituições que os estabelecem.
Para o autor, a ética utilitária se sustenta em quatro princípios:
(1) consentimento informado – segundo esse princípio, os partici-
pantes devem concordar voluntariamente em fazer parte da pesquisa
e têm o direito de serem informados sobre a natureza e sobre as
consequências de seus resultados; (2) fraude – esse princípio prevê
uma postura uniforme contrária à fraude; (3) Privacidade e confiabi-
lidade – estabelece tanto a proteção das identidades dos participantes
e dos locais de pesquisa quanto dos dados, para que ninguém seja
prejudicado ou constrangido com os resultados da pesquisa. (4)
Precisão – assegura a ausência de mentiras, materiais fraudulentos,
maquinações e omissões. Para o autor, esses princípios neutros não
são suficientes para que sejam percebidos de quem são os interesses
que merecem ser discutidos, para que a pesquisa tenha um planeja-
mento colaborativo e uma execução participativa, garantindo que os
participantes tenham poder de decisão nos direcionamentos dados
pesquisa, garantindo que seus resultados possam reverter para o bem
da comunidade na qual é executada.
Assim, Christians (2006) amplia a visão de ética na pesquisa, pro
pondo os princípios da ética por ele denominada de social:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 121
1. Suficiência interpretativa – As interpretações construídas pelo
pesquisador precisam retratar com seriedade as múltiplas interpre-
tações dos participantes da pesquisa, os quais pertencem a grupos
culturais complexos, como contribuição para que estes aprendam a
lidar sozinhos com suas experiências da vida cotidiana.
2. Representação transcultural e multivocal – Os diferentes grupos
sociais constroem significados particulares, sendo prejudicial o pesqui-
sador olhar para os valores culturais dos participantes da pesquisa com
base nos significados apenas da sua própria cultura, não considerando
os valores culturais próprios de cada grupo. Dessa forma, é importante
que se leve em conta a influência de uma cultura sobre a outra, pois elas
não existem de forma isolada, mas de forma transcultural, e se reco-
nheça aqueles valores condizentes com a dignidade humana universal.
Diferentemente da característica contratual entre instituição – para quem
são transferidos, o consentimento ou a obrigação – e participantes da
pesquisa, a pesquisa passa a refletir múltiplas vozes, pois o empenho
da palavra é feito e mantido entre pesquisador e comunidade.
3. Discernimento moral – O discernimento moral não pode se
restringir à ética utilitária. Além de nos levar a descobrir as verdades
morais sobre nós mesmos, devemos considerar também que “as co-
munidades são entrelaçadas por narrativas que revigoram sua com-
preensão comum do bem e do mal, da felicidade e da recompensa, do
significado da vida e da morte” (p. 155), ou seja, torna-se importante
verificar não o que os participantes consideram virtuoso, mas como
a ordem moral acontece na formação da comunidade.
4. Resistência e capacitação – Na pesquisa, é preciso deixar claro
que as concepções do bem são compartilhadas por pesquisador e
participantes, e as definições propostas pelos participantes precisam
ser trazidas, como contribuições importantes, para dentro da pesquisa,
pois representam uma possibilidade de transformação humana em
relação às múltiplas formas de pertencimento humano na vida da
comunidade, como na religião, na política, etnicidade, gênero, etc.
Seguindo os princípios da pesquisa qualitativa/interpretativista
de cunho etnográfico, foram gerados os dados aqui apresentados com
base em entrevistas não estruturadas. As entrevistas, por terem sido
122
realizadas em grupo, e, principalmente, por representarem construções
que atendiam àquele momento interacional em que estavam envol-
vidos interlocutores específicos, ou seja, participantes da pesquisa e
pesquisadora, estão sendo consideradas como narrativas, isto é, como
tendo potencial de contribuir para a construção dos processos identi-
tários dos participantes. Conforme Moita Lopes (2002), as narrativas
têm uma natureza dual, possibilitando um duplo olhar. Ao mesmo
tempo em que se prestam para a construção de quem somos enquanto
narramos, também introduzem no jogo nosso(s) interlocutor(es).
Para dar prosseguimento aos objetivos aqui propostos, na se
quência, discuto os conceitos de linguagem, identidade e discurso,
por considerá-los imbricados e fundamentais para a análise.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 123
interesses e ideologias, revelando relações desiguais de poder, como
acontece, por exemplo, quanto aos “brasiguaios”.
As singulares relações desiguais de poder são apresentadas por Elias
& Scotson (2000) em termos de estabelecidos e outsiders. Os estabele-
cidos se autorepresentam e são percebidos como fazendo parte de um
grupo mais poderoso, e se pensam a si mesmos como humanamente
superiores, constituindo o que os autores denominam a “minoria dos
melhores”. Por outro lado, os outsiders são caracterizados como um
conjunto heterogêneo e difuso, que não chega a se constituir como um
grupo social e, por isso, existem sempre no plural. O mais surpreen-
dente, constatam os autores, é que os estabelecidos, ao se verem como
melhores, como partilhando virtudes que faltam aos outros, acabam
fazendo os outros se sentirem realmente como carentes de virtudes.
As relações desiguais de poder, embora não-determinísticas,
revelam a procura de um lugar próprio, ou seja, de identidades que,
sempre complexas e em permanente fluxo, se atualizam nas práticas
discursivas em uma determinada interação, atendendo aos interesses
daquele momento histórico.
Para uma discussão da problemática da identidade, dois paradig-
mas se colocam: os estudos orientados pelos paradigmas da moderni-
dade, com tendência essencialista, e os estudos orientados pelos pa-
radigmas da pós-modernidade, não-essencialistas (SIGNORINI, 1998).
Os paradigmas essencialistas, relacionados à tradição racionalista, o
Iluminismo do século XVIII, permanecem até hoje como um ideal na
cultura ocidental. Segundo essa tradição, “o pensamento científico
se organiza em torno da razão e do método, buscando sempre uma
‘rigorosa unificação’ (aspas da autora) do pensamento científico”
(SIGNORINI, 1998, p. 349), induzindo à busca de leis gerais, da
redução do complexo ao simples, da busca da unidade. Em relação
à denominação “brasiguaio”, por exemplo, uma perspectiva essen-
cialista sugere que existe um conjunto de características partilhadas
e que não se alteraria ao longo do tempo.
Já para os paradigmas não-essencialistas, seria impossível, no
mundo contemporâneo, sustentar uma identidade una e homogê-
nea. Assim, busca-se revisar o conceito e incluir a probabilidade e a
124
irreversibilidade, o que permite uma abordagem da problemátia do
sujeito como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente,
mas fragmentada, complexa, instável (HALL, 2000; BHABHA, 2001,
SARUP, 2006; MOITA LOPES, 2002, 2003; CAVALCANTI, 2003).
Para a compreensão do conceito de identidade, busco em Certeau
(2001) os conceitos de estratégias e táticas. As estratégias permitem o
gerenciamento do tempo para garantir um lugar próprio, e assim se
valem de um saber em que um poder é a preliminar desse saber. Por
outro lado, as táticas, na ausência de um lugar próprio, se introduzem
de surpresa no lugar do outro, para aproveitar a ocasião. Seguindo essa
perspectiva, busco relacionar o conceito de identidade às estratégias e
o de identificação, às táticas. Explicando melhor, as rápidas e grandes
mudanças que ocorrem atualmente e as respectivas transformações
dos valores agregados a essas mudanças geram, consequentemente,
diferentes modos de integração, transformação, combinação, distorção,
isto é, de apropriação (CERTEAU, op.cit.), tornando difícil o surgimento
de identidades classificáveis, o que provoca também o deslocamento
constante das identificações. As identificações, como as identidades, tor-
nam-se então sempre complexas, provisórias, contraditórias e mutantes.
Por sua vez, as identificações engendram subjetivações que,
consequentemente, também não têm unidade nem fixidez primordial,
estão em eterno processo de (re)construção, nunca sendo a mesma
nem havendo nunca a possibilidade de um fechamento ou do retorno
a um princípio, constituindo-se um eterno devir.
Após as conceituações apresentadas, passo à análise da constru-
ção das identidades “brasiguaias” filtradas pelos olhares alheios, que
será realizada com base nas notícias divulgadas pela mídia impressa
e on-line, e também a partir do olhar da escola.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 125
comunicação numa construção encadeada que, ao contribuir para a
construção das identidades “brasiguaias”, acaba influenciando, sutil-
mente, o imaginário popular no sentido de rejeição aos “brasiguaios”,
com reflexos visíveis no contexto escolar.
Milhares de brasileiros que se deslocaram para o Paraguai têm
buscado fazer o caminho de volta, o que fez com se tornarem alvos
de um controle rigoroso das autoridades brasileiras que procuram
impedir sua entrada no país, negando-se a reconhecê-los como bra-
sileiros, como exemplificado no fragmento abaixo:
Excerto I –
126
conforme o texto, torna-se possível a leitura de que “brasiguaios” são
apenas os pobres e os negros. Para os demais, essa identidade não se
aplica, ou não há interesse em se aplicar, pelo menos por enquanto.
Embora a imprensa pretenda a neutralidade na veiculação de
noticias, seu papel é primordial na construção das identidades “brasi-
guaias” ao construir uma representação homogênea que colabora para
criar no imaginário popular uma determinada imagem estereotipada
dos brasileiros que migraram para o Paraguai, tanto daqueles que
permanecem no país vizinho como daqueles que estão retomando.
O resultado é a atualização de um estereótipo em que predomina
uma semantização negativa que os representa numa relação com
a pobreza, o fracasso, a invasão de terras, a causa de problemas
sociais, a exclusão, o desemprego, etc., tanto em um país como no
outro, que induzem a atitudes de rejeição e estigmatização por parte
da comunidade envolvente, o que pode, por sua vez, gerar uma au-
torepresentação nos mesmos moldes e, consequentemente, levar a
uma baixa auto-estima.
Maria Elena: Olha/ outra coisa/ quanto aos alunos do Paraguai/ como
você vê essa questão dentro da escola?
João: Olha/ sabe/é tão natural! é tão natural a quesito dos alunos
que vêm do Paraguai é tão natural que nós não temos/ pra ser bem
realista contigo/ que nós não temos nenhum projeto específico pra
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 127
cuidar dos alunos que retomam do Paraguai. [...] na questão das
línguas/o que está sendo muito discutido e valorizado é o quesito
de que o conhecimento de línguas estrangeiras modernas isso é
muito valorizado na atualidade/ então/ contando uma história//
chegou um aluno aqui na escola que o pai descreveu o seguinte//
nós somos de origem alemã/ eu voltei com os meus filhos de
colo ainda para o Paraguai/ lá no Paraguai eles aprenderam na
escola espanhol e guarani e traziam de casa como eu havia fala-
do o alemão e agora eu mudei pro Brasil/ no município de (X)/
estou aqui na tua escola e existe no currículo aqui o português/
é lógico NE/ e também o inglês// eu tenho um filho que entre
essas todas línguas o português pode não ser o mais forte dele/
então// o aluno falava alemão/ falava espanhol e guarani que
havia aprendido no Paraguai e agora// ele era muito pequeno
quando tinha ido pro Paraguai/ agora ele tinha que vir para o
Brasil aprender português e conhecendo o currículo tinha inglês/
então os professores quando ouviram a história eles ficaram
perplexos/ a professora de português chegou e disse “esse aluno
não sabe quase português”/ daí/ discutindo com as professoras
nós chegamos a uma conclusão que o que estava acontecendo
na vida daquele aluno não era um problema/ era um privilégio/
tendo em vista do que se quer na totalidade/ eu vejo que/e nós
estamos tentando desenvolver, que não saber desenvolver cor-
retamente o português// porque aprender o Espanhol/ porque
aprender o guarani no Paraguai não e um problema/ isso deve
ser visto como um privilégio/ então não existe aquela rejeição/
aquela discriminação/ aquele voto pro aluno paraguaio/ nós não,
francamente/ nós não temos o aluno/ eu não to querendo dizer
que o ensino no Paraguai é ótimo e que a realidade lá é bom/ que
o aluno que vem do Paraguai tá acima do nível dos alunos dessa
escola/ eu não estou querendo dizer isso/ só que nós temos uma
proposta de sensibilidade/ né/ eu acho que nós temos a obrigação
de valorizar de compreender o momento difícil daquela criança
daquela famí1ia e trabalhar essa quesito/ assim/ sem trauma/
sem tanta polêmica/ sem tanto rigor.
128
Os significados das interações vão sendo construídos conjun-
tamente, mostrando como as personagens agem em suas práticas
discursivas e constroem o mundo a sua volta (FAIRCLOUGH, 1995
A, 1995 B; MOITA LOPES, 2002, 2003; SARUP, 1996) e, consequen-
temente, suas identidades.
Considerando a narrativa acima, há um reconhecimento de que o
aluno “brasiguaio” têm algumas dificuldades, principalmente em relação
à língua portuguesa, o que leva à confirmação de que esse aluno é visi-
bilizado na escola pelos seus usos linguísticos. No entanto, parece não
haver preocupação dos diferentes segmentos da comunidade escolar com
a homogeneidade linguística, podendo esta escola ser vista como uma
exceção porque, além da atitude de compreensão em relação ao período
de adaptação necessário para a integração na escola brasileira, também
o bilinguismo dos alunos “brasiguaios” é visto como enriquecedor.
Como a cidade em foco foi colonizada principalmente por alemães
e italianos, compreende-se que haja uma valorização das línguas
correspondentes, muitas vezes ainda conservadas nos meios familia-
res. O interessante, no entanto, é a valorização do conhecimento do
espanhol e ainda do guarani, fato não muito comum na região. E, o
mais surpreendente é que se espera desse aluno a conservação da sua
complexidade linguística, ou seja, a prática linguística desses alunos
nem sempre é vista como uma anormalidade que é preciso normalizar,
o que contradiz a existência de um preconceito extremamente injusto
no contexto de fronteira.
Nas minhas observações, também não pude perceber a visibiliza-
ção do aluno “brasiguaio” em relação aos traços dialetais da língua
portuguesa, na oralidade. Uma possível explicação para o fato talvez
seja devido ao esvaecimento das fronteiras rural/urbana naquela lo-
calidade. Como a cidade é de pequeno porte, porém com terras férteis
e muito valorizadas e com um alto índice de renda per capita, tendo
uma economia baseada essencialmente na agricultura e na pecuária,
pode estar havendo uma valorização justamente dos traços dialetais
mais comuns ao meio rural.
Um fato que me parece relevante é que aqueles que voltaram
para a cidade e conseguiram se readaptar mantinham vínculos de
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 129
parentesco anteriores à ida para o Paraguai, ou já haviam anterior-
mente morado na cidade, o que significa terem uma ascendência
alemã e/ou italiana, já que estes constituem a base da colonização
do município. Por outro lado, aqueles que, por falta de estrutura
econômica ou por não terem vínculos na cidade, são estigmatizados
pela população envolvente, acabam retomando o processo migra-
t6rio. Como pude ouvir em entrevistas com moradores da cidade, os
problemas sociais do município são atribuídos a pessoas “estranhas”
que para lá têm-se dirigido.
A representação negativa do “brasiguaio” no entorno social tem
uma influência marcante na discriminação do aluno “brasiguaio” que
só consegue vaga para estudar na escola em foco. No entanto, nessa
escola em foco, além do aluno ser devidamente acolhido, também
consegue uma integração e consequente invisibilidade, ocupando a
posição privilegiada de estabelecido ao lado de outros alunos com a
mesma ascendência italiana e/ou alemã, em relação àqueles que, por
fazerem parte de grupos considerados de risco, como os que fazem
parte dos projetos sociais, podem ser caracterizados como outsiders.
Busco, nesta seção, ancoragem nas narrativas dos próprios “bra-
siguaios” que, construindo as narrativas, constroem a si mesmos.
Conforme Sarup (1996: 15) “identidade é uma história”
130
ço lugar lá quando eu tava lá eles entravam dentro de terra até com
soja dessa altura/ eles quebravam o soja e faziam barraco do lado do
soja/ invadindo terra dos proprietários/ gente que tinha escritura na
mão/ que pagou sua terra e as vezes até financiada pelo banco mas
eles num respeitavam como até boje não respeitam/ infelizmente eu
vejo muito amigo meu reclamando a respeito disso aí/ tá difícil pra
pessoa ter uma vida sossegada/ e agora mais a mais esses dias até
saiu uma conversa/ dizer que tão querendo afastar os brasiguaio ou
que seja qualquer imigrante/ distância de 50 km daqui da fronteira/
eles querem limpar/ agora eu não sei se vai acontecer isso aí/ tá no
Congresso/ uma coisa eu digo/ se acontecer vai dar muito sangue no
Paraguai/ na época quando eu morava no Paraguai o que aconteceu/
eles queriam 100 km afastado da fronteira/ mas na época que eu
tava lá aqueles brasileiros mais fortes/ aqueles proprietários mais
fortes/ eles vieram pra Cidade Del Leste/ Foz do Iguaçu/ onde eles
achavam/ eles compravam armamento e munição porque eles sabiam
que quem ia defender a pátria lá era eles/ num tinha quem defendia/
é o que vai tá acontecendo aqui/ para os brasiguaio no Paraguai/ se
não tiver uma pessoa política que interessa o brasileiro aqui pra se
entender com o Paraguai a respeito disso aí/ vai dar coisa terrível/
vai dar um combate terrível/ porque ninguém vai sair de dentro de
casa dele pra deixar outro entrar! Difícil uma pessoa chegar dentro
da casa do outro/ tocar o cara pra rua e ir morar/ num vai aceitar
né/ então é aonde que vai dar uma esbarrada muito feia/ então eu
acharia que o Brasil aqui/ os políticos brasileiros que nem agora/
para levar o conhecimento ao Paraguaio e tomar providência nesse
caso porque isso aí vai dar dor de cabeça pra o povo/ tanto dos
paraguaios como pros brasileiros que tão lá/ então tinha que tomar
uma providencia nesse caso//.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 131
mais fortes, da maneira como são posicionados (WORTHAM, 2001;
SARUP, 1996), podem fazer parte tanto dos antagonistas como dos
protagonistas, dependendo de ‘quem’ vão defender e quais interesses
estão em jogo.
Assim, a referência a brasileiros vai sendo construída de maneira
a englobar tanto os que vivem no Paraguai quanto os que vivem no
Brasil, como os políticos: pessoal [...] perseguido pelo próprio brasileiro;
brasileiro que quer vir embora; brasileiro lá tão sendo muito perse-
guido por campesinos de lá; proprietários, gente que tinha escritura
na mão; brasileiros mais fortes; uma pessoa política que interessa o
brasileiro; políticos brasileiros. Essa sequência, importante para a
argumentação do narrador no sentido de sensibilizar e conseguir a
adesão do interlocutor, culmina com a universalização em povo, de
um lado os brasileiros, e de outro os paraguaios, mas ambos como
possíveis vitimas do processo.
Já em relação a “brasiguaios”, é interessante observar que não se
consegue precisar, no mosaico apresentado, quem são. Seriam todos
os brasileiros que migraram para o Paraguai, inclusive os proprietários
mais fortes? Só os que são vulneráveis às injustiças? As identidades
construídas, das quais não se podem traçar linhas de fronteira de-
finidas, vão sendo compostas na contradição, na incompletude, na
complexidade.
Outra questão que chama a atenção nas entrevistas, e em parti-
cular nesta, é a referência à pátria. Num momento, trata-se da pátria
dos paraguaios: eu não vou dizer que eles não têm o direito de viver
a pátria deles. Depois, há referência a brasileiros mais fortes, aqueles
proprietários mais fortes [...] quem ia defender a pátria lá era eles/
num tinha quem defendia. Se de um lado a palavra ‘pátria’ é empre-
gada no sentido de país com fronteiras políticas definidas, de outro há
uma apropriação de sentido, sendo empregada para significar a posse
da terra (território), para além de qualquer fronteira. Parece possível
compreender essa diferenciação de sentidos como uma evidência de
que, para aqueles de origem rural, o sentimento de pátria está mais
relacionado à posse da terra, independente de fronteiras políticas.
A seguir, apresento a análise quanto à (in)visibilização das
132
identidades “brasiguaias” no contexto escolar, a partir dos olhares
para si.
Paulo: Como na minha sala/ pra eles já/ num sei porque eu sou
menino ou o que, né/ num sei, mas com ele não/ eles dão risadas
por qualquer coisa assim (referindo-se ao irmão Carlos que está
na 5ª série)/ quando eu lia né/ eles não davam risadas porque
eu puxava bem pro português/ ele é meio/ meio espanhol assim/
eles dããão risada/ (risos). Daí, né/ num sei se é porque ele é piá/
Maria Elena: Você fica bravo quando eles dão risada? Não? Não liga?
(o aluno responde negativamente apenas com acenos de cabeça)
Gabriel: 0 E e Y, é estranho//
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 133
Marcia: [É/ eles começavam a dar risada/ “ah! tá parecendo para-
guaia/ tá falando tudo errado”/ era bem assim/ sabe/ eu aprendi/
hoje é diferente/ o ano que vem vão tá bonzinho/ eles (referindo aos
dois irmãos, Paulo e Carlos) (risos)
Gabriel: Ano que vem vai tá tirando sarro dos outros// (risos)
Considerações Finais
134
Buscando responder à pergunta de pesquisa “investigar como são
construídas e (in)visibilizadas, na linguagem, as identidades de alunos
‘brasiguaios’”, duas construções se evidenciaram.
Por um lado, uma identidade “brasiguaia” com tendência essen-
cialista, construída e filtrada pelos olhares da mídia e pelo olhar da
escola, embora a complexidade subjacente possa ser vislumbrada.
Por outro, os olhares para si permitem trazer à tona a complexi-
dade que subjaz aos chamados “brasiguaios”, ampliando as possi-
bilidades para a percepção de estados híbridos e desvelando toda a
instabilidade, a fragmentação e a complexidade que permitem o sur-
gimento de novas identificações e possibilitam novas subjetividades,
eternos devires, possibilitando que não se veja a identidade como
inerente e constitutiva, mas como um processo sempre em fluxo.
Da mesma forma, também não há lugar para a linguagem enquanto
sistema homogêneo, mas em desequilíbrio, sempre heterogênea e em
constante transformação.
Assim, tanto no entorno social quanto no contexto escolar, as
identidades “brasiguaias” são visibilizadas principalmente pelas
práticas linguísticas: pela linguagem midiática; pelas práticas dis-
cursivas da/na escola; pela escrita e pela leitura dos alunos “brasi-
guaios”; pelas narrativas dos próprios “brasiguaios”. Assim, para se
invisibilizarem, procuram, justamente, apagar a linguagem híbrida
que os diferencia, o que confirma a crença no monolinguismo e
monoculturalismo brasileiro.
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138
GEOPOÉTICA TRIFRONTEIRIÇA
UM BESTIÁRIO DIGITAL NARRADO
EM PORTUÑOL SELVAGEM:
as breves narrativas transculturais de Bichos paraguaios1
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 141
completamente singular que se materializa em cada obra publicada
sob sua rubrica. Se um pidgin, se uma língua crioula, ou se apenas o
resultado de uma poética translinguística simultaneamente subversiva e
transgressora, não se sabe ao certo3. A questão que merece ser analisada,
entretanto, é que o portuñol selvagem e suas variantes autorais/idiole-
tais têm ganhado imenso destaque como fenômeno intelectual, como
proposta poética transgressiva, e como língua literária produtiva, parti-
cularmente no triângulo transnacional não necessariamente equilátero
formado pelas margens borradas do Paraguai, da Argentina e do Brasil:
142
com guerrilhas e traficantes de drogas colombianos e com redes
terroristas do Oriente Médio. Na maioria das vezes, não há provas
concretas, mas vagas alegações, como no caso de Ali Khalil Mehri,
um paraguaio naturalizado, nascido no Líbano, que estava sendo
processado por vender milhões de dólares em software falsificado,
cujo lucro foi alegadamente canalizado para o grupo islâmico militante
Hezbollah, no Líbano. Em consequência dos rumores das ligações
entre grupos dentro da comunidade árabe da cidade, composta de 12
mil membros e os ataques de 11 de setembro, uma rede de vigilância
transnacional sob a liderança americana vinha espionando aquela
comunidade (YÚDICE, 2006, p. 60-61).
5 Assinam a “Karta-Manifesto-del-Amor-Amor-en-Portunhol-Selvagem”:
Amarildo Garcia (El Domador de Yacarés), Aurora Bernardini, Carla Fabri,
Douglas Diegues, Lucy Yegros, Osvaldo Codas, Cristino Bogado, Diego Brom,
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 143
A carta obteve bastante atenção, mas foi apenas alguns meses depois
de redigida que alcançou uma grande divulgação, através de sua publi-
cação no jornal fluminense O Globo, no dia 17 de agosto de 2008. Na
Karta, não está presente apenas um libelo em favor da livre expressão
artística em portuñol selvagem, mas também um apelo para que os
presidentes brasileiro e paraguaio joguem ao fogo ritual guaranítico
o contrato bilateral da Itaipu-Binacional, e que escrevam outro, mais
igualitário e menos despótico:
Xico Sá, Walther Castelli Júnior, Silvana Nuovo, Ricardo Alvarez, Enrique
Collar, Alejandro Vial, Edgar Pou (El Pombero Tamaguxi), Fátima E. Rodríguez,
Charles A. Perrone, Jorge Kanese, Guillermo Sequera, Eli Neira, Fátima Pérez
C., Fabian Casas, Alai Garcia Diniz, Fredi Casco, Verónica Torres, Jorge Britez
(Bochin), Marisa Cubero, Aura Britez, Sérgio Medeiros, Dirce Waltrick do
Amarante, Claudio Daniel, Diana Viveros, Susy Delgado, Miguelángel Meza,
Luiz Roberto Guedes e Luis Serguilha.
144
De acordo com Diegues, o portuñol selvagem é “el primeiro non-
-movimento literário del mundo! El primeiro non-movimento post-his-
tóriko em movimento indeterminado e irredutível al pensamento único”
(DIEGUES, [s./d.]b). Ao responder sobre as origens do nascimento deste
“não-movimento literário”, Dieges afirma sem rodeios: “¿Sinceramente?
Nasceu como flor de la bosta de las vacas!” (DIEGUES, [s./d.]b). Nesta
afirmação, ressoam os ecos do projeto estético marginal do brasileiro
Glauco Mattoso expresso no poema “Manifesto coprofágico”:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 145
poético sofra um processo de reestruturação, que cabe ao tradutor,
no sentido de que este deve restituir ao máximo possível os efeitos de
sentido da estrutura original do poema na língua para a qual este está
sendo traduzido. Neste jogo de transposição semântica, o ofício do
tradutor é transformado em um processo de transcriação, na medida
em que o tradutor assume um papel de co-autor na reestruturação
dos sentidos via processo tradutório:
146
categoria lirikotráfico que se pretende analizar as pequenas narrativas
do bestiário Bichos paraguaios, de Douglas Diegues.
O bestiário paraguaio narrado por Diegues é composto por cinco
pequenas narrativas, ademais de um post introdutório, que recupe-
ra entidades míticas do imaginário guarani (à exceção da figura das
quinceañeras, advinda da tradução popular paraguaia) e as reconstrói
dentro do imaginário triplefronterizo do portuñol selvagem. Para além
de uma simples recuperação do imaginário guarani, nestas pequenas
narrativas, Diegues hibridiza a matriz guaranítica com imagens, valores
e enunciados relacionados às mitologias contemporâneas que enxergam
no Paraguai um paraíso de traficantes, oportunistas, contrabandistas e
marafonas. Espécie de jardim zoológico pós-moderno, através de cada
um destes Bichos paraguaios o leitor é levado a ler a permanência do
imaginário dos povos originários da América Latina nas figuras e estereó-
tipos culturais acerca dos paraguaios que circulam pela Tríplice Fronteira:
Bichos paraguaios
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 147
personagens arquetípicas conhecidas in loco, “du outro lado de la
fronteira, en las selvas de meu Paraguai, selvas de mi corazom”. O bes-
tiário, pensado como gênero literário, pertence a uma longa tradição
que remonta à Baixa Idade Média européia. Consistia basicamente de
enumerações e descrições de bestas, reais ou imaginárias, bem como
dos ambientes nos quais habitavam, dos seus hábitos alimentares e
das relações que estabeleciam com o ambiente, com outras bestas e
com os homens. Foram muito comuns entre as classes monásticas
medievais e, em função disso, não raro eram acompanhados de algum
tipo de mensagem moralizadora.
Ademais disso, cumpre assinalar que dois dos mais destacados
e celebrados escritores latino-americanos pertencentes ao período
do boom – Julio Cortázar e Jorge Luis Borges – apropriaram-se da
estrutura do bestiário em suas poéticas autorais. Bestiário (1951) é
o primeiro livro de contos de Cortázar publica utilizando seu nome.
Borges, por sua vez, publica em parceria com Margarita Guerreiro,
em 1957, o Manual de zoología fantástica7. Em 1958, o mexicano Juan
José Arreola publica Punta de plata. Em 1967, Nicolás Guillén publica
em Cuba El gran zoo, e Martha Paley de Francescato publica, em 1977,
Bestiario y otras jaulas. Estas obras, emblemáticas para a compreensão
do realismo mágico latino-americano, ressoam no projeto de Douglas
Diegues, em especial pelo elemento estilístico que este conjunto de
releituras do bestiário medieval compartilha: uma escrita literária que
criptografa a esferas do político sob o recurso da expressão alegórica.
O Kurupí é o primeiro dos deuses guaraníticos ancestrais abordado
no bestiário de Douglas Diegues. Trata-se de uma divindade associada
à masculinidade, à fertilidade e à virilidade masculinas (Figura 1).
Segundo a mitologia guarani, o Kurupí possui um membro exage-
radamente longo. A estatuária tradicional em madeira dos santeros
paraguaios costuma representar esta criatura com o pênis enrolado
e amarrado à volta da cintura, como um laço. Kurupí é o senhor
148
das selvas e dos animais silvestres e, no imaginário popular, diz-se
que costuma sequestrar mulheres, bem como jovens e crianças de
ambos os sexos, os quais eram laçados e marrados com o seu longo
membro viril (GONZALES TORRES, 2010, p. 71). Ao longo dos regi-
mes de exceção que se sucederam na história do Paraguai, o Kurupí
era responsabilizado pelos desaparecimentos de mulheres e jovens.
A existência da criatura era comprovada em função dos corpos viola-
dos que não raro eram encontrados nas bermas das estradas8.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 149
crença de que quando o Kurupí descansa ou dorme em um roçado de
mandioca, os tubérculos que estão logo abaixo dele crescem desme-
suradamente (GONZALES TORRES, 2010, p. 75). O Kurupí “tiene por
hábito perseguir a las mujeres que andam solas fuera de casa, por la
capuera, por el campo o el bosque o buscando leña; las atrapa con el
miembro viril que usa como lazo, las posee o las deja enloquecidas
o muertas” (GONZALES TORRES, 2010, p. 75). A única maneira de
se ver livre do abraço sádico do Kurupí é cortar-lhe o membro, de
maneira que o Kurupí perde assim todo o seu poder (GONZALES
TORRES, 2010, p. 76).
Na breve narrativa que dedica ao Kurupí em Bichos paraguayos, tal
qual na versão da tradição oral, é o membro descomunal e a virilidade
assustadora que caracterizam este duende das matas triplefronterizas:
U KURUPI
Non hay tamanho oficial. Los tamanhos variam de Kurupi pra Kurupi.
Nunca se sabe al cierto. Non hay estudios científicos. Pero se sabe
(en Paraguay também se sabe una porrada di cosas) que la verga dus
Kurupis son exageradamenti longas.
Los putos ficam encantados. Las putas ficam assustadas. Las mininas
birgens lo idealizam um poko nomás. Pero todos. Todos en Paraguay
les respetam a los Kurupis. Putaquelospariu qué muchos estragos
pode fazer um Kurupi com su enorme verga dura!
150
mininos que também se apasionam por ele. Ele non precisa penetrar
los mininos y mininas com sua verga. Para satisfazer suos instintos
sexuales, para gozar como um homem di verdade, basta-lhe encostar
la glande grande y cor de rosa en la piel, en el cuerpo, en la flor de
los lábios de los adolescentes ainda belamente imaturos.
Ele já foi visto andandu di duas pernas. Mas también ya fue visto
caminando di quatro pernas arrastrando su enorme verga por la calle.
Dizem que u Kurupi tem poderes especiais. Tem uma forza espantosa.
Y hay los que creen que ele es un duende protetor de los enamorados
y de las mulheres embarazadas.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 151
descrito exatamente por Diegues, que tão somente levanta especulações
a partir do ouvir falar a respeito: “[n]on hay tamanho oficial. Los tama-
nhos variam de Kurupi pra Kurupi. Nunca se sabe al cierto”. À ausência
de estudos científicos (ironicamente invocados como fonte legítima de
saber acerca de seres imaginários), é mobilizada a sabedoria popular
como discurso de verdade acerca dos membro gigantesco do Kurupí:
“[n]on hay estudios científicos. Pero se sabe (en Paraguay também se
sabe una porrada di cosas) que la verga dus Kurupis son exageradamenti
longas”. Finalmente, não apenas o tamanho do membro do Kurupí é
considerado como unanimidade; unãnime também é o fato de que
ninguém consegue ficar indiferente diante de um Kurupí: “[l]os putos
ficam encantados. Las putas ficam assustadas. Las mininas birgens lo
idealizam um poko nomás. [...] Las mininas nunca imaginaram que
un monstruo paraguayo podria ser un cara legal”.
O segundo dos bichos imaginários elencados por Diegues é o Aô-
Aô (Figura 2). Aô-Aô, deus que habitava os morros e as montanhas,
era também associado à fecundidade, tal qual o Kurupí.
152
De acordo com a mitologia guaranítica, deixou imensa descen-
dencia sobre a terra, e era considerado caníbal (GONZALES TORRES,
2010, p. 71). Este ser mitológico é descrito como tendo o aspecto de
uma ovelha, mas não uma ovelha qualquer, e sim uma ovelha armada
com poderosas e terríveis garras (GONZALES TORRES, 2010, p. 76).
Trata-se de um “lobo em pele de cordeiro”, um monstro carnívoro
disfarçado de ser inofensivo:
AÔ-AÔ
Há quem diga que los Aô-Aô non existem. Dizem que son personas,
homens, mulheres, advogados, autoridades, gente que se fantasia de
ovelha pra disfarçar sua fome insaciável di carne crua.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 153
Devorar u corazom ainda caliente de suas vítimas, eis la alegria
impagáble dus salbajes Ao-Aô du Paraguay.
Por que? Porque las palmeiras azules, las Pindovy, es u único árbole
que us Aô-Aô respeitam. Las outras árvores eles non respeitam. Y
cavam, com suas garras pontudas, cavam ao redor da árvore, até
derrubá-las y deborar aquellos que nela se refugiabam.
Aô-Aô, é tudo que dizem, é tudo que sabem dizer. Aô-Aô, duas letras
antiguas, duas sílabas salbajes.
Quem diria, por trás de esas sílabas infantiles, Ao-Aô, de essas caras
di ovelhinas ingênuas, Aô-Aô, se escondem monstruos carnívoros
capaz de roubar tuo corazom y devora-lo, assim, crudo y quente,
fumegante, pulante, Aô-Aô, com gosto enferrujado di sangue.
154
alimentam da energia de seus parceiros. A imagem do “lobo em pele
de cordeiro”, remetendo a uma espécie de travestismo cultural, pode
ainda ser lida, em um nível mais profundo, como uma alegoria da per-
manência da cultura dos povos originários e da cultura guarani, de forma
disfarçada e dissimulada, como presença fundamental na constituição
da identidade nacional paraguaia, em uma linha argumentativa que não
deixa de lembrar, de certo modo, as críticas ao modus vivendi paraguaio
presentes na obra de Helio Vera, em especial nos ensaios En busca del
hueso perdido: tratado de paraguayología, ou o olhar antropológico de
Saro Vera em El paraguayo (un hombre fuera de su mundo).
O Pombero (Figura 3), por sua vez, é considerado por alguns
folcloristas como um mito recente no imaginário paraguaio/guarani:
“[e]ste mito o leyenda no debe ser muy antiguo porque la palabra
Pombero no es guarani, ya que no se encuentra en los textos antiguos”
(GONZALES TORRES, 2010, p. 78).
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 155
Gonzales Torres levanta a hipótese de que o mito do Pombero esteja
associado aos bandeirantes brasileiros que adentraram as regiões para-
guaias do Guairá e do Alto Paraná. Em português, pombeiro equivale
a “espião policial”, “alcaguete”. O mesmo Gonzales Torres lembra
que, ao longo da guerra do Paraguai, pombero era o termo utilizado
para se referir a “los hombres astutos y valientes que se deslizabam
a través de las líneas enimigas” (GONZALES TORRES, 2010, p. 78).
Costuma-se acreditar também que o Pombero tem o hábito de possuir
as mulheres que dormem ao ar livre nas noites de verão. Também a
ele são atribuídos raptos de mulheres que, quando conseguem dele
fugir, retornam grávidas às suas casas. Quando responsabilizado pela
gravidez de jovens virgens, o Pombero ser visto como arquetipicamente
análogo ao mito amazônico do boto, que costuma ser responsabilizado
pela gravidez das jovens solteiras ribeirinhas:
U POMBÊRO
Sobre a mesa estudo agora uma foto dum Pombêro fornicando una
dulze senhora européia de passagem por Assunção. Quem me passou
la foto fue la jornalista especializada en assuntos de la carne Cristina
Livramento. En la foto u Pombêro faz pose de importante magistrado
enquanto fode la dulce senhora.
156
En otras versiones, Pombêro es presentado como um bicho alto,
magro, de chapelón de palha, protetor de los passarinhos, amigo
de los sapos, rancoroso, um bicho que non se vinga diretamente de
sus opressores, mas pode deixar o cachorro deles bobo pra sempre.
Como se puede notar, Pombêro non passa frio. Ele ya nasceu di casa-
co. Casaco de pêlos. Pronto para enfrentar los inviernos mais salvajes.
Quem diria, los monstruos também sabem beijar na boca. Los mons-
truos também son carinhosos.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 157
Moñai, na mitologia guarani, era considerado o deus dos campos
abertos, dos ares e das aves (Figura 4). Era considerado também o
protetor dos roubos e das picardias, o que permite que esta figura
arquetípica seja associada ao deus Mercúrio da mitologia romana,
ou ainda, com o Hermes olímpico. Monãi pode escalar as árvores
com facilidade, e alimenta-se dos pássaros que paraliza com o poder
hipnótico das duas antenas que possui no alto da cabeça.
158
DOMINGO, ABRIL 23, 2006
LAS MOÑAI
Pelos brejos, pelos pantanales, pelos lagos sujos, pelos esteros, pelos
rios anônimos, se escondem, se ocultam, se disfarçam, us Moñai, las
Moñai, esses horripilantes bichos dúbios, duas caras, duas farpas na
cabeça y dentes pontudos.
Mas, para que sirvem las Monãi? Para assustar? Para divertir? Para espan-
tar? Para afastar personas indesejáveis? Para despistar? Para horrorizar?
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 159
acréscimo importante ao atualizar o imaginário em torno de Moñai.
Um primeiro elemento importante é que ele fala das Moñai no plural,
e não no singular, utilizando o arquétipo para falar de uma categoria
de seres, mas do que de um ser em especial. Em seguida, ao associar
as Moñai às “moças belas y simpáticas” com as quais são por vezes
confundidas, fica evidente que o autor se utiliza do mito para falar
das mulheres que casam por interesse. Não apenas das mulheres, mas
também dos homens que se casam apenas por interesse, o que fica
evidente no momento em que o autor vacila na descrição do gênero
de Moñai: “[pelos brejos, pelos pantanales, pelos lagos sujos, pelos
esteros, pelos rios anônimos, se escondem, se ocultam, se disfarçam,
us Moñai, las Moñai, esses horripilantes bichos dúbios, duas caras,
duas farpas na cabeça y dentes pontudos”. Em seguida, ele qualifica
as Moñai de “monstruo com buceta”, ao falas dos ingênuos que caem
nas trampas dstes seres maléficos e interesseiros: “[a]lgunos imbeciles
chegam a se casar com moças belas y simpáticas. Mas quando se dan
cuenta, já es tarde. Se casaram com una Moñai. Non hay mais nada
a fazer. Se casaram com un monstruo. Um monstruo com buceta”.
Finalmente, encerrando seu bestiário pantanoso dos arredores do
Rio Paraná, Diegues inclui no seu rol de bichos e monstros errantes das
cercanias a imagem da Quinceañera (Figura 5). O ritual de passagem
conhecido no Brasil oitocentista como début ou festa de debutantes é
tradicionalmente associado a uma convenção social da nobreza euro-
péia, e consiste em uma celebração do aniversário da menina debutante,
que ao completar quinze anos deixa de ser uma criança e passa a ter
uma existência social na comunidade. O termo debutante é uma cor-
ruptela da palavra francesa débutante, cuja acepção literal é estreante,
iniciante. Nestes termos, a festa de début é muitas vezes vista como a
apresentação da jovem moça, que passa a ter o direito de frequentar as
festas e eventos sociais, e a ser cortejada pelos jovens solteiros das famí-
lias importantes. Tradicionalmente, a menina debutante recepcionava
os convidados com um vestido muito simples, de cor clara e cheio de
detalhes infantis e, após a meia-noite, abria o salão de danças com um
vestido de gala. A tradição da troca do vestido à meia-noite simboliza
o final da infância e a entrada da menina na vida de mulher adulta.
160
Figura 5. Cartaz de divulgação do filme Quinceañera (2006), direção e roteiro
de Richard Glatzer e Wash Westmoreland. Imagem disponível em: http://
www.imdb.com/media/rm4206334464/tt0451176?ref_=tt_ov_i.
Acesso em: 14 de janeiro de 2014.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 161
era carregada por uma mulher mais velha até a casa do futuro ma-
rido, sendo então entregue simultaneamente à família do marido e
apresentada à comunidade.
LAS QUINCEAÑERAS
162
Bellas mininas salvajes, las tetas siempre duríssimas, morenas, claras,
rosadas, pura rebeldia, pura juventudi, pura magia de la vida, pura
rebeldia di tetas duríssimas.
Quieren saber tudo, quierem aprender todo, quierem ler tudo, querem
mamar todo, querem chupar inteiro, querem beber toda la leche,
querem si embriagar di leche y miel salvaje.
Con ellas aprendi que viemos ao mundo para nos alegrar, nos mara-
billar, nos encantar com la miel di suos sexos, non para perder tempo
com problemas idiotas.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 163
o formato blog, e que se encontra abandonado nas infovias pelo seu
próprio autor? Um caminho seria pensar estes impromptus narrativos
como restos do processo criativo do autor, abandonados nos caminhos
digitais que se bifurcam ad aeternum. Outro, que me parece mais
interessante, é pensar Bichos paraguaios como um exercício limite de
questionamento do objeto livro como suporte para o discurso literário
na contemporaneidade. Em tempos nos quais as edições artesanais,
alternativas e subversivas das editoras cartoneras tornam-se objeto de
desejo cult, abrir mão da materialidade do livro seja, talvez, um gesto
de desprendimento absurdamente subversivo. Mas, para retomar uma
estratégia discursiva à la Michael Ende, esta é uma outra história, e
terá de ser contada em outra ocasião.
Referências bibliográficas
CAMPOS, Haroldo de. Pedra e luz na poesia de Dante. Rio de Janeiro: Imago, 1998.
164
introductorios y traducciones de Adrián Recinos, Antonio Mediz Bolio, Francisco
Monteverde, Alfredo Barrera Vásquez, Dionisio José Chonay. Caracas: Biblio
teca Ayacucho, 1980.
ENDE, Michael. A história sem fim. 5. ed. Trad. Maria do Carmo Cary. São
Paulo: Martins Fontes, 1990.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 165
MATTOSO, Glauco. Memórias de um pueteiro: as melhores gozações de
Glauco Mattoso. Rio de Janeiro: Edições Trote, 1982.
166
NOTAS PARA REPRESENTARSE
Decires en frontera
Damián Cabrera1
(Seminario Espacio/Crítica – Paraguai)
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 167
–y luego para Rivarola-Matto y Roa Bastos – era escenario de explo-
taciones en los obrajes, bajo el yugo de la Industrial Paraguaya o la
Matte-Laranjeira. Un virus ataca la corteza de una célula en un ángulo
particular, prolifera en ese recodo de su dermis hasta que la perfora,
entra, hace estragos; así, el monocultivo extensivo que ya no tenía
hacia dónde en el Brasil se abrió camino por Canindeyú, y a lo largo
de toda la frontera, y más tierra adentro, cada vez.
El autodenominado “sector productivo” del Paraguay: El bos-
que es la rémora de su “progreso”, una representación stronista
que ha sido eternizada por el discurso del sector y el discurso de
los medios corporativos de comunicación. Ahora, el bosque es se-
ñalado como escondrijo del EPP (el grupo guerrillero denominado
Ejército del Pueblo Paraguayo); más una negligencia al restarle
peso al pasado poniendo en clave de insólito lo que ha sangrado
sobre la memoria.
El infierno: laberinto y desierto verde, despoblado, susceptible de
políticas de colonización desde ambos márgenes del Paraná. Más de
cien años de disputas transitan el territorio altoparanaense, entre in-
dígenas, campesinos y terratenientes –de nacionalidad heterogénea-.
El espacio fronterizo altoparanaense tiene sus claves de lectura en
un complejo de tres íconos constituidos por la represa hidroeléctrica
de Itaipú, la Ruta Internacional Nº 7 “Dr. José Gaspar Rodriguez de
Francia” (que une Coronel Oviedo con Ciudad del Este) y el Puente
de la Amistad. Estos tres elementos modernizadores de la región,
además de ser infraestructura constituyen artefactos simbólicos que
inauguran un nuevo tiempo y reestructuran la vida local. Estos arte-
factos inauguran, además, la marcha hacia el Este, desde el interior
del Paraguay, y la marcha hacia el Oeste, desde el Brasil, que termina
permeando su exterior.
Esto genera disputas territoriales, pero que no se reducen a la
disputa por la tierra. Bajo la apariencia de una dicotomía brasile-
ños/paraguayos propagandística se disimula la naturaleza de las
oposiciones: la lucha por los sistemas de producción; y no sólo de
producción económica sino también simbólica, y sus mecanismos
de puesta en circulación.
168
La ciudad nueva es de paso pero también de visita, y allí prolifera
el contrabando como negocio típicamente militar y de la clase política
stronista hasta principios de los 90; cuando, por decirlo de alguna
manera, se democratiza. En su novedad hay lugar para ocupaciones
temporales, pero el trabajo informal e ilegal sobrevive al crecimiento
explosivo, y lo temporal se vuelve permanente.
La visible presencia de otras colectividades puede hacer pensar
en más un mito que se autoconsume: la integración multiculturalista
y las coexistencias armónicas; pero lo diferente existe hostilmente
sobreviviendo su espacio según sus potencias.
En la lucha por los sistemas de producción económica, la produc-
ción simbólica tiene poca visibilidad. En principio porque las políticas
de institucionalización y las prácticas ministeriales están ausentes,
pero también porque cualquier emprendimiento independiente debe
abrir, cada vez, su propio espacio para acontecer; y éste se cierra,
cada vez, dejando una cicatriz imperceptible.
Frontera
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 169
lingüísticas ¿dicen algo? Pensás, además, en el hecho de que la imagen
de la frontera esteña está atrapada en medio de las estereotipaciones,
construidas, principalmente, desde los medios de comunicación.
Didi-Huberman cita a Karl Krauss, quien reflexiona sobre la verdad
y sobre el supuesto de objetividad de las informaciones ofrecidas por
los medios periodísticos: “no hay otra objetividad que una objetividad
artística. Sólo ella puede representar un estado de cosas de manera
conforme a la verdad” (DIDI-HUBERMAN, 2008, p. 21). Pero en este
espacio, reciente en tanto cómo es reconocido, las representaciones
que buscan nombrarlo desde la poesía son apenas incipientes; creés
reconocer, sin embargo, en cierta literatura, especialmente en aquella
que ejerce su experimentación en una escena fronteriza imaginada,
las señales de una forma que dice una verdad sobre él.
Al decirse, estas voces poéticas oponen no sólo una imagen alter-
nativa del lugar, sino transparentan en su forma los procesos que lo
atraviesan. Esta imagen podrían leerse como el reverso de las represen-
taciones autoritarias que atestan el espacio vacío del nombre propio, el
cual, en un territorio falto de memoria colectiva plenamente consciente,
no tiene asignación imaginable. El ejercicio de la mezcla, que quizás
valga más como acto que por lo que se dicta en su decir, se asemeja
a la posición del híbrido cultural en tanto actor político que confunde
los artefactos de reconocimiento y discriminación. Así como la hibridez
hace tambalear las posiciones de la autoridad colonial y de la contes-
tación de la diferencia, las palabras que estas voces poéticas profieren
podrían activar mecanismos para tornar fluctuantes algunas posiciones:
170
y Ka’arendy hoy honran con su nombre a Juan E. O’Leary y a Juan
León Mallorquín, respectivamente. Y Ciudad del Este se llamaba
Puerto Presidente Stroessner. Atravesados por el nombre plural, hay
desde una primera mirada la impresión de una atmósfera inquieta,
inestable y perversa.
Interferencia
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 171
deseando un diálogo con los otros lugares desde los cuales se (des)
traba una lucha en los campos semánticos y en las territorialidades
superpuestas de las lenguas; por ejemplo, en la escritura, en particular
en un tipo de escritura: la literaria.
Partís del supuesto de que la articulación, en un mismo espacio dis-
cursivo, de dos lenguas con cargas semánticas e ideológicas distintas
operaría como un montaje –no sólo de imágenes o puros enunciados,
sino también de ficciones – capaz de hacer decible una experiencia,
habilitando nuevas formas de subjetividad y redistribuyendo posicio-
nes en el orden discursivo pero también político.
Si como sugiere Rancière en La distribución de lo sensible la escri-
tura destruye los cimientos “legítimos” de la circulación de la palabra,
¿qué desarreglos en la manera de imaginar identidades y la adminis-
tración de territorios y cuerpos en un espacio común propondría el
montaje de un discurso literario en el cual lenguas –tanto colonizantes
como colonizadas – se interfieren mutuamente? Y, finalmente, ¿qué es
lo que convocaría este discurso, y qué es lo que conjura y desregula
o legitima las voces de quienes se escriben en esta clave?
172
menor de una lengua mayor, el empleo desubicado de una lengua, la
dislocación de la lengua de su estado habitual. Así, continúan diciendo
Deleuze y Guattari, lo que en primera instancia caracterizaría la litera-
tura menor es que “el idioma se ve afectado por un fuerte coeficiente
de desterritorialización” (DELEUZE, 1978, p. 28).
Pero el ejercicio que efectúan escritores como Jorge Canese, así
como otros varios autores en cuya escritura se despliega una zona de
interferencias lingüísticas (Wilson Bueno, Néstor Perlongher, Paulo
Leminski, Douglas Diegues, por ejemplo), excede la radicalidad del
uso menor de una lengua mayor y extrema la desterritorialización de
las lenguas al montar, sobre un mismo espacio discursivo, la suma de
acentos y de claves en una acción socarronamente contaminadora. Lo
que tiene más visibilidad en esta poesía no son las imágenes que el
significante hace parpadear cuando se leen o se pronuncian las pala-
bras, sino un gesto: el movimiento desarreglador de los espacios; un
traspapelar ese primer montaje que de hecho constituye la superposi-
ción de territorios lingüísticos; un golpe sobre la desmemoria orgánica
de los cuerpos con relación a sus espacios previos que produce una
nueva amnesia territorial: no una que niega el orden actual de las
posiciones, sino una que hace caso omiso a tal orden.
Decís: Las características del mapa diglósico del Paraguay obsta-
culizan la posibilidad de que los sujetos hablen en cualquiera de las
lenguas, se digan profiriendo palabras o escribiéndolas en cualquier
lengua. “En consecuencia, un pueblo que se des-lengua es un pueblo
que se des-piensa, se des-dice y, finalmente, se des-hace”, dice Melià,
y agrega que “el alingüismo es por desgracia un fenómeno posible”
(MELIÀ, 1997, p. 39).
Deleuze y Guattari hablan del valor colectivo de la literatura
menor. En los usos menores de una lengua mayor habría pocas
condiciones para profusas producciones de calidad, habría dificul-
tades para individualizar al sujeto del enunciado como “maestro”,
y, por lo tanto, la escritura menor iría en una dirección opuesta:
hacia una expresión de acción colectiva: “lo que el escritor dice
totalmente solo se vuelve una acción colectiva, y lo que dice o hace
es necesariamente político, incluso si los otros no están de acuerdo”
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 173
(DELEUZE, 1978, p. 30). Pensás: En Paraguay toda literatura sería
una literatura menor, puesto que éste sería un uso subalterno de
las lenguas mayoritarias, tanto en cuanto a la cantidad de hablantes
como a las posiciones a las que las lenguas están consignadas. No
hay, pensás, hablantes plenamente competentes, y no habría, salvo
detrás de la autoridad de algún nombre, una escritura magistral.
Pero oponés la atmósfera afásica de apariencia terrorífica que Melià
anticipa a una consternación de otro orden: Más que las palabras,
más que los significados cuya persistencia se vería amenazada con
la desaparición de los significantes que los nombren, te aterra el
destierro de las funciones del lenguaje; al expropiarse una función
lingüística de una lengua, los que hablan y piensan en esa lengua
estarían deportados de la posibilidad de desarrollar plenamente su
subjetividad. Pero hay una expectativa: El colectivo des-hecho por la
afasia podría eventualmente tener la oportunidad de re-imaginarse.
No hay literatura mayor, pensás, pero hay escrituras marginales.
174
El fenómeno de mezclas translingüísticas en la literatura de
Paraguay empezaba a llamar la atención tanto de académicos como de
críticos en diversas universidades de Latinoamérica, Estados Unidos
y Europa; pocos años después se suscitarían publicaciones de anto-
logías y realización de congresos en los cuales este fenómeno estaría
en el centro de las discusiones. El escritor Jorge Montesino asumía
que Colmán Gutiérrez no sólo no quería quedar fuera de esa vibrante
escena que empezaba a agitarse en el Paraguay, sino que también
se estaría adjudicando una suerte de pionerismo en la cuestión de
mezclas entre el castellano, el portugués y el guaraní. A raíz de esto,
en febrero de 2008 escribe en su blog:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 175
adscribían al “portunhol selvagem” veían las interferencias lingüísti-
cas como instancia creativa, y montaban una zona de interferencias
que no respondía a los mecanismos ni a las economías del lenguaje
coloquial. Por otro lado, Andrés Colmán Gutiérrez –y el mismo Jorge
Montesino, que cuestiona su nota– representaban en sus textos el
habla coloquial, las contaminaciones que la oralidad creativa producía.
Cabe señalar, sin embargo, que tanto Canese como Douglas
Diegues, Edgar Pou (quizás en menor medida Cristino Bogado), eje-
cutan estas interferencias creativas primordialmente en la poesía y
excepcionalmente en la narrativa.
Tengo nombre
176
grupos sociales de procedencia diversa que la han elegido como hogar
o como lugar de paso en su tránsito hacia dónde; y que en la última
década ve una explosión en slow motion de subjetividades que de-
sean inscribirse en el espacio, hacerse cuerpo; produciendo sentido,
significando, para que el hogar elegido sea un hueco a la medida del
que lo habita.
Pero un espacio abierto a múltiples subjetividades, grupos sociales,
naciones –una escena con mapas y territorialidades superpuestas – es
susceptible de tensiones, porque, en sus intentos por consolidarse
en la escena, los anhelos ajenos pueden chocar con los de uno, y
cuando no es posible encontrar la coincidencia la tolerancia parece
comprometida.
Las pujas por la producción y puesta en circulación de los sentidos
se hallan inscriptas en un entramado que se complejiza al contemplar
la diversidad lingüística en la que se llevan a cabo; el escenario es
polifónico, y podría hacer pifiar la voz única de una autoridad altiso-
nante que opacara las demás voces; sin embargo, existen presencias
autoritarias más audibles cuyos sentidos subordinan la producción
de grupos subalternos.
En ciertos campos semánticos, la conjunción poder económico,
una determinada lengua, y la capacidad de agencia constituyen una
nueva fuerza que aparece no sólo colonizando los otros sentidos sino
como autoridad colonial de hecho.
La dicotomía castellano/guaraní, en su relación diglósica, cobra
otros matices frente a la presencia del portugués principalmente, y en
menor medida frente a algunas lenguas indígenas y diversas lenguas
de las colectividades de inmigrantes en el Alto Paraná.
El portugués como lengua del coloniaje disloca los sentidos y
consolida una ideología que se halla implícita no necesariamente en
la lengua sino en el modo de hacer y estar de una Mayoría de sus
hablantes –mayoría no en el sentido de cantidad sino en señal de su
fuerza autoritaria-; en el habla cotidiana las señales de esta dislocación
ofrecen oportunidades creativas –porque siempre ha habido mezclas,
y la idea de “pureza”, de identidad previa impoluta es un construc-
to muy fácil de desestabilizar-, pero también construye relaciones
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 177
subordinantes y hace que el hueco del hogar elegido sea habitable
sólo de una manera, excluyendo otros modos de estar en el lugar.
¿Calificarlos como mejores o peores? ¿Cómo puede la tierra no
ser suficiente para modos de hacer “poco productivos” en manos
de poca gente y a su vez ser insuficiente para prácticas “altamente
productivas” en manos, también, de poca gente?
Distancias
178
capturar, y que sólo podés conocer mediante una traducción. Querés
imaginar la distancia de esa sonoridad, el silencio que inscribe, a la
manera en que Rancière piensa la distancia entre el ignorante y el
saber del maestro. Conocer para:
Leés estos textos y en ellos se cifra una tensión real. Hay una
referencia que aparece distanciada y se nombra oblicuamente –como
nombra la poesía, pero como nombra el lenguaje en general–. Pensás
en Derrida quien sugiere que a veces el silencio puede devenir voz,
la interrupción de la alocución como la propia alocución, pero quizás
otra cosa: este montaje podría transgredir las posiciones consignadas
a las mismas – cifradas en el estatus y en la jerarquía–, no sólo en
un objeto como lo es el libro, canonizante del decir, sino en el lugar
donde se elabora toda habla: un territorio.
No siempre te resulta posible leer los significados. Los signifi-
cantes, sin embargo, son altisonantes, hablan más fuerte: antes que
la imagen de un espacio, la forma de la poesía puede representar
el tenso movimiento de los signos, las posiciones, los poderes, los
espacios fronterizos. Son el otro nombre, el apodo de un lugar: igual
que el polvo.
BIBLIOGRAFÍA
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 179
DIDI-HUBERMAN, Georges. Cuando las imágenes toman posición. Madrid:
Antonio Machado, 2008.
180
LEITURA IMAGINÁRIA DA TRÍPLICE FRONTEIRA
1. Introdução
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 181
contemporâneas, tão fortemente marcadas pelas transnacionalizações
e pelas migrações – o que demanda novas concepções para a relação
antes tão estreita entre cultura e território.
De fato, em qualquer cidade do mundo existem fronteiras que
demarcam, por exemplo, bairros como territórios sociais diferentes;
ou seja, através do conceito de fronteira podemos explorar quaisquer
linhas divisórias entre grupos ou classes sociais. E, em última instân-
cia, até mesmo a antiga discussão sobre a alteridade também poderia
pensar a relação entre o eu e o outro baseada na ideia de fronteira
como a membrana que separa e ao mesmo comunica os indivíduos,
como afirma Ainsa na epígrafe acima.
No entanto, as fronteiras geográficas acumulam todas estas
possíveis concepções de fronteira (entre grupos, classes, territórios
ou indivíduos) embora levando o seu potencial divisório e também
transgressor (os dois extremos que a configuram) a um nível maior
de intensidade. Ora limitar-se na fronteira e ora transgredi-la – de
maneira concreta ou simbólica – são movimentos que formam a
dinâmica pendular e ambígua da realidade mais cotidiana de quem
habita uma região de fronteira geográfica.
Portanto, torna-se cada vez mais necessário problematizar o con-
ceito mais simples de fronteira como construção geográfica que define
uma linha divisória entre nações, e que se sobrepõe a imaginários
e processos históricos compartilhados, impondo restrições territoriais e
identitárias voltadas ao Estado Nacional. A esta abordagem1 devemos
somar outra forma de entender a fronteira como lugar de passagem,
trânsito e circulação de mercadorias, seres, ideias, línguas e práticas
sociais que criam novas territorialidades, ou seja, novas paisagens
(Santos, 2008) com características próprias e particulares. O limite
imaginário da fronteira em contraposição à prática social articulatória
que gera hibridações em diversos âmbitos culturais.
2. Fronteiras e Cultura
182
como “o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais
e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é
o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimen-
to de pertencer àquilo que nos pertence.” A tal espaço de identidade
associava uma “solidariedade orgânica”, marcada por “solidariedades
horizontais internas, cuja natureza é tanto econômica, social e cultural
como propriamente geográfica.” (Santos, 2008, 109-110).
No entanto, uma concepção mais móvel do território vai se im-
pondo desde a década de 70, em grande medida associada ao conceito
de “desterritorialização” utilizado por Deleuze e Guattari, até ganhar
novos sentidos ao ser cada vez mais incorporado pela crítica cultural.
Na década de 90, tanto o antropólogo Néstor García Canclini quanto
o filósofo Felix Guattari (entre outros) propunham, complementarmen-
te, a abordagem do território a partir das dinâmicas de subjetivação
deflagradas na velocidade das relações socioculturais contemporâneas.
García Canclini (2000) nos incita a “desterritorializar” e a “descolecio-
nar” as vinculações identitárias consagradas pela memória histórica
forjada pela nação, como possíveis procedimentos “para entrar e sair
da modernidade”; como “poderes oblíquos” que nos permitem saltar
o cerco das fronteiras mais estritas, a fim de valorizar os processos de
hibridação que se impõem sobre as culturas, tanto em sentido coletivo
como individualmente.
Na mesma linha, Guattari (2008, 14) também nos impele a pen-
sar em termos de territórios existenciais territorializados e universos
incorporais desterritorializados: “[...] parece indicado forjar uma con-
cepção mais transversalista da subjetividade, que permita responder
ao mesmo tempo a suas amarrações territorializadas idiossincráticas
(Territórios existenciais) e a suas aberturas para sistemas de valor
(Universos incorporais) com implicações sociais e culturais.” Para
este autor, o “universo incorporal” é uma instância da subjetividade2
individual (mas que também pode ser pensado em termos de corpo
coletivo) que se organiza mais ou menos vinculada ao território, no
sentido miltoniano.
De alguma forma, o território – e as práticas econômicas, políticas,
artísticas e culturais que o demarcam – está no centro do pensamento
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 183
contemporâneo, desde as questões de geopolítica até as mais recentes
propostas de geopoética3. Neste sentido, o território – sempre pensa-
do como o “chão” de Milton Santos, mas também como a tessitura
subjetiva que carregamos e que é passível de hibridações – fornece o
arsenal simbólico das identidades contemporâneas, e permite à crítica
estabelecer um objeto de análise, um recorte através do qual com-
preender os mecanismos e as dinâmicas que criam as polifonias e as
heterogeneidades atuais, assim como certas tendências de resistência
essencializadora (Grimson, 2010).
Neste âmbito mais amplo do território, encontra-se a atenção
renovada para as fronteiras, “laboratórios” que tornam ainda mais
complexos os mecanismos e processos de desterritorialização e reter-
ritorialização que marcam nossa contemporânea relação entre tempo
e espaço (Canclini, 2000). Tais processos baseiam-se nos fluxos,
nos movimentos que rompem a linearidade da tradicional relação
entre cultura e território. As produções simbólicas são “realocadas”,
“relocalizadas” nas sociedades contemporâneas, normalmente de
forma relativa, parcial e, muitas vezes, híbrida e fragmentada. Mas
até mesmo aqueles que não se movem, que não fazem nenhum tipo
de migração, estão também expostos a tais reterritorializações, na
medida em que interagimos com um número muito grande de refe-
rentes simbólicos e bens culturais, sobretudo através dos meios de
comunicação e das novas mídias.
A fronteira – interpretada como “laboratório” sociocultural –
emerge em um momento histórico que demanda pensar a cultura
não como acessório, mas como prioridade para a reflexão dos novos
fenômenos que se dão no contexto sociopolítico contemporâneo.
Michel Maffesoli (1990, 21), no final da década de 80, já afirmava que
a cultura “[...] actualmente está en trance de imponerse al enfoque
económico-político.” Uma década depois, novas vozes somavam-se a
esta perspectiva, como é o caso do sociólogo Andrea Semprini (1999,
9) que afirma que o debate cultural chega a ser “um importante in-
dicador da crise do projeto da modernidade”, já que “ao colocar à
modernidade a questão da diferença, o multiculturalismo ultrapassa a
especificidade de qualquer contexto nacional e propõe um sério desafio
184
de civilização às sociedades contemporâneas.” No mesmo período,
o crítico Teixeira Coelho (2000, 10) vai mais longe ao afirmar que,
de fato, é o paradigma cultural que determina, inclusive, as opções
econômicas. A cultura, portanto, como “cimento” e “catalisador” da
convivência social e do sentido de comunidade.
A diversidade (étnica, linguística, regional, etc.), plenamente ins-
taurada na contemporaneidade, sobretudo pelos fluxos migratórios,
reforça este novo cuidado com o tema cultural que congrega pensado-
res dos mais diversos âmbitos, desde a psicanálise até a sociologia ou
a economia. O que se impõe é a reflexão sobre os paradigmas sobre
os quais se rearrumam as comunidades – ou as novas tribos urbanas
– em um contexto comunicacional que promove a circulação das
palavras, do capital simbólico, dos bens culturais; e, sobretudo, um
contexto que forma a arena onde se dão as disputas pela legitimidade
das representações e do conhecimento.
Guattari (2008, 169), por exemplo, afirma que “o ser humano
contemporâneo é fundamentalmente desterritorializado”; ou seja,
“[...] seus territórios etológicos originários – corpo, clã, aldeia, culto,
corporação... – não estão mais dispostos em um ponto preciso da
terra, mas se incrustam, no essencial, em universos incorporais. A
subjetividade entrou no reino de um nomadismo generalizado.”
Subjetividades que, de fato, extrapolam o contexto pessoal ou
familiar e entram em circulação através de práticas socioculturais que
compõem, em sentido amplo, a reorganização do espaço individual
dentro de uma coletividade cada vez mais pensada em termos de
diversidade. A dimensão ontológica do indivíduo em estreita rela-
ção com o território e as tramas culturais que permeiam as redes de
convivialidade das sociedades contemporâneas; portanto, um sujeito
“entre-autosuficiente” (Maffesoli, 2009, 111).
Em tempos de globalização e trânsitos cada vez mais intensos, a
subjetividade – tão importante para a ideia de individualidade sobre a
qual se estruturou a modernidade – negocia constantemente seu papel
junto àquela “solidariedade orgânica” que instaura novos laços e cum-
plicidades a partir de novas agregações sociais: “la cotidianidad se funda
en una serie de libertades intersticiales y relativas.” (Maffesoli, 1990, 54)
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 185
Tais relações – que não se eximem da tensão inerente às negocia-
ções cotidianas dos espaços de poder em nível individual e coletivo
– são ainda mais intensificadas nas regiões de fronteira geográfica.
Estas regiões ganham em complexidade e podem ser vistas como
laboratórios experimentais, cuja ênfase nos trânsitos e circulações
variados transforma-as em espaços privilegiados para a observação da
diversidade e, de forma mais explícita, das conflitivas e ricas dinâmi-
cas de diálogo e hibridação cultural. Como afirma Ainsa, “la frontera
genera expresiones culturales y relaciones de intercambio basadas
en la disponibilidad recíproca de los espacios que separa, porque la
noción de frontera contiene en sí misma sus límites y sus errancias.”
(AINSA, 2006, p. 230).
Fronteira como linha demarcatória que une e separa, cada vez
mais pensada em termos de porosidade; espaço que permite o pensar
e o viver “através”, em um entre-lugar demarcado por variados ritos
cotidianos. Lugares que impõem um aprendizado para o corpo social,
para as tramas coletivas e também individuais, onde o espaço vivido é
constantemente marcado pela ambiguidade que o fundamenta: no qual
se aprende a viver a proteção da segurança impressa pela identidade
(étnica e/ou nacional) e as necessárias e cotidianas negociações que
enfatizam a flexibilidade e a permeabilidade. É fundamental pensar a
fronteira como um espaço privilegiado para as relações interculturais:
186
A associação entre fronteira e interculturalidade, no contexto
latino-americano, vai ficando mais clara, e talvez justifique o interesse
da crítica por este espaço tão marginalizado durante décadas. Relações
interculturais que não eludem a tensão e o conflito, ao contrário, ao
enfrentá-los constituem atitudes deflagradoras de uma vitalidade
coletiva, alimentadas por uma “centralidade subterrânea informal”
que escapa da lógica mecanicista e privilegia a Potência das relações
socioculturais que, “mediante la abstención, el silencio y la astucia se
opone al Poder de lo económico-político”. (Maffesoli, 1990, 25).
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 187
“Editoras” alternativas e artesanais vinculadas a grupos que se
autorregulam pela economia solidaria, pelo sistema cooperativo.
Os coletivos cartoneros são, em última instância, um exemplo de
tal insubordinação que tenta contra-atacar a lógica do mercado e
seu sistema financeiro, pois permitem a publicação e a leitura de
todos que tenham muito interesse e pouco (ou muito, não importa)
dinheiro, democratizando o acesso a este suporte livresco tão elitista
em muitos sentidos.”5
188
perdida noción de genius loci y se sientan las bases de una nueva
‘arquitectura espiritual’”. (AINSA, 2006, 142)
Assim, para alcançar tais objetivos, promovemos dois concursos
literários – o primeiro aberto apenas à comunidade acadêmica da
UNILA, e o segundo aberto a toda a comunidade interna e externa.
O primeiro número – Relatos em fronteira – nasce como resultado do
I Concurso Literário realizado nos limites da comunidade acadêmica,
mas com a clara intenção de fugir de tais limites ou, por outro lado,
de procurar reconhecer que dentro destes limites há um microcosmo
plurilingue e multicultural, suficientemente abrangente para chegar a
representar a região e o contexto no qual estamos inseridos: a Tríplice
Fronteira. Lembramos que, neste momento, a comunidade acadêmi-
ca da UNILA (principalmente no âmbito discente) era composta por
brasileiros, paraguaios, uruguaios e argentinos.
Com a intenção de ampliar o foco da fronteira para além da
geografia, no segundo concurso literário a chamada divulgada pelo
site da UNILA fazia clara alusão a este objetivo, e o tema era Entre
mundos: “Viver em trânsito, construindo redes e fluxos de saberes
diversos. Este viver contemporâneo, nômade e plural. A ideia do
tema é também promover a reflexão de uma fronteira que não é só
geográfica, mas de culturas e línguas, por exemplo. A experiência de
estar neste lugar que são muitos lugares.”6
Paralelamente, em 2012 o Clube de Leitura torna-se itinerante
(realizado em livrarias nas três cidades fronteiriças), e a leitura será
acompanhada da criação in situ dos livros que, no final do evento,
deverão ser levados para casa pelos assistentes.
A leitura que propomos das duas edições da UNILA Cartonera –
Relatos em fronteira e Entre mundos –, frutos destes concursos literários
(2011 e 2012), privilegia um claro propósito: observar como a Tríplice
Fronteira aparece retratada pelos seus próprios moradores; e, por outro
lado, como a ideia de fronteira, em termos mais amplos, insere-se na
subjetividade dos sujeitos comuns, dos narradores ou poetas que não
se incluem naquela perspectiva romântica da arte, da genialidade do
artista; mas que expressam a experiência discursiva e imaginária da
territorialidade, da fronteira em sentido geográfico ou metafórico.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 189
Escritores, enfim, da cotidianidade e do anonimato que, no
entanto, reivindicam o direito de participação na construção de
uma polifonia (no sentido bakhtiniano, de uma multiplicidade de
consciências-vozes) que seja capaz de criar, neste lugar geográfico e
sociocultural, um campo de experimentação artística ligado à escrita
literária. Segundo Certeau (2009, 61), “o enfoque da cultura começa
quando o homem ordinário se torna o narrador, quando define o lugar
(comum) do discurso e o espaço (anônimo) de seu desenvolvimento.”
Mas a UNILA Cartonera tem mais duas edições que correspon-
dem ao período do projeto (2010-2013) – Contos/cuentos/mombe’u
de Horacio Quiroga e Contos/cuentos/mombe’u de Machado de Assis
– também realizadas paralelamente ao Clube de Leitura, e ligadas a
uma produção literária mais canônica: dois autores de reconhecida
importância na historiografia literária do continente.
Duas produções ligadas aos concursos literários e duas produções
ligadas a autores já consagrados pela crítica. Objetivos diferentes,
mas complementares: observar e apreender a paisagem através da
escrita literária, aquela que privilegia o imaginário coletivo, que se
submerge na complexa relação entre subjetividade e sociabilidade,
entre o “eu” e o “outro”. Por outro lado, além das edições que
privilegiam o âmbito literário, a UNILA Cartonera promoveu, junto
com o GIRA (Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Racionalidades,
Desenvolvimento e Fronteiras da UNILA), as três edições cartoneras
da Revista Digital Orbis Latina.
A UNILA Cartonera pretende, portanto, promover um ambiente
artístico-cultural no qual a literatura seja um lugar onde “la dimensión
ontológica del espacio integra la dimensión topológica como parte de
una comunicación y tránsito natural del exterior al interior y viceversa,
entre presente y memoria, entre lugares vividos y espacios inéditos”.
(AINSA, 2006, 142)
Além de promover espaços de diálogos interdisciplinares e de
fomentar a aproximação da literatura e do pensamento acadêmico
investigativo aos setores mais amplos da sociedade, como as bibliote-
cas públicas, por exemplo, através da UNILA Cartonera procuramos
reconhecer que os horizontes desta região trifronteiriça acomodam
190
a experiência de habitar tempos e espaços diversos, e que sonham
em criar uma territorialidade própria, híbrida, tão física quanto
subjetiva ou simbólica.
A escolha de Horacio Quiroga, autor uruguaio radicado na
Provincia de Misiones, em San Ignacio (pequena cidade vizinha à
Puerto Iguazu), vem respaldar as intenções já comentadas. Em maio
de 2012, propusemos ao grupo a publicação de um autor que fosse
de interesse para a região, que representasse o imaginário local, re-
velando mais do que sua paisagem selvática ou imersa nas águas das
cataratas e dos rios que cortam as três cidades; um autor que falasse,
também, da sua paisagem humana e social. Neste contexto, Horacio
Quiroga surgiu naturalmente, pois ele havia sido lido e analisado no
ano anterior, com o Clube de Leitura. Esta edição conta com o texto
de apresentação reproduzido abaixo:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 191
Sempre em diálogo com os bolsistas, propusemos a sua tradução
do espanhol para o português, a fim de tornar a leitura acessível às
três cidades. Qual não foi a nossa surpresa quando um dos bolsistas
brasileiros (aluno do curso de Letras – Artes e Mediação Cultural)
propôs a sua tradução também ao guarani, fato que seria inédito na
historiografia literária latino-americana.
Aceitamos o desafio, entendendo-o como parte de uma política
linguística cada vez mais clara, de inserção do guarani em uma relação
de igualdade com o espanhol e o português; reconhecendo, portanto,
a importância cultural e a dimensão artística e estética desta língua.
Formamos, então, uma pequena equipe: estudantes paraguaios de
vários cursos, com a colaboração do professor de guarani da UNILA,
Mario Ramão, que realizou a revisão final. Depois desta primeira
experiência, o volume dedicado a Machado de Assis não poderia ser
diferente. Temos, portanto, outro fato inédito na literatura latino-
-americana: a tradução de um conto de Machado de Assis ao guarani.
Aqui cabe um pequeno esclarecimento a respeito da importância
da tradução em todo este contexto: historicamente, o processo tradu-
tório pode ser compreendido como o modus operandi por excelência
do Novo Mundo, ou seja, como uma prática inerente à constituição
histórica e ontológica da América Latina e, por isso mesmo, fundamen-
tal para a compreensão das relações sociais e culturais da atualidade:
192
Para estimular o interesse dos bolsistas para a árdua tarefa de
tradução de contos de Horacio Quiroga – ao português e ao guarani
– realizamos uma pequena viagem a casa-museu do escritor, a fim de
que o cenário natural e subjetivo transmitido pelas suas narrativas,
claramente ligadas à paisagem da fronteira argentina, se tornasse mais
visível, perceptível, para os novos tradutores de sua obra. Tradução,
portanto, como processo de reelaboração da expressão do outro em
expressão própria e vice-versa, fundamental para a constituição deste
“lugar” trifronteiriço como um espaço vivido, onde o “sujeito comu-
nitário” que o habita exercita, constantemente, o diálogo em e com
seu correspondente mundos vitae. (Fornet-Betancourt, 2004, 101)
Nas três cidades onde realizamos a edição deste Clube de Leitura
dedicado a Horacio Quiroga, e associado à confecção dos livros pela
UNILA Cartonera, contamos com grande participação de moradores
locais, além de alunos e professores da UNILA. Em Puerto Iguazu,
no lado argentino, o êxito foi enorme: contamos com a presença de
vários escritores locais, todos emocionados de verem tão valorizado
um escritor que, naquele lugar específico, tem enorme representa-
tividade. Já em Ciudad del Este, no lado paraguaio, os comentários
posteriores à leitura voltaram-se mais para a tradução ao guarani, e
para o debate sobre a relação ambígua e contraditória do país com
respeito a esta língua.
O quarto volume publicado pela UNILA Cartonera, em 2013,
é dedicado ao grande narrador Machado de Assis (1839-1908).
Ainda que a apresentação (assinada por Marco Roberto de Souza
Albuquerque, aluno do curso de Letras – Artes e Mediação Cultural
e bolsista do projeto) privilegie certa relação entre os dois autores,
enfatizando a continuidade “natural” que poderia relacioná-los –
a mata atlântica –, é facilmente perceptível que a paisagem (em
sentido miltoniano7) sobre a qual se debruçam as preocupações e di-
lemas literários de Machado de Assis não é, em absoluto, semelhante
àquela que alimenta o imaginário da obra de Horacio Quiroga. Este
(d)escreve a natureza da selva, do rio, dos “ex-hombres”, como ele
mesmo se refere aos forasteiros que, por alguma razão, permaneciam
na fronteira e se juntavam para formar essa paisagem tão particular.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 193
Já Machado de Assis percorre as estreitas ruas da cidade finissecular,
e seus passos reconstroem – para nós, leitores – as tramas urbanas
da capital do Brasil.
No entanto, Machado de Assis cria um contraponto com Horacio
Quiroga, o que estabelece uma interessante relação complementar
entre estes dois números, dentro do âmbito literário. Ambos os au-
tores se tocam no cuidadoso estilo despojado dos adornos que ainda
impregnavam a escrita literária na virada do século XIX e início do
XX. E ambos são considerados pela crítica como os fundadores do
conto moderno – em português e em espanhol – na América Latina.
Também compartilham certa crueza narrativa e um realismo que
conecta o leitor a dois cenários diferentes, mas que se tocam em um
ponto fundamental: o ser humano – com seus temores e pesares, dores
e angustias – em relação com a paisagem que o cerca (e que ajuda a
compor), seja ela urbana ou selvática.
Já a leitura dos textos que compõem os dois volumes realizados a
partir dos concursos literários assinalam algumas direções, indicam cami-
nhos que deverão ser mais percorridos para de fato chegarem a compor
a cartografia imaginária que pretendemos. Novos Concursos Literários8
– assim como a observação de outras linguagens artísticas escritas ou
orais, em formatos e suportes diversos – deverão continuar alimentando o
corpus necessário para a composição da geopoética da Tríplice Fronteira.
No primeiro número – Relatos em fronteira (2011) – há duas compo-
sições claramente ligadas à experiência cotidiana de habitar a fronteira
(e de viver em fronteira). Ambas são narradas em primeira pessoa,
centram-se na diversidade da região e a sua escritura se dá na fronteira
linguística que nos une e separa: “Portuñol és miña língua, miña pátria
és la fronteira”, cujo autor é o poeta Fabio Aristimunho (que assina como
Fávio Bargas), nascido em Foz do Iguaçu, e “Uma viagem, uma história”,
de Daniela Tamara Fernández. Esta tem um formato mais próximo ao
depoimento, e pretende ser uma crônica de um dia cotidiano deste lugar.
Mais interessante é o relato “Portuñol és miña língua, miña pátria
és la fronteira”, ele mesmo tecido como um território composto por
hibridações linguísticas que certamente determinam uma percepção
mais plural do entorno – o exercício de nomear desliza entre uma
194
língua e outra e às vezes precisa incorporar também o guarani na
mistura do espanhol com o português, em um esforço de criação
vocabular que é, em última instância, um esforço de cognição, de
compreensão desta realidade que se mostra heterogênea e diversa.
Esforço de transformar o topos em logos, de dizer-escrever-nomear a
paisagem (AINSA, 2006). Como afirmo no prefácio, este relato
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 195
“Fronteiras”, escrito em português, transforma a realidade coti-
diana em uma espécie de aventura, onde o verbo “descobrir” aparece
reincidentemente, marcando o movimento necessário para dialogar
com as possibilidades oferecidas pelas riquezas do lugar. O poema cria
uma sequência que vai se ampliando: cidade, país, muitas pessoas e,
finalmente, pluralidades forjadas através de uma operação que não
respeita a lógica tradicional, na qual a soma do “eu” e do “outro” é
três, remetendo claramente o seu leitor à realidade trinacional: “Eu
em um mesmo céu,/pensei,/ que um mais um é/ três, e por fim:
Pluralidades infindas por se descobrir.”
O poema “Xirú” – palavra em guarani que significa amigo, mas que
é usada de forma irônica em determinados contextos (como no trânsi-
to, por exemplo) – é mais complexo. O sentido ambíguo desta palavra
(amigo-inimigo) percorre todo o poema, através das imagens que vão
entrelaçando diferentes aspectos da região. A lenda das cataratas dá iní-
cio à composição, e remete-nos a uma mitologia bastante utilizada pela
propaganda turística da cidade (um claro exemplo é o Iporã Lenda Show,
exibido na Churrascaria Rafaim desde 201210), mas dotando a narrativa
de Tarobá e Naipi de um novo sentido, no qual a lendária impunidade
do deus se atualiza na impunidade das autoridades políticas, fazendo dos
jovens em geral – encarnação coletiva de Naipi11 – vítimas de um sistema
que os condena por antecipação: “Em que destino haveremos de cair?...”
Além de encarnarem o vazio social onde os jovens, como Naipi,
tem por destino cair, as cataratas são apresentadas em outro sentido: o
poema brinca com a acepção médica da palavra “cataratas”, levando-
-nos a refletir sobre a cegueira daqueles que veem o espetáculo, mas
não veem a realidade que o circunda12.
Segundo o poema, a cidade de Foz do Iguaçu é parte de uma re-
gião ligada por fatores econômicos, físicos e subjetivos (psicológicos),
cujas conexões “piradas” são dominadas por suas elites – grupos que
se voltam mais para as grandes capitais do que para o seu próprio
território, colhendo “sempre, como resultado a soma: – dos pesadelos
das grandes ‘cidades’”.
O seu autor nos leva, ainda, a uma “foz... embevecida”, cujas
bonitas imagens servem aos interesses de um “mundo globalizado”
196
que não reconhece todas as facetas desta paisagem, sobretudo no que
diz respeito ao seu aspecto humano:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 197
além disso, este mesmo fluxo é o que define a cotidianidade dos seus
moradores, seu sentido de comunidade e de pertencimento.
Este imaginário compartilhado reivindica para si um novo status
geopolítico e geopoético: a Tríplice Fronteira como laboratório de rela-
ções interculturais permeadas por conexões e redes que singularizam
a região, tornando-a um centro de ramificações nervosas que partem
em direção a todo o continente.
Referências Bibliográficas
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Artes do fazer. RJ: Vozes, 2009.
GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. SP: Editora 34, 2008.
198
PEREIRA, Diana Araujo. “Supervivencia y celebración del libro: La experien-
cia cartonera”. Revista Legenda. Universidad de los Andes. Vol. 17, Nro.17,
Agosto-Diciembre 2013 http://erevistas.saber.ula.ve/index.php/legenda/
article/view/4645
Notas
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 199
edu.br/revistapeabiru/) vem realizando uma importante contribuição para
a circulação da produção local.
5 Pereira, Diana A: http://erevistas.saber.ula.ve/index.php/legenda/arti-
cle/view/4645
6 http://unila.edu.br/noticias/ii-concurso-liter%C3%A1rio
7 A paisagem, para Milton Santos, é a soma dos objetos naturais e socioculturais.
8 No momento da escrita deste capítulo, realiza-se o III Concurso Literário
da UNILA Cartonera, que encerra seu período de inscrições em fevereiro de
2014 com um total de 541 inscrições. No entanto, não houve tempo hábil
para que esta terceira produção fosse incorporada aqui, ficando a sequência
pendente de análise (http://unila.edu.br/noticias/cartonera).
9 Chipa é uma espécie de pão de queijo típico do Paraguai e muito consu-
mido na região trinacional.
10 http://www.iporashow.com.br/
11 Segundo consta no site oficial do Parque Nacional (http://www.cataratas-
doiguacu.com.br/portal/paginas/226-lenda-das-cataratas.aspx), “conta-se que
os índios Caigangues, habitantes das margens do Rio Iguaçu, acreditavam que
o mundo era governado por M’Boy, um deus que tinha a forma de serpente
e era filho de Tupã. Igobi, o cacique dessa tribo, tinha uma filha chamada
Naipi, tão bonita que as águas do rio paravam quando a jovem nelas se mi-
rava. Devido à sua beleza, Naipi era consagrada ao deus M’Boy, passando a
viver somente para o seu culto. Havia, porém, entre os Caigangues, um jovem
guerreiro chamado Tarobá que, ao ver Naipi, por ela se apaixonou. No dia
da festa de consagração da bela índia, enquanto o cacique e o pajé bebiam
cauim (bebida feita de milho fermentado) e os guerreiros dançavam, Tarobá
aproveitou e fugiu com a linda Naipi numa canoa rio abaixo, arrastada pela
correnteza. Quando M’Boy percebeu a fuga de Naipi e Tarobá, ficou furioso.
Penetrou então as entranhas da terra e, retorcendo o seu corpo, produziu uma
enorme fenda, onde se formou a gigantesca catarata. Envolvidos pelas águas, a
canoa e os fugitivos caíram de grande altura, desaparecendo para sempre. Diz
a lenda que Naipi foi transformada em uma das rochas centrais das cataratas,
perpetuamente fustigada pelas águas revoltas. Tarobá foi convertido em uma
palmeira situada à beira de um abismo, inclinada sobre a garganta do rio.
Debaixo dessa palmeira acha-se a entrada de uma gruta sob a Garganta do
Diabo onde o monstro vingativo vigia eternamente as duas vítimas.”
12 O artista pernambucano Paulo Bruscky realizou uma performance nas
cataratas, em novembro de 2013 (seguida de uma Exposição no Ecomuseu
de Itaipu), trabalhando sobre a mesma ambiguidade do olhar que, em nossa
sociedade saturada de imagens, move-se entre a cegueira e o espetáculo:
“OperAção nas Cataratas Iguaçu”.
200
ANTOLOGIA LITERÁRIA
Proposta de geopoética da Tríplice Fronteira
Fávio Bargas
Despertarê jo un dia con estas ruas entrañadas em min. Por ellas an-
darê como antes n’otras tantas ruas de la frontiera. Passarán meos passos
como non passassem, como foessem un só i prolongado espreguiçarse.
Non verê las personas que por min passam, non lles darê pelota a las
gurias callexeras nin ellas me la darán. Las árvoles floridas me farán ou-
toño, non se venderán a min las promocions de las lojas. Los carros mal
los divisarê nel asfalto, lo bermexo nel semáforo i lo vierde de las follas
se mesclando em miñas retinas reposadas. Passados años los estraños
xa non me serán estraños nin estraño lles serê a elles, sien embargo
alguna dificultá em la saludacióm. Xa non tropeçarê em las raíces que
afloram nel camiño nin tampoco pisaré em falso los aguxeros negros
que constelam meo traxeto baxo las estrellas. Los cachorros non latirán
al meo passar. Los filipeteros non me direcionarán seos bolantes. Los
laçadores non me tentarán con seos puteros. Meos passos alternándose
em la indiferéncia, los ollos de la rua a me acompañar caninos, acecho
de sombra. Todos, desde meos piés haté lo viento, todos coñocedores
de meo destino como si un código de barras. ¡Oh incerteza de solitú
que desmotiba los xestos! ¡Oh ladrillos non rebelados a quiém de fôra!
Mas esse instante xa lo bibí. Non lo bibieram por min. Ser
ator em escena condicionado porlos ollos que me bixilam. Meos
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 201
própios ollos que me bixilam.
A los sacoleros que converxem de todas partes, a los mercadores
libaneses que facem un prêcio boeno, a la feroz enerxia que canta em
los filos, a las águas salbaxes du Yguassú i domesticadas du Paraná, a
los borrachos binacionaes, a los terroristas incomprobados, a los en-
xeñeros xeniosos, a las chiperas que equilibram la cesta em la cabeça,
a bocês lles dô adiôs; a los brasiguayos latifundiários em Paraguay,
a los brasiguayos sien-tierra nel Brasil, a los profesores forastieros i
los frontieriços, a los estudeantes latinoamericanos sien diñero nel
bolso, a los turistas gringos que xegam d’excursióm, a los xirús ami-
gos con tererê em la mano, a los debotos de la Birxem de Caacupê,
a las kuñakaraí con foego entre las piernas, a los comerciantes chinos
que apenas se comunicam, a bocês lles dô adiôs; a los fablantes de
guaraní i guarará, a los menonitas de la colónia, a los colonos que
tomam leithe quenthe, a los porteños desaculturados, a los polacos
leminskianos de la distante Curitiba, a las alemaniñas facieras de la
Oktoberfest, a los gaúchos de la frente agrícola, a los paulistas que
non entendem, a los catarinas que reinam por un marreco rexeado
con repollo roxo, a los sulmatogrossenses perdidos nel mapa, a los
paranaenses, altoparanaenses i misioneros, a bocês lles dô adiôs;
a los guárdias de la xendarmeria arxentina, a los federaes brasileros,
a los milicos paraguayos, a los muamberos que atiram cigarro de la
poente, a los traficantes presos al acumpliciar los rios, a los indio-
ciños que piedem diñero em la feiriña, a los cobradores de las vans
que cruzam la frontiera, a los mototaxistas que viéem bolando, al
comércio trifrontieriço que circula cinco diñeros, a las tias xogadoras
compulsibas de cassino, a bocês lles dô adiôs; a los que tomam mate
quiente de veróm a veróm, a los que fumam narguile con cachaça,
a los que non confundem sopa paraguaya con cuscús, a los que non
piensam que chipa és un pan de quexo c’un buraco nel mêdio, a
los que voelta i mêdia pirateam una chipá-guassú, a los que nunca
ábriem una cuca sien un café, a los que tomam tê si tiém coquito, a
los que non passam la semana sien un shawarma con pasta de allo,
a bocês lles dô adiôs; a los laranxas que atrabiessam l’aduana con
lo culo em la mano, a los motoristas de autobusses apreendidos, a
202
los taxistas que tomam clientes d’otro lado, a los guias de turismo
que nos desbiam de sofismas, a las bellas recepcionistas trilíngoes de
los hotées, a las onças ocultas con fundo falso nel Parque Nacional,
a los cuatís que nos robam la comida por los dexarnos robar, a los
piás i los gurís, los niños i mita’ís, a las meninas i las gurias, las niñas
i mitakuñás, a bocês lles dô adiôs; a los termómetros boladores que
migram d’Amazónia a Patagónia sien escalas, a los bañistas de la
costa oeste i los pescadores du lago, a los produtos falsificados con
etiqueta de la marca requerida, a los compristas que los compram
xustamente por saber lo que compram, a las foerças submersas que
moebem las turbinas d’Itaypú, a las lexendas urbanas i la fauna
humana trinacional, a los que bibem em la frontiera pero non la bi-
benciam piensando estar em Sampavlo, Assuncióm ou Boenossaires,
a los destierrados de cualquer parte, nacionaes, naturalizados ou
importados, a bocês todos jo lles dô adiôs, jo que non valorê lo que
tiña i precisê cotizarlos todos con ollos d’exílio, jo, d’un lado ñeto de
labradores que só sê labrar palabras, de l’otro ñeto de gaúcho que só
adulto fui gustar de chimarróm i ñeto d’una abó que fabulaba portuñol
de nascida, jo, fillo d’una brasilera filla de la frontiera como jo i fillo
d’un refuxiado paraguayo que nunca me prendí al guaraní nin a la
política, jo que fui creado a churrasco i mandioca pero non sê poer la
carne nel espeto, que só fui fablar l’español n’España, que non tiña
una identidá haté que me diê coenta que miña identidá és la frontie-
ra, miña metafísica és radicada em tembe’y, tembe’y de meo papá i
miña mamá i meos abós, fontiera de miña infáncia i de la infáncia de
miña filla, frontiera de meos balores, meos amores, meos sudores,
tembe’y de excessos i comiseracions, frontiera que me afronta i me
conforta, a bocê, tembe’y que és três i és una, a bocê, Triplafrontiera
que imbentô una língua trífida, miña cabeça, meo coracióm, miñas
entrañas a bocê lle dan adiôs.
Como trabaxadores, todos somos un poco a cada dia assessinados.
A cada dia un poco recordados que traemos em nossos cromossomos
lo que seríamos porém non fuomos por nossa culpa, poes poco estu-
diados. N’esta guerra fiscal contra esfoerçados, nossa enorme maleta,
como pomos de Adán em los trabéstis, nos faria bisíbleis a la guárdia
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 203
aduanera, que non libera haté que se tribute todo excesso. Habitamos
la frontiera de nós miesmos, i somos lo matute que és confiscado un
poco a cada dia.
Aquí em la frontiera todas las personas son un poquiño trans:
transnacionaes, transplantados, transculturados. Transformers au-
tobots decepticons con lo chassi raspado i lataria mêdio amassada.
Xa nós otros, los transborders, transamos i transacionamos em la
frontiera: somos putas falsificadas, mixês de aduana, maricones non
declarados, milfs con taxímetro desligado, xiletes trinacionaes bitribu-
tados, lesbianas importadas made in Taiwan, militares con arma em
puño, celíbatos traficantes de amor, transxéneros glbt-sbt, femenistas
terroristas em queima de estoque de sutiânes, pederastas mal pirate-
ados, trabéstis montadas em maquiladoras mexicanas, patriciñas de
frescurita que non recusam una chupada a cobro reverso. Persona
non gratis, cada umno. Transxenerosos, todos. Que em la frontiera
somos todos un pouquito trans.
Nel México existe una língua a la míngua, que tiém dôs fablantes
somiente, persistientes. Los dôs, peleados, non se fablam. I l’acabam.
Al portuñol passa l’oposto: sien un rosto, todo mundo és seo fabulante
circunstante. ¿Que otra língua s’imbentaria todo dia?
Cuando Diôs, nel oichavo dia, despertô de soeños intranquilos,
lo verbo aunda estaba llá.
204
De Entre Mundos (2012)
Fronteiras
Erick Cavalcante
Eu, que vivo e sou,
Não sei
Se rei
Ou devedor, eu sei:
Uma cidade inteira ainda por descobrir.
Eu, que cedo e dou,
Não sei
Do chão que me calejou
Mesmo assim eu sei:
Um país inteiro ainda por descobrir.
Eu, nunca sozinho
Viverei
É a lei
Do meu caminho, e sendo assim eu sei:
Muitas pessoas ainda por descobrir.
Eu em um mesmo céu,
Pensei,
Que um mais um é
Três, e por fim:
Pluralidades infindas por se descobrir
Eu, que por amor,
Fiquei a beira de cair
Mas sei:
Muitas fronteiras por transpor.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 205
Xirú
206
os quais obram;
estão a perguntar: Quando podemos sair?...
Em que destino haveremos de cair?...
Nisto... os que aqui ficam
e não se picam,
questionam: Onde trabalharemos?...
Com o quê viveremos?...
Assento – “eles”... mesmo com isto:
não aprendem.
Insisto –
do futuro nada entendem.
Uma foz... enlouquecida
no interior
duma tríplice fronteira:
Econômica.
Física.
Psicológica.
Todas... donas duma elite portadora de conexões piradas,
cada uma com sua tonteira.
Sim... mesmo bem anterior
à Itaipu; quando, na época, por ela – já era desmerecida.
A posterior...
embora bem envelhecida,
terminou ficando mais empobrecida – só com suas favelas
repletas de velas
as margens dos rios com seus navios
piratas.
Todas... órfãs com seus pires vazios
a cata dos políticos;
de cada metrópole
a cobrar uns ágios sem atavios;
principalmente em Brasília,
lá como seres sem avios
ficando a esmolar uns ticos.
Assim... elas colhem, sempre, como resultado a soma:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 207
– dos pesadelos das grandes “cidades”
os quais mais parecem com o som dos tocadores de sinos
no caos duma inexistente métrica;
– de dias dum verão eterno,
numa fornalha tétrica...
num cenário do inferno;
– de praias em Buenos Aires, Assunção e Curitiba
todas sem uma imbetiba,
implorando o alívio dum subalterno
inverno;
– de ganhos duma família
ausente. Cujos membros parecem assassinos,
que por não ter ética... trocam suas necessidades
morais pela busca da “pole”,
ainda que estejam atados em estado de coma.
Assim... são – todas as gentes que apetecem,
as quais acontecem.
E por isso... alguns se drogam
e vários – rogam.
Eu assunto – por isso
“eles” não envelhecem. Nisso...
os jovens que dobram,
alguns deles – os quais ainda obram
para onde irão?
Os raros... ao chegarem – o que dirão?
Nisto...
os que aqui ficam
e não se picam –
interrogam: O que comeremos?
Onde moraremos?
Assento – mesmo com isto...
não apreendem.
Insisto – do futuro nada tendem.
Enfim... “eles” nem pretendem.
Uma foz... embevecida
208
que continua não tendo
nem retendo;
pois na TV só aparece as quedas
sem suas rendas
e ausentes de paraquedas.
Elas mostram apenas a nossa água...
sofrida, empalidecida;
numa enxágua
em riste,
que ao cair
fica triste...
contínua
e nua –
parecendo ser de ninguém.
Em resumo... alguém
que apossou da imagem,
fria – frita
as cópias como se fossem prendas
do mundo globalizado
que ao sair
elas agem
balizando um único interesse: o de conhecer
seu abalizado
dividendo.
Assim... irrigada pelo esgoto
e sem se animar
por não amar;
intrigada: grita
ao Tupã o seu desgosto
bem açu...
verbalizando sua reza em todo cânion da foz do rio Iguaçu.
Um adendo:
tal cena
a qual nossa natureza não ensina
e rotineiramente...
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 209
encena –
tem por sina
a meta de matá-la um pouco diariamente.
No fim... tudo redunda
num engodo para todos, por não amanhecer
no gosto
da tripla bandeira de cada sonho.
E... na prática tudo finda
sem nem um ganho.
São gentes que apetecem,
as quais acontecem –
assim, aqui... se drogam
e rogam.
Eu assunto – por isso
“eles” não envelhecem.
Nisso...
os jovens que cobram,
de todos, porque eles ainda obram
e alguns – irão indagar: Como denotarão cada ser?
Em quem devotarão por crer?
Para quem dotarão todo seu ter?
Nisto...
os que aqui ficam
e não se picam
poderão inquirir: Com quem gozaremos?
De que maneira nós... morreremos?
Assento – os animais... mesmo com isto
não se prendem.
Insisto – do futuro nem atendem.
E o pior – por aqui, nós... não tentamos fazer coisíssima nenhuma.
E a vida? Bem... ela termina sem valer coisa alguma.
210
Poema inédito
Douglas Diegues
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 211
Hay cambistas on line 24 horas por las calles.
Y esse excesso de outdoors, letreros, pankartas, propagandas
flotantes,
lembram las calles de Hong Kong
vista en alguna pelikula china
pirateada en Paraguay.
Abundam nel aire
um mix de olor a plásticos,
cheiro de mercadorias importadas,
perfumes lerrítimos y fakes,
olor a carton y kataratas irradiando
la dulce brisa de los yguazues (3).
Mejor non creer em tudo que se diz en los noticieros.
Non es necessário ver los noticieros
ou leer los periódicos kapitalistas
para entender lo que non tiene sentido.
Del lado paraguayo, la gente se alimenta de mandioca,
carne de vaka, suenhos, futebol, esperanza,
cerveza, chorizo parrillero, chipás y chipaguazues.
Hay mais libaneses que en Lebanon,
musulmanes que curtem kibe cru y kibe frito,
shawarmas, homus, babaganush,
falefi, tabule, esfiha de kiche ou zattar
y hermosas musulmanas que bailan
la milenaria danza del ventre
para sus maridos bigotudos.
Los koreanos son ya personajes importantes
en la fauna Triple frontera.
El mais famoso de los koreanos 3 F,
Beto Hong, playboy versado en tae kwon do,
solo namora las modelos mais infartantes del lado paraguasho.
Beto Hong y los koreanos curtem pulpos ainda vivos,
camaron pistola, sashimi, karne de vaka na chapa,
mucha acelga, mucho ajo, mucha cebola, mucho kinchi,
mucha cebolinha y mucha pimenta bermeja tipo dedo de moza.
212
Puerto Iguazú, durante la crisis financiera nel inicio del siglo XXI
se tornou uma city fantasma.
Igual los kurepis sabem fazer
las mejores papas fritas del mundo.
Pero las churrascarias gauchezcas
son las que mais fazem mais sucesso
en toda la trabuzana triple fronteira.
Muitos brasileiros de Foz de Yguazú
se recusam a comer nel lado paraguayo
que, segundo dizem, além de pobre, es feio y sujo.
Comer nel lado paraguayo es arriesgado dizem eles.
Pero num kopetin invisíble próximo a la catedral de City del Este
podemos encuentrar la sopa paraguaya mais deliciosa del mundo.
La moda sport gay futurista unissex de las camisas y pantalones
coladitos al kuerpo predomina también entre los avás (4) triple-
fronteros,
mas isso non quer dizer que todos sigam la moda,
yo por ejemplo ando siempre fuera de moda.
Zapatillas de marcas famosas lerrítimas
para los piés de los ricos.
Zapatillas de marcas famosas fakes
para las patas de los pobres.
Pero siempre llenas de brishos
las famosas zapatillas com desing futurista gay.
Para las patas de los machos
la dictadura gay de la moda,
sapatos bizarros kafona chic y botas texanas de cuero.
Los ricos tienen el pescuezo cargados de gruessas cadenas de oro.
Los pobres llevan cadenitas de lata.
Anillito de rubi estilo mafioso en los dedos de los ricos.
Anillito de lata platinada nel polegar de los pobres
que curtem imitar los atores de los famosos kulebrones brasileros.
Las yiyis ricas se vestem como las actrizes
de los famozos kulebrones brazilenhos.
El peinado, el sapatito, el color de los esmaltes
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 213
siguen el padron del kalor de la hora del kulebronismo lusofoniko.
El kulebron posmo brazuka dita la moda
por intermédio de suos personajes mais famozos del momento.
Tambien hay influenzias del estilo Barbie
que faz la cabeza de las yiyis ricas.
Las yiyis mboriahus (5), las meninas de la perferia,
montan suo guarda roupa com piezas baratas made in china de
kontrabando,
garimpadas en tiendas koreanas de City del Este y de Pedro Juan
Caballero.
La moda del lado argentino es influenciada
por Buenos Aires, Tinelli y las teles kurepas.
Los índios, com sus pantalones vakeros,
sus remeras del Che, de los Rolling Stones, de Bob Marley,
son los mais originaes del pedazo.
Em todos los lados de la triple frontera
parece que solamente yo y mais cuatro ou cinco
curtimos jazz y blues.
La mayoria se encuentra copada
com los hits del kalor de la hora.
Nel lado paraguayo, los hits seguem siendo cumbia villera,
cumbia romantikona, kachaka pirú (6).
Son ritmos aburridos, horribles, hermosos,
y nos quitan de la rutina del trabajo.
La novedad, em materia de ritmo,
es la tecnobuesta panamerikana.
Nel lado brazileiro predomina el sertanejo unibersitario,
pero também se baila tecnobuesta panamerikana.
Nel lado paraguayo, los ricos non curtem cumbia,
solo los pobres la sabem curtir.
Nel lado argentino los pobres y los ricos
curtem y bailan cumbia.
Se cultua el tango ainda,
pero tambien se baila tecnobuesta panamerikana,
el funk carioca, y el rockandrroll remix ochentoso,
214
Nel lado Paraguayo, kuando los jóvenes
de diferentes sexos se encuentren solos
en las aguas del arroyo,
van a querer hacerse el amor.
Aquele que non fue aun bautizado en iglesia cristiana
sigue siendo animal.
Solamente depois de bautizado en iglesia,
el paraguayo deixa de ser un animal
y pasa a ser um cristiano.
Es la triplefrontera lado paraguayensis,
onde um menino llorón
después de grande puede llegar a ser un buen cantante,
y el alcool & las prostis
pueden arruinar a qualquer músico.
Se muere abundantemente en la triplefrontera,
pero tambiém se nasce em abundancia.
Desde los tiempos de la faraonika Itaipu (7),
oficialmente apenas 132 peones han muerto
nel cantero de obras
que hay llegado a reunir mais ou menos unos 40 mil obreros.
Pero los que estudam el tema dizem que nem
las empreiteras nem Itaipu cuentan con datos precisos
sobre el numero de muertos en la obra.
Dizem que mais de mil obreros
han caido vivos nel cemento fresco,
quedando sepultados alli
bajo los 12,3 millones de metros cubicos
de concreto usados para la edificacione de itaipu.
Recentemente encontraron um importante
yacimiento de titanio en Minga Poran,
a 94 km de City del Este.
El hallazgo del mineral valioso
fue anunciado em Hong Kong
por el geólogo-empresário yankee David Lowell.
Los pobladores de Minga Poran
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 215
receberam perplexos a la notízia.
Muitos de los que ayudaram
a cavar buracos
nem sabiam porque ganaban
60 mil guaranies por metro cavado.
Agora eles sabem que ajudaram a descobrir talvez
el mais importante valoroso yacimiento de titanio del mundo,
pero non sabem para que karajo sirve el tal titanio.
Igual todos aqui têm esperanzas
que la puerra del titanio
ayude a liberar la región
del atraso y de la pobreza.
(1) Sectores del gobierno yankee por ejemplo alegam que la triplefrontera
serve de área de refúgio para agentes del terrorismo internacional y sede de
los fondos de financiación de las actividades de terroristas em diversasione
partes del mundo. Dicen tambien que Bin Laden pode estar escondido bajo
las kataratas del Yguazú. Pero até este momento non se ha encontrado por
aki nem Bin Laden nim sequer um miserable terrorista anônimo kurtiendo
la piscina dum hotel cassino en Puerto Yguazú (lado argentino) ou City del
Leste (lado paraguaio), donde el juego de azar es libre, diferente del lado
brasileño, donde ainda es proibido pero segue errristiendo klandestinamente...
(2) Caguetas, delatores.
(3) Ríos caudalosos, inmensos.
(4) Homens.
(5) Pobres.
(6) Ritmos populares de la triple frontera.
(7)P(i)edra que kanta.
216
Medialengua1
Carlos Aguasaco
II
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 217
hace sentir feliz. Anyway, la escuela siempre abre una investigation
y el maestro tiene que escribí un report of the «incident» y se va
suspendido por tres semanas mientras lo investigan para asegurarse
de que es maricón y que es verdad que tiene un boyfriend que le
mete el dick por el culo y lo hace sentir feliz. They say que él se
quiere cortá la verga para no tené más problemas conmigo y poderme
enseñá a leer a Oscar Wilde que no era maricón but homosexual
como siempre dice en la clase.
III
Usté tiene que aprendé inglés pa’ podé encuentrar un trabajo o ¿es
que se piensa quedá aquí de househusband, como una sirvienta,
babysitting me all the time? No me diga que en su país no había
bilingual schools. No me dé cuerda, coño, que yo no creo que en su
país bilingual schools are for rich people. ¿Cierto que usté no tiene
green card y que por eso se casó con mi mamá y que por eso you sleep
together y usté le mete la verga por el coño y la hace sentir feliz, pero
mi mamá no queda embarrassada porque usté se pone los condoms
que me regalan en la escuela?
IV
218
his half part y darle de comer él mismo pa’ que no lo demandaran
for child support. Entonce llegó the police y no lo dejó terminá de
romperme. Pero yo no le dije nada a nobody porque yo no soy snitch
y lo metieron in jail just for tratar de matar a mi mamá.
¿Qué hizo ella después que he left the apartment? Nada, sacó
un piedrecita del la purse y se puso a calentarla para que oliera
chistoso. Yo me puse a bailar con la boca cerrada y a tragarme la
blood como si fuera el wine que mi mamá keeps debajo de la cama.
They say they can coser mi lengua pa’ que yo no sea más una freak
con la lengua como la de la snake en el Bronx’s Zoo; but I like that
’cause people always me compra candy or strawberry ice cream pa’
que yo lescuente my story, but they never listen to it completely.
caguasaco@ccny.cuny.edu
aguasaco@hotmail.com
carlos@artepoetica.com
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 219
No he nacido no he de morir
Pedro Granados
I
Pensaba hacer otra cosa
Y no escribir
Salir para puerto iguazu
Desde foz
O irme al paraguay
Que es como quien dice
Para los brasileños
En fin ir a mis pesadillas
De la noche pasada
E intentar enmendar
Aquello horrible
Y tan injusto para los que amamos
Limitado estoy
Aunque ilimitado va mi deseo
Que no muere esta mañana
Aunque me quiten esta piel
Y mis agradables recuerdos
Lágrimas involuntarias
Ícaro andino
Ave oscura de ojos
Tomados ya por el fuego
II
Una muchacha muy joven
Un cachorro que mira las musarañas
Intentan cruzar la avenida
La auténtica frontera
De nuestra casa
No busco el remedio
No intento hallar el camino
No tengo razón, qué duda cabe
220
Pero la felicidad anda enredada
Entre nuestros pies la salida
La rozan en el aire todos los días
Nuestras manos
Lengua de perro contra huesos y musarañas
Pedro Granados, Lima, Perú, 1955. Ph.D (Hispanic Language and Literatures)
por Boston University. Ha publicado Poéticas y utopías en la poesía de César
Vallejo (2004), Vallejo sin fronteras (2010) y Autismo comprometido: sobre
poesía peruana reciente (2013). Poemarios: Sin motivo aparente (1978), Juego
de manos (1984), Vía expresa (1986), El muro de las memorias (1989), El
fuego que no es el sol (1993), El corazón y la escritura (1996), Lo penúltimo
(1998), Desde el más allá (2002), Al filo del reglamento [www.miradamalva.
com/biblioteca/biblioteca.html], Soledad impura (2009), Poesía para teatro
(2010) y Poemas en hucha (2012). Narrativa reunida: Prepucio carmesí y otras
novelas cortas (2012). Parte de su obra ha sido traducida al inglés, portugués y
alemán. Leyó su poesía en: Festival Internacional de Poesía en Medellín, Casa
de América en Madrid, Cornell University, Boston University, Universidad de
Puerto Rico, Municipio de Montevideo, etc. El 2008 fue jurado de la I Bienal
Internacional de Poesía Copé (Petroperú). El 2010 representó al Perú en el
Cuarto Festival Int. de Letras “Jaime Sabines” (Chiapas, México). Actualmente
es profesor visitante en la UNILA (Brasil).
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 221
CARTOGRAFIAS DE FRONTEIRA
Entrevista a Silvio Campana
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 223
cidade, no qual eu trabalhei 8 meses e fui embora por não entender
a cultura como uma extensão, como um braço partidário de quem
está instalado no poder.
224
Os guaranis, de uma certa forma, reagem ao território deles, expe-
rimentam a vida como coletores e vão construindo um caminho.
Pensamos que a cultura é isso. A vida diária de um povo, de uma
comunidade, de uma cidade, de um grupo como nós, tem uma expe-
rimentação possível só no presente. Mas é preciso ter memória e ter
sonhos coletivos. Muito mais que o resultado acabado, é o processo
de construção e comunicação da realidade presente com a que já foi
e a utopia é o que nos importa.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 225
mais valor. O estatuto é antigo. Ainda representa, em certa medida,
o pensamento oficial da política de cultura que se faz em Foz do
Iguaçu, onde certas coisas são extremamente referendadas e outras
não. Penso que o processo político que temos que buscar é a valori-
zação das culturas e a representação destas, com espaços possíveis
para tudo, com a possibilidade de ser extraído de cada uma delas o
que um cidadão possa querer compartilhar.
O que isso tem a ver com a Guatá é a carga de importância que
isto traz para a revista, por ser a forma como agimos. Para expressar
tal âmbito pensa-se em três coisas. Primeiro, tem que haver uma
história, ninguém pode falar de diversidade cultural, se não falar da
memória de um lugar, ou de algo, ou de um povo, ninguém pode
dizer que diversificamos culturalmente, se não conhecemos a história
e se não referendamos essa história. Então quando digo referendar a
história, não estou dizendo a história no formal e oficial, tampouco da
memória dos que ganharam a guerra, estou dizendo toda a história,
todas as possibilidades de memorizar o fenômeno social de algum
lugar. Por exemplo, a cidade de Foz do Iguaçu completa 100 anos,
na verdade quem vai completar 100 anos é a nomenclatura de um
município, uma estrutura burocrática do estado brasileiro que criou
um município há 100 anos. Mas antes dos 100 anos havia pessoas
que inclusive fizeram com que a vila virasse um município, e antes
deles havia gente aqui, que não tinha nada a ver com a estrutura do
Estado brasileiro, paraguaios, argentinos, e antes disso havia pessoas
que também não tinham nada a ver com os ocidentais e a cultura
judaico-cristã que veio parar aqui, que são os próprios guaranis, os
caingangues; enfim, esta região tinha pelo menos duas grandes nações
indígenas, falando, debatendo, digladiando, vivendo aqui. Quando
falamos da história de uma cidade, não podemos falar dos 100 anos
do município, essa história para trás deve ter muitas cicatrizes, muitas
feridas a se entender. Então esse é o primeiro eixo que eu acho que
devemos sempre levar em conta. Nesse sentido, a Guatá oferece isso
na conversa, a história das coisas, tudo tem história. Toda a poesia
que o menino traz no colégio para a revista “Escrita” tem uma histó-
ria; queremos saber quem é ele, porque escreveu, onde escreveu, de
226
onde ele tirou as referências para aquilo; esta é a micro história da
revista, todo número que a revista publica tem uma micro história,
assim como a cidade.
O segundo âmbito é justamente a valorização da diversidade
cultural, mas não uma diversidade que é classificada como exótica.
Não, é mais do que isso, pois existem diversos recortes possíveis para
entender as culturas. Entre a classe popular, existe um monte de re-
cortes possíveis. Os descendentes de africanos, por exemplo, têm uma
história particular, dentro da outra história. Uma pessoa que mora na
Vila C é diferente de um cara que mora no Porto Meira, são recortes
possíveis, todos eles devem ter a possibilidade de em determinado
momento comparecer na história maior, na conversa maior e entre
todos os recortes possíveis.
E o terceiro eixo que trabalhamos é, ao mesmo tempo que res-
peitar e admitir a diversidade de todas essas culturas, estabelecer
critérios e organismos que permitam a sua expressão. Não basta no
dia do Folclore falarmos do saci Pererê e depois no resto do ano não
saber nada de como se constrói uma lenda, baseada numa história
tão crítica como foi a escravidão. São necessários canais que possam
ser usados. Eu acho que a cidade, de uma certa maneira, há algum
tempo começou a perceber certas coisas. O grupo de Maracatu, por
exemplo, é um organismo novo na cidade, no entanto está vinculado
a uma história tão antiga e que não aparecia.
E a religiosiade de origem africana, ela já existe na cidade, com
seus elementos artístico-culturais. Mas é uma religião tão rechaçada,
como se ela não existisse no nosso simbólico, como se ninguém fre-
quentasse um terreiro de Candomblé nessa cidade. Então talvez a arte
ajude a puxar um fio lá de baixo, que talvez mostre mais dor do que
a gente está vendo aqui em cima. Nós vemos somente o artesanato
dos indígenas, mas onde está o território e como acabou a história
deles no território, ninguém puxou até agora, para falar desses temas
e ao mesmo tempo da arte desses povos. O que já bebemos da cultura
paraguaia, da cultura argentina?
A UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-americana)
de repente veio e colocou tudo isso na moda; é um fenômeno de
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 227
modismo, mas não estou falando pejorativamente. Ela apareceu e é
tão forte que consegue colocar em evidência toda esta situação, mas
o som do portunhol existe há muito tempo aqui, muito depreciado,
embora agora se discuta o portunhol até na literatura, mas você admite
discutir isso como uma oportunidade de expressão. A nossa cidadania
está atrasada, assim como os direitos civis, os direitos elementares
de um cidadão, eles não são vistos ainda como possibilidade real
de convívio na cidade. E nesse caso, a cultura não é apenas para
o entretenimento da família, como diz o compositor argentino Fito
Páez, na música “Al lado del Camino”: “Não vim para divertir a sua
família, vim falar outra coisa”. Cultura é algo muito sério, apesar de
ter bastante humor, bastante musicalidade; e a cultura não é só a arte.
Ela é na verdade a expressão de como a gente se organiza para viver.
Então tudo pode estar nessa brincadeira. Enfim, esses três caminhos
nos colocam numa situação política de entendimento da cultura, en-
tão foi isso que fizemos, um projeto que desse resposta a tudo isso.
É por isso que a Guatá faz o “Tirando de Letra”, um projeto que
começou como um mediador de leitura, mas hoje é muito mais um
projeto de construção de expressões populares, que nos levam à
possibilidade das pessoas até começarem a ler: somos estimulados
e estimulamos. Quem é um agente cultural tem que perceber isso,
tem que viver isso de verdade. Quando se faz um trabalho que pode
ser lindo, bonito, bem acabado, você pode registrar, mas você deve
pensar: se é feito para alguém e aquele alguém não recebe o tesão de
participar, então não é um trabalho dinâmico e vivo.
228
vínculo. O centro de Foz do Iguaçu e o centro de Cidad del Este são
diferentes, mas as pessoas se intercomunicam. Ainda é muito pequena
a capacidade de produzir elementos simbólicos disso pela linguagem
da arte. Mas existe um trânsito de informações, de conhecimentos e
de saberes nessa história. Percebe-se que uma fronteira geográfica é
um obstáculo – o rio pode ser um obstáculo – , como pode ser uma
ligação, depende da ótica que vemos as coisas. Quem pesca aqui,
pesca lá, quem nada aqui, nada lá, nos dois sentidos. É um rio que
divide ou junta. Acredito até que dividiu mais do que uniu. Mas o
rio faz essa mediação. Como o nome de um peixe que conhecemos
dos dois lados, ou o som de lá do outro país que ultrapassa o rio. O
outro país vem de algum jeito, ele vem de dentro da caminhonete
do homem que vende gás, como do cara que vai daqui para comprar
bugiganga para revender, ou um comerciário que vai invisivelmente
às 5h00 da manhã trabalhar na loja do Paraguai e que volta de lá e já
não é mais como era antes. Enfim, vemos as coisas de forma estanque
e elas não são assim. Mas do ponto de vista da criação simbólica,
ainda somos muito tímidos. Não conhecemos as pessoas que fazem
arte em Ciudad del Este, como eles também não nos conhecem. Puerto
Iguazu tem uma orquestra de meninos que vieram pela primeira vez
se apresentar em Foz do Iguaçu no “Café com Teatro”, que ajudamos
a realizar. E Foz tem uma orquestra sinfônica, uma tentativa de or-
questra sinfônica, e ambos nunca se encontraram. Mas estão por vir as
políticas culturais que nos aproximem. Quantos livros são publicados
no Paraguai? Muitos livros são editados no Paraguai, por incrível que
pareça, inclusive em Ciudad del Este, e nós não sabemos aqui, nos-
sas livrarias não vendem, nossas bibliotecas não tem acesso, ou não
dão acesso à isso. Então há muito por fazer, há muito por entender.
Como se aproximar? Como se aproximar sem subordinação? Sem ter
hegemonia? Porque a nossa história é uma história de hegemonia,
os brasileiros, em relação aos paraguaios e até aos argentinos, man-
tiveram sempre uma hegemonia cultural; é um genocídio cultural o
que a nossa televisão faz com o Paraguai, por exemplo. Nós temos
acesso de 80 à 100 km de distância de português, a língua portuguesa
através da televisão. Ainda não sabemos o que isso representa para
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 229
a população daquele pedaço de terra que se chama Paraguai, acho
que a UNILA vai ter que estudar, vai ter que dar dimensão para isso,
vai ter que responder essas perguntas. Existem muitas coisas que nos
constituem de um jeito, mas não as conhecemos. É por isso que eu
digo que cultura na verdade é tudo: política é a cultura ou cultura é
a política? Não sei. Tem coisas que são sutis e tem coisas que não.
Geralmente nos choca os olhos aquilo que não é sutil, mas talvez o
que seja sutil, seja ainda mais violento, não é?
São problemas muito complicados que geram resistência; às vezes
resistências erradas, como contraposições nacionalistas. Na verdade
nós precisamos reunir aqueles que querem fazer uma grande “sopa”
disso tudo, ainda que a “sopa” não seja de ninguém. É esta a questão,
a cultura está intimamente ligada à hegemonia de poder. As políticas
culturais permitem você aumentar o seu grau de poder ou diminuir.
Nós não sabemos nem quais são os equipamentos de cultura das três
cidades. Nós, iguaçuenses, não sabemos quantos equipamentos de
cultura existem nem em Foz do Iguaçu. Estamos dentro do Teatro
Barracão, e 90% da população não sabe nem se ele é da prefeitura
ou não; ele é da prefeitura e está conveniado com uma ONG de teatro
para poder ficar aberto, porque senão, ele não fica. O ponto de cultura
da Guatá é uma biblioteca lá na escola Paulo Freire, na Vila C, que
estava fechada, mas é equipamento público, um equipamento que
não estava funcionando. Temos um caso igual ao da Vila C no Porto
Meira, sendo que esta fechou. A biblioteca pública de Foz do Iguaçu
não compra livros, ela não tem dotação para comprar livros. Eu não
sei se é assim nos outros dois países, mas acho que temos que nos
aproximarmos disso. Todos os que tenham interesse em quebrar a
hegemonia que está instalada dentro de um sistema de sub impe-
rialismo brasileiro, digamos assim. Enfim, eu acho que o mundo é
movimento: existe uma hegemonia, existe a sua contradição e existe
a dança dessas duas coisas. E dentro desse jogo existem as pessoas,
os indivíduos, o ser humano que também não é algo acabado.
230
OUTRAS FRONTEIRAS
F R O N T E R A N O R T E: ¿todo puede suceder?
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 233
Por la otra, la proliferación en los medios masivos de noticias e imáge-
nes sobre lo que acontece en la frontera; cabe preguntarse entonces,
¿es posible saber qué es, qué sucede en el norte de México?, ¿es factible
hacer una síntesis del límite entre ambas naciones? ¿Cómo “explicar”
el caos, el sinnúmero de transacciones (comerciales, culturales, vi-
venciales) que diariamente ocurren entre uno y otro territorio? Tal
como lo afirman Montezemolo, Peralta y Yépez respecto a Tijuana
“Así es la ciudad. No tiene síntesis” (2006, p. 5), lo mismo podría
decirse de los seis estados de nuestro país (25 ciudades fronterizas)
que colindan con Estados Unidos. De acuerdo con Bernardo García
Martínez, “‘el encuentro en la frontera’ es algo más complejo que
un asunto de ‘mexicanos y norteamericanos’ [...], pues involucra a
poblaciones que por diversas circunstancias escapan o han escapado
de esos calificativos [...]” (García Martínez: 2001, p. 19).
HeribertoYépez también aborda esta cuestión:
Quizá lo único cierto es que todos los mexicanos (del sur o del
centro) tenemos una “idea” de lo que sucede en los lindes entre
nuestro país y Estados Unidos, con base en dicho imaginario llega-
mos a conclusiones con frecuencia reduccionistas y, tal como anota
Alejandro Grimson, maniqueas:
234
Este supuesto suspenso, de todos modos, anuncia un final conocido:
la frontera ya no es material, sino simbólica; ya no es la línea de las
aduanas, sino el límite de la identidad. (Grimson: 2003, p. 14).
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 235
las intenciones de este ensayo, no obstante debe considerarse como
uno de los factores que, junto con el narcotráfico, tensan aún más las
relaciones entre ambos países.
Por el momento aludiré sólo a la violencia de “este lado”. Dicho
fenómeno no es nuevo, varios estudiosos han abordado ya cómo, a lo
largo de su historia, las ciudades fronterizas han padecido la conocida
“leyenda negra”.
236
Hacen expulsados e indocumentados su hogar bajo puentes de
línea fronteriza.
Algunos prueban suerte por primera vez, y otros, tras haber sido ex-
pulsados, buscan regresar al país donde, en la mayoría de los casos,
dejaron familia y empleo.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 237
Mucha gente dice que Tijuana es fea, es sucia, y sí, en parte sí, tienen
razón. Pero tiene mucho que ver que la gente no sea nativa de aquí,
sino que viene con el interés de cruzarse a los Estados Unidos y no
toman a su ciudad como nuestra. Dicen “yo nada más estoy aquí de
paso” y no les importa tirar la basura en la calle, tirar las botellas, ni
siquiera barrer el frente de su casa, porque al fin y al cabo me voy a
ir del otro lado. Y se pasan viviendo aquí veinte años, pero ellos van
a ir al otro lado, o se van a regresar a su pueblo, porque esta es una
ciudad muy fea” (García Canclini:1989, p. 23).
Justo enfrente, más allá del hilo de agua marrón del río Bravo, que
puede vadearse en algunas temporadas, se aprecian los edificios des-
238
lumbrantes del centro de El Paso. Las personas que viven aquí trabajan
en las maquilas, en algún mercado, a veces para la policía o en un
prostíbulo, y muchas se drogan. Cada dos o tres calles hay un punto de
venta[...] Aquí la heroína está disponible las veinticuatro horas; basta
tener el dinero, poco más de cuarenta pesos para una dosis de “lodo
mexicano”, una pasta café, impura y poco refinada que rápidamente
tapa las agujas y las venas. Uno puede inyectarse en cualquier parte, en
los picaderos –locales controlados por los narcos, en los que la entrada
cuesta cinco pesos – o en casa, a menudo con toda la familia (p. 55).3
3 Aunque no es el tema de este trabajo, debe hacerse notar el papel que los
medios de comunicación tienen no sólo en la construcción del imaginario sobre
la frontera, sino también en su “trivialización”; por ejemplo, este número de
la revista aludida incluye un meloso cuento de Peter Stams, una conversación
entre el sociólogo Gilles Lipovesky y Vargas Llosa y sus tradicionales colum-
nas y secciones; es decir, desde mi perspectiva, este estremecedor reportaje
pierde cierto “peso” en medio de sesudas conversaciones y recomendaciones
para leer a autores cuya realidad (a juzgar por el cuento incluido) obviamente
nada tiene que ver con lo que sucede en México.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 239
entonces que bajo estas circunstancias sería muy difícil (por no decir
imposible) el surgimiento de expresiones artísticas notables (escon-
derse para escribir, para pintar, para hacer música…) Tal como lo
advierte el declarante de la nota anterior, la violencia es ya parte de la
vida diaria de todos los habitantes de la frontera; sin embargo, tras la
alerta “se sale”, se continúa con el trajín cotidiano. De nuevo resulta
ocioso hacer una síntesis del problema; resta entonces inquirir ¿cuál
es la función que las expresiones artísticas juegan en esta compleja
dinámica social, de qué manera se acercan al fenómeno de la violencia?
Antes de acometer el ámbito artístico me detengo sobre algunas
consideraciones respecto al tema de la violencia. La primera de ellas
es que, lógicamente, dicha “calamidad” no es (nunca lo ha sido)
exclusiva de los estados fronterizos; basta revisar la prensa nacional
para darse cuenta que Michoacán, Jalisco, Veracruz y casi todo el
país padece este implacable azote; las causas pueden ser varias pero
todas derivan de una sola: la descomposición del tejido social debido
a la brutal desigualdad de oportunidades.
Como segundo punto debe señalarse quizás una obviedad, la
violencia no es una ni única, las diferentes manifestaciones de este
fenómeno se tornan cada vez más complejas, a la evidente lucha por
el poder y el dinero debe aunarse la imposición tácita de un estado
de terror permanente en toda la población (nadie está a salvo en
ningún lugar).
Es por lo antes anotado que durante estos periodos de “excepción”,
el arte ratifica su papel como espacio de resistencia. Los artistas del norte
han puesto de relieve además un aspecto decisivo: ante una violencia
que vuelve al individuo un número más, un sicario, adicto o víctima
de recambio anónima, ellos han entendido la importancia vital de crear
colectivos, grupos donde el sujeto forma parte de un objetivo común,
donde su nombre se une a los de otros para crear.4 El enunciado parece
240
sencillo: la individualidad que otorga el arte se intensifica dentro de un
conjunto de artistas entre cuyos fines se encuentra el aprendizaje cons-
tante de “andar juntos”. De acuerdo con Salvador Salazar Gutiérrez, en
un contexto de fractura social como el que viven los estados fronterizos,
las expresiones artísticas representan:
artes plásticas estos colectivos son aún más sobresalientes, en los años ochenta
surge por ejemplo el Taller de Arte Fronterizo y actualmente Rezizte colectivo
de arte urbano.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 241
la descomposición social de todo México. Al respecto Néstor García
Canclini –ante la pregunta de Fiamma Montezemolo “¿Estamos en
un momento de nueva “Leyenda Negra?” – comenta:
5 Entre los múltiples esfuerzos por dar “otra visión de Tijuana” se encuen-
tra el festival Entijuanarte que a la fecha lleva nueve ediciones. Respecto a
este encuentro multidisciplinario su director, Julio Rodríguez Ramos declara:
“Tomamos las calles de la ciudad y los espacios urbanos con intervenciones
de artistas nacionales y extranjeros; desarrollamos espectáculos de música y
teatro en las calles y con esto demostramos que Tijuana es una ciudad viva
que se puede disfrutar en cualquier momento, y que las situaciones difíciles
que suceden aquí –como en todas partes del mundo – sabemos superarlas”
(La Jornada, 29/19/ 2013).
242
con demasiada tinta. Desea, aunque no lo pronuncie, construir
una epopeya, una épica de la frontera (Las cursivas son mías.
Letras Libres, sep. 2005).
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 243
Frontera nuestra que estás en la tierra
244
El debate parece centrarse en cómo narrar una realidad de la que
es imposible sustraerse. Otro de los “peligros” de observar fenómenos
como la violencia y el narcotráfico desde la perspectiva artística es,
de acuerdo con Yépez, la sobreestetización del discurso: “Definir la
frontera estéticamente conviene al proyecto hegemónico; sobreesteti-
zando el análisis se despolitiza el discurso” (Yépez: 2005, p. 73), me
resulta casi ilusorio la despolitización del discurso argüido por Yépez,9
sin embargo su apreciación no se dirige a los artistas, sino sobre todo
a ciertas aproximaciones teóricas acerca de la frontera. Algunos apor-
tes críticos justifican la preocupación del autor de Tijuanologías, por
ejemplo para Paola Suárez Ávila los artistas del norte:
los medios se ocupen de las obras dando ampliación mediática, para impactar
con su obra. Pero es complicado porque en parte requiere subordinarse a la
lógica de los medios, que es efímera, que casi nunca genera ciudadanía sino
espectáculo, que puede manipular el mensaje” (NGC-FM).
9 La crítica de Yépez cobra mayor sentido cuando sabemos que una película
como El infierno, dirigida y escrita por Luis Estrada en 2010 y que narra con
lujo de detalle las atrocidades cometidas por el narcotráfico, consiguió un
gran éxito en taquilla. No pongo en duda la calidad de la cinta, preocupa eso
sí la idea de que gran parte de los espectadores creen haber visto sólo “una
película” sin cuestionarse apenas lo que dicha película revela acerca de lo
que está sucediendo en todo el país.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 245
Sin negar la seriedad del ensayo, la “arbitraria” (casi desenfa-
dada) confluencia de elementos tan dispares pareciera apuntar a
que éstos surgen ex profeso para que los artistas tengan material de
creación o como si se pretendiera encontrar un “lado positivo” a algo
que definitivamente no puede tener ninguno. El narcotráfico es ante
todo un síntoma más de la desintegración social del país, uno de los
factores que evidencian la perversión de un sistema profundamente
corrupto, sus efectos son siempre devastadores… y los artistas del
norte lo saben.10
246
híbridas estrategias para entrar y salir de la posmodernidad, ensayo
hacia el final del cual el estudioso argentino planteaba la visión de
Tijuana como un “laboratorio de la posmodernidad”. El propio García
Canclini en entrevista con Fiamma Montezemolo ha revisado esta
teoría, a dicha entrevista regresaremos más adelante, empero durante
más de una década su afirmación devino en lo que Yépez llamó una
“canclinización de la frontera”:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 247
sobrevivencia de los que se quedaban (García Canclini-Fiamma
Montezemolo).11
248
Tal parece que la “tentación” de caracterizar a la frontera como
una tierra que admite todas las posibilidades sigue latente.13 El origen
de dicha tipificación podría buscarse no en la definición, sino en el
efecto que, de acuerdo con Jameson, provoca lo posmoderno:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 249
fragmentos de entrevistas y con fotografías diversas (lugares, paisajes,
zonas distintas de Tijuana; moteles prostitutas, artistas, grafitis, y un
largo etcétera). El segundo también, pero mezcla multitud de citas de
artistas, académicos y personajes varios con fotografías de espacios,
momentos, lugares y gente; así como con fragmentos de cuentos o
textos sobre la ciudad. De ambos proyectos se infieren conclusiones
similares, de entrada se ratifica la idea de una ciudad-collage, una
especie de mosaico múltiple, llena de contrastes. La mezcla de textos
con fotografías tal vez pone de manifiesto la imposibilidad del discurso
de mostrar dichos contrastes y multiplicidad… por último, es válido
preguntar: ¿no se conforman así todas las ciudades? ¿No es sólo con
la fusión de la imagen con el texto que podríamos acercarnos un poco
más “atinadamente” a la cultura, a la realidad de cualquier ciudad? La
diferencia radica sin duda en el muro que atraviesa a las poblaciones
fronterizas, herida imposible de sanar que, día con día, recuerda a
sus habitantes que ellos también están “del otro lado”,14 así es por
ejemplo para Luis Humberto Crosthwaite:
14 De acuerdo con José Luis Navarro Solís: “Todas las ciudades fronterizas
nacen como una cicatriz que sana día a día, surge una costra y quizá en el
futuro borre su marca./ Pero no, aquí, cada día se ve más cercana la sangre,
la lesión llega al hueso, más y más profunda la herida” (Inédito).
250
La frontera como heterotopía
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 251
Deudora de las categorías de espacio y de estado, la frontera funciona
como una sinécdoque de nación y constituye una noción geográfica
y territorial, estrechamente relacionada con la irrupción del otro en
el discurso oficial al punto de interpelar las certezas acerca de la
identidad, de la cultura y de estado (Cebrelli-Arancibia. Dirección
electrónica en bibliografía).
[...] esa noción implica también que en la frontera una tercera nación
está en proceso de conformarse con la mezcla de rasgos culturales
mexicanos y estadounidenses. El autor [D. Arreola] considera que
esta última implicación [...] es errónea porque los habitantes de la
frontera mexicana, por ejemplo en Tijuana, muestran impaciencia
con quienes dudan de su mexicanidad. (Alegría: 2009, p. 29)
252
de cierre y aperturas específicos, lugares a los cuales se puede entrar
pero no siempre salir, impugnación de lo real frente a lo imaginario,
representar zonas de pasaje o transición…) coinciden con las diná-
micas de la frontera, no quisiera incurrir en el error de dar una nueva
definición a un territorio sobrepoblado de ellas. Importa sí destacar el
modo en que la frontera se ha erigido (la han erigido) como noción
privilegiada desde la cual es posible continuar cuestionando no sólo
lugares comunes sino tópicos que incumben a todos los mexicanos:
migrantes, cholos, tijuanenses… forman parte del ser mexicano, un
ser al que como nunca (como siempre) le es indispensable “dar el
salto a la otra orilla”. En un interesante ensayo sobre la significación
de El Río Bravo en la narrativa, Rodrigo Fernández Prado resume este
asunto de la siguiente manera:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 253
que los otros (tijuanenses o chilangos) son los malos o son, sobre
todo, los peores. (Yépez: 2006, p. 83).
254
Antes de comenzar con este punto conviene hacer una aclaración,
el spanglish, como se le ha llamado a esta mezcla (¿fusión?) de ambos
idiomas se habla, de acuerdo con Silvia Betti, principalmente por una
“Población […] que desea mantener su propia identidad dentro de un
país que no es el de origen (Betti: 2008, p. 16) y añade:
hay que mostrar que, por legítimo que sea tratar las relaciones so-
ciales –y las propias relaciones de dominación– como interacciones
simbólicas, es decir, como relaciones de comunicación que implican
el conocimiento y el reconocimiento, no hay que olvidar que esas
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 255
relaciones de comunicación por excelencia que son los intercambios
lingüísticos son también relaciones de poder simbólico donde se ac-
tualizan las relaciones de fuerza entre los locutores y sus respectivos
grupos (Bourdieu: 2008, p. 11).
En los dos lados de la frontera nuestro uso cotidiano del otro idioma
(inglés/español) obedece frecuentemente a fines ridiculizantes. Los
dos idiomas son usados por sus no-hablantes como forma de balbuceo
universal […] En las estaciones de radio de San Diego, el español es
usado periódicamente para mostrar su vulgaridad, para demostrar
que está esencialmente vinculado a la cocina (“Hey, mamacita, do
you want tamales along with that song?”) (Yépez: 2006, pp. 52-53).
256
1. ANTO ENDO FOREVER!
“La vida realmente se repite en sí misma” se puede leer en una pared llena
de graffiti al momento de emprender el ride de la nostalgia. “Nadie es ino-
cente” gritaba, veinte años atrás, el tal Johnny Rotten pero eso no importa
ahora; mejor baila, baila with the designer’s music del disco-club o juega
maquinitas mientras dure la fiebre, el jodido mañana no tardará en llegar.
Aquí se habla everything pero ¿para qué? Nuestro Cristo Pop es skinhe-
ad, lleva piercings y un par de tatuajes too cool que, si se fijan bien, se
puede leer en ellos un anticipo del dogma de los noventas: “Yo no fui,
nadie me vio” (Rafa Saavedra, Bukonica blog. Dirección electrónica
en bibliografía)
15 Dato curioso: los tres tijuanenses a quienes formulé la pregunta, ¿se habla
spanglish en la frontera? , respondieron respectivamente: sí, no, a veces ….
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 257
es puente o barrera; estimula el diálogo o lo ahoga”(Magris: 2001, p.
57); hasta el momento, en la frontera entre México y Estados Unidos,
prevalece lo segundo.
La obsesión de cruzar
XII. Despedida
Hermanos en la fe:
[Eufórico]
Ya con esta me despido, pero pronto doy la vuelta. Sólo resta invi-
tarlos a cruzar la Frontera.
Cuando ustedes vean una; cuando estén frente a ella y sientan el
poderoso llamado, no se aten a los mástiles, no cierren los ojos, no
pasen de largo con gran indiferencia; arrójense, más bien.
Crucen, crucen, crucen.
258
Que no quede una frontera en este mundo sin cruzar, crúcenlas todas,
que al fin para eso están ahí. Para eso delimitan, para eso nos res-
tringen, nos retan, nos agreden. Para eso, para que crucemos la línea
que forman, para desaparecerla en el momento que la traspasamos.
Y si alguien les impide el paso, ustedes pasen.
Y si les dicen que nada tienen que hacer ahí, ustedes pasen.
El mundo es de todos. (p. 201).
Bibliografía:
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 259
Ceballos Ramírez (coord.). México, El Colegio de México/ El Colegio de la
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262
CUENTOS PINTADOS DEL PERÚ:
memorias, imágenes y lenguas del Ande
INTRODUCCIÓN
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 263
lo que se les considera en peligro de extinción. A pesar de todos estos
factores en contra, la mayor variedad lingüística se da en la Amazonía,
donde alrededor de 300,000 peruanos usan cuarenta idiomas diferentes
(EL COMERCIO, 2002, p. 52-53)
En el caso de las lenguas andinas, el Quechua según Decreto Ley
21156 de 25 de mayo de 1975, es oficial nacional (RAVINES y AVALOS,
1998.), formada por aproximadamente 31 dialectos geográficos; es la
más extendida entre la comunidad andina del Perú, con 4,5 millones
de hablantes (18% de la población total nacional); seguido del Aimara
hablado por 400,000 habitantes (1% de la población nacional) locali-
zados en Puno, Arequipa, Moquegua, Tacna y la serranía limeña de
Yauyos, donde aún se habla –aunque en proceso de extinción – en
Jacaru (en los pueblos de Tupe, Asia y Colca) y Cauqui (en el pue-
blo de Cachuy) que vienen a ser los antecedentes del Aimara que, a
nivel de países se extiende en un amplio territorio que comprende a
Bolivia y el Perú, y en menor porcentaje a Chile. En el caso peruano
se circunscribe a la periferia del lago Titicaca (sudoeste/noreste del
lago) y al noreste de Puno. (UNEBI, 2000).
En Lima Metropolitana y la provincia Constitucional del Callao se
condensan casi todas las lenguas andinas y amazónicas, como pro-
ducto de poblaciones migrantes procedentes de diferentes regiones,
donde se evidencia la cifra más alta de quechua hablantes (99%),
incluida a todas sus variantes. Esta alta concentración de migrantes
andinos se observa principalmente en los distritos de los conos sur y
este, donde se perfila a una población mayor de 25 años. Tendencia
en la que coinciden varios estudios señalando en cifras y mapas a un
alto porcentaje ubicado en San Juan de Lurigancho, el Agustino, Santa
Anita, Ate, San Juan de Miraflores, Villa María del Triunfo, Chorrillos,
Villa el Salvador, Cieneguilla y Pachacámac; siendo los dos últimos
los de reciente migración, los menos integrados a la metrópoli y los
de mayor porcentaje quechua (CHIRINOS, 2001, p. 118-119)1.
Sin embargo, los migrantes andinos asentados en las periferias de
la urbe limeña, no solo se comunican en quechua y/o aimara, sino
1 Véase a Chirinos Rivera (2001), y los datos del INEI (1993 y 1994).
264
que como producto de adaptarse y socializar con el entorno de pobla-
ción costeña con la que conviven, tienden a hablar en Quechuañol2
y/o en Aimaroñol, y así, de similar forma se va produciendo con las
demás lenguas que constituyen “los mejores testimonios actuales
de la heterogloxia (diversidad de lenguas) conflictiva que define al
Perú”, donde no necesariamente se produce desentendimiento entre
ellas (MACERA, 1999, p.12).
En este contexto, Pablo Macera señala que las narraciones de
los pintores del Ande –como Carmelón Berrocal – en la urbe limeña
se enfrentan a varias situaciones, por un lado si bien conservan la
pureza artística de sus oralidades con su propia sistemática, a la vez,
al asumir sus lenguas – subordinadas del español – “la escritura, de
algún modo se occidentalizan.” Más aún, cuando la oralidad es lle-
vada al análisis científico3, esta se altera al ser sistematizada para la
lectura de una sociedad “escrituraria y alfabetizada”. Para sentenciar
finalmente que, “nuestras lenguas subordinadas se hallan en trance
de insubordinación.” Es decir, van a la búsqueda de una normativa
lingüística acorde a sus lenguas de origen, tendiendo de este modo
a la posible fragmentación – a futuro – del español, que se retrasará
todo el tiempo que el sistema de poder pueda hacerlo, tanto en el
Perú como en toda Latinoamérica.
Por tanto, el relato popular no debe compararse con los géneros
de la gran literatura, ni considerársele inferior, porque es el resultado
de la voz colectiva que si bien no necesariamente agota todas las po-
sibilidades de expresión del mundo y de las cosas (URBANO, 1982,
p.I-III); sin embargo trasmite tal cual la concepción cosmológica de
un espacio, de una colectividad, válido para un análisis comparativo
2 Término que señala Pablo Macera fue propuesto por el historiador José
Tamayo Herrera con un énfasis crítico negativo respecto al quechua empleado
por José María Arguedas. La heterogloxia definida por Ballón, y en torno a las
relaciones de subordinación de las lenguas estructurado por Cornejo Polar.
3 Para ver la evolución de los estudios sobre la tradición oral en el Perú
desde 1896 hasta 1976, y en torno a la relación del testimonio oral peruano
y las ciencias sociales, Véase a Chonati (1978) y Andreu (2000),
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 265
a posteriori de todo un universo mayor que compone un país, con
sus lenguas, sus costumbres y sus tradiciones.
Esbozado así, a grandes rasgos, sobre el cuidado que se debe
tener en el tratamiento de los relatos y/o testimonios orales, hay que
advertir también lo que la experiencia nos va dejando, y es el de ver
hacia qué público se dirigirán estas informaciones y cómo deben ser
canalizadas. Para el científico social será de mayor utilidad la trasmisión
escrita tal cual, mientras que para la población escolar deberá hacerse
una adecuación mínima de la redacción y ortografía, manteniendo la
forma coloquial del informante del relato, sin alejarnos demasiado de
la oralidad de las gentes de los pueblos de la costa, del Ande y de la
Amazonia peruana. Pero, debemos pensar en incluir una tercera op-
ción –aunque debiera ser lo primero a elaborar – para la colectividad
trasmisora, donde lo publicado conserve tal cual la oralidad de origen,
con una mínima organización de la escritura a cargo de especialistas.
266
de la zona y maestro carpintero que laboraba por esos años en la sede
Colegio Real de San Felipe, de la Universidad Nacional Mayor de San
Marcos, en el mismo lugar donde quedan las oficinas del historiador,
quien con este cuento huamachuquino y a través de la “Dirección de
Proyección Social de San Marcos inicia su serie La Quillca destinada a
recoger testimonios del arte oral andino y a promover las realizaciones
creadoras de los trabajadores del Perú” (MACERA, 1975, p.II).
A ello prosigue la apertura de estudios de historia, antropología,
arqueología, etnohistoria, literatura y sociología, desde donde se han
abordado temas en torno al arte, oralidad, folklore, iconografía, ritua-
les, artesanía, retablos y biografías de personajes de la sierra norteña
y del sur del ande peruano (ANDAZABAL, 2006, p.19).
En esta perspectiva de estudio y trasmisión se enmarca el proyecto
Cuentos Pintados del Perú, creado y dirigido desde el año 1994 a la
fecha por Pablo Macera Dall´Orso, en torno al fomento y desarrollo
de la educación intercultural y bilingüe, a través de la recopilación de
cuentos tradicionales del Ande (Ayacucho, Puno, Ancash, Cusco), de
la Amazonia (Shipibo, Bora, Asháninca, Aguaruna) y de los hijos de
migrantes de colegios públicos de Lima. Trabajado por el área de histo-
ria [Rosaura Andazabal (Andes) y María Soria (Amazonia] y el valioso
apoyo externo de la docente Idelsa Mestas Delgado y el antropólogo
Javier Macera Urquizo, con el concurso activo de pintores y narradores
autodidactas, quienes han producido relatos orales tradicionales asocia-
dos a la concepción propia de las cosmogonías locales de sus lugares de
origen que, se complementan con pinturas elaboradas por ellos mismos.
Inicialmente, estos materiales en quechua y aimara procedentes
de Ayacucho y Puno, así como sobre los Bora y Shipibo, se han publi-
cado a color, en lengua bilingüe (español/nativo) normatizado y con
interpretaciones antropológicas que, han contado con el apoyo de la
Editorial Bruño, el Ministerio de Educación, de la GTZ de Alemania,
del Seminario de Historia Rural Andina y de la Universidad Nacional
Mayor de San Marcos. Posteriormente el proyecto logró ampliar su
radio de acción a otras zonas rurales andinas (Cusco, Ancash y Lima)
y amazónicas (Asháninca y Aguaruna) que, no sólo ha incluido pu-
blicaciones normatizadas (para escolares) y sin normatizar (de interés
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 267
académico), sino también la exposición de los relatos con información
sucinta y sencilla dirigido a la comunidad en general, lo cual se hizo
efectivo con la inauguración de la Sala de exposiciones Colegio Real con
la muestra titulada Pintura Popular: Niñas y Madres (2001)5y, a través
de calendarios de Arte Popular que se han ido publicando desde el año
2002 hasta el 20096, con obras de artistas del Ande como Carmelón
Berrocal, Félix Condori, Zorayda Jara y Genoveva Núñez; seguido de
las de Enrique Casanto y Katty Casanto Ríos (Ashánincas), Lastenia
Canayo García, Diana Rodríguez Pacayo y Anita Angulo Rodríguez
(Shipibas) y Félix Chumacero (Piura). De este modo el proyecto va
cumpliendo sus objetivos de difusión –oral, visual y escrita – de nues-
tras tradiciones culturales, a través del rescate, revaloración y puesta
en valor de nuestras lenguas andinas y amazónicas, pero también fo-
mentando el desarrollo de la pintura autodidacta, expresado en diversos
temas, formatos, soportes (madera, llanchama, telas y cartulinas) y
tintes naturales (tierras y plantas) o industriales (plumones, témperas,
lapiceros y lápices de colores). La realización de esta segunda fase ha
sido posible gracias al auspicio de la UNESCO.
268
Artistas que han innovado sus tradiciones sin dejarse avasallar
por ese monstruo tecnológico que viene del primer mundo y que
mantienen sus identidades a través de códigos orales, pictóricos
y musicales.
En el área andina del cual me ocupo, son artistas migrantes de
habla Quechua y Aimara establecidos con sus familias en los conos
de Lima Metropolitana, que son los casos de Carmelón Berrocal, Félix
Condori, Zorayda Jara y Genoveva Núñez, lo cual ha facilitado el
desarrollo de nuestro trabajo mutuo. Población que es parte de ese
flujo migratorio del interior del país concentrado en Lima desde 1940
(10%), cuyo índice en las últimas décadas muestra un crecimiento
vertiginoso del 40%, que indica que cada uno de tres peruanos vive
en Lima (INEI, 2002).
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 269
2.2 Carmelón Berrocal:
Arte, historia y tradición de Sarhua
270
Carmelón Berrocal pertenece a una cuarta generación de pintores10
habiendo iniciado su ruta de artista en el ADAPS11, bajo la dirección del
maestro Yucra en la Casa Cural de Sarhua, donde entre 1980 y 1981 pule
su técnica de pintura, aprende a diferenciar las illas12 y los frijoles de colo-
res, entendiendo el significado de cada una. Allí también Berrocal –junto
a Reynalda Quispe-, además de recibir un pago por su obra, empezó a
pintar a pedido, escenas costumbristas de la vida cotidiana de Sarhua,
manejando ya nuevos formatos en soporte de triplay, así como el uso de
tintes industriales para el pintado. Estas nuevas tablas pintadas de Sarhua
eran solicitadas por el ADAPS de Lima, para satisfacer los requerimientos
del usuario limeño. De este modo, se puede aseverar que a partir de esta
generación se deja un tanto el uso de las tierras naturales y los soportes
de maguey, de pati, de aliso y de molle; sin perder el estilo tradicional
y la temática intrínseca de su cosmos circundante.
Hacia la década de 1980 nuestro artista migra a la ciudad de Lima,
y en ella se inserta en un sistema laboral eventual e informal (vendedor
de loterías y jardinero), con la que obtiene exiguos ingresos, pero, que a
contraparte le dejo espacio para culminar sus estudios hasta la secundaria
(1990), en colegios públicos de los distritos de San Juan de Miraflores y
Chorrillos, etapa donde sus dotes de adiestrado pintor aflora con fuerza
y por mérito propio obtiene los primeros lugares en concursos de dibujo,
con temas en torno al trabajo en Sarhua, como el titulado Recolección
de la cochinilla. Paralelamente, a mediados de esta década ingresa al
ADAPS13 hasta 1991, lapso donde alterna con maestros experimentados
como Juan Walberto Quispe y Julián Ramos, siendo este último el que
depura la técnica de la pintura de Carmelón Berrocal, adiestrándolo en
la mezcla de colores y el manejo de pinceles industriales.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 271
La búsqueda de un mejor norte para sí y los suyos lo orilla a la
apuesta por el taller familiar al lado de su hermano Pompeyo, apenas
iniciado el año 1991, cuya ventaja era que las obras que producían en
conjunto – y algunas que hacía de manera individual – se expendían
en el puesto para venta de artesanía que su hermano posee en el
distrito de Miraflores, lo cual garantizaba el ingreso familiar, pero no
la ansiada independencia personal en términos de economía y lo que
como artista quería desarrollar. En este trayecto estaba hasta que en
1994, conoce al historiador Pablo Macera, quien era asiduo cliente de
su hermano Pompeyo, y precisamente en una de sus visitas al puesto
de Miraflores se interesó Macera en una tabla que aludía al cuento El
joven ocioso o Qilla Maqta que Carmelón había pintado.
Este encuentro define su ingreso al proyecto Cuentos Pintados del
Perú, accediendo a la invitación de Pablo Macera, donde tuvimos la oca-
sión única para apreciar los valores personales y artísticos de Berrocal.
Fase a la que llegó como un artista de tradición de alta especialización,
con la oralidad a raudales que sobrepasaba a sus pinturas. Oralidad e
imagen que en esta nueva etapa tuvo la ocasión de vincularla a su na-
rrativa quechua/ español/ quechuañol. Donde su producción plástica
involucionó –para bien – del uso de tintes industriales hacia las tierras
naturales y los tintes vegetales. De este modo, Berrocal consolidaba
in extenso su obra que pudo ser apreciada por la crítica especializada
en Lima, con motivo de la apertura del Museo de Arte de la Casa de
la Moneda (BCR), donde una sala estaba dedicada a ella. Vino luego
en 1996 la publicación de dos libros de cuentos, y tras ella su viaje a
Dinamarca en 1997 al Festival de Aarhus donde expuso con gran éxito,
estableciendo nexos internacionales con invitaciones en curso hacia
Colombia, Japón, Estados Unidos y Europa, avizorando un prometedor
futuro para la exportación de sus obras. Todo lo cual queda trunco el 4 de
febrero de 1998, con una extraña muerte14 de Carmelón junto a sus hijos
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 273
en forma individual o colectiva, fuimos los instrumentos para que
él pudiera pintar y hacer todo lo que hizo”. (MACERA, 1999, p.17).
“Sin exagerar todos podemos decir que Carmelón Berrocal era un
nuevo Guamán Poma viviendo en el siglo XX. Como todos los grandes
maestros Carmelón Berrocal ha cumplido una doble función dentro
del arte andino peruano: formar parte de una tradición y al mismo
tiempo cambiarla” (MACERA, 1999, p. 11).
274
en negro antes del pintado y acabado final. Berrocal había ini-
ciado con Félix Condori el desarrollo de su taller propio, donde
posiblemente iría congregando a jóvenes – con aptitudes – de
diversos lugares del Perú asentados alrededor suyo en las Delicias
de Villa (Chorrillos), para legar en ellos todos los conocimientos de
su tradición.
Era abril de 1998, a Félix Condori al igual que a Carmelón Berrocal
invitado a trabajar en el proyecto, se le dejó que planteara los temas
a narrar y pintar, de aquellos saberes que había escuchado de su
abuelo, de su padre y de su entorno familiar.
A los inicios pintó Condori algunas tablas en torno a animales
y plantas que iban centrados sobre fondo blanco, el que con el
tiempo devino en un extraordinario manejo de la perspectiva y de
la proporción de los personajes. Todo lo cual se tradujo en una bella
explosión cromática de colores fuertes y cálidos, donde devanea con
fuerza los ocres, azules y verdes en un sinfín de tonalidades que,
contrasta bien con los tonos de resplandor e iridiscencia de los astros
y fenómenos atmosféricos, imprimiendo al final sutiles figuras que
emergen a manera de tenues halos blancos.
Habiendo producido desde entonces en disímiles forma-
tos, soportes (cartulina, cartón y triplay), pinturas industriales
(témperas, óleos y acrílico) y lápices de colores, varias series en
torno a fiestas, danzas, trajes, máscaras, flora, fauna y relatos
puneños donde cobran vital importancia las pozas, las serpien-
tes y las ranas como agentes primordiales que regulan el ciclo
del agua. Donde Félix Condori vincula también – a su obra-, las
celebraciones rituales, en el que se mezclan sueños y seres mi-
tológicos en una relación cíclica que establece el hombre aimara
con el cielo, la tierra y el agua, las cuales reflejan un eje mágico
constante que actúa para canalizar, ordenar y fiscalizar el com-
portamiento de los animales y de los seres humanos. Lazo que
establecido entre lo cotidiano y lo mágico se traduce en disímiles
escenarios, en el que se engarzan elementos andino/occidenta-
les como también la práctica oral y escrita de la lengua aimara
(ANDAZABAL, 2002).
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 275
Félix Condori. La mujer que vive en el lago. Lima, 1995.
Técnica mixta sobre cartulina, 27 x 37 cms.
276
las tablas de Carmelón Berrocal que cubrían casi todo el recinto, y
en el diálogo señaló Zorayda su deseo de participar con sus dibujos
y la oralidad de su pueblo.
Prefirió ella las cartulinas y plumones, para graficar en sus pri-
meras pinturas los relatos tradicionales de Huasta, pero a medida que
nuestras reuniones avanzaban su testimonio personal más reciente y
urbano se imponía sobre la tradición campesina de su pueblo, Zorayda
elaboraba su propia terapia. El resultado fue gratificante: la fusión
oral y plástica de Zorayda Jara marcaba un registro del rol que ha
desempeñado la mujer migrante, en los últimos cuarenta años, del
mundo del cual ella ha sido y es parte, de ese engranaje atiborrado de
mecanismos de “asistencia social” promovido por el Estado, la Iglesia
y las ONGS, de iniciativas populares, lo que le ha permitido a Zorayda
subsistir con los suyos en un medio sórdido y hostil.
Sin duda historias como la de Zorayda se suceden a diario en la
periferia limeña. Características personales que también han vivido o
viven muchas mujeres migrantes de diversos puntos de nuestro país
coincidentes en estos sectores.
El registro personal de Zorayda desliza disímiles posibilidades
para un estudio socio histórico de poblaciones migrantes asentados
en los principales conos de Lima de las últimas décadas, donde un
gran porcentaje de migrantes andinos figuran inmersos en un vaivén
constante de trabajos informales, eventuales y mal remunerados, cuyas
protagonistas principales son mujeres (madres de familia) que subsis-
ten solas o apoyando el ingreso económico de sus familias. Condición
laboral que las circunscribe como subempleadas de instituciones
estatales o privadas, cuyos pagos la mayoría de veces se limitan al
canje de artículos de primera necesidad, canje que se incrementa en
épocas de elecciones presidenciales, congresales y edilicias.
Por otro lado, su testimonio nos sirve de termómetro a través del
cual podemos ver el comportamiento interno de los programas de asis-
tencia social del Estado y de las ONGS, sus formas de operar, rastreando
si dichas medidas favorecen y/o solo usufructúan de estas poblaciones.
Asimismo podemos discernir el desenvolvimiento de las dirigencias
comunales y de las organizaciones individuales de dichas instituciones.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 277
Zorayda Jara. Mudanza a Pamplona. Lima, 2000.
Plumón y lápiz de color sobre cartulina. 30 x 35 cms.
278
2.5 Genoveva Núñez:
de la hacienda Rumira a Huampaní Alto
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 279
trabajos menores y alternó con diversas personas que trabajaban en
dichos lugares, quienes como Margarita Piñares le narró historias
de su pueblo Mamara (Apurímac), o el que la buena Agripina le
contaba – en casa del doctor Gabriel Cosío – de lugares adyacentes
al valle del Ollantaytambo. Sumando a su imaginario, lo vivido in
situ en la casa de Chacchapata, de sus tíos Encarnación Huamán
y Laurencio Miranda, un espacio mágico con un cerro-encanto de
la época de los Incas, pródigo en fauna y flora silvestre, rodeado
de cerros minerales, donde palomas encanto dominan el escena-
rio. Cerca de allí, en Chokkebamba conoció a la pastora Dorotea,
a quien los lugareños conocían como la hija del cerro, la hija del
ukuko (oso), o como el Ángel de los animales silvestres. Aprendió
de ella a comer kallampas, setas (hongos) y gusanitos Sukampo;
a comprender que los cerros, lagos y nevados tenían vida, y que
se alimentaban a través de los cóndores, quienes devoraban las
ofrendas que los campesinos y hacendados les hacían en pos de
una óptima producción agrícola y ganadera.
280
Finalmente, forman parte de la oralidad de Genoveva, aquellos
relatos sobre la pródigas tierras de La Convención trasmitidas por
don Luciano y doña Asunta Sayre, sus vecinos de Icmapampa; y el
que compartió su tío Inocencio Herrera Teniente sobre el maravillo-
so mundo de las sirenas que pernoctan en las cataratas del Nevado
Salccantay, a quienes debía su fama de gran músico debido a los
poderes que ellas le habían otorgado.
La miscelánea obra plástica de doña Genoveva, refleja una marca-
da preferencia por los Orqos (Cerros/Nevados/Montañas) en actividad,
a los cuales imprime colores intensos como el rojo/naranja para el
escenario mágico, el amarillo vivaz para el ocaso del sol; mientras que
los azules grisáceos compiten con tonos rojizos y amarillos (cobre),
evidenciando ser indicadores de la existencia de vetas minerales,
cuyas venas distingue en disímiles grosores de líneas en color negro.
Para armonizar seguido en inagotables verdores a la flora silvestre,
a las que sabe encauzar con el discurrir de aguas cristalinas que en
ascenso llegan a un celeste intenso.
Conclusiones
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 281
historias particulares que convergen en espacios de encuentro, de
conflicto y de esperanza, formando parte de la historia contemporánea.
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Cuentos Pintados del Perú / Pirumanta Qillqasqa Willakuykuna. t. IV (
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Andina (UNMSM) / Dirección Nacional de Formación y Capacitación Docente
(Ministerio de Educación del Perú) / Deutsche Gesellschaft Für Technische
Zusammenarbei (GTZ) GMBH, 1ª Ed., 1997, 32p. Tarea Asociación Gráfica
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EDITORIAL SOL 90. Gran Atlas Universal. Perú. Lima: Empresa Editora El
Comercio, S.A., 2002, 124p.
CA RTO G RA F I A I M A G I N Á R I A D A T R Í P L I C E F RO N T E I RA 285
Este livro foi impresso pela Prol
sobre papel Chamois Fine 80 g/m2,
para a Dobra Editorial, em abril de 2014.