Você está na página 1de 21

Abril FFLCH 2021

Breve introdução ao estudo das línguas indoarianas

Panorama da escrita
devanāgarī
Prof. Dr. Adriano Aprigliano DLCV
दे वनाग र
Prof. Dr. Paulo Chagas de Souza DL
História
● A escrita devanāgarī (ou apenas nāgarī) é atestada desde o séc. VII.
● devanāgarī é um composto nominal adjetivo que qualifica o termo elíptico lipi, f. “escrita”.
É formado de dois termos, deva, m. “deus” e nāgarī, adj.f. “urbana”, derivado de nagara, n.
“cidade”. O composto significa “a [escrita] urbana dos deuses”.
● Trata-se de nome moderno. Na Índia, passa a figurar no uso a partir do séc. XVII, entre
os paṇḍitas, os professores das disciplinas tradicionais.
● Acabou por ser adotado pelos europeus no período da difusão do sânscrito na Europa,
esp. a partir do séc. XVIII.
Precedentes: brāhmī
● O devanāgarī descende da antiga escrita chamada, a posteriori, brāhmī (lipi), i.e., “escrita
de Brahmā”, pelo deus que, segundo a tradição, teria revelado a escrita aos homens.
● Esta escrita é primeiro atestada na inscrições do rei Asoka (III a.C).
● A escrita do período Gupta (IV-VI d.C.), será o modelo de várias escrita da Ásia Central.
● Trata-se de um alfassilabário ou abugida.
○ Chama a atenção a notação fonética precisa do consonantismo e vocalismo dos dialetos do indiano médio e
do sânscrito.
○ A precisão fonética reflete, de maneira geral, a literatura dos Prātiśākhyas (tratados de ortoépia, datados de
c. V-I a.C.).
Sarnath, Uttar Pradesh, Índia.

Vaishali, Bihar, Índia.


Devanāgarī: características gerais
● O devanāgarī é um abugida, i.e., um sistema de escrita alfassilábico.
● Abugida é o nome da escrita alfassilábica dos antigos etíopes, usada inicialmente para
escrever o ge‘ez (etíope antigo) e, mais tarde, o amárico, o tigré e outras línguas da
Etiópia e da Eritreia. A palavra foi adotada pela Linguística moderna como termo
técnico, tendo o mesmo sentido de alfassilabário.
● A principal característica dos abugidas ou alfassilabários é o fato de representarem num
único sinal a unidade da sílaba de tipo Cv, i.e., consoante e vogal inerente.
● Sendo assim, resta verificar como cada abugida soluciona:

a) a representação das vogais como núcleo de sílaba (i.e., em posição inicial);

b) a representação da consoante sem vogal (i.e., em posição final de palavra).

c) a representação das vogais diferentes da vogal inerente;

c) a representação de encontros consonantais.

Em seguida, veremos como o devanāgari soluciona esses problemas. Mas


comecemos pela forma básica dos sinais consonantais simples.
Sinais simples consonantais
● Em devanāgarī, a forma simples do sinal silábico é Ca, i.e., representa a sílaba constituída
de uma consoante (C) e da vogal a breve:

क ka त ta च ca प pa
● Observe que a arquitetura dos sinais, na maior parte dos casos é constituída de:

i. elemento particular e distintivo

ii. um traço vertical

iii. e um traço horizontal de fechamento.


Sinais simples consonantais
● Há um número menor de sinais que não contém o traço vertical completo, mas apenas
um pedacinho dele, sendo a parte interna do sinal tomada pelo elemento distintivo, de
base arredondada, e.g.:

द da, ह ha, etc.


Sinais simples vocálicos
● Também são representadas por sinais simples as vogais quando constituem sílaba, i.e.,
em posição inicial:

अ a, ए e, इ i, etc.
एक [ए-क e.ka] um, ओदन [ओ-द-न o.da.na], arroz
● O rol de sinais simples do devanāgarī corresponde aproximadamente ao aparato
fonológico do sânscrito tal como descrito pelos antigos gramáticos indianos: são 46 os
sinais simples, sendo 33 consonantais e 13 vocálicos.
A consoante sem vogal
● Para representar a consoante sem vogal, usa-se um sinal chamado virāma (“supressão”),
um pequeno traço transversal posicionado debaixo do traço vertical:

क् k च ् c त ् t प ् p
दे वात ् [दे -वात ्] de.vāt (abl.s. de deva)
वाक् vāk (nom.s. de vāc)
○ Este sinal é usado, em princípio, apenas em fim de frase, já que nos demais casos a consoante fará parte de
um encontro consonantal, como veremos adiante.
• No caso de sinais de base arredondada, o virāma se posiciona sob o elemento
arredondado, à altura do pedacinho de traço vertical que o sinal contém:

द् d ह् h
Sinais diacríticos
Para representar as vogais diferentes de a breve, que é inerente aos sinais simples,
empregam-se sinais diacríticos posicionados no entorno do sinal consonantal., e.g.:

sobre: ◌े (e), e.g., ते te, पे pe


antes: ि◌ (i), e.g., त ti, प pi
depois: ◌ो (o), e.g., तो to, पो po
debaixo: ◌ु (u), e.g., तु tu, पु pu, etc.
veda वेद [वे (व ् + ◌े) + द]
[ve (v + e) + da]
lipi लप [ ल (ल ् + ि◌) + प (प ् + ि◌)]
[li (l + i) + pi (p + i)]
yoga योग [यो (य ् + ◌ो) + ग]
[yo (y + o) + ga]
buddha बुद्ध [ बु (ब ् + ◌ु) + द्ध (द् d + ध)]
[bu (b + u) + ddha (d+dha)]
Sinais diacríticos também são empregados para representar:

a) o r pré e pós-consonantal;

b) um conjunto de fonemas consonantais derivados;

c) a ausência da vogal inerente ao sinal (o supramencionado virāma);

d) marcadores de acento tonal, utilizados apenas para o sânscrito védico.


Os sinais compostos
● Do ponto de vista da representação escrita, a sílaba em devanāgarī termina sempre numa vogal. Sendo
assim, os encontros consonantais ocorrem sempre no início da sílaba gráfica.
● Tome, e.g., a palavra tapta (“quente”). Em devanāgarī, ela se divide em duas unidades gráficas: ta e pta. A
resultante gráfica da sílaba que contém o encontro consonantal será um único sinal composto ou
combinação da parte distintiva do sinal anterior – i.e., sem o traço vertical, se houver – com a forma
plena do último sinal:

pta: प ् → + त → प्त

ta.pta: त-प्त < तप्त


Sinais compostos
● Em sânscrito ocorrem sílabas de tipo CCv, como em ta.pta, e CCCv, como em māhā.tmya (“grandeza,
magnanimidade”) – muito raramente, CCCCv (e.g., kā.rtsnya, “totalidade”). Também no caso de CCCv, como
em tmya, teremos as partes distintivas do ta e ma, combinadas com a forma plena (ou simples) do ya:

tmya: त ् → + म ् → + य → त्म्य

माहात्म्य [मा-हा-त्म्य mā.hā.tmya]


● O rol de sinais compostos é numeroso, no entanto, identificá-los, na imensa maioria dos casos, depende tão somente de
conhecer bem a forma dos sinais simples e os princípios que regem a combinação.
Pontuação
● Por fim, cabe mencionar os sinais de pontuação. A escrita devanāgarī tradicionalmente
utiliza apenas o daṇḍa (“bastão”), que pode ser simples ou duplo:

तप्त । तप्त ॥
○ Em geral, o primeiro divide orações; o segundo fecha parágrafos. No caso de verso, o primeiro divide os
hemistíquios de um dístico ou estrofe; o segundo encerra o dístico ou estrofe.
○ Observe que as línguas indianas modernas que se escrevem em devanāgarī, como o hindī, o marāṭhī, etc.,
além do daṇḍa simples e duplo, fazem pleno uso dos sinais de pontuação romanos.
Vākyapadīya, de Bhartr̥hari (séc. V), livro III, incipit. Manuscrito do séc.
XIX ou XVIII.
Rasataraṅgiṇī,
de Bhānudatta
(sec. XVI),
manuscrito de
1618.
Mahābhārata, Puna, B.O.R.I, 1971 Br̥hadāraṇyaka, Paris, Les Belles
Lettres, 1967.
Bibliografia
Aprigliano, A. Manual de devanāgarī, 2020.

Mawet, F. Grammaire sanskrite à l’usage des étudiantes hellénistes et latinistes. Leuven: Peeters,
2012.

https://en.wikipedia.org/wiki/Brahmi_script

https://en.wikipedia.org/wiki/Pillars_of_Ashoka

Você também pode gostar