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ANAIS
Realização
GEHIM – Grupo de Estudos de História e Imagens/CNPq/UFG
Grupo de Pesquisa História Indígena e História Ambiental: interculturalidade críti-
ca e decolonialidade/CNPq/UFG
Parcerias/Participação
LUPPA/UEG
GETESPP/IFG
UPM – Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP
UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro/MG
UFU – Universidade Federal de Uberlândia/MG
Apoio
PPGH – Programa de Pós-Graduação em História/UFG
Comissão Organizadora
Heloisa Selma Fernandes Capel
Elias Nazareno
Geraldo Witeze Jr.
Anna Paula Teixeira Daher
Fernando Martins dos Santos
Projeto Gráfico
Debora Taiane
ISSN
2447-6676
Periodicidade: Anual
Ano: 2022
SUMÁRIO
Ana Rita Vidica (UFG), Guilherme Talarico (UEG) e Rafael de Almeida (UEG)
Foto na rua: um retrato dos fotógrafos ambulantes de Goiânia - GO.
..................................................................................................................16
1 Graduanda em História (Licenciatura) pela UFTM. Este texto é fruto das discussões realiza-
das no interior do Projeto de Iniciação Científica “Entre os olhos que veem e os que condenam: um
estudo histórico sobre o racismo norte americano ressignificado nas plataformas de streaming.
‘Olhos que Condenam’ (DuVernay: 2019)”, financiado pelo CNPq/UFTM e sob a orientação do Prof.
Dr. Rodrigo de Freitas Costa.
2 Termo utilizado na série durante o depoimento de um dos adolescentes negros que acaba
por deixar a polícia confusa sobre seu significado por não conhecer o termo.
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E falar sobre a produção da série é falar sobre a própria diretora, Ava DuVer-
nay, uma mulher negra, roteirista, diretora, produtora e amplamente conhecida
da área do cinema pela produção de histórias de pessoas negras e pelo engaja-
mento nas causas sociais da população negra. Conhecida por seu trabalho em
diversos longas, foi a primeira mulher negra a ganhar o prêmio de Melhor Dire-
ção no Festival Sundance de Cinema pelo filme “Middle of Nowhere” (2012) e,
poucos anos mais tarde, também se tornou a primeira diretora negra a ser indi-
cada para um Globo de Ouro e para o Oscar de Melhor Filme, por seu trabalho
em “Selma: Uma luta pela Igualdade” (2014). Ava é ativista do movimento negro
nos Estados Unidos e tal ativismo é perceptível não apenas nas obras que pro-
duz mas também na maneira como se posiciona sobre determinados assuntos,
como, por exemplo, em 2016, quando DuVernay e o ator David Oyelowo (que in-
terpretou Martin Luther King Jr. no filme “Selma”), ajudaram a estimular a cam-
panha #OscarsSoWhite3 (#OscarTãoBranco, em tradução livre) que exige maior
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diversidade em Hollywood.
Outro destaque em sua lista de projetos é “A 13ª Emenda” (2016), uma par-
ceria também com o canal de streaming Netflix, indicado a Melhor Documen-
tário de Longa Metragem no Oscar de 2017. No longa, vemos como o sistema
carcerário dos Estados Unidos está intimamente ligado as consequências da
escravidão na história estadunidense, perpassando os estágios da construção
histórica do preconceito e aponta, cirurgicamente, como a formulação racista
contribuiu para a associação dos negros ao mundo do crime, e, como conse-
quência, o chancelamento da prisão desta parte da população através de um
processo de encarceramento em massa. O nome do filme traz como referência
a 13ª Emenda da Constituição norte-americana, por meio da qual ninguém pode
ser submetido à escravidão ou ao trabalho forçado, exceto como punição de um
crime, embasando a tese de engorda dos presídios através do racismo estrutural
perpetuado na história a partir do enquadramento criminal.
Para fomentar a discussão sobre como a série levanta debates atuais sobre
o racismo norte-americano ao produzir um caso que ocorreu há mais de trin-
ta anos atrás, duas cenas do segundo episódio foram selecionadas. Na primeira
cena vemos Delores Wise (Niecy Nash) indo até uma pequena mercearia com
seu filho recém-nascido no colo comprar um maço de cigarros, na TV do local ela
escuta a reportagem onde uma jornalista diz que um bilionário do ramo imobili-
ário, Donald Trump, se pronunciou sobre o caso. Quando a câmera deixa de focar
Delores e o foco passa a ser a televisão, temos a visão do próprio Donald Trump
em uma entrevista dada por ele durante os acontecimentos de 1989, onde ele
afirma que odeia os adolescentes por terem espancado e estuprado a corredora.
A repórter segue a matéria e anuncia que Trump pagou 80 mil dólares para es-
tampar as quatro capas dos principais jornais pedindo a volta da pena de morte.
Delores é uma mulher negra, sua filha mais velha é uma mulher transexual que
ela não aceita como mulher e, repetidamente, a trata no pronome e pelo nome
masculino; os pais de seus três filhos (Marci, Korey e seu bebê de colo) não fazem
parte da vida familiar; Korey é o tempo todo retratado na mídia como, nas pala-
em 2016 pelas redes sociais pedindo mais diversidade na premiação de Hollywood, a Academia
anunciou mudanças para melhorar a representatividade de seus membros.
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vras usadas por jornais da época, “um animal que precisa ser enjaulado e morto”,
e ela, que está desempregada e vende drogas para sustentar a família, no ápice
da desigualdade social, escuta pela TV que alguém está pagando uma fortuna
para que seu filho seja morto.
Você tem pessoas em ambos os lados disso. Eles admitiram sua culpa. Se você
olhar para Linda Fairsten e se você olhar para alguns dos promotores, eles
acham que a cidade nunca deveria ter resolvido esse caso. Então, vamos deixar
por isso mesmo (SILVA, 2019).
Ao traçar uma linha do tempo, é possível ver com clareza como o sistema
jurídico foi rápido em sua condenação, mas não tão rápido para reparar o erro
cometido contra os cinco adolescentes:
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• 2002 – Matias Reyes já havia sido condenado por uma série de estupros,
agressões brutais e assassinato, todos ocorridos no final dos anos 80 em
Nova York. Em 2001 ele confessa ser o real autor e assume ter cometido
o crime sozinho, dizendo aos investigadores: “Eu sei que é difícil para as
pessoas entenderem, depois de 12 anos, por que uma pessoa realmente se
apresentaria para assumir a responsabilidade por um crime. No começo eu
estava com medo, mas no final do dia achei que era definitivamente a coisa
certa a fazer”4 .
• 2002 – Após a análise de provas, onde foi comprovado que o DNA de Reyes
era compatível com o DNA do sêmen encontrado na meia da corredora,
junto com sua confissão que continham detalhes que não fora divulgado
nos noticiários e jornais, o tribunal de Nova York renunciou as condenações
e o estado retirou todas as acusações de Korey Wise, Yusef Salaam, Ray-
mond Santana Jr, Kevin Richardson e Antron McCray.
4 HAYRAN, Handreza. Matias Reyes / O que aconteceu ao homem que realmente cometeu o
estupro no ‘Central Park Five’. Foco e Fama, 2022. Disponível em: https://focoefama.com/crimes-e-
-escandalos/matias-reyes/. Acesso em: 10 de maio de 2022.
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• 2012 – Sarah Burns, ao ter contato com o caso enquanto fazia estágio para
o seu curso de estudos americanos em Yale, procurou os cinco homens e
relatou a história deles no livro “The Central Park Five”. Em seguida, une-se
ao pai e ao marido para produzir o documentário de mesmo nome. Lança-
do em Cannes em 2012, o documentário foi a primeira produção cinemato-
gráfica do caso. Kevin Richardson, após a exibição do filme se emocionou
ao dizer que “A Sarah nos deu voz. Somos humanos, temos filhos, temos
coração”, já Yusef se pronunciou dizendo que “Até então, nossas vidas fo-
ram contadas pelo tribunal, pela imprensa e pelo Donald Trump [...] Ainda
estamos brincando de correr atrás do tempo perdido”5.
• 2016 – Havia também outra ação por danos adicionais que foi resolvida em
2016 por US$ 3,9 milhões.
5 MENAI, Tania. A redenção dos cinco. Folha de São Paulo, 2013. Disponível em: https://piaui.
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Durante uma entrevista dada a Trevor Noah6 no programa The Dailly Show7,
DuVernay descreveu sua produção como:
7 The Daily Show é um programa estadunidense de notícias que satiriza sobretudo a política
norte-americana. O programa começou em 1996 e era originalmente apresentado por Craig Kill-
born. Jon Stewart, que substituiu Killborn em 1999, apresentou o programa até agosto de 2015.
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Referências Bibliográficas:
ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural. 1ª ed. São Paulo: Pólen livros, 2019.
DAVIS, A. Estarão as prisões obsoletas? 5ª ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 2018.
FERRO, Marc. Filme: uma contra-análise da sociedade? In: LE GOFF, J.; NORA,
P. (Orgs.). História: novos objetos. Trad.: Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: F.
Alves, 1976.
_____. Cinema e História. 1ª ed. São Paulo: Paz & Terra, 2012.
KARNAL, L. et al. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 1ª ed.
São Paulo: Contexto, 2007.
LE GOFF, J.; NORA, P. (Org.). História: novos objetos. Trad.: Terezinha Marinho.
Rio de Janeiro: F. Alves, 1976
MENAI, Tania. A redenção dos cinco. In Revista Piaui. Esquina. Edição 80. Mai
2013. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-redencao-dos-cin-
co/. Acesso em: 10 de maio de 2022.
RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal... O que é mesmo documentário? 1ª ed. São
Paulo: SENAC, 2008.
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SOARES, M. FERREIRA J. A História vai ao Cinema. 1ª ed. São Paulo: Record, 2001.
SANTOS, Lina. 30 anos depois, esta série volta a fazer justiça pelos Cinco de
Central Park. In Diário de Notícias, 2019. Disponível em: https://www.dn.pt/
cultura/30-anos-depois-esta-serie-volta-a-fazer-justica-pelos-cinco-de-central-
-park-11015202.html. Acesso em: 10 de maio de 2022.
SILVA, Rafaela F. da. Trump nega desculpas aos cinco de Central Park, e diretora
de Olhos que Condenam responde. In TecMundo, 2019. Disponível em: https://
www.tecmundo.com.br/minha-serie/160348-trump-nega-desculpa-aos-cinco-
-de-central-park-e-diretora-de-olhos-que-condenam-responde.htm. Acesso
em: 10 de jun. de 2022.
Filmes:
A 13ª emenda. Direção: Ava DuVernay. Produção de Kandoo Films. Estados Uni-
dos: Netflix, 2016. Plataforma de streaming.
América: A História dos Estados Unidos. Direção: Andrew Chater, Clare Bea-
van, Jenny Ash, Marion Milne, Nick Green, Renny Bartlett. Produção de Nutopia.
Estados Unidos: The History Channel, 2010.
Os Cinco do Central Park. Direção: Ken Burns, David McMahon. Estados Uni-
dos, 2012.
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Introdução
Estes fotógrafos não têm nomes conhecidos. Eles são populares e apren-
deram o ofício na prática, sem um estudo formal da fotografia. Passam a fazer
parte do cotidiano das cidades possibilitando que pessoas sem condições de
pagar uma fotografia de um estúdio fotográfico também tivessem sua imagem
eternizada de forma artesanal. Entretanto, encontram-se em vias de extinção
em decorrência do avanço tecnológico.
1 Esse projeto foi contemplado pelo Edital de Ocupação de Museus e Galerias de Arte do
Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás 2017.
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O ato de lamber era utilizado para verificar qual era o lado da emulsão do
material sensível à luz. Embora esta seja a explicação mais usual, o historiador da
fotografia Boris Kossoy (1974, p. 5) coloca que:
Marcos José de Jesus (52 anos), atuante como fotógrafo desde 2001, acha
que tinha sido dado pelo Fujioka. José Barreto de Novaes (Zezinho, de 71 anos),
fotógrafo desde 1968 pensava, incialmente, que o termo se relacionava a um di-
tado que a mãe dele dizia: “Trabalhar pros outros só faz pra lamber”. Ou seja,
nunca enriquece ou melhora de vida. Para tirar esse complexo, foi procurar saber
o que era. Perguntou para um fotógrafo que fazia postais na rua e também leu
em um livro. Descobriu que o termo vem do fato de lamber a foto para conseguir
retirá-la da intermediária, elemento da câmera lambe-lambe. As crianças viam
fazer essa ação e gritavam: “Olha o lambe-lambe”.
Já, para Carlos Antônio de Moraes (61 anos), que atuou como fotógrafo nas
ruas de 1984 a 2018, o termo lambe-lambe tem duas explicações. Uma diz respei-
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5 Essas narrativas foram criadas a partir da realização de cinco entrevistas, com os fotógra-
fos: José Barreto de Novaes, Carlos Antônio de Moraes, Marcos José de Jesus, Jonas Barreto dos
Santos e Nádia Barbosa, no mês de maio de 2022, em consonância à aprovação no Comitê de Ética
da Universidade Federal de Goiás.
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Na minha cabeça de menino, imaginava o que ele fazia ali dentro. Será que
tinha um tesouro escondido e ele estava procurando? Ou será que era uma
espécie de detetive que buscava algo perdido ali dentro? Minha imaginação
ia longe. Só depois descobri que ele estava fazendo a revelação da fotografia,
mergulhando o papel na banheira do revelador, esperando a imagem chegar
para colocar no fixador. Quando estava fixado, ele tirava a cabeça pra fora. E, eu,
desviava o olhar, pra ele não ver que eu o estava olhando.
Meu olhar desviava para o varal de fotos, onde ele as secava para depois entre-
gar ao fotografado. Fazia fila pra tirar foto. O povo ía bonito que só e a fotografia
revelava cada expressão, às vezes, nem parecia a mesma pessoa. Uma vez, um
moço ranzinza parou ali, brigou com o fotógrafo, reclamou do preço. Na hora da
foto, fez uma cara serena. Quem passasse pelo varal e visse seu retrato, diria que
era um sujeito bem tranquilo e fácil de lidar.
Eu não era o único a ficar impressionado com tudo que envolvia a produção
destas fotografias. Tinha um amigo que até apelidou este serviço de foto na rua
de “foto tabefe”, pois quando o fotógrafo fazia a exposição à luz para gravar a
imagem do negativo para o papel, tinha que puxar e fechar bem rápido pra não
entrar luz demais e “pá” fazia um barulho.
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Aprendi rápido, em cinco dias, com um moço que tinha banca. O aprendizado
aconteceu na casa dele mesmo. O seu filho, o José Wilson, que me ensinou
como fotografar, cortar o filme, fazer a revelação e depois, do filme revelado,
passar a imagem para o papel.
A minha primeira experiência com cliente foi bem desafiadora. A retratada era
uma jovem negra. Na hora de fotografar, me lembrei que pessoas de pele ne-
gra consomem mais luz que uma de pele branca, tanto na hora de fotografar
quanto na hora de fazer a cópia. Ao invés de 8.0, coloquei 5.6. Fiz a foto. Coloquei
as mãos dentro do caixote enquanto pensava nos passos que deveria seguir.
Minhas mãos eram minha mente, que estavam em funcionamento dentro da
lambe-lambe. Elas saíram dali de dentro com a sequencia das oito fotografias.
A moça sorriu em agradecimento. Hoje já deve ter filhos, talvez netos, mas me
lembro do seu rosto jovem de sorriso tímido impresso naquele retrato 3x4cm.
Esse foi o primeiro de muitos retratos que tiraria até meados de 2018. Época de
vestibular, eleição, inicio de ano, fazia um monte. Algumas épocas eram mais
paradas. Mas, no tempo da lambe-lambe, fazia em média 40 cabeças por dia.
Tempos bons aqueles. Com a Polaroid já foi raleando, mas mesmo assim tinha
um bom retorno. Era mais fácil de fotografar, apertava o botão, a foto saía co-
lorida e a revelação era feita pela câmera mesmo. Só tinha que sacudir a foto.
Com o digital, o uso do equipamento ficou mais fácil ainda, mas a dificuldade
veio na minha permanência nas ruas. Consegui ficar até julho de 2018. Resolvi,
então, sair e abrir uma mercearia. O lucro nunca foi o mesmo da foto. Apesar de
ter saído da fotografia, a fotografia nunca saiu de mim. Às vezes sinto o sacolejar
do líquido do revelador e fixador. Eu preparava tudo em casa. Meu banheiro se
transformava em um laboratório. Colocava a luz vermelha, já cortava o papel
fotográfico 18x24cm em quatro partes, que seriam preenchidos no outro dia,
por rostos desconhecidos.
Esses rostos chegavam, por vezes, no cair da tarde, já a noitinha. Usava meus
conhecimentos técnicos pra fazer a fotografia e a pessoa poder colocar no seu
currículo e entregar logo cedo no dia seguinte. Era possível fazer a foto porque
a câmera lambe-lambe ficava no tripé. Mas, tinha um segredo. Ao apertar o bo-
tão de disparo, segurava-o firme e contava “Cachorro 1, Cachorro 2, Cachorro 3 e
ia contando, até chegar a 15 cachorros”. Aí fechava e revelava a fotografia. A foto
preto-e-branco ficava perfeita, sem nenhum sinal de tremido.
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Meu gosto pela fotografia foi tanto que comprei uma câmera Zenit. Câmera de
ferro, pesadíssima, comprei de um fotógrafo que trabalhou no Jaime Câmera.
Acabei fazendo, além das fotos nas ruas, fotografias de reportagem, aniversário,
casamento, batizado, festa junina. Aí não ia de ônibus, tinha uma Belina, que
me levava pra chegar no horário. E, nas horas vagas, lá no centro, usava a câ-
mera como hobbie. Uma vez estava olhando para as árvores em volta da minha
banca de foto e vi um filhote de passarinho sendo alimentado pela mãe. Já até
fotografei o Fernando Henrique Cardoso quando veio à Goiânia fazer passeata
em época de eleição.
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O flâneur, ao olhar ao seu redor, andando pela cidade, também pode ser
atravessado pelo que está a sua volta e, mesmo perseguindo algo, como um
detetive, podem surgir outras questões, como se a cidade também olhasse para
ele. Esse modo de andar do flâneur, seja pelo vaguear embriagado, à busca da-
quilo que a multidão não vê, a investigação de algo, a coleta dos restos, tudo isso
surge nas andanças que fazemos nas ruas de Goiânia, e percebemos uma his-
tória à contrapelo, em que vozes ainda não ouvidas, passam a ecoar e constituir
histórias da fotografia ainda não contadas, que se constituem das histórias de
vida particulares que se cruzam a uma história nacional, dando complexidade à
ela.
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Inicialmente, eles atuavam em feiras e festas populares, uma vez que havia
grande circulação de pessoas. Eles eram, de fato itinerantes, perambulando por
diversos locais. Posteriormente, passam a se fixar em pontos específicos das ci-
dades, mas mantendo a urbe como local de trabalho.
No século XX, a partir dos anos 1930, na Era Vargas, com a migração interna
suscitada pelas políticas nacionalistas aliadas às reformas sociais e trabalhistas,
as pessoas passam a vir de outras regiões, especialmente, do Nordeste e se ins-
talam em São Paulo, Rio de Janeiro e outros centros à procura de trabalho e no-
vas oportunidades. Alguns destes migrantes se tornam fotógrafos ambulantes,
substituindo gradativamente aqueles originários de outros países. Essa substi-
tuição se deu, também, pelos aprendizes da fotografia em ambiente familiar,
uma vez que algum parente aprendia o ofício e depois passava adiante.
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A partir dos anos 1980, há uma diminuição das fotografias com cenários e
uma produção mais voltada à fotografia para documentos, feita com a câmera
lambe-lambe para esta última finalidade. Segundo o fotógrafo Carlos, os pionei-
ros da fotografia lambe-lambe em Goiânia foram: Ele (Carlos), Zezinho, Odilon
(falecido), Jorge Vicente (falecido), Guilherme (falecido), Martins (falecido) e Sino-
mar (falecido).
Além das fotos serem feitas nas ruas, o aprendizado também se dava ali ou
no ambiente familiar. Guilherme e Zezinho, irmãos que depois ensinaram o ou-
tro irmão, Odilon, que por sua vez, ensinou ao filho Odiley. Zezinho também ensi-
nou para outros dois primos, Horacinho e Tonho. Zezinho ensinou seu filho Jonas
a fotografar com a polaroid que, depois ensinou o pai a usar a câmera digital.
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Como contraponto aos antigos centros urbanos, como Rio e São Paulo, na
monumental epifania modernista que é Brasília, os fotógrafos lambe-lambes
resistem nostalgicamente na Rodoviária do Plano, atendendo a demanda de
quem precisa “se apresentar bem” nos currículos de trabalho, além de oferecer
outros serviços, como fazer cópias de documentos, plastificação ou consultas
na internet. Antes da era digital, essa dualidade entre o tradicional e o moderno
contrastava com a agitação dos centros urbanos. Um dos itens mais emblemá-
ticos da “modernidade”, a fotografia, era processada artesanalmente pelos fotó-
grafos ambulantes, à vista das pessoas e de modo quase instantâneo.
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Hoje em dia, poucos documentos ainda necessitam que se anexe uma foto,
agora os processos são digitais, realizados na própria instituição. Para se manter,
inclusive para manter os pontos abertos e não fechar, como já aconteceu com
muitos que não resistiram às mudanças, os fotógrafos lambe-lambe buscam a
ressignificação dos espaços. Segundo depoimentos dos que permanecem na
região da Praça Cívica, utilizam das bancas para fazer serviço de captação de
clientes para escritórios de advocacia, já que próximo à Secretaria do Trabalho há
maior potencial de processos trabalhistas. Uma espécie de serviço de utilidade
pública, informação e aconselhamento, afinal, os fotógrafos estão ali há décadas
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Considerações Finais
Não se pretende com esta pesquisa esgotar ou criar uma outra história da
fotografia em Goiás, mas abrir essa história e incluir os fotógrafos lambe-lambe e
deixá-la aberta a outras escritas e saberes, que foi sendo construída nas andan-
ças nas ruas de Goiânia e costurada a partir das palavras proferidas pelos cinco
fotógrafos.
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Referências Bibliográficas:
_____. Passagens. Belo Horizonte : Ed. UFMG; São Paulo : Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2007.
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Também será usada aqui como fonte, parte da pesquisa realizada pelo pro-
fessor Pedro Paulo Gomes Pereira. Dentre suas publicações selecionamos dois
artigos que debatem a possibilidade de um queer brasileiro, “Queer nos trópi-
cos” e “Queer decolonial: quando as teorias viajam”, ambos publicados na Revista
Contemporânea em, respectivamente, 2012 e 2015.
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tade soberana não só exerce sua soberania sobre coisas, territórios, riquezas etc.,
mas sobre a vida humana. (ROCHA, 2021)
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Perspectiva decolonial.
o queer não está fora das diferenças de poder e de prestígio dos itinerários das
teorias. Não obstante sua potência subversiva, a teoria queer não é externa à
colonialidade, nem há como pensá-la isoladamente dos contextos políticos e
de seus itinerários e de sua apropriação, bem como dos processos de tradução
implicados. Ela viaja ao Sul, com os desafios, os perigos e as potencialidades
que as viagens ensejam. (Pereira, 2015, p. 413)
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Pelúcio (2012) nos fala sobre a multiplicidade de corpos e cores que formam
nossa população nacional e sobre como a colonização, que também é epistemo-
lógica, nos impede de refletirmos sobre nossas diferenças e suas implicações.
Muitas vezes, só nos damos conta das marcas da colonialidade quando saímos
de nosso país e, como imigrantes, ocupamos um lugar de “outro”. Como a autora
aponta, “ser o ‘outro’ é condição relacional e contextual” (PELÚCIO, 2012, p. 398).
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Referências Bibliográficas:
LOURO, Guacira Lopes. Teoria queer: uma política pós-identitária para a educa-
ção. In Revista Estudos Feministas, Florianópolis, vol. 9, n. 2, p. 541-553, 2001.
MARINHO, Cristiane Maria; VERAS, Elias Ferreira. Michel Foucault e a teoria que-
er. In Revista Bagoas, n.16, 2017, p.21-28.
PRECIADO, Paul. B. Multidões queer: notas para uma política dos anormais. In
Revista Estudos Feministas, Florianópolis, vol.19, no.1, p. 11-20, 2011.
ROCHA, Dilson Brito da. O dispositivo homo sacer em Agamben: a vida humana
ameaçada pela exceção soberana. In Revista Filogênese, v.15, p. 85-96, 2021.
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2 Segundo o e-dicionário de termos literários de Carlos Ceia, cânone deriva da palavra grega
kanon (espécie de vara com funções de instrumento de medida; cujo significado evoluiu para o
de padrão ou modelo a aplicar como norma). O termo é inicialmente utilizado no séc. IV para no-
minar uma lista de Livros Sagrados (homologados pela igreja como transmissores da palavra de
Deus), tornando o cânone bíblico inalterável, distinguindo-se neste aspecto do outro referente do
cânone teológico, o conjunto de Santos Padres a que a Igreja Católica periodicamente acrescenta
novos indivíduos através de um processo chamado canonização (e aqui o que importa é a ideia
de que “canônica” é uma seleção materializada em lista de textos e/ou indivíduos adotados como
lei por uma comunidade e que lhe permitem a produção e reprodução de valores, (normalmente
ditos universais) e a imposição de critérios de medida que lhe possibilitem, num movimento de
inclusão/exclusão, distinguir o legítimo do marginal, do heterodoxo, do herético ou do proibido.
Neste sentido, torna-se claro que um cânone veicula o discurso normativo e dominante num de-
terminado contexto, teológico ou outro, e é isso que subjaze a expressões como “o cânone aristo-
télico”, “cânones da crítica”, etc. Acompanhando o processo de secularização da cultura, a partir do
Renascimento, o conceito e o termo vieram progressivamente a ser aplicados ao domínio da lite-
ratura, muitas vezes sob a forma de expressões como “os clássicos” ou “as obras-primas”. É possível
fazer remontar o estabelecimento do cânone literário enquanto instituição social à escolarização
da literatura moderna, que ocorre durante o século XIX, primeiro à margem das universidades,
onde se privilegiava o estudo dos clássicos da Antiguidade canonizados por séculos de imitação
e comentário, depois, já no início do século XX, na própria academia, onde se concretizava através
de listas de textos a serem lidos e interpretados pelos alunos. Com a generalização da escolarida-
de obrigatória nas sociedades ocidentais, a escola passou a funcionar como o fator determinante
de fixação e transmissão de cânones. Mais recentemente, porém, o conceito de cânone adquiriu
visibilidade crítica no seio dos estudos literários organizados como disciplina e acedeu, de forma
espetacular, à condição de problema central, não só do campo de conhecimentos, como tam-
bém da estrutura institucional que o suporta. Tal fenômeno, que fez do cânone simultaneamente
um termo técnico e uma fonte de disputa, tem origens diversas, se bem que inter-relacionadas,
entre as quais: a desvalorização da grande literatura como componente do capital cultural das
sociedades pós-modernas (obrigada a competir com outros saberes e produtos culturais), a nova
reivindicação de representatividade cultural por parte de estratos sociais discriminados (mulheres,
minorias étnicas) e a sua repercussão no meio académico, a ascensão de modelos funcionalistas e
relativistas do conhecimento na filosofia e outras áreas do saber. Verbete de João Ferreira Duarte,
2009, disponível em https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/canone/. Acesso em 20 jul 2021.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
Cunha, como os intelectuais de seu tempo, tinha uma leitura europeia, uma
abordagem europeia de visão de mundo, ainda que o positivismo, para ficar ape-
nas em uma corrente de pensamento que o influenciou, quando aportado no
Brasil tenha desenvolvido características um tanto peculiares. Essa intelectuali-
dade brasileira, que nos anos finais do séc. XIX e o início do séc. XX então se orga-
nizava, o fazia com a ideia de uma missão civilizatória, no papel de defensora dos
interesses da sociedade, indo de encontro aos conceitos de intelectual desen-
volvidos por Mannheim (o intelectual como mediador de conflitos sociais) e por
Gramsci (o intelectual como organizador da cultura), como lembra Miceli (2001).
O percurso intelectual de Euclides da Cunha dialoga com essas premissas, se
considerarmos que ele é alçado ao cânone304 por discutir Canudos (no papel
de intelectual mediador de conflitos) e por jogar uma nova luz na forma como se
discutia a identidade do país, olhando para os homens do sertão, ampliando a
3 O termo, de origem latina, foi famosamente empregado para determinar um grupo distin-
to de pessoas na Rússia da segunda metade do séc. XIX e que não se encaixavam nas distinções
sociais então existentes. Desde então, por extensão, é utilizado para determinar um grupo de inte-
lectuais de um país (KIMBALL, s/d), um grupo bem educado da sociedade, que defende os interes-
ses da pátria e do povo a partir da razão e do conhecimento (VIEIRA, 2008).
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forma de ver a nação (no papel de organizador da cultura); ainda que pesquisa-
dores como Martins (1987), que chama a literatura de Euclides de “vigorosa”, res-
salvem que os protestos apresentados por ele e por outros escritores do quilate
de Lima Barreto não se tornam projetos de transformação social, permanecendo
no campo da condenação moral.
Se é certo que a nossa história intelectual tem sido, em grande parte, um varia-
do tecido das vicissitudes da importação transoceânica de idéias, não menos
certo é que os dados dessa importação aqui se conformam ou deformam em
face das circunstâncias próprias ao ambiente, que é complexo e rico de contras-
tes. E é para isso que é preciso atender e atentar, pois talvez aí resida a nossa
originalidade. (COSTA, 1953, p. 98)
Euclides era um amante do Brasil, ele tinha profundo amor por sua terra,
um eco da República ideal que ele não viu acontecer, “aprendeu com outros re-
publicanos idealistas que uma coisa eram os valores, o ideal do republicanismo
como governo virtuoso e dedicação à pátria, outra eram as condições sociais do
país que inviabilizavam a realização de tais valores” (CARVALHO, 2017, p. 139). E é a
ida a Canudos o marco dessa nova visão, dessa compreensão de que a República
até podia existir como valor, como princípio, mas que os representantes que ali
estavam não fariam muito por ela (CARVALHO, 2017, p. 137). E a impressão é tão
perene que a revisão da República é central4 na obra de Euclides da Cunha.
4 Ventura resume bem a posição de Euclides, “Sua revisão da República resultou de uma
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Ainda com apoio nos estudos de Mignolo, cabe fazer a ressalva de que aqui
não se discute um ponto que, ainda assim, faz-se importante sublinhar: a discus-
são de que não caberia a Euclides fazer uma crítica do tratamento ao sertanejo
em Canudos ou em qualquer outro lugar, no sentido de que “somente aqueles
e aquelas que sofrem com a violência, com a dominação e com a exploração
moderna/colonial possuem o direito epistêmico de falar sobre as mazelas viven-
ciadas” (CARVALHO, 2020).
Não se está aqui partindo da premissa que o Euclides da Cunha deveria ter
sido um homem decolonial. Talvez seja mais simples o abrigo da sombra do “ho-
mem do seu tempo”, mas é o que ele era: um homem educado em um sistema
militar estruturado a partir de uma lógica europeia, com professores que estu-
daram na Europa ou que, por sua vez, tiveram mestres que ali estudaram. Talvez
não se trate de condenar toda essa produção, ou de argumentar como ela deve-
ria ter sido feita de outra forma, talvez seja mais uma reflexão e uma escolha de,
longa e sofrida reelaboração, em que deixava transparecer certa dose de culpa ou remorso pelo
silêncio cúmplice a que precisou se submeter. Tanto em Os sertões, como nos ensaios ‘A esfinge’
e ‘O marechal de ferro’, em que criticou o autoritarismo político de Floriano, irrompe uma escrita
represada e remoída, que só pôde ser traçada sob a luz fria da reflexão, depois de extintos os fatos
e muitos de seus personagens. Defrontou-se, no calor da hora, com a impossibilidade de erguer a
voz ou de brandir a pena contra os desmandos de um regime político, em que desapareciam os
contornos entre heróis e bandidos, entre civilização e barbárie” (VENTURA, 2003, p. 285).
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... desde o final dos anos de 1980, a razão ocidental vem sendo colocada em
xeque pelas chamadas teorias insurgentes, uma tendência que tem sido defi-
nida como desobediência epistêmica e que converge em um movimento mais
amplo denominado giro decolonial. (THOBIAS, 2021, p. 1).
Parece importante refletir como essa estrutura que até hoje sustenta Eucli-
des (e essa reflexão não pretende apontar que ele não mereça ter o seu lugar no
cânone, apenas que ele é, também, mas um tijolo em uma estrutura eminente-
mente colonial), entender como a as influências trazidas a nós desde o período
colonial são dominantes até hoje, no ano em que se comemora o bicentenário
de nossa independência. Aqui fica a ressalva de que já existem muitos pesquisa-
dores que discutem e contestam exatamente a formação desse cânone literário
como o conhecemos, criticando a construção que parte da obra do Blom.
o livro foi considerado, ao longo desse período, como obra essencialmente na-
cional, a desvelar um Brasil profundo e autêntico. No entanto, poucas vezes se
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Também é salutar lembrar que a sua obra vai além de Os Sertões, a sua con-
tribuição para o pensamento brasileiro ultrapassa este marco: Cunha em mui-
to favoreceu a inserção da Amazônia na questão da formação nacional, e, mais
que isso, inaugurou um novo modo de perceber a história da região, ao observar
a vivência da população amazonense à margem a história (PINTO, 2012). Neste
ponto, seja no Alto Purus, seja em Canudos, o que é importante destacar é como
Euclides enxergava o fato de que a discussão da identidade e da nacionalidade
no Brasil deveria passar pelas figuras tanto do sertanejo quanto do caboclo15
(FERREIRA, 2019).
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perdido para o litoral, Euclides abre caminho para a compreensão de que o país,
diverso de tantas formas, não poderia ter como representante uma única figura,
mas o retrato que pinta do sertanejo, com a clássica frase, “o sertanejo é antes de
tudo um forte”, também traz algumas ideias que hoje caem na classificação de
“deletérias”, como o fato de que trata do desequilíbrio desse grupo em razão da
mistura de várias raças consideradas inferiores, da mesma forma as suas tradi-
ções como o estouro da boiada, o folclore, a convivência com o ritmo da natureza
e a época da seca. Na cobertura jornalística (mais do que na obra literária), é pos-
sível entrever a ideia de que Euclides via Canudos como uma agitação baseada
no fanatismo. Uma identidade se constrói a partir de símbolos que passam por
ritualizações e adquirem liturgias com datas comemorativas, figuras importan-
tes que são reverenciadas, por exemplo.
Nesse sentido, Euclides pensa o Brasil, um Brasil remoto que ele visita, ob-
serva, descobre. Mas o faz com instrumentos que em muito parecem insuficien-
tes para entender o Brasil, a construção da sua identidade e o seu povo.
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Referências Bibliográficas:
MAIA, Bruna Soraia Ribeiro e MELO, Vico Dênis Sousa de. A colonialidade do po-
der e suas subjetividades. In Teoria e Cultura. Revista do Programa de Pós-Gra-
duação em Ciências Sociais - UFJF v. 15 n. 2 Julho. 2020. Disponível em https://
periodicos.ufjf.br/index.php/TeoriaeCultura/article/view/30132. Acesso em 20 mai
2022.
MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Cia das Letras, 2001.
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Outras mídias:
#36: Café com Ronaldo Correia de Brito. Entrevistado: Ronaldo Correia de Brito.
Entrevistador: Paulo Werneck. 451 MHz, 05 mar 2021. Podcast. Disponível em
https://open.spotify.com/episode/6slIRQNpUE2c5zv7eSyhnz?si=no9CyDlHQIS-
DKLOcHGttYQ. Acesso em 05 mai 2021.
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Introdução.
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Os italianos, contudo, não estavam isolados e, por isso, não formaram sua
concepção de mundo de forma independente. Na verdade, o diálogo dos euro-
peus de séculos anteriores com outras culturas, como a árabe, a chinesa e a in-
diana produziu o que Jack Goody chamou de “Renascimentos” - no plural -, mas
que, ao longo do século XVI, foi transformado numa unicidade a partir de uma
perspectiva teleológica, numa invenção exclusivamente europeia e, mais especi-
ficamente, italiana (GOODY, 2011, p. 12).
A própria palavra “Europa” passa a ser utilizada cada vez mais a partir do
aumento da produção de mapas, demarcando o continente como uma unidade
(HALE, Apud HÖFELE, 2005, p. 8). Segundo o pressuposto de que a experiência
europeia se torna a base para a experiência do Orbe, os ocidentais passaram a
estabelecer critérios de separação entre as sociedades a partir daquilo que pos-
suíam do mundo ocidental ou não, assim como fez Pero Magalhães de Gandavo
(1540-1579) no seu conhecido “Tratado da Terra do Brasil”:
A língua deste gentio toda pela costa é uma: carece de três letras – scilicet, não
se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque assim não têm
Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente
(GANDAVO, 2008, p. 66).
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Essa formação de identidade, contudo, não pôde existir sem a criação dos
limites do que era o Ocidente e daquilo que era considerado como “Outro”, não-
-ocidental. Para os europeus, a presença dos ocidentais na expansão dos limites
do mundo “até então conhecido” se torna a base seminal para a concepção do
que é o Ocidente. Aquilo no qual os europeus não tivessem colocado as mãos era
considerado desconhecido, mas passaria a ser “parte do mundo”, caso fosse do-
minado pelos ocidentais. Carlos V (1500-1558), rei da Espanha e Imperador do Sa-
cro Império Romano, ao adotar o lema de sua casa como “Plus Ultra”3, se colocou
como o imperador que superaria os feitos do mitológico herói grego Hércules,
ao “descobrir” que haviam terras além do mar da costa ibérica e que essas terras
seriam dominadas pelo “imperador cristão” (HÖFELE, 2005, p. 6).
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No Gênese, a Natureza era uma criação de Deus, feita para ser entregue
ao Homem. Tudo que fora criado deveria ser subjugado em favor da vivência da
Criatura:
Nesse sentido, a Natureza era algo a ser utilizado, mas não criado pela hu-
manidade. O pensamento de Nicolau de Cusa, já num sentido ligeiramente di-
verso, era de que a Natureza emanava a perfeição divina e os humanos, com
seus sentidos, deveriam compreender cada vez mais o mundo afim de conhecer
a totalidade da criação de Deus (CASSIRER, p. 79, 2001). Posteriormente, Giorgio
Vasari acrescenta mais uma camada à concepção de Natureza ao valorizar a Arte
e os artistas de seu tempo. O autor diz em seu livro “Vida dos mais eminentes
pintores, escultores e arquitetos”, publicado pela primeira vez em 1550:
A arte deve sua origem à própria Natureza [...] esta bela criação, o mundo, for-
neceu o primeiro modelo, enquanto o mestre original foi aquela inteligência
divina que não apenas nos tornou superiores aos outros animais, mas como
o próprio Deus, se me atrevo a dizer isto (VASARI, 2009, p. 43, tradução nossa)
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Petrarca (1304-1374) afirmou: “Não bastava que o céu trovejasse a ira de Deus
imortal, era necessário que o homúnculo [...] trovejasse também da terra: a lou-
cura humana imitou o inimitável raio” (PETRARCA, Apud FRUGONI, 2007, p. 124).
Figura 1: Pulvis Pyrius. Nova Reperta. Johannes Stradanus, ca. 1585, gravura em papel. Fonte: British Museum.
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Mas aqueles dentre os mortais, mais animados e interessados, não no uso pre-
sente das descobertas já feitas, mas em ir mais além; que estejam preocupados,
não com a vitória sobre os adversários por meio de argumentos, mas na vitória
sobre a natureza, pela ação; não em emitir opiniões elegantes e prováveis, mas
em conhecer a verdade de forma clara e manifesta (Idem, 2000, p. 6).
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Figura 2: Lapis Polaris Magnes. Nova Reperta. Johannes Stradanus, ca. 1585, gravura em papel. Fonte: British
Museum.
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compila dezenove invenções “de seu tempo” numa série de gravuras que apre-
senta as novas técnicas e invenções que facilitavam a melhoravam a vida dos
seres humanos. O que Stradanus esconde, propositalmente ou não, é que várias
das invenções colocadas por ele na Nova Reperta são de tempos e localidades
diferentes. Os óculos, por exemplo, são invenções que eram já comercializadas
de forma ordinária em Veneza por volta do ano 1285, quando os vendedores de
óculos passavam de porta em porta vendendo o produto capaz de “salvar” a vi-
são dos idosos (FRUGONI, 2007, p. 7). A pólvora já teria sido utilizada no Oriente
há séculos e teria sido adaptada no Ocidente – especialmente na Alemanha - já
no século XIII, mantendo uma distância de quase três séculos da publicação das
gravuras de Stradanus. A colocação das invenções num só tempo, por Stradanus,
revela a busca pela “sincronização do tempo” já vista no Ocidente ao longo do
século XVI e que se manterá como necessidade até o século XIX com a formação
do Meridiano de Greenwich, que alinhou o tempo do mundo todo num só horá-
rio (JORDHEIM, 2014, p. 503).
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Figura 3: América. Nova Reperta ca. 1585, Johannes Stradanus. Gravura em papel.Fonte: British Museum.
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dade Crítica devemos, de antemão, definir o que ela é e como entendemos a sua
importância para o avanço dos estudos que relacionem a Natureza e a humani-
dade. Como apontou Elias Nazareno:
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pelo Orbe e o consequente domínio daquilo que fosse ligado à Natureza, como
os próprios ameríndios, pensados quase sempre como parte intrínseca do cená-
rio tropical.
Mesmo que David Kopenawa esteja vivo em nosso século – o que pareceria
um anacronismo ao historiador do século XIX -, sua perspectiva remonta ao pen-
samento passado entre as gerações indígenas há séculos e que permanece vivo
nos dias atuais, com efeito do tempo, claro. Como apontou Federico Navarrete, a
tradição oral ameríndia deve ser compreendida como uma documentação his-
tórica, pois, muitas vezes, as organizações sociais indígenas estão baseadas na
oralidade, perpassada por critérios de verificação e valorização dentro da socie-
dade. A Colonialidade atribuiu às narrativas indígenas ao campo daquilo que é
considerado como mitológico, afastando-as do campo do logos, do pensamento
racional. Nesse sentido, isso é, antes de tudo, uma forma de desvalorização das
tradições indígenas baseada no pensamento ocidental que associa tudo aquilo
que se mistura com a Natureza como primitivo, inferior, pois a Natureza é tratada
pela perspectiva da dominação, não da coexistência e do Bem Viver (NAVARRE-
TE, 1999, p. 232).
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[...] la crisis actual es causada por un modelo particular de mundo (una ontolo-
gía), la civilización moderna capitalista de la separación y la desconexión, don-
de humanos y no humanos, mente y cuerpo, individuo y comunidad, razón y
emoción, etc. se ven como entidades separadas y autoconstituidas (ESCOBAR,
2017, p. 68).
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Referências Bibliográficas:
BOWEN, Karen, L. Philips Galle’s Nova Reperta: A case of Study in Print prices
and Distribution. p. 41-55. In: MARKEY, Lia (Ed.) Renaissance Invention, Stra-
danus’s Nova Reperta. Northwestern University Press, Illinois, EUA, 2020.
HALL, James. The self-portrait. A cultural History. Ed. Thames & Hudson, 2014.
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_____. Imagining the Americas in Medici Florence. The Pennsylvania state uni-
versity press, Pennsylvania, 2016.
Fontes:
CARDAMO, Girolamo. The Book of my life (De Vita Propria Liber). Trad. CAR-
DAN, Jerome. Ed. E. P. Durron & Co. Printed in USA, 1930.
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VASARI, Giorgio. Lives of the Most Eminent Painters, Sculptors and Archi-
tects. Ed. Blackmask. 2009.
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Introdução.
Segundo a biografia escrita por Pietro Scaramuzzo, Tom Zé, o último tro-
picalista (2020), o trabalho entre o cancionista baiano e o capista paranaense
iniciou em 1984 com a elaboração da capa do disco Nave Maria. A partir dessa
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Desse modo, as capas dos discos Nervos de Aço (1973) de Paulinho da Viola,
Um pouco de ilusão (1980) de Vinícius de Moraes e Toquinho, Terreiro, Sala e
Salão (1979) de Martinho da Vila e Ópera do Malandro (1980) de Chico Buarque
são alguns dos trabalhos feitos por Elifas Andreato ao longo de sua carreira. A
partir disso, focaremos a análise no álbum Estudando o Pagode, Na Opereta
SegregaMulher e Amor (2005).
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Segundo David Byrne2, na década de 1980 ele estava no Brasil para o Festi-
val do Rio onde exibiu seu filme Histórias reais e passou em lojas de discos com
o intuito de conhecer melhor a MPB. Dentre os discos de samba encontra-se
o álbum Estudando o Samba (1976) cuja capa lhe chamou a atenção devido a
presença de arames farpados, em contraste das demais obras de samba que es-
tampavam corpos femininos com roupas de praia ou a feição dos próprios com-
positores.
Só ouvi o disco com o arame farpado na capa ao voltar a Nova York algumas
semanas depois. Coloquei a agulha da vitrola na primeira faixa e minha cabeça
explodiu. O que era aquilo? Aquela música parecia ter mais em comum com a
cena avant-garde de Nova York do que com qualquer disco de MPB ou samba
que ouvira antes. Naquele disco ouvi instrumentos musicais brasileiros próprios
de estilos regionais e populares - cavaquinhos, acordeões e repiques, usados
como se todos os elementos desses gêneros populares fossem descontruídos,
tivessem explodido, e as partes fossem rearranjadas por algum minimalista ra-
dical. (SCARAMUZZO, 2020, p. 18-19).
Desse modo, em 1990 Tom Zé lança o álbum Brasil Classics 4: The best of
Tom Zé sob o recente selo criado por David Byrne, Luaka Bop. Essa obra contém
diversas músicas do álbum de 1976, como Mã, A felicidade, Tô e Vai (Menina,
amanhã de manhã), além de canções dos álbuns Todos os Olhos (1973) e Nave
Maria (1984) selecionadas pelo próprio David Byrne, que na contracapa do disco
2 David Byrne (1952) é um músico escocês que foi vocalista e guitarrista da banda Tal king
Heads e compôs as obras Tal king Heads ’77 (1977); Remai in Light (1980); Sparing in Togues
(1983); Stop Maquina Senes (1984) e Nu (1988) com a banda. Byrne também escreveu e dirigiu o
filme Troe Setores (1986), contribuiu com a trilha sonora do filme O último Imperador (1987) do
qual recebeu um Oscar, além de trabalhar com o diretor Robert Wilson em duas peças teatrais. Em
1988, Byrne fundou a Luka Bope Records e investiu em sua carreira solo com inspiração nos estilos
afro-latinos com o álbum Rei Momo (1989). Após uma turnê no Brasil, David Byrne compra alguns
discos de samba, dentre eles, o de Tom Zé, Estudando o Samba (1976) e convida o músico a gravar
o álbum The Best o Tom Zé (1990).
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escreveu:
Imagem 1: Capas dos álbuns Estudando o Samba (1976), Estudando o Pagode (2005), Estudando a Bossa
(2008). Acervo: site Tom Zé oficial. Disponível em: <https://tomze.com.br/>. Acesso em: 09 de jun. 2022.
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A capa com fundo branco traz ao centro a figura de uma mulher idealizada.
Com uma deusa grega, romana ou uma mulher ideal da sociedade judaicocris-
tã: branca, cabelos pretos arramados com um coque, corpo com silhuetas en-
volventes, nua e de costas, com a cabeça e rosto vistos lateralmente, ela segura
um tecido de seda cor-de-rosa que cai aos seus pés. O título Estudando o Pago-
de, com a palavra pagode escrita em destaque numa tonalidade de rosa, abaixo
com fonte menor, surge o nome de Tom Zé. Mais abaixo se tem o subtítulo “na
opereta segregamulher e amor”, com a palavra segregamulher em negrito. E
como se estivesse mais em primeiro plano na diagramação da capa, destaca-
-se uma cerca de arame farpado, que também aparece nos discos Estudando
o Samba (1976) e Estudando a Bossa (2008). Seguindo a proposta do artista, a
capa parece um cartaz de opereta, folhetim ou novela. Nas capas dos três dis-
cos, o arame farpado diz respeito a segregação do gênero musical. Entretanto,
no disco de 2005, algo chama atenção e gera questionamentos. No centro da
capa e cercada pelo arame aparece uma mulher idealizada, branca e dentro
dos padrões considerados belos. Essa “apresentação” da mulher não condiz
com o biótipo da maioria das mulheres brasileiras, mas sim com um padrão
hegemônico do que seria a mulher ideal para as sociedades judaico-cristã ou
greco-romana. A questão da segregação da mulher está diante de uma pers-
pectiva masculina, a partir das reflexões de um homem de meia idade, casado,
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Primeiramente, é necessário ressaltar que essa capa foi elaborada por Elifas
Andreato em diálogo com Tom Zé. De acordo com o texto O Processo Criativo
de Capas de Discos e o Papel da Biografia nesse Contexto: os Casos de Roger
Dean, Andy Warhol, Elifas Andreato e Gringo Cardia, escrito por Valéria Nancí
de Macêdo Santana, Elifas Andreato “é um desses capistas que se pode dizer que
imprime em suas produções o compromisso social de sua dura história de vida.”
(SANTANA, 2017).
Elifas sempre foi um homem preocupado com causas nobres, por isso fazia ca-
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God me sacode,
Te deixo com teu rock-bode.
Ala Semana de 22: Doutor, este teu papo não cola
Você vaiou a bossa-nova n ́O Pato.
A gente, além de não ter escola,
Essa cultura de massa é um saco-de-gato.
Ala Poesia Concreta: Saco-de-gato, saco-de-gato
Saco-de-gato, saco-de-gato.
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Imagem 2: Helô Pinheiro e Vinícius de Moraes. Acervo: Stravaganza. Disponível em: <https://stravaganzastra-
vaganza.blogspot.com/2012/02/garota-de-ipanema-completa-50-anos.html>. Acesso em: 10 jun 2022.
A musa nacional é uma mulher branca, de cabelos longos pretos, de corpo ma-
gro e quadril largo, muito semelhante à imagem da mulher retratada na capa.
Além disso, a Garota de Ipanema não poderia ser uma mulher preta visto que,
naquela época, o acesso às praias centrais do Rio de Janeiro era de exclusivida-
de da alta sociedade carioca, que colocavam a população preta à margem da
sociedade. (FALLEIROS, 2021, p. 43).
Assim sendo, concluo que a capa feita por Elifas Andreato em diálogo com
Tom Zé seja uma crítica direta a Bossa Nova e a uma tradição machista da socie-
dade brasileira que mesmo de forma velada se faz presente até mesmo nos dias
atuais. Por isso, o elemento iconográfico presente nessa obra é uma parte extre-
mamente importante de análise, isso porque ela denuncia questões que são dis-
cutidas ao longo do álbum, além de evidenciar o problema central do trabalho, a
sexualização do corpo feminino através de tradições machista, greco-romanas e
judaico-cristãs, presentes em nossa sociedade.
Considerações Finais:
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por ser encarregado de produzir as capas dos discos dos maiores nomes da MPB.
Em suas obras, o lado humano é fortemente destacado, seja através da feição
dos próprios músicos ou como no caso do álbum Estudando o Pagode (2005),
do retrato social da idealização e sexualização do corpo feminino na sociedade
brasileira.
É evidente que de 2005 para os dias atuais houve uma mudança nesse “pa-
drão de beleza”. Nota-se que corpos negros começam a conquistar algum des-
taque, contudo, esse destaque é gerado pelo capitalismo que lança produtos de
beleza para determinado tipo de cabelo ou pele. Ainda assim, notamos que o
cabelo crespo e a pele retinta ainda não estão totalmente inclusas, visto que os
comerciais e as propagandas em geral dão espaço para um determinado tipo de
cabelo (cabelos ondulados e cacheados) e que o corpo expostos ainda tendem a
atender o padrão magro, ou então o famoso, “corpo de violão” atribuído às mu-
lheres brasileiras.
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Referências Bibliográficas:
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Número 2. Maio/ago. 2006.
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de março de 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noti-
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NAPOLITANO, Marcos. A música popular brasileira (MPB) dos anos 70: resistên-
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htm>. Acesso em: 09 de junho de 2022.
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1 Introdução.
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[...] Para se livrarem os cem condenados da antiga Junta, cada um teve que
pagar 300 oitavas de ouro, 750 gramas per capita, totalizando, entre outros, 83
quilos de ouro, fora os 15 quilos que cobrava o meirinho encarregado da cobran-
ça judicial. Custara perto de 100 quilos de ouro à população o desagravo aos
ataques de loucura e cupidez do padre Dr. Perestrello, além de diversos outros
vexames e extorsões[...] Entre esses vexames pode ter ocorrido a punição de
comparecerem os implicados às festas da Semana Santa vestidos com a esta-
menta de lã grosseira dos pecadores, e o chapéu cônico, o capuz dos condena-
dos. Em vez dos vistosos cavaleiros vestidos de seda com alamares e espadas
de prata a buscar Cristo para a prisão, outros os danados, correndo descalços a
machucarem os pés nas pedras, à luz de archotes. O farricoco (BERTRAN, 2001,
p. 59).
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Assim sendo, no dia 18 de março de dois mil e vinte, através de nota oficial,
a instituição comunicou a decisão de não promover a Procissão do Fogaréu, bem
como todos os demais trabalhos relativos à preparação e organização de cerimô-
nias, celebrações, manifestações e procissões de sua responsabilidade, decisão
que também foi mantida no ano subsequente. Como forma de manter o distan-
ciamento social, nos anos de dois mil e vinte e dois mil e vinte um, a Organização
Vilaboense de Artes e Tradições (OVAT), juntamente com a Prefeitura Municipal
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de Goiás, Diocese de Goiás, Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos e a Câ-
mara Municipal de Goiás, disponibilizou de forma pública, através da rede mun-
dial de computadores, uma sequência de vídeos e imagens referentes à Semana
Santa, registrados em anos anteriores na Cidade de Goiás.
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sua persistência no tempo, fazendo com que a população se unisse para resgatar
a história da descoberta do ouro e da formação da cidade de Goiás através dos
seus vestígios materiais, mas também assinalando o desejo de terem a sua me-
mória renovada através do patrimônio imaterial.
A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela
está em permanente evolução, aberta a dialética da lembrança e do esque-
cimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os
usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitaliza-
ções. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não
existe mais. A memória é um eterno elo vivido no eterno presente; a história,
uma representação do passado (NORA, 1993, p. 9).
Dos fatos que estão colocados, tem-se que o ato de visitar um espaço que
se apresenta apenas como lugar de achados e de releitura histórica não promo-
ve a aproximação dos sujeitos junto ao ambiente, impedindo, portanto, que o
indivíduo se depare com suas memórias, que confronte seus esquecimentos ou
que vá de encontro às suas lembranças.
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formatava uma memória baseada nas relações sociais de uns poucos sujeitos
que ajudaram na expansão da região centro-oeste - fez de espaços físicos ele-
mentos principais das políticas de preservação do patrimônio. Segundo Chuva
(2012), a insistente preocupação com o chamado “Patrimônio da Pedra e Cal” te-
ria ocorrido devido à crescente profissionalização e inserção de arquitetos à fren-
te do campo do patrimônio como especialistas, o que justificaria a predileção em
proteger os bens arquitetônicos relativos ao período colonial:
Essa vertente esteve assentada nas teses sobre as três raças formadoras da so-
ciedade brasileira, graças à noção de civilização material introduzida por Afonso
Arinos de Melo Franco, que percebia no branco português a maior influência,
em razão da maior perenidade dos materiais utilizados nos processos construti-
vos, e na presença do negro africano e do índio autóctone influências de menor
envergadura. Essa perspectiva justificava o predomínio da proteção de bens
materiais, especialmente arquitetônicos, relativos ao período colonial (CHUVA,
2012, p. 154).
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Goiandira do Couto que, além de artista plástica era modista na cidade, foi a
responsável por elaborar a vestimenta que comporia a imagem do encapuzado.
Valendo-se da arte e da moda para promover o seu discurso, a modista, em en-
trevista que compõe o livro “Luzes e Trevas, traz informações sobre a elaboração
do traje dos encapuzados:
Como era modista, já possuía experiência, fiquei responsável por criar e con-
feccionar as roupas. Fiz o cone, experimentava o tamanho, colocava em mim,
olhava. Quando Elder estava aqui eu colocava o capuz nele, experimentava para
ver o tamanho, a abertura para os olhos, a posição dos babados e fui criando. [...]
Consultei aqueles livros históricos, religiosos, para criar os desenhos. A partir daí,
desenhei todas as roupas (BRITO, 2008, p. 206).
Sobre o que se diz acima, cumpre registrar que, na galeria das ferramentas
usadas para a composição da Procissão do Fogaréu, a indumentária do farricoco,
além de expressar o pensamento de sua idealizadora, ao ser fabricada e posta so-
bre o seu primeiro voluntário e, anos depois, em todos os encapuzados - um total
de quarenta farricocos -, traduziria desejos e sentimentos de Goiandira do Couto,
Elder Camargo e demais membros da OVAT, além de cumprir um importante
papel no imaginário de uma comunidade interessada em aceitar o patrimônio
cultural como fato social.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
Com efeito, a presença do caráter atrativo da procissão, bem como das de-
mais ações chamativas da Organização Vilaboense de Artes e Tradições, pôde
ser percebida através do pensamento de um de seus fundadores. Passos (2018),
narrando sobre as ações desenvolvidas para movimentar o turismo local, faz
apontamentos sobre quando a Procissão do Fogaréu teria sido reintroduzida na
cidade de Goiás e de como o ato é conduzido nos dias atuais:
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Ainda que modestos em suas formas, conforme se pode abstrair pelo tre-
cho em tela, uma vez contrastados pelas labaredas das tochas, num circuito co-
municativo e formativo, vestes e capuzes cumpriam com o propósito a que se
propunham, dando vida aos farricocos e brilho ao patrimônio imaterial vilaboen-
se.
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Pelegrine (2009, p. 23) salienta que “os bens culturais tomados como ‘legado
vivo’ que recebemos do passado, vivemos no presente e transmitimos às gera-
ções futuras, reúnem referenciais identitários, memórias e histórias - são supor-
tes preciosos para a formação do cidadão” Pela citação retro, tem-se que a cone-
xão da população com a figura do farricoco fica ainda mais evidente quando se
observa o alinhamento dos voluntários da comunidade (que se predispunham,
e ainda o fazem, a realizar o percurso da procissão vestindo-se de farricoco), às
aspirações da OVAT. Percebendo que o fio cultural da organização é resistente
à tração, a comunidade se permite entrecruzar com a história da procissão e do
farricoco, a fim de vestir-se para o patrimônio e produzir a renovação das memó-
rias daqueles que com eles tiveram ou tenham vínculo, ao passo que também
cria os meios para formar as reminiscências das gerações recém-chegadas.
Nesse ponto, a relação estabelecida com os farricocos faz pensar que à co-
munidade cabe não apenas o papel de utente, mas de mantenedora do bem
cultural, que luta e se responsabiliza pelo seu futuro. Para tanto, os que estiverem
dispostos a empreender e se envolver nos processos de preservação do patrimô-
nio em si e, em especial, do suporte têxtil e bem cultural original da procissão,
em processo de substituição, transpondo as discriminações que esse objeto so-
fre, devem fazê-lo. Na contramão das discussões envolvendo a validade do bem,
cumpre mostrar a realidade dos têxteis que revestem o farricoco.
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Figura 02 – Vestes da Procissão do Fogaréu – Sacristia da Igreja de N. Sra. do Carmo. Fonte: Acervo de Guilher-
me Antônio de Siqueira.
Registre-se aqui, rumo à finalização deste escrito que, embora alguns tra-
tem o tema com desdém, é importante salientar que os têxteis e a roupa são
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4. Considerações Finais.
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a ideia de que o futuro de Goiás era o passado ao ponto de não serem encontra-
das justificativas que impedissem a multiplicação do número de encapuzados,
passando de três para dez, depois vinte, até se alcançar o número de quarenta
farricocos; um a um estruturados como produto do tempo.
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Referências Bibliográficas:
PAULA, Teresa Cristina Toledo de. Tecidos no Museu: argumentos para uma his-
tória das práticas curatoriais no Brasil. In Anais do Museu Paulista, São Paulo,
v. 14, n. 2, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex-
t&pid=S0101-47142006000200008#nt01. Acesso em: 21/04/2022.
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Introdução.
A história dos carros de bois remonta há mais de cinco mil anos antes de
Cristo. Provavelmente sua origem se deu desde a idade da Pedra ou no perío-
do Neolítico. Os registros históricos mais coerentes aparecem na China antiga,
Índia, Suméria, Egito antigo e até mesmo em Israel, tendo registro histórico na
própria Torah, ou Antigo Testamento cristão. O trabalho intitulado - O ciclo do
carro de boi no Brasil (2003) - escrito na década de 1940 pelo jurista Bernardino
José de Souza, é citado como recorte bibliográfico na tese recém defendida de
Oliveira (2021) sobre os processos históricos envolvendo o carro de boi. O autor
nos diz que a obra de Souza (2003):
Situa a ampla utilização do carro de bois nas civilizações mais antigas da huma-
nidade. Para ele, o veículo é um dos primeiros meios de transporte e de traba-
lho da história do homem. Seus relatos dão conta do carro como integrante da
cultura egípcia e mesopotâmica, tendo sua importância assimilada à invenção
da roda e ao principiar da domesticação dos animais. Segundo o referido autor,
a primeira reprodução material de um carro de bois que se tem notícia foi feita
pela civilização Harappa, que vivia no vale do Rio Indo, na Índia (OLIVEIRA, 2021,
p. 40).
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bois também se fez presente no período colonial, sendo utilizado como ferra-
menta nos domínios dos europeus sobre os povos do ocidente. É claramente
um objeto que carrega a decolonialidade em seu cerne, sendo instrumento da
nobreza, mas também envolto por escravizados.
Atualmente o carro de boi representa uma das tradições com maior visi-
bilidade para os goianos. A tradição e a religiosidade envoltos por este objeto o
tornou Patrimônio Cultural Brasileiro por meio da Romaria de Carros de Bois do
Divino Pai Eterno na cidade de Trindade – GO. Na festa de Trindade, uma vez no
ano, acontece o maior desfile de carros de bois do mundo. Assim como afirma
Barbosa (2004), a presença dos carros de bois nas romarias goianas ao mesmo
tempo em que promove a apresentação simbólica da cultura de uma determi-
nada época, de uma determinada sociedade, demonstrando seu valor cultural
herdado de outras gerações, promove também contradições em tempos de glo-
balização.
Os goianos têm verdadeira paixão por carros de bois, tanto que outros even-
tos além da Festa de Trindade vêm se destacando como os desfiles de Araçu e
Damolândia. Retratar o carro de bois como arte evoca um reconhecido ainda
não adquirido, mas merecido, tendo em vista que além de conservar técnicas
milenares, a utilização do carro de bois também protagonizou inúmeros contex-
tos no decorrer dos tempos.
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O presente artigo evoca a arte do fazer desse bem material pelos carpinas
ou carapinas, nome pelo qual são conhecidos artesãos e carpinteiros que se de-
dicam à atividade de fazer carro de bois. Na busca de fazer um recorte da visibi-
lidade do carro de bois como manifestação cultural do povo goiano utilizamos
três figuras para evidenciar a arte e relevância dada à fabricação do carro de bois
pelos goianos. Como este bem cultural se fez presente no decorrer da evolução
humana e, destaca-se que ele atua também no processo de decolonialidade, se
colocando como protagonista e resistente ao eurocentrismo.
Figura 01 - Fabricação de carro de bois por um carapina de Inhumas – GO. Fonte: Túlio Fernando Mendanha
Oliveira, 2019.
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Dotado de uma estrutura que não possui o diferencial, suas rodas travam
durante as curvas. Quando em movimento, o autêntico carro de boi emite um
som estridente, característico, chamado de canto, lamento ou gemido, que
anuncia sua passagem e faz parte da nossa cultura. A força de tração é fornecida
unicamente por bovinos, dispostos dois a dois – as juntas – cujo número varia
com o peso da carga, natureza do solo e topografia da região. Atrelada ao cabe-
çalho fica a “junta mestra” ou “pé de carro” ou “junta de coice”, a mais importante
de todas, pois, além de abrir marcha, sustenta grande parte do peso do carro. A
que lhe segue é chamada “junta forte” e, as outras, “junta de frente”.
Os animais que se unem para dar tração e fazer com que o carro se movi-
mente são de raças selecionadas como: curralheiro, ou cruzados como os girola-
dos. São raças de animais com maior resistência, acostumados a climas quentes
e terrenos acidentados de difícil acesso. O preparo dos animais para ser puxador
de carro de bois inicia-se com o animal ainda jovem e requer uma doma racional
ou natural, na qual o manejador diminui a zona de fuga dos animais e permite
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o manejo dos bovinos com o mínimo estresse. Também é costume deixar o ani-
mal cangado com outro animal para que ambos se acostumem a andar juntos.
O mais importante é que o treinador crie um laço de afeto, respeito e autoridade
sobre o animal, assim seu tom de voz e sons emitidos serão atendidos e seguidos.
Figura: 02 - Família de fazendeiro viajando em carro de bois. RUGENDAS, Johann Moritz Malerische Paris:
Engelmann, 1835. O original pertence à Biblioteca Nacional. Fonte:http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/
id/227417.
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Figura 03 - Chegada de carreiros a cidade de Trindade GO. Fonte: Túlio Fernando Mendanha Oliveira, 2019.
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A presença da condução do carro de bois por uma mulher como nos traz a
figura 03, quebra um conceito de poder utilizado para a propagação da moder-
nidade e do pensamento eurocêntrico, como o gênero, a sexualidade, o conhe-
cimento, as relações políticas, ambientais e econômicas apontadas por Quijano
(2005). Apesar das imposições hegemônicas e crenças de culturas majoritárias,
não se consegue apagar, nem muito menos, anular a cultura e suas (re)significa-
ções. A presença feminina nos evoca o que orienta a interculturalidade, o reco-
nhecimento do direito à diversidade, promovendo a relação dialógica e igualitá-
ria entre os grupos e as pessoas de diferentes culturas.
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Nesse caso, apesar das (re) existências culturais, a exemplo dos carros de
bois, o espaço moderno, cada vez mais, tende a negar a tradição. Contudo, po-
de-se admitir, conforme leitura de Chaveiro (2005, p. 61), que “o que ocorre não
é apenas uma mercantilização da tradição cultural, mas o testemunho de que o
mundo ruidoso gera um sentimento de cansaço, elaborando antinomia como
solução”.
Considerações finais.
O carro de boi é um bem cultural que deve ser preservado, pois faz parte
da identidade e memória do povo, é patrimônio material/imaterial e natural do
povo brasileiro. Material porque é um objeto concreto artístico que pode ser to-
cado e sentido; imaterial porque é uma tradição que vem sendo repassada de
geração para geração por meio dos detentores do saber; e natural porque tem
grande importância e valor para uma sociedade.
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Referências Bibliográficas:
BÍBLIA SAGRADA. Antigo e Novo Testamento, Online ACF. Disponível em: ht-
tps://www.bibliaonline.com.br. Acesso em 15/11/2021.
AMARAL, João do. Arte decolonial. Pra começar a falar do assunto ou: apren-
dendo a andar pra dançar. In Iberoamerica Social. 2017. Disponível em: https://
iberoamericasocial.com/arte-decolonial-pra-comecar-falar-do-assunto-ou-
-aprendendo-andar-pra-dancar Acesso em: 15/05/2022.
PEREIRA, Nilton Mullet; PAIM, Elison Antonio. Para pensar o ensino de história
e os passados sensíveis: contribuições do pensamento decolonial. Educação e
filosofia. Uberlândia, MG. Vol. 32, n. 66 (set. /dez. 2018), p. 1-16, 2018.
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SOUZA, Bernardino José de. O ciclo do carro de boi no Brasil. Belo Horizonte:
Itatiaia, 2003.
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Introdução.
• O túmulo de Leyde das Neves, uma das vítimas do acidente com o Césio
137, localizado no Cemitério Parque em Goiânia.
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Fig. 1 - O Massacre dos Inocentes, Peter Paul Rubens, óleo sobre madeira, 1636-1638, Alte Pinakothek, Muni-
que, Alemanha. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:The_Massacre_of_the_Innocents_by_
Rubens_(1638)_-_Alte_Pinakothek_-_Munich_-_Germany_2017.jpg
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A análise do memorial.
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Conclusão.
Enfim, a pesquisa permitiu uma análise de uma fonte pouco utilizada nos
estudos históricos – uma obra estética sobre um acontecimento trágico. A pes-
quisa, infelizmente foi desenvolvida em meio outra grande tragédia que assusta
o mundo: a epidemia de Covid, o que torna as reflexões bem atualizadas, já que
provavelmente muitos memoriais sobre os mortos da epidemia devem ser cons-
truídos no país.
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Referências Bibliográficas:
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José Joaquim da Veiga Valle, que teve sua produção feita em momento
posterior ao auge do barroco mineiro. Veiga Valle nasceu em 09 de setembro de
1806 na cidade de Meia Ponte. Ainda não foram encontrados documentos sobre
sua infância. O mais antigo documento sobre Veiga Valle é sua assinatura em
uma ata de reunião para a reforma da Igreja Matriz de Meia Ponte em 1º de abril
de 1832. Depois disso, seu nome passa a ser citado em documentos oficiais e
jornais, o que dificulta fazer um seguro retrospecto biográfico. Santeiro é o ofício
que atualmente é o mais conhecido em sua biografia. Assim como o pai, Veiga
Valle participou de algumas organizações políticas e ocupou várias funções pú-
blicas, religiosas, jurídicas e militares (SANTOS,2018).
Veiga Valle teve inúmeros cargos políticos e uma das primeiras atuações
políticas que se tem notícia de Veiga Valle, foi a participação como membro fun-
dador da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional2, de Meia
Ponte (Pirenópolis), em 22 de janeiro de 1832. Ao participar da Sociedade Defen-
sora, Veiga Valle se juntava às pessoas que influenciariam nas principais tomadas
de decisões da província, pois elas estavam diretamente ligadas ao governo des-
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de a época da Independência.
Veiga Valle, com 34 anos, mudou-se da cidade de Meia Ponte para a Cida-
de de Goiás, em razão do seu casamento com Joaquina Porfíria Jardim, filha do
então presidente da província, José Rodrigues Jardim. A união nupcial deu-se a
partir do convite, em 1841, de José Rodrigues Jardim para que Veiga Valle douras-
se os altares da Matriz de Sant´anna, na capital. Dois meses depois, se casou com
Joaquina Porfíria Jardim, a terceira filha do presidente da província e se muda
para então capital, onde se tornou deputado provincial e se tornou membro da
Irmandade do Bom Senhor Jesus dos Passos.
Somente no pleito de 1857 que Veiga Valle se elegeu para o biênio 1858/1859.
No pleito seguinte, para o biênio de 1860/1861 ele não foi eleito deputado, não fi-
cando nem entre os suplentes. No próximo pleito, 1862/1863, Veiga Valle conse-
guiu se eleger, o mesmo ocorreu para o biênio de 1864/1865.
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contabilizados e, mais uma vez, ele não seria eleito, obtendo 105 votos.
Toda a obra de Veiga Valle foi voltada para obras sacras. Por isso, ele é cha-
mado por muitos de santeiro. Essa expressão remete ao profissional da época
colonial que só fazia cópias do que via nas igrejas ou em residências particulares,
copiando a prataria, o mobiliário, a escultura e a pintura. Defende-se que Veiga
Valle era mais do que um confeccionador de cópias, pois, por mais que repetisse
atitudes e atributos típicos da arte sacra, ele destacava-se pelo acabamento e
pela policromia de suas criações. Suas obras não se reduzem ao serial, pois ele
conseguiu articular soluções completamente pessoais sem perder o respeito à
iconografia (SALGUEIRO, 1983).
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O artista baiano João José Rescala, quando faz seu relatório para o Servi-
ço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1940, afirmou que
Veiga Valle teve como mestre em Meia Ponte, “o Padre Amâncio, superando em
pouco tempo seu mestre”. Contudo, nenhuma comprovação dessa afirmação
foi encontrada, o que leva os principais estudiosos de sua obra a defenderem
duas hipóteses: a de que ele foi um autodidata, defendida principalmente por
Elder Camargo de Passos (1997) e a outra é de que não era um autodidata, já que
sua técnica era bem apurada, com uma boa anatomia e precisão nos entalhes,
defendida por Heliana Angotti Salgueiro (1983). Seja como for, as obras de Veiga
Valle estão intimamente ligadas à arte sacra, pois eram feitas para este fim. A
grande maioria era encomenda de Irmandades ou particulares para algum ritual
católico.
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Figura 01 - Veiga Valle. Século XIX. São João do Deserto. Escultura em madeira dourada e policromada, 68
cm. Museu de Arte Sacra da Boa Morte, Cidade de Goiás - GO. Foto: Fernando Santos, 2022.
Segundo Salgueiro (1983), a maioria das peças não era inteiriça, pois mãos
e faces eram esculpidas separadamente. Como a maioria da arte sacra brasileira,
também a maioria das obras de Veiga Valle era feita em madeira cedro, uma vez
que existia certa dificuldade de encontrar pedras para se esculpir e havia muita
madeira disponível, o que explica a abundância de madeira nos ornamentos das
igrejas. Mas ele chegou a utilizar outras madeiras como: casca de cajá, maminha
de porca, jatobá e bálsamo, sendo os dois últimos para esculpir outras partes
do corpo por serem mais fáceis de entalhar. A madeira deveria ser cortada no
tempo certo, normalmente na lua minguante, pois sua seiva estaria mais baixa
e com os veios quase fechados, o que dificultaria futuras rachaduras. Depois de
cortadas, eram depositadas em local seco.
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Figura 02 - Veiga Valle. Século XIX. Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Escultura em madeira dourada e
policromada, 33 cm. Museu de Arte Sacra da Boa Morte, Cidade de Goiás - GO. Foto: Fernando Santos, 2022.
3 Para se fazer a brunidura, passava-se um pouco de gordura sobre as partes para que a
“pedra de ágate”, apropriada para o polimento, pudesse deslizar melhor. (SALGUEIRO, 1983, p. 66)
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Faustina Jovita Coelho Pedrosa roubou um bangué, uma imagem de Nossa Se-
nhora, que foi enviada a ele, para ser encarnada, à mando do vigário da vila de
Pilar, José Joaquim Rodrigues Aranha. Segundo o relato de Veiga Valle, em sua
casa, naquele momento, não tinha cômodo apropriado para guardar o bangué,
sendo assim, o enviou para a chácara de sua sogra. O artista alegou que a escrava
teria usado de recado fraudulento para furtar o bangué, juntamente com mais
dois escravos. Veiga Valle exigiu a prisão da escrava e a devolução do bangué,
antes que fosse vendido. Segundo o documento:
1577 Sumário Crime que mandou proceder o Meretissimo Senhor Sub. Delei-
gado de polícia em Virtude da queija de
Faustina Jovita Ré
Anno do nascimento do Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito centos e qua-
renta e oito Vigesimo sétimo da Independencia do Imperio nesta Cidade de
Goyaz aos vinte e quatro dias do mes de janeiro do dito anno em Cartorio de-
mim Escrivão adjunto nomeado compareceu ao presente o Sargento Mor José
Joaquim da Veiga Valle com uma petição em aqual vinha junto procuração
ao Tenente José Maria de Sousa Morais e com o Mencionado Despacho junto
no verso da Dita Petição da queixa contra Faustina Jovita em que mandava
que Jurado e Atuado fosse conclusos; e sendo pelo Meretíssimo Senhor Sub
131
ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
Diz Jose Joaqum da Veiga Valle q tendo de apresentar uma queija criminal
contra Faustina Jovitta Coelho Pedroza, vem em vist do disposto no Art. 92 da
Lei de 3 de Abril de 1848, pedir V.S. Licença pa o fazer P. seo Procor, visto de o
Supe de ausentar do Sitio de sua Sogra por motivo de enfermidade d a Fama
, q demandão mudança de Aris, Goyaz
De janeiro de 1848.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
Illmo Sr Subdelegado
Diz Jose Joaqn da Veiga Valle, cazado e estabelecido nesta Cide q, vindo da Va
de Pelar o Vigario Joaqn Roiz Aranha trouxe-lhes em hum Bangue a imagem
de N. S. Padroeira daquela freguesia para ser encarnada pelo suplie e retiran-
do-se deixou debaixo de sua guarda o dt Bangue e mais pertences pa nelle
132
ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
talvez voltar a Imagem , e o Suppe p não ter comodo suficiente em sua csa
o mandou guardar na chácara da sua sogra D Angela Ludovica de Almeida
acontece proem q Fasutina Jovitta, invadindo o azillo sagrado da da Ca sua
Sogra, e servindo-se para este fim de hum recado falso, e simulado, mandou
tirar dali e conduzir já a sya Casa od Bangue pelo Escravo do Sarg mor José
Mello Castro de Moraes, de nome Fasutino e pelo Capão Joaqn Marcelino d
Camargo isto no dia 28 do mez de Dezembro p. pas, e q conceguirão q o Escra-
vo João, vigia da chácara na sua Simplicidade não supôs dar lhe um recado,
q dos condutores recebeu porem sendo o suplite obrigado a faser entrega do
Bangue ao de valor áquela deqm recebeo he claro q o supli sofreu hum perfei-
to furto e ela Faustina tem cometido com tal procedimto os Crimes menciona-
dos no artigo 210, 259 e 265 §1º do Cod Penal e p isso vem o supte queixar-se da
Faustina Jovitta, como inscritas suas penas estabelecidas nos supra citados
artgº e como tal delito seja inafiançável requer VS. Não só mandado prisão
contra
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
Mas a conclusão do inquérito foi que Veiga Valle não poderia ter prestado a
queixa, pois a chácara não era dele e nem o bangué. O verdadeiro dono do ben-
gué enviou uma carta, dizendo que realmente tinha pedido a escrava, Faustina,
para que desse o recado e para que lhe entregasse o bangué, acrescentando
ainda que ela não usou de nenhum meio fraudulento ou violento, sendo assim
não caberia nenhuma pena. O que pode mostrar que Veiga Valle, mesmo sendo
da elite vilaboense, não tinha tanta influência perante seus pares.
Como mostrado Veiga Valle acusa uma escravizada sem nenhum tipo de
prova por ter lhe roubado, tendo a feito pelo óbvio fato dela ser uma escravizada
e, consequentemente, a principal suspeita. Deixando claro a clássica ideia co-
lonial, segundo Aníbal Quijano (2009) “o fato de que as relações de dominação
originadas na experiencia colonial de “europeus” ou “brancos”, como era Veiga
Valle, e índios , negros e mestiços, implicavam profundas relações de poder que
naquele período, por estarem tão estreitamente ligados a formas de exploração
de trabalho, pareciam naturalmente associados entre si e que haviam outros ei-
xos do poder que existiam e atuavam em meios que não eram somente econô-
micos, mas outros como o gênero, a idade, principalmente, a raça e que, conse-
quentemente, a distribuição de poder entre a população de uma sociedade não
provinha exclusivamente das relações em torno do controle do trabalho e nem
se reduzia a ele, como se pode vê na acusação de Veiga Valle à Faustina Jovita.
Para concluir, podemos pensar que o artista Veiga Valle tinha um típico
pensamento colonial e, consequentemente, grande parte dos vilaboenses. Tal
conclusão, podemos pensar pelo lado das obras encomendadas, que eram obras
que de estilos eurocêntricos, neoclássico, rococó e barroco. A escolha do artista,
anos depois de sua morte, como principal representante da identidade vilabo-
ense, é reflexo de tal pensamento. Vivendo em uma época em que prevalecia
a arte acadêmica (neoclássica), Veiga Valle e suas obras são mais conhecidas e
classificadas como barrocas. Apesar disso, Veiga Valle não seguiu apenas um es-
tilo artístico, utilizando os três estilos, o barroco, o rococó e o neoclássico. As ca-
racterísticas barrocas aparecem principalmente na composição dos temas, dos
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Referências Bibliográficas:
PASSOS, Elder Camargo de. Veiga Valle – seu ciclo criativo. Goiás, GO: Museu de
Arte Sacra, 1997.
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Está é uma direção norteadora para este trabalho, que se pretende “ir ao
encontro de um conhecimento histórico que valorize as práticas e suas repre-
sentações sociais de sujeitos históricos no tempo.” (MAUAD, 2010). Além disso,
utiliza-se da proposta teórica de Ulpiano Bezerra de Menezes, relacionando a
imagem ao visual, a visão e ao visível. Portanto, estabelecendo um caminho in-
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
Vivian Dorothy Maier, nasceu no ano 1926, nos Estados Unidos. Sua família
nesse período era imigrante no país, seu pai de origem austríaca e a mãe de ori-
gem francesa. Após seu nascimento e alguns anos vivendo a infância em Nova
York, seus pais se separam e Maier se muda para a França acompanhada da mãe.
Sua juventude, é, então, marcada pela sua vivência no vale dos alpes franceses,
em um pequeno povoado chamado Saint-Julien-em-champsaur. Além disso, é
nesse período em que começa seu contato com o registro fotográfico através de
uma câmera Kodak Browie.
Logo no início da vida adulta, por volta do ano de 1951, Maier retorna aos
Estados Unidos e inicia uma trajetória que vai acompanhá-la até seus últimos
anos. Na cidade Chicago, ela vai conciliar o trabalho como babá de crianças ou
cuidando de pessoas idosas com inúmeras caminhadas pelas ruas da cidade
fazendo fotografias.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
Todo o material produzido por Vivian Maier, em decorrência de não ter sido
publicado, ficou desconhecido até mesmo entre as pessoas que ela conviveu
durante a vida. Entre essas pessoas, a maioria são ex-patrões ou crianças que
tiveram seus cuidados, o conhecimento pelas fotografias só ocorreu após o ano
de 2009. Ano que também divide data do falecimento de Maier. Todos, inclusive
o público consumidor de fotografias e obras de arte, se deram conta do acervo
de fotografias após o encontro de John Maloof com uma caixa de negativos de
Maier em um leilão de antiguidades.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
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Assim como a obra de Van Gogh adquire um valor póstumo a morte do au-
tor, as fotografias deixadas, em um deposito qualquer, por Maier, vão se transfor-
mar de artefatos para obra de arte após o seu falecimento. As duas histórias têm
em comum um fator determinante para a construção dessas narrativas: o inte-
resse por um artista que foi desprezado em vida e enaltecido depois da morte.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
(...) cada figura de linguagem empregadas nesses textos foram pensados para
que o leitor se sinta conhecedor da obra [ensinamento], sinta prazer ao ler
aquela descrição [deleite] e seja convencido de que aquilo é algo magnífico
[persuasão], assim como é da vontade do autor. (...) (CARVALHO, 2017. p.10)
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Logo em segundo plano está a rua, a cidade e as pessoas que circulam nes-
se espaço. Duas mulheres são destacadas e quase centralizadas na imagem, que
cristaliza o momento em que elas colocam sua atenção na vitrine de uma loja
de roupas íntimas. Dois elementos são importantes para a análise, o primeiro é o
lugar em que Maier ocupa, neste ângulo as mulheres registradas não enxergam
a fotógrafa, e o segundo, é o olhar de todos os sujeitos na imagem direcionados
a vitrine.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
a casa própria ou uma família nos padrões da época. A representação disso fica
evidente quando ela centraliza na imagem as mulheres que se mostram interes-
sadas pelos objetos na loja e sua imagem fica a margem. Aliás, o consumo está
presente na maior parte dos registros selecionados neste trabalho. O olhar de
Maier para as vitrines de lojas e sua leitura da sociedade e de si mesma através
desse recurso, caracteriza a essência do seu olhar diante da cidade capitalista.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
Além disso, como nas primeiras imagens analisadas neste capítulo, está
presente nos autorretratos a discussão relacionada as questões de gêneros no
período. Diante de um olhar testemunho da exclusão de minorias, sua existência
é registrada em comunhão com a desigualdade presente nos Estados Unidos.
Os autorretratos apresentam uma realidade das cidades de Nova York e Chicago
no período de 1950 e 1960, no qual é possível reconhecermos a representação
deste espaço diante de seu contexto histórico, onde ao espaço urbano é sinôni-
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
mo de produtos e do capital.
A relação entre o “eu” de Maier com a rua está alinhada ao seu anonima-
to em um grande centro da cidade moderna, o “eu” solitário. Assim como em
outras fotografias, os elementos que configuram a cidade moderna capitalista
estadunidense sobressaem os indivíduos inseridos nesse espaço, nesta imagem
compreendemos como Maier enxerga o lugar de cada elemento na represen-
tação da cidade capitalista. Também podemos compreender de acordo com a
análise de Rodriguez, onde diz que,
(...) o reflexo da própria Maier no vidro fotografando-a não faz mais do que enfa-
tizar aquela condição das grandes cidades onde o isolamento das multidões é
tal qual o mesmo através do vidro transparente as pessoas ficam maravilhadas
ao serem vistas. (...) RODRIGUEZ, 2013. P.80, tradução nossa)3
3 (...) el reflejo en el vidrio de la misma Maier fotografiándola no hace más que enfatizar esa
condición de las grandes ciudades donde el aislamiento de las multitudes es tal, que aun a través
de un vidrio transparente la gente se admira de ser vista. (...)
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
Considerações Finais
O fato de Vivian Maier não ter publicado nenhum dos artefatos em vida,
provoca na obra o efeito de um “tesouro resgatado”. Efeito explorado pelo tra-
balho de curadoria e publicação realizado por Maloof, que emprega a fotógrafa
em adjetivos como “enigmática” ou “misteriosa”. Entretanto, a autobiografia de
Maier ultrapassa esses atributos. Os registros demonstram uma mistura entre
o pessoal e o político. Maier, revela o seu rosto além do seu olhar apurado sobre
observações cotidianas. diante disso, esses autorretratos estão diretamente rela-
cionados as consequências históricas retiras de toda a obra de Maier.
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Referências Bibliográficas:
BARTHES, Roland. A Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
BRACCHI, Daniela Nery. SILVA, Monica Ester. Dois Foto livros em busca de um
autor: As narrativas construídas a partir das fotografias de Vivian Maier. In Co-
nexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul – v. 18, n. 35, jan. /jun. 2019, p.
219-246.
_____; DRIGO, Maria Ogécia. Caça aos espelhos: o potencial de significados que
emerge em autorretratos de Vivian Maier. In Discursos fotográficos, Londrina,
v.13, n.23, p.88-111, ago. /dez. 2017. Disponível em http://www.uel.br/revistas/uel/in-
dex.php/discursosfotograficos/article/view/28321. Acesso em 23 jun 2022.
KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia. 3. Ed. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2014.
_____. História e Fotografia. 5. Ed. São Paulo, SP: Ateliê Editorial, 2014.
MAIER, V.; MALOOF, J.; DYER, G. Vivian Maier: uma fotógrafa de rua. São Paulo:
Autêntica, 2011.
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Filmes:
Finding Vivian Maier. Direção: John Maloof, Charlie Siskel. Estados Unidos: Ra-
vine. Pictures, 2013. Cor/Color digital (83 min).
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Teresinha Soares2
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rais, cidade há cerca de 115 km de distância de Araxá, lugar onde Teresinha Soares
nasceu (em 1927) e viveu parte da infância e juventude, encarei a possibilidade
de analisar as motivações que levaram esse sujeito histórico, originário de uma
cidade interiorana, a transformar questionamentos tão complexos como o dessa
primeira obra que tive contato, em representações artísticas que dialogam com
as vanguardas artísticas, movimentos sociais e acontecimentos que atravessam
os debates sobre sexo, gênero e sexualidade nas décadas de 1960, 70 e 80 — até
quando a artista cessou sua produção definitivamente por questões familiares:
queria se dedicar a educação dos cinco filhos adolescentes e ter um estilo de
vida diferente, mudando-se para o campo, longe da vida social ativa que o meio
artístico lhe exigia.
Imagem 1. Morra usando as legítimas alpargatas, série Vietnã, técnica mista, 116 x 152,8 x 2,5 cm, 1968,
Teresinha Soares.
Para além disso, Teresinha Soares inicia sua carreira com mais de 40 anos,
quando já era casada e mãe, participando de espaços dominados por homens
jovens, tendo enfrentado o machismo inclusive do próprio marido, o advogado e
jornalista Britaldo Soares, condômino dos Diários Associados e membro da elite
mineira, que, apesar de ter patrocinado toda a sua produção artística, impôs con-
dições para que os dois se casassem — antes do casamento, Teresinha trabalhou
como professora primária e bancária, tendo carro e casa próprios — no entan-
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to, o marido pediu que ela passasse esses bens para o nome da irmã, pois não
deveria mais trabalhar, uma vez que tudo que fosse dele, também seria dela3.
Nesse sentido, Teresinha declara por diversas vezes que fez essas concessões por
amor. Como cristã praticante, seu sonho era se casar e ser mãe de muitos filhos,
e ela inclusive se casa virgem “por convicção” (utilizando os termos da mesma).
Porém, quais são os valores por trás dessas concessões? Que tipo de amor nos é
suscitado através dessa mulher-mãe-esposa que participa mas questiona esses
valores cristãos através de sua arte? E por que essas questões são importantes
para pensarmos corpo, gênero e sexualidade na construção da narrativa históri-
ca da ditadura militar brasileira?
3 Teresinha faz tais alegações durante o MASP Conversas, em 22 de julho de 2017, na abertu-
ra da exposição “Quem tem medo de Teresinha Soares?”, mostra que reuniu trabalhos produzidos
entre 1966 a 1973. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zTPjYQMG95Y
4 Posteriormente Theresinha muda seu nome para Teresinha e passa a usar somente o so-
brenome do marido, conforme ela narra em uma palestra para a Manifestação Internacional de
Performance (MIP), disponível em: https://desarquivo.org/sites/default/files/mip_manifestacao_in-
ternacional_de_performance_0.pdf
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
muito ativa na vida social da cidade; levava flores e dançava com os políticos que
visitavam o principal hotel de Araxá, na década de 1940, quando os cassinos ain-
da eram legalizados no Brasil e atraíam diversos turistas. Numa viagem a Belo
Horizonte, durante um footing na Avenida Afonso Pena, um amigo lhe apresen-
tou aquele que seria seu marido, Britaldo Silveira Soares. Em 1956, com 29 anos,
Teresinha se casa com Britaldo e dez meses depois tem sua primeira filha; tendo
mais quatro filhos em seguida e residindo em Belo Horizonte do casamento aos
dias atuais. Britaldo faleceu aos 95 anos, em 2015.
Teresinha Soares possui uma formação cristã desde o berço, tendo frequen-
tado o Colégio São Domingos de Araxá/MG e se formado em Letras pela PUC Mi-
nas (Belo Horizonte/MG) aos 47 anos, após se sentir desconfortável preenchendo
documentos escolares dos filhos ao perceber que o marido tinha ensino superior
e ela não. Na infância, morou por alguns anos no Rio de Janeiro com a família,
frequentando o Colégio Sagrado Coração de Maria, antigo Sacré-Coeur de Marie,
e também foi missionária. Entretanto, um dos eixos centrais na produção artísti-
ca da artista vai de encontro com um dos maiores tabus de sua religião: o corpo.
Ela os enfrenta sem medo e é criticada por padres mineiros em críticas redigidas
para jornais, mas sempre as encarou com muito bom humor, aspecto presente
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
não só na maneira de lidar com esses pareceres, como em seu modo de produzir
arte durante toda a sua trajetória.
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Nessa fase inicial, a influência da imprensa fica bastante evidente, ela afir-
ma que seu objetivo era produzir um jornal próprio, com as temáticas de seu
interesse: “Eu retirava frases e juntava uma frase com outra que não tinha nada
a ver para formar um jornalzinho meu — uma Acontecência.” (MOURA; BECHE-
LANY, 2016). Diante de tantas mazelas expostas diariamente nas páginas dos pe-
riódicos, Teresinha refletiu sobre os assuntos que despertavam sua indignação e
a faziam avaliar os problemas em torno do gênero feminino. Quando questiona-
da sobre a construção de sua imagem em relação com sua obra como um todo,
ela explica em entrevista concedida ao MASP para composição de seu catálogo:
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Imagem: Sem título (Mulher Crucificada), série Acontecências, óleo sobre tela, 74 x 55 cm, 1966-1967,
Teresinha Soares.
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(...) Na sociedade, as coisas que aconteciam ao meu lado, que eu via no jornal,
também me chocavam. Mulher que divorciava era considerada puta. Mulher
não podia sair sozinha, não podia entrar em um bar, não podia ter sede na rua,
nem entrar e pedir um copo d’água. Mulher tinha que estar junto com o mari-
do, em uma coleira. Depois, os absurdos do homem. Tratava as mulheres como
bem queria. Tinha as amantes fora de casa, e a mulher não podia falar nada,
tinha que aceitar. Não trabalhava, não tinha dinheiro, não tinha sustento. Tudo
isso era um peso muito grande para a mulher, e depois os assassinatos, as coi-
sas que acontecem até hoje. O fulano jornalista que matou a namorada e de-
pois de 7, 8 anos, ainda não tinha sido preso. O outro que matou a Ângela Diniz
(1944 -1976) foi solto da primeira vez e só na segunda foi preso. Hoje ele está
livre. É impressionante. A gente não pode aceitar isso de maneira nenhuma. Eu
já vi coisas inacreditáveis, mulher com marca de ferro de passar roupa na face.
Não podemos concordar com isso. Eu sou contra a violência. A coisa mais im-
portante do meu trabalho é o amor. O amor é o contrário da violência. (MOURA;
BECHELANY, 2016, p.105)
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Referências Bibliográficas:
SOARES, Teresinha. Acontecências: Crônicas dos anos 60, 70 e 80. 1 ed. Rio de
Janeiro: Cobogó, 2017.
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Na cidade colonial de Goiás Velho, que ainda hoje vive sob o peso da cons-
trução histórica de uma identidade branca, coronelista e que enaltece o “herói”
Anhanguera, o trabalho da Vila Esperança busca a descolonização dos saberes, a
2 O nome Odé Kayodê é uma homenagem a Maria Stella de Azevedo Santos, Mãe Stella de
Oxóssi, Odé Kayodê, (Salvador, 2 de maio de 1925 - Santo Antônio de Jesus, 27 de dezembro de 2018)
quinta Iyalorixá do Ilê Axé Opó Afonjá em Salvador, Bahia, e inciadora de Robson Max, Odé Ofalomi,
fundador do Espaço Cultural Vila Esperança.
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Na Vila Esperança permanece uma forte marcação dos elementos das cul-
turas indígenas, africanas e afro-brasileiras com ações de valorização da arte e
estética por meio dos estudos dos discursos e das imagens que se apresentam
em elementos e nas construções de todo o espaço. Elementos Míticos compõem
a visualidade da Vila Esperança, presente em máscaras, esculturas, grafismos
pintados nas paredes e nos caminhos, na própria circularidade e simbologia de
cada construção.
3 As fotos do acervo do Espaço Cultural Vila Esperança estão disponíveis na internet no site
da instituição: < https://www.vilaesperanca.org>. Acesso em 14 de junho de 2022.
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Acredita-se que é por meio dos sentidos que se constrói aprendizagens signi-
ficativas. Tem-se as vivências culturais como a engrenagem de uma educação
pautada nas relações étnico-raciais. São atividades cotidianas que visam con-
tribuir para a educação patrimonial em Goiás. Propaga valores herdados pelo
povo brasileiro dos ancestrais africanos através do toque, da dança, da comida e
dos diversos saberes, os quais proporcionam o encontro das pessoas, devolven-
do-as a si mesmas, e as legitimando em sua própria identidade. É também um
mecanismo de instrumentalização contra o racismo, vivenciando se conhece
[...] (CAMPELO, 2017, p. 42).
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O Mito, neste processo, traz consigo história, cultura, ética e estética an-
cestrais para fortalecer nas identidades de cada um os traços fortes que possi-
bilitam o respeito, a valorização e o empoderamento. Para Ribeiro “a identidade
e a cidadania, não apenas dos afro-descendentes, mas de todos os brasileiros,
constroem-se a partir de importantes elementos de cosmovisões africanas” (RI-
BEIRO, 1996). Segundo a autora:
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Neste país em que ainda vivemos a ideia de uma democracia racial, que
temos um racismo institucionalizado, a promoção de ações para a superação do
racismo é fundamental.
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Fatoki) por meio de uma gravação disponível no canal Rádio da Vila Esperança6
no YouTube. A experiência de assistir todos juntos, cada um em sua casa, ao Mito
filmado repetiu-se por mais alguns meses e, em junho daquele ano, ocorreu a
primeira experiência de um “Ojó Odé on-line”7, em que todos se reuniram por
chamada de vídeo na plataforma Google Meet e assistiram ao vivo o Mito conta-
do por Robson Max diretamente do Quilombo.
Os Mitos também estão presentes na escola nas rodas de início do dia, nos
livros da biblioteca, em filmes no Cine Vila. São recontados por meio de radiocon-
tos na Rádio da Vila, na materialidade de jogos como o Mancala e diversos outros
ambientes e ações proporcionadas pela Vila Esperança.
6 A Rádio da Vila surgiu em 2006 no Espaço Cultural Vila Esperança como forma de propor-
cionar espaço e instrumentos de veiculação da comunicação para valorização da expressão das
crianças e adolescentes. O conteúdo produzido pelas crianças é utilizado internamente na Escola
Pluricultural Odé Kayodê e veiculado diariamente na rádio comunitária Vila Boa 87,9 FM. Por um
desejo das próprias crianças, em 2018 foi criado no YouTube o canal Rádio da Vila Esperança.
7 Assista ao vídeo do Ojó Odé on-line contendo o Mito “Como a Fome foi Vencida” e a parti-
cipação das crianças no link https://youtu.be/SOUwfsiksDo.
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Referências Bibliográficas:
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. 06ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.
_____. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identida-
de e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007,
p. 103-133.
RIBEIRO, Ronilda Iyakemi. Alma Africana no Brasil. Os iorubás. São Paulo: Odu-
173
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duwa, 1996.
SALAMI, Sikiru. Ogum. Dor e Júbilo nos Rituais de Morte. São Paulo: Oduduwa,
1997.
_____; RIBEIRO, Ronilda Iyakemi. Exu e a ordem do universo. São Paulo: Odu-
duwa, 2011.
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3 Primo Conti (1900-1988), foi titular de pintura da Academia, escritor, compositor, poeta e
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um dos líderes do Movimento Futurista do começo do século XX. Do encontro com Giacomo Balla
em Roma e Fellipo Thomaso Marinetti.
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6 Segundo nos contou Saída Cunha, ele pegava meias, pedaços de trapos velhos e daquilo
saía uma técnica nova trabalhada na pintura.
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como sabedoria popular que não pode ser levada em consideração em termos
científicos.
7 Sobre o conceito de Sertão, o historiador Nars Chaul, (1997, p.19) explica em seu livro que as
sociedades goianas pós-mineração, viveu o esgotamento de uma forma de produção e sua substi-
tuição por outra atividade econômica, no caso, a pecuária. Apesar das imagens construídas pelos
viajantes de um lugar decadente, para o historiador, tal substituição não implicou em decadência,
uma vez que não há comprovação do período de apogeu do ouro e valoração do quinto. Nars Chaul
explica ainda que os europeus não entenderam a realidade do sertão em suas complexidades, e
parece terem enxergado apenas a paisagem vazia sem entender suas especificidades no tempo.
o historiador vai buscar nas reflexões de Custódia Selma Sena sobre a representação do Sertão
como um lugar singular e plural, passado sempre presente.
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Certa vez, de passagem pelo Rio de Janeiro, o crítico goiano José Godoy
Garcia (1918-2001)8 teve a oportunidade de entrevistar o artista Candido Portina-
ri, que em um dado momento, assinalou a importância da obra do Frei, enfati-
zando o desenvolvimento da trajetória crítica do artista como pintor social. Em
entrevista, Portinari enviou seu recado aos goianos e artistas e criadores de arte:
[...] um abraço fraternal e tanto a nós como a Frei Nazareno Confaloni a quem
Portinari citou nominalmente as cálidas palavras de confiança no sentido de
que nos venham nascer verdadeiras obras fundidas com as tradições populares
8 José Godoy Garcia foi Escritor, poeta, crítico de arte. Participou ativamente como um dos
líderes do Grupo modernista Geração 45, que romperam com a literatura romântica tradicional na
década de 1940.
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do povo goiano e fiéis aos mais altos e angustiosos problemas de nossa coleti-
vidade.9 (GODOY, Garcia José. Jornal OIó, Abril, 1957)
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Referências Bibliográficas:
Entrevista:
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Introdução
Entre agosto de 2017 e junho de 2018, realizei pesquisa de campo para dou-
toramento junto ao povo indígena Tremembé de Almofala, com quem já realiza-
va pesquisa desde 2011. Na ocasião, tive a sorte de ter a companhia da fotógrafa
documental e fotojornalista Naiara Demarco, que realizou um extenso trabalho
de registro do cotidiano da vida Tremembé e cujas fotos auxiliaram-me na ela-
boração da minha tese, defendida em 2020, intitulada “Liberdade, Terra e União
na Almofala dos Tremembé: um díptico etnográfico-ficcional” (Fernandes 2020).
Durante o processo de sua elaboração, muitas questões relacionadas à escrita e
à linguagem etnográfica - e científica num sentido mais amplo - permearam os
processos metodológicos e narrativos pelos quais passei. Uma dessas questões
foram as possibilidades ofertadas pelo uso da câmera fotográfica como modo
de registro e criação em campo. Alguns ensaios fotográficos decorrentes desse
trabalho foram apresentados e expostos em eventos e instituições. O objetivo do
presente trabalho é fazer alguns apontamentos antropológicos de um desses
ensaios. Intitulado “É índio que chama?”, foi exposto no 3. Congresso Internacio-
nal dos Povos Indígenas da América Latina - CIPIAL, realizado em Brasília, em
julho de 2019.
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Tal designação costuma apontar não apenas para uma definição geográfi-
ca, mas principalmente para o tipo de relação historicamente constituída entre
indígenas e o Estado nacional. Sendo desde os primeiros séculos da colonização,
um povo extremamente exposto ao contato e às frentes de colonização, os Tre-
membé são citados em vários documentos oficiais e de cronistas. O historiador
John Hemming (2007), por seu turno, fala dos Tremembé nos seguintes termos:
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2 Não entrarei em detalhes acerca das pressões territoriais vividas pelo povo Tremembé de
Almofala. Mas é importante frisar que há desde pequenos posseiros até grandes empresas mono-
cultoras que chegaram a tomar ⅓ de seu território. Além disso, há construções de rodovias, pro-
cessos de urbanização, pesca industrial e energia eólica, todos envolvendo diferentes maneiras de
espoliação da terra.
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O ensaio.
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No nordeste indígena não foi diferente. Aliás, naquele contexto, esse proces-
so foi muito mais intenso, já que as frentes de colonização, a proximidade com
os regionais, a imposição política, econômica e cultural do processo colonizatório
estava muito mais avançada. Além disso, a invisibilidade e o silenciamento da-
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queles povos fizeram com que, com sua reorganização política e a reivindicação
de direitos indígenas, fosse preciso que, primeiramente, aqueles povos precisas-
sem afirmar sua identidade, provando serem índios. E a prova seria realizada es-
pecialmente pela cultura material, visível e palpável aos olhos do espectador.
Considerações finais.
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Referências Bibliográficas:
BARTH, Fredrik. “Os grupos étnicos e suas fronteiras”. In: LASK, Tomki (org.). O
guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra
Capa Livraria, 2000.
_____. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. São Paulo: Claro Enigma,
2012.
DANTAS, Beatriz G.; SAMPAIO, José Augusto I. & CARVALHO, Maria Rosário G.
“Os povos indígenas no Nordeste brasileiro: um esboço histórico. In: CARNEIRO
DA CUNHA, Manuela (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Compa-
nhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultural/FAPESP, 2009.
HEMMING, John. Ouro Vermelho: a conquista dos índios brasileiros. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2007.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
Introdução.
2 A peça teatral O Rei da Vela foi escrita por Oswald de Andrade no ano de 1933 e publicada
pela primeira vez em 1937.
3 Fundado em 1958, o Teatro Oficina é uma das mais antigas Companhias Teatrais do Brasil.
É gerido pela Associação Teatro Oficina Uzyna Uzona, sob a liderança do diretor José Celso Marti-
nez Correa.
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tural, social e político. Sob a direção de José Celso Martinez Correa, a peça tem
encenação centrada na burguesia nacional e segmentos médios do país. Realiza
um profundo diálogo com o cenário brasileiro, estremecido desde o evento co-
nhecido como Jornadas de Junho4, no ano de 2013, cujos desdobramentos de-
saguaram em profunda crise das instituições públicas, especialmente na esfera
federal, com o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Por sua vez, Heloísa de Lesbos é filha do fazendeiro decadente Coronel Ber-
larmino e Dona Cesarina (Regina França), que apoiam a união de sua descen-
dente enquanto investimento para salvação financeira e moral da família, que
está à beira da miséria. Seu sobrenome é referência à orientação sexual homoa-
fetiva, especificamente ao termo lésbica, empregado no teaser da personagem
gravado pelo Teatro Oficina, no qual a mesma apresenta-se como “lésbica, futu-
rista, sapatona convicta”5.
Abelardo I almeja casar-se com Heloísa para adquirir status social e ingres-
sar no restrito círculo da elite brasileira, haja vista sua origem humilde. Possui
estilo grotesco, completa falta de empatia pela situação de penúria de seus
clientes e autoconsciência de sua postura imoral. Contudo, apesar do constante
deboche, suas falas são eloquentes, e apresentam um panorama geral das rela-
4 A delimitação dos vários protestos ocorridos neste período e seus possíveis desdobramen-
tos tem desafiado diversos cientistas políticos, inclusive quanto à sua denominação, conforme
abordagem de André Singer no artigo “Brasil, junho de 2013: classes e ideologias cruzadas”, dispo-
nível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002013000300003.
5 https://www.youtube.com/watch?v=xjngMeKnfB4
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6 Nas últimas décadas diversos movimentos têm encampado a luta pelo fim da homofobia
no brasil, como a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Intersexos (ABGLT),
fundada em 1995. É responsável por coordenar as demandas LGBTQI+ em âmbito nacional a partir
de diversas ações. Sítio eletrônico da ABGLT: https://www.abglt.org/
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Heloísa de Lesbos tem três irmãos: Joana (Camila Mota), conhecida como
João dos divãs, Totó Fruta-do-Conde (Túlio Starling) e Perdigoto (Roderick Hi-
meros). Os dois primeiros possuem construção cênica voltada à provocação do
público mais conservador, em função do diálogo com a homossexualidade, um
tema que sempre reverbera nos debates sobre liberdade sexual, e são alvo cons-
tante de repressão, inclusive quando novas conquistas são institucionalizadas8.
8 Neste sentido, vale lembrar a postura intolerante do Partido Social Cristão ao ingressar
com Mandado de Segurança para questionar a Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça,
conforme noticiado pelo Portal Consultor Jurídico: https://www.conjur.com.br/2013-mai-21/psc-stf-
-resolucao-cnj-casamento-homoafetivo.
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Aberlardo I - Sim, a de fricção é que rende. É preciso ser assim, meu amigo. Ima-
gine se vocês que escrevem fossem independentes! Seria o dilúvio! A subversão
total. O dinheiro só é útil nas mãos dos que não têm talento. Vocês escritores,
artistas, precisam ser mantidos pela sociedade na mais dura e permanente mi-
séria! Para servirem como bons lacaios, obedientes e prestimosos. É a vossa fun-
ção social! (ANDRADE, 1999, p. 43)
10 https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56378215.
11 https://www.jb.com.br/cultura/noticias/2018/03/29/ze-celso-traz-o-rei-da-vela-para-o-rio.
html
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feudal tinha direito à primeira noite com a noiva de uma camponês –, status que
o eleva ao posto de supervilão. Nas palavras de Haroldo de Campos: “É este su-
pervilão quem provavelmente exercerá sobre a duvidosa virgindade de Heloísa
o jus primae noctis, o “direito de pernada”, como o exprime Abelardo, que é pois
vilão e vítima”. (ANDRADE, 1999, p. 29)
13 Embora o apoio deste segmento nunca tenha sido unânime foi expressivo na eleição de
2002, conforme matéria da revista Exame: https://exame.com/economia/quem-sao-e-o-que-que-
rem-os-empresarios-que-apoiam-lula-m0064120/.
14 Neste período a Federação da Indústria do Estado de São Paulo figura como grande ca-
talizadora da articulação empresarial pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff: ht-
tps://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/18/politica/1458258396_570381.html.
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15 https://www.youtube.com/watch?v=46W-CViWzuA&t=104s
16 O apoio dos evangélicos, embora tenha oscilado negativamente nos últimos meses, per-
manece forte, mesmo diante da recente queda de popularidade experimentada pelo governo fe-
deral, como aponta reportagem no site da Revista Exame. Disponível em: https://exame.com/brasil/
exame-ideia-bolsonaro-perde-apoio-entre-evangelicos-sua-base-mais-fiel/.Acesso em: 15 de julho
de 2021.
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Imagem 1: Posse da presidente Dilma Rousseff e do vice-presidente Michel Temer. Acervo: Grupo Uol.
Estes temas são explorados por meio de encenação dividida em quatro atos.
Os três primeiros atos seguem a estruturação de Oswald de Andrade, quando da
publicação da obra, em 1937. O 1º ato se passa no escritório de usura de Abelardo
I. É encenado em estilo circense, caracterizado na vestimenta de domador utili-
zada por Abelardo II, e a presença de uma jaula, com clientes inadimplentes. Há
forte presença da técnica do distanciamento, conforme estruturada por Brecht,
a exemplo da cena em que Abelardo I, após enforcar um cliente mau pagador, se
dirige à platéia e diz que aquela cena é o suficente para identificá-lo.
17 A bancada do partido, à época com 66 deputados, teve 59 votos favoráveis e apenas sete
contra, conforme levantamento da EBC: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-04/
impeachment-de-dilma-saiba-como-votou-cada-um-dos-partidos-na-camara
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Imagem 2: Encenação do primeiro ato de O Rei da Vela pelo Teatro Oficina (2017). Acervo: Veja SP.
Por sua vez, no 3º ato Aberlardo I é enganado por Abelardo II, que fica com
toda fortuna de seu antigo sócio. Diante de tamanha humilhação Abelardo I co-
mete suicídio. O ponto central é mostrar como morre um burguês, e sua substi-
tuição por outro da mesma classe, no papel de perpetuar a submissão ao capital
estrangeiro, uma vez que o personagem O Americano permanece tendo o direi-
to de pernada sobre Heloísa.
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manifesto:
Por sua vez, a partir da encenação de O Rei da Vela no ano de 2017, empre-
gada na presente pesquisa como fonte histórica, vamos investigar por meio de
seus elementos temáticos e estéticos a postura da burguesia brasileira, confor-
me levantado nos tópicos anteriores. Compreender a relação da elite com o go-
verno federal, o papel desempenhado pelos segmentos médios da sociedade e
o política de alianças operada pelo centro-esquerda é fundamental para superar
reptições autoritárias na história brasileira recente.
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Referências Bibliográficas:
BENJAMIN, Walter. Ensaios sobre Brecht. Boitempo Editorial: São Paulo, 2017.
_____. O autor como produtor. In: BENJAMIN, W. Obras escolhidas: magia e téc-
nica, arte e política. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
FILGUEIRAS, Luiz. DRUCK, Graça. O Brasil nas trevas (2013-2020): do golpe ne-
oliberal ao neofascismo. São Paulo: Boitempo, 2020.
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Expressão Popular, 2014.
MASCARO, Alysson Fernando. Crise e Golpe. São Paulo: Boitempo: São Paulo,
2018.
209
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LOPES, Karina. COHN, Sérgio. Encontros: Zé Celso Martinez Corrêa. Rio de Ja-
neiro: Azougue, 2008.
_____. Para uma ontologia do ser social I. São Paulo: Instituto Lukács, 2018.
PCB: vinte anos de política (1958-1979) (documentos). São Paulo, LECH – Livra-
ria Editora Ciências Humanas, 1980.
PERROT, Michele (org.) História da Vida Privada (volume 4). São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1991.
RÉMOND, R. (org.) Por uma história política. 2ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003.
SILVA, Armando Sérgio da. Oficina: do teatro ao te-ato. 2ª ed. Perspectiva: São
Paulo: 2008.
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SOUZA, Maria Angelica Rodrigues de. Quando corpos se fazem artes: uma et-
nografia sobre o teatro oficina. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social).
Universidade Federal de São Carlos. São Carlos: 2013.
STAAL, Ana Helena Camargo de. Zé Celso Martinez Corrêa - Primeiro Ato, Ca-
dernos, Depoimentos, Entrevistas (1958-1974). Ed. 34: São Paulo, 1998.
211
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Eliane Potiguara3
1. Elementos Introdutórios.
Desde o período inicial de contato entre povos nativos e europeus nas Amé-
ricas produziu-se um encontro conflituoso. Por parte dos europeus ocorreram
reiteradas tentativas de silenciamentos e diversas outras violências, desenvolvi-
das em contexto de colonialidade. Já os nativos se propuseram como uma reali-
dade correlata, processos de resistência decolonial.
2 Doutora e mestre em Geografia pela UFG, professora do Instituto Federal de Goiás - Inhu-
mas) e componente do grupo de pesquisa “História indígena e História ambiental: interculturalida-
de crítica e decolonialidade”, coordenado pelo professor Dr. Elias Nazareno. E-mail: selvialima685@
gmail.com.
3 Extraído do poema Oração pela libertação dos povos indígenas. Disponível em: https://
www.xapuri.info/sagrado-indigena/oracao-pela-libertacao-dos-povos-indigenas/ Acesso em: 30 de
abr. de 2021.
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4 Abya Yala tem sido utilizada pelos povos originários como um contraponto à denomina-
ção América dada pelo colonizador para esse continente. Utilizaremos no texto essa designação
como um ato político de visibilizar esse topônimo e a referência cultural a que ele se refere. Na
língua do povo Kuna, essa terminologia tem o significado de Terra madura, Terra Viva ou Terra em
florescimento. Ele foi utilizado pela primeira vez no início do século XVI e consagrado no final do
século XVIII e início do século XIX, pelas elites crioulas, no sentido de afirmação no processo de
independência. Fonte: https://iela.ufsc.br/povos-origin%C3%A1rios/abya-yala . Acesso em: 01 de out.
de 2020.
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Mas aqui cabe uma ressalva: esse pensamento fronteiriço pode ser cons-
truído a partir das próprias interioridades da dominação, a partir da apropria-
ção e distorção dos saberes indígenas e afrodescendentes. Por isso, é necessário,
como defende Mignolo (2011), efetivar essas epistemologias, sob o risco de que,
ao subverter os conhecimentos do dominador a partir de sua própria linguagem,
produzirmos um discurso aculturado que reforce a não-humanidade do Outro
ao invés de questioná-la.
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Essa fala estranha, essa nova língua que desembarcou na costa, trouxe con-
sigo um modelo civilizacional. Assumi-la implicava, também engolir (mesmo a
seco) a cultura que lhe é siamesa. Nas palavras de Fanon (2008, p.33): “Falar é
estar em condições de empregar uma certa sintaxe, possuir a morfologia de tal
ou qual língua, mas é sobretudo assumir uma cultura, suportar o peso de uma
civilização”.
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E foi ouvindo as histórias que meu avô contava que percebi o que os povos tra-
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dicionais podiam oferecer à cidade. […] E isso me dá um álibi para usar as narra-
tivas míticas para falar às pessoas com a mesma paixão com que o velho falava
comigo. Acho que foi assim que surgiu em mim o interesse de narrar histórias
para ajudar as pessoas a olharem para dentro de si mesmas, compreenderem
sua própria história e aceitá-la amorosamente. (MUNDURUKU, 2009, p. 14-16)
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3. Considerações Finais.
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Referências Bibliográficas:
FANON, Frantz. Black Skin, White Masks. Traduzido do francês por Richard
Philcox. Nova York: Grove Press, 2008.
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_____. The darker side of western modernity: Global futures, decolonial op-
tions. Carolina do Norte: Duke University Press, 2011.
POTIGUARA, Eliane. Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global Editora,
2004.
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Considerações iniciais.
Por sua vez, a UFT foi instituída em 23 de outubro de 2000 pela Lei n° 10.032
1 Discente do PPGH/UFG (Doutorado), orientada pela Prof.ª Heloísa Selma Fernandes Capel,
pesquisa: “Confrontos entre autonomia e expansão universitária: uma perspectiva comparativa
dos debates sobre o Reuni no Centro-Oeste (UFG, UFT e UFMT – 2006-2013)”. E-mail: imaculada@
ufg.br
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duas metas globais, a saber: elevar para 90% a taxa de conclusão média dos cur-
sos de graduação presenciais e para 18/1 a relação de alunos de graduação em
cursos presenciais por professor, ao final de cinco anos, a contar do início de cada
plano (Brasil, 2007, Art. 1°, § 1º). As seis dimensões do Reuni contemplavam aspec-
tos específicos do Programa, a saber: 1) Ampliação da Oferta de Educação Supe-
rior Pública, 2) Reestruturação Acadêmico-Curricular, 3) Renovação Pedagógica
da Educação Superior, 4) Mobilidade Intra e Inter-Institucional, 5) Compromisso
Social da Instituição e 6) Suporte da pós-graduação ao desenvolvimento e aper-
feiçoamento qualitativo dos cursos de graduação. (BRASIL, 2007).
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5 Na historiografia vigente o Reuni figura como mais uma reforma universitária no rol das
outras tantas.
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superior público era parte das metas do Reuni, de modo a contribuir para que
houvesse uma reestruturação no ensino superior público de modo a torná-lo ca-
paz de atender as demandas da sociedade do século XXI. É fato que a expansão
universitária via Reuni atendeu muito bem em determinados pontos das suas
propostas originárias, bem como foi insuficiente em outros aspectos, especial-
mente aos relacionados as seis dimensões do Programa (eixo qualitativo).
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De acordo com CAMPOS e SOUZA (2015), esse grupo vem buscando des-
construir o padrão eurocêntrico do poder/saber enraizado nas análises e inter-
pretações das problemáticas da realidade latino-americana nos mais variados
campos, inclusive no campo da educação. As principais categorias de análise
dos decoloniais se constituem em conceitos e noções sobre o mito de fundação
da modernidade, a colonialidade, o racismo epistêmico, a diferença colonial, a
transmodernidade, a pedagogia decolonial e a interculturalidade crítica. (ESCO-
BAR, 2003). Na visão de Walsh:
Assim, para esse autor, embora as imagens tenham poder, elas também
possuem limites. No entanto, na concepção dele, a utilização de imagens nos
possibilita uma ponte de diálogo com o real, na medida em que as imagens são
parte de outras evidências e registros que compõem a narrativa do que se pro-
pôs falar por meio delas. No contexto da UFG e UFT, o ato que tornou possível as
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6 Aos 09 de julho de 2019, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 13.856, de 2019, que
cria a Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT), com sede no município de Araguaína
(TO), por desmembramento do campus da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Fonte: < ht-
tps://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/07/09/sancionada-criacao-da-universidade-fede-
ral-do-norte-do-tocantins>. Acesso aos 07 maio 2022.
7 Fonte: <https://ww2.uft.edu.br/index.php/ultimas-noticias/26321-i-encontro-das-culturas-
-indigenas-na-uft-ocorre-em-30-de-outubro-em-tocantinopolis>. Acesso em 06 de maio de 2022.
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Figura 1 – I Encontro das Culturas Indígenas na UFT – Mesa Redonda, ocorrido em 30 de outubro de 2019, no
Campus da UFT em Tocantinopólis-TO, Unidade Centro. (Fonte: acervo UFT)
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Figura 2 - I Encontro das Culturas Indígenas na UFT – Roda de Cantoria-1, ocorrido em 30 de outubro de 2019,
no Campus da UFT em Tocantinopólis-TO, Unidade Babaçu. (Fonte: acervo UFT)
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Figura 3 - I Encontro das Culturas Indígenas na UFT – Roda de Cantoria-1, ocorrido em 30 de outubro de 2019,
no Campus da UFT em Tocantinopólis-TO, Unidade Babaçu. (Fonte: acervo UFT)
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Figura 4 - Estudantes de Licenciatura Intercultural Indígena da UFG encontram-se com o reitor da instituição
em 21/08/2014, no Núcleo Takinahaky de Formação Superior Indígena da UFG, Goiânia-GO. (Fonte: Ascom/
UFG)
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ladeado por alunos indígenas tanto pela esquerda quanto pela direita. Embora
seja uma fotografia panorâmica, é possível ver retrata um encontro de pessoas
de diferentes origens com predominância para presença indígena, ali unidos por
um laço comum, no caso a educação intercultural, essa caracterizada inclusive
pelas características físicas do cenário retratado.
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Considerações finais.
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uma construção nos alerta para o fato de elas não podem ser um espelho do
real. A partir disso poderíamos então pensar que tais imagens são inúteis? Não,
de modo algum, pelo contrário. Na verdade, como demonstra Didi-Huberman,
compreendemos que as imagens mostram muito, especialmente sobre suas
condições de produção, que permitem aberturas de diálogos com outros docu-
mentos, dentre outros. Contudo tais imagens não devem ser pensadas de forma
isolada, elas precisam ser contrapostas a documentos outros, tendo em vista que
elas apresentam grande potencial de diálogo, apesar de suas limitações na re-
presentação do real.
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Referências Bibliográficas:
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seu papel e manteve um silêncio sobre sua presença naquele espaço. Busca-
mos subsidio no quadro da renovação teórico-metodológica da história cultural
e como dissemos, nos trabalhos de autores que procuram problematizar o social
com ênfase no imaginário instituinte para tentar compreender esse processo.
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habitual (ainda que as crie, também: marcos totêmicos, bandeiras, brasões), po-
rém formas, que podem ser compreendidas como imagens no sentido geral (ex.
imagem acústica de uma palavra) e que são ao mesmo tempo e solidariamente,
significações e instituições. O termo imaginário para o autor não é um adjetivo
que denota qualidade, mas um substantivo que se refere a uma substância. Em
outras palavras, o real antes de ser real é criado pelo imaginário.
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colar foi edificada por cima dos escombros de antigas casas de escola, de “pa-
lácios escolares”, de debates, leis, reformas, projetos, iniciativas e políticas de
institucionalização da escola nos tempos do Império. Zombando do passado, as
escolas imperiais foram lidas, nos anos finais do século XIX, sob o signo do atra-
so, da precariedade, da sujeira, da escassez e do “mofo” (SCHUELER & MAGALDI,
2009, p. 35, grifo das autoras).
Imagem 1 – Escola Normal de São Paulo, fotografia de 15 de novembro de 1889. Fonte: http://www.crmarioco-
vas.sp.gov.br/pdf/neh/1825-1896/1846_Escola_Normal.pdf, em 27/05/2022, as 19:30 horas.
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Uma outra leitura sobre a presença feminina na Escola Normal de São Pau-
lo, e essa talvez explique melhor a ausência de mulheres na fotografia, é trazi-
da por Monarca (1999), segundo o autor a legislação autorizava o presidente da
Província a organizar uma seção de ensino destinada às moças, de forma que o
mesmo professor pudesse lecionar, em períodos diferentes, às classes de um e
de outro sexo. Como não sabemos em que horário foi colhida a imagem, pode
ser que tenha sido em um momento no qual não havia não havia mulheres no
prédio. É importante abordarmos a coeducação, vez que a escola que buscamos
conhecer, atendeu somente aos meninos, durante toda sua existência e mesmo
após sua transformação em Escola Técnica de Goiânia essa representação que
diferencia os gêneros permaneceu.
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O prédio exibe o estilo neocolonial, essa era uma busca de estética nacio-
nalista a “constituição do valor de brasilidade pela retomada de valores arquite-
tônicos coloniais” (CORREA, 2014, p. 6), linhas retilíneas, com poucos ornamentos
na fachada, uma construção que transmite solidez e longevidade à República. As
construções escolares republicanas funcionavam como expressões edificadoras
do imaginário político, traduzem a imagem de “templos do saber” - como eram
vistos os grupos escolares por ocasião de sua concepção, nos primeiros anos de
governo republicano. É o período da emergência dos grupos escolares, identifi-
cados como “templos de civilização” (SOUZA, 1998); ou como “palácios” que vão
se contrapor aos “pardieiros” (FARIA FILHO, 2000).
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As numerosas pessoas que ali têm ido assistir aos exames e as que têm tomado
partes nestes, arguindo as crianças nos trâmites do programa oficial, são unâni-
mes em confessar a maravilhosas impressão que receberam do adiantamento
dos alunos e em proclamar o elevado nível em que se acha aquele importante
estabelecimento e seus efeitos incontestavelmente benéficos para a infância
jaboticabalense, que ali colhe a garantia da geração futura da sociedade. [...]
Devemos, entretanto, dizer com franqueza, que achamos um tanto demasia-
dos o rigor dos exames. Com efeito isso vê-se perfeitamente no grande número
de reprovações, atestando que os que obtiveram promoção foi por sobejante
merecimento. (SOUZA, 1998, p. 245).
O novo espaço escolar trazia uma proposta pedagógica original para o país,
além de inaugurar um novo modelo para os prédios escolares, para as práticas
pedagógicas e até para os mobiliários. Foi o momento da adoção do uso da car-
teira individual como elemento fundamental na ordenação disciplinar praticada
na escola republicana. Esse novo mobiliário, juntamente com o prédio escolar e
a escola graduada, permitem uma nova organização para o magistério. É nesse
momento que o mobiliário se torna parte efetiva da organização do espaço e do
modo de viver a escola, essas escolas tornam-se conhecidas como Grupos Esco-
lares.
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Imagem 3 – Carteira escolar usada em sala de aulas da Escola de Aprendizes Artífices na Cidade de Goiás.
Fotógrafo: Desconhecido. Ano: aproximadamente 1930. Fonte: Acervo IFG.
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O texto da lei de criação dessa instituição escolar, inicia, deixando bem mar-
cado que se trata de um ato abrangente do chefe de Estado, assim “O Presidente
da República dos Estados Unidos do Brazil, em execução da lei n. 1.606, de 29 de
dezembro de 1906: [...]”. A medida estendia-se a todo centro urbano importante
do país, naquele momento. Queluz (2000) cita o Decreto 7.566 de 19/12/1909:
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Cada estado da Federação recebeu uma dessas escolas, salvo o Rio Grande do
Sul. Em Porto Alegre já funcionava o Instituto Técnico Profissional da Escola de
Engenharia de Porto Alegre, mais tarde denominado Instituto Parobé. O Decre-
to n.7.763 de 23 de dezembro de 1909 dizia que “uma vez que em um estado da
República exista um estabelecimento do tipo dos de que trata o presente de-
creto (escolas de aprendizes artífices), custeado ou subvencionado pelo respec-
tivo estado, o Governo Federal poderá deixar de instalar aí a escola de aprendi-
zes artífices, auxiliando o estabelecimento estadual com urna subvenção igual
a cota destinada a instalação e custeio de cada escola. (CUNHA, 2005, p. 67).
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Imagem 4 - Professores, alunos, diretor e servidores administrativos da primeira turma da Escola de Aprendi-
zes Artífices na Cidade de Goiás. Fotógrafo: Não identificado. Ano: aproximadamente 1910. Fonte: Acervo IFG.
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quanto superior, estavam longe de cumprir seus objetivos e que o ensino primá-
rio sob a responsabilidade exclusiva de estados, era um erro, visto que, no caso
do estado de Goiás, esse não tinha recursos para desenvolvê-lo. E, para piorar
a situação, os políticos viviam “[...] absorvidos criminosamente pela politicagem
desenfreada [...]” (A INFORMAÇÃO GOYANA, 1917). Destaca ainda, que a difusão
sobre o ensino primário vinha se fazendo, essencialmente com o auxílio da inicia-
tiva privada e pelos municípios. Para exemplificar o papel desempenhado pela
iniciativa privada cita os vários municípios onde havia bons colégios religiosos
em funcionamento. Por fim, o artigo faz referência às verbas votadas pelo Con-
gresso para a manutenção do ensino público, destacando que eram irrisórias e
insignificantes, mas o intrigante é que manteve um silêncio revelador, sobre a
Escola de Aprendizes Artífices de Goiás. Fonte: A Informação Goyana, nº 4, de 15
de novembro de 1917(in: Araujo, 2022).
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Imagem 5 - Fac. Símile da capa do Relatório endereçado ao Ministério da Industria e comercio pelo Diretor da
EAAGO em 1923.
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Imagem 6 - Prédio ocupado pela Escola de Aprendizes Artífices na Cidade de Goiás, de 1910 até 1942. Fotó-
grafo: Desconhecido. Ano: aproximadamente 1930. Fonte: Acervo IFG
Outro documento que nos dá, também, uma clara indicação da pouca visi-
bilidade da Escola de Aprendizes Artífices para a população da Cidade de Goiás
é um recorte de jornal. O jornal “Cidade de Goyaz” em sua edição de 17 de setem-
bro de 1939, faz uma crítica ressentida ao fato de que a formatura de uma turma
de alunos da Escola de Aprendizes Artífices de Goiás passou despercebida da
população local. Para o redator a formatura de “[...] alta significação e relevantís-
sima importância, deveria ter tido, ao contrário do que se deu, marcante reper-
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Imagem 8 - Oficina de Marcenaria da Escola Técnica de Goiânia após 1942. Fotógrafo: Desconhecido. Ano:
aproximadamente 1942. Fonte: Acervo IFG
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Imagem 9 - Painel comemorativo aos 100 anos de criação das Escolas de Aprendizes Artífices na Cidade de
Goiás e da Rede Federal de Educação. Fotógrafo: Mauro Alves Pires. Ano: 2022
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Referências Bibliográficas:
FARIA FILHO, L. M. de. Dos pardieiros aos palácios. Passo Fundo, EUFPF, 2000.
_____. Instrução elementar no século XIX. In ELIANE, Marta Teixeira; FARIA FI-
LHO Luciano Mendes de, VEIGA, Cynthia Greive (orgs). 500 anos de educação
no Brasil. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História 3 ed.1, Belo Horizonte,
Autentica, 2003.
_____; VAGO, Tarcísio Mauro. João Pinheiro e a Modernidade edagógica. In: Li-
ções de Minas: 70 anos da Secretaria de Educação, 2000. p.33-47.
268
ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
MONARCHA, Carlos. Escola normal da praça: o lado noturno das luzes. Campi-
nas: Unicamp, 1999.
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de Civilização. São Paulo, Editora da UNESP,
1998.
SCHUELER & MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Mello. Educação escolar na Pri-
meira República: memória, história e perspectivas de pesquisa. Tempo, 2009, v.
13, p. 43-66.24
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Figura 1: Modesto Brocos. A Redenção de Cam (1895). Óleo sobre tela. 199 cm x 166 cm. Rio de Janeiro: Museu
Nacional de Belas Artes. Fonte: LOTIERZO, 2017, p. 24.
Acontece que no final do século XIX, o pintor Brocos toca nesse emaranha-
do de referências para dialogar uma reversão, ou seja, a redenção das gerações
de Cam a partir de uma possível aproximação da brancura da pele ou da po-
sitivação da miscigenação, questões difundidas e intensamente debatidas pe-
las academias e centros culturais do país naquele contexto. Na tela, o cenário é
simplório, quase rural e ambientado por uma casa de pau a pique, técnica anti-
ga de construção que combina madeira e barro. Em perspectiva vertical, o lado
esquerdo é composto pelos tons de ocre da parede e do chão de terra batida,
tendo ainda uma palmeira verde de porte pequeno que não está plantada dire-
tamente no chão, mas em uma espécie de lata ou vaso; do lado direito, caracte-
rizado pelo interior da residência, é possível avistar com alguma dificuldade, por
conta da pouca iluminação, alguns móveis e um varal com três peças de roupa.
Existe ainda um degrau que divide a porta de entrada do calçamento de pedras
e há exatamente no centro de toda a composição um banco de madeira.
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lher negra retinta e de idade avançada com os pés no chão, a avó da família. É
a única pessoa que se mantém de pé na pintura e tem a cabeça, os olhos e as
mãos voltadas para o céu, gesto que possivelmente representa agradecimento
ou benção por graça alcançada. Serena, ela usa um lenço branco com detalhes
azuis e vermelhos que contrasta com a cor de pele do seu rosto, ao mesmo tem-
po que também esconde seus cabelos e suas orelhas. Veste blusa ou camisa azul
celeste, um casaco esverdeado com as mangas puídas e saia longa com algumas
variações de vermelho. A mulher se coloca na frente da palmeira e sua postura
alude às reproduções de santas milagreiras e ícones do catolicismo, ainda mais
se considerarmos que os galhos e folhas da planta conferem um esplendor, ar-
tefato empregado em muitas representações dos protagonistas do cristianismo.
No centro, a filha segura seu neto no colo. A mulher negra de cor mais clare-
ada que a velha senhora, está sentada no banco de madeira e usa camisa branca
estampada de poá e mangas bufantes, saia longa com a tonalidade mais viva
que a peça usada por sua mãe e um xale listrado em tons de azul que recobre
parcialmente o corpo. É possível ver apenas um e uma pequena parte de seu pé,
calçado por sapato fechado e esverdeado. Com expressão tranquila e esboçando
um leve sorriso, a mulher tem os cabelos presos por um coque na parte central
da cabeça. Ela olha para o filho enquanto aponta com o dedo indicador da mão
direita para o ventre da avó do menino. Em resposta, o bebê olha fixamente para
a senhora enquanto acena com a mão direita. O movimento poderia ser trivial
para os nossos olhares, caso a forma com que mãe e filho se posicionam não
dialogasse com os modelos imagéticos da Virgem Maria. Nesse sentido, o ato da
criança ganha um caráter de bendição e reconhecimento. Outro elemento que
colabora para tal leitura, é a laranja segurada por ele na mão esquerda, formato
recorrentemente apresentado nas obras artísticas de Jesus como o domínio do
globo terrestre. Por suas características físicas, o menino tem os cabelos cas-
tanhos, olhos claros, vestimenta branca com detalhes azuis e os pés descalços,
além de ser a figura mais alva da pintura.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
que volta os olhos para o filho no centro da tela. De cabelos lisos, o homem bran-
co usa camisa de gola padre com uma coloração encardida, calça de alfaiataria
cinza e chinelo estilo mule/alpargata de couro marrom. Confortável, ele cruza
as pernas com o auxílio das duas mãos e admira com certa alegria e orgulho a
pequena criança. O entusiasmo pode ser confirmado pela crítica da época que
qualificou o caipira imigrante de Brocos pela “vaidade do homem, olhando-se
no espelho humano”, consideração do escritor e político Coelho Netto (1864-
1934) em 1895. Outro aspecto relevante da composição é que, sozinho, o pai habi-
ta praticamente todo o canto direito da paisagem, inclusive é o único a pisar no
pavimento, apesar de sua esposa ser estrategicamente pintada na transição do
revestimento para a terra.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
Aponta Malraux (1965) que se tratando das visualidades, uma obra apenas
se concretiza pictoricamente com o reforço de outras imagens e que muitas ve-
zes, uma pintura determinada tenta dialogar ou reconstruir modelos já estabe-
lecidos. Para compreender melhor esse argumento, consideramos necessário
apreender o conceito de iconografia do historiador da arte Panofsky (1991). O ter-
mo parte do anseio em classificar, coletar, enumerar, unir e/ou descrever a partir
e com as imagens, temas e formas análogas. Com base no método iconográfico,
arriscamos traçar pontes históricas e estabelecer possíveis origens de modelos,
repetições e distanciamentos ou ainda, agrupar um conjunto específico de obras
que viabilizem futuras interpretações.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
conteúdo”, associado aos diferentes valores e distintos usos das imagens por so-
ciedades e momentos históricos divergentes2. O autor exemplifica seu procedi-
mento apoiado na figura de São Bartolomeu, um dos doze apóstolos de Jesus e
recorrentemente representado com uma faca na mão. Para Panofsky (1991), caso
o homem fosse elaborado na posse de qualquer outro objeto, não seria mais Bar-
tolomeu, uma vez que desvincularíamos seus temas da obra.
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grego portadora de Deus, a obra retratava Maria com o menino Jesus no colo.
Enquanto a mão esquerda amparava a criança, a direita apontava para o menino
aludindo a ideia de apresentar o verdadeiro caminho para a salvação. Em res-
posta, Jesus acenava um gesto de benção. Apesar de irrecuperável, seu modelo
serviu como ponte e foi transmitido principalmente pela arte ocidental, ressur-
gindo em muitas obras da posterioridade. Aqui, cabe destacar que a madona de
A Redenção de Cam (1895) se ancora na mesma noção das representações de
Theotókos, inclusive os lados e usos das mãos, a não ser pelo apontamento do
dedo da mãe/Maria que já não parte para a criança, mas encontra no espaço o
ventre da avó.
Figura 2: Théotókos ou A Virgem Basilissa (século VI) [corte]. Ravena: Basílica de São Vital. Fonte: PINTO, 2014,
p. 185.
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mais uma vez, nos leva a pensar na produção da própria pintura de 1895 e na
inserção da mulher negra no centro do debate acerca de genealogia, cidadania
ou futuridade brasileira.
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Figura 3: Modesto Brocos. A Redenção de Cam (1895) [corte]. Óleo sobre tela. 199 cm x 166 cm. Rio de Janeiro:
Museu Nacional de Belas Artes. Fonte: LOTIERZO, 2017, p. 24.
Figura 4: Giotto di Bondone. Madonna em Majestade com Santos (1310) [corte].Têmpera sobre painel de ma-
deira Florença: Galleria degli Uffizi. Fonte: COELHO, 2015, p. 213.
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Segundo Brocos (1933), antes de produzir uma pintura seria preciso investi-
gar obras dos considerados mestres quatrocentistas, afim de incentivar a própria
imaginação. Conta que quando esteve em Roma, conheceu artistas que passa-
vam muitas noites observando revistas ilustradas e outras fontes de imagens até
o esgotamento, posteriormente e carregados de inspiração, eles desapareciam
para a feitura de suas telas. Desses processos, passou a refletir que autores do re-
nascimento, reduto da criação de tantas madonas, tinham o poder de inspirar e
dialogar artisticamente com o público. Daí em diante, cita a necessidade de todo
o pintor criar uma coleção de gravuras e fotografias de tais obras, para recorrer e
ativar a inspiração previamente.
Nesse aspecto, é instigante pressupor que o próprio Brocos poderia ter re-
produções de alguma madona renascentista em sua coleção particular, imagens
que possivelmente tenham o inspirado em 1895. Outro ponto significativo é que
Carpaccio, citado pelo pintor, defendeu uma pintura calculadamente harmonio-
sa, que agradasse os olhos do observador e introduziu detalhes naturalistas nas
tramas religiosas (ACIDINI, 2013), elementos que similarmente comportam A Re-
denção de Cam (1895). Na prática, o pintor italiano transferiu as cenas e ações bí-
blicas para os cenários da vida urbana de seu período, a Veneza do renascimento
europeu. Assim, ao pintar sua Madonna e benção criança (1505), Carpaccio acres-
centou ao fundo muitas torres altas, praças, animais, pontes e construções que
remetem ao período medieval. Inevitável não pensar nas escolhas deixadas por
Brocos no final do século XIX, ao vincular a mesma forma da iconografia mariana
para o chão de terra batida, a parede de pau a pique, a palmeira e os componen-
tes que sustentam um tom caipira e rural ao Rio de Janeiro naquele momento4.
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Figura 5: Vittore Carpaccio. Madonna e benção criança (1505). Washington: National Gallery of Art. Fonte: ACI-
DINI, 2013, p. 187.
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vência das visualidades enquanto formas pensantes, das quais podemos refletir
e capturar a sobreposição de camadas de tempo que se movem (passivamente
ou não) em comunhão. A persistência dessa sobrevida, componente inicial do
esforço de Warburg (2015), seu Atlas Mnemosyne5 e o propósito do estudo histó-
rico visual, é também um conhecimento que se lança para o espaço da memória,
uma vez que a obra de arte é possuidora de lembranças e especificidades de
tempo. Nesse sentido, a imagem provoca o atravessamento da própria história
como habitualmente a conhecemos (DIDI-HUBERMAN, 2015), uma conexão do
passado com os nossos possíveis presentes.
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Referências Bibliográficas:
BROCOS Y GOMEZ, Modesto. Retórica dos Pintores. Rio de Janeiro: Typ. D’A
Indústria do Livro, 1933.
CARVALHO, António Maria Romeiro. Virgem Negra, Maria Madalena e Nossa Se-
nhora da Conceição: a continuidade de um culto pagão. In: AÇAFA On-Line, nº
4, Associação de Estudos do Alto Tejo, 2011. Disponível em: <https://www.altotejo.
org/acafa/docsn4/Virgem_Negra_Maria_Madalena_N_S_Conceicao.pd f>. Acesso
em: 24 mai. 2022.
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MAUAD, Ana Maria. Como nascem as imagens? Um estudo de história visual. In:
História: Questões e Debates, [S.l.], v. 61, n. 2, dec. 2014. ISSN 2447-8261. Disponí-
vel em: <https://doi.org/10.5380/his.v61i2.39008>. Acesso em: 24 mai. 2022.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Este mundo de verdade das coisas de mentira: en-
tre a arte e a história. In: Estudos Históricos, n. 30, 2002. Disponível em: <http://
bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2176/1315>. Acesso em: 24
mai. 2022.
ROQUE, Maria Isabel Rocha. “Santa Maria, Mãe de Deus”: Invocação, represen-
tação, exposição. In: DEVOÇÕES E SENSIBILIDADES MARIANAS: DA MEMÓRIA
DE CISTER AO PORTUGAL DE HOJE. XIII Encontros Culturais de S. Cristóvão de
Lafões Associação dos Amigos do Mosteiro de S. Cristóvão de Lafões; Departa-
mento dos Bens Culturais da Diocese de Viseu. Lafões: Portugal, 2017. Disponí-
vel em: <http://dspace.uevora.pt/rdpc/bitstream/10174/25140/1/Roque_2018_san-
ta-mariamaedeus_invocacao-representacao-exposicao_PRE-PRINT-VERSION.
pdf.>. Acesso em: 24 mai. 2022.
286
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ZORDAN, Paola Basso Menna Barreto Gomes. VIRGEM SENHORA NOSSA MÃE
PARADOXAL. In: História: Questões & Debates, Curitiba, volume 65, n.2, p. 239-
263, jul. /dez. 2017. Disponível em: <https://doi.org/10.5380/his.v65i2.47241>. Aces-
so em: 24 mai. 2022.
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Busquei na obra da artista, nos discos aos quais tenho acesso no mo-
mento, identificar nos enunciados cantados as imagens construídas em torno
de figuras femininas. Todos os discos tiveram como intérprete e/ou compositora
Ely Camargo. Trata-se de um repertório diversificado, composto por diferentes
gêneros, ritmos e estilos musicais. Embora na escrita da tese de doutorado eu
me atente para o disco e as canções como objetos polissêmicos, formados por
sons, imagens visuais e sonoras, textos escritos e cantados e elementos estéticos
e técnicos variados, privilegiarei neste momento os discursos e representações
que se sobressaem nas letras das músicas, buscando, neste primeiro momento,
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
Para começar, trago duas canções de Ely Camargo que evocam a figura
de Iemanjá (ou Yemanjá). São duas canções compostas por diferentes compo-
sitores, ambas, entretanto, interpretadas por Ely nos seus próprios discos. Trata-
-se das músicas “Mamãe Iemanjá” (disco “Outras Canções da Minha Terra-1967 e
“Minha Terra”-1973) e Yemanjá (disco “Canções da Minha Terra” vol. 4 -1964), cujas
letras podemos observar logo a seguir2:
Seus brincos são as conchas que se banham nas praias do mar. Seus dentes são
as pérolas que ninguém inda pôde buscar.
Que bonita as areia do mar, aiai! Que bonita as areias que dormem no fundo
do mar!
Quando eu canto é para salvar Yemanjá, que escolheu para seu leito as areias
do fundo do mar.
Vou cantar pra senhora que ouve meu sarava, vou cantar pra rainha que dorme
no fundo do mar, vou cantar pra areia onde dorme dona Yemanjá, vou contar
pras areias que dormem no fundo do mar.
Seus brincos são as conchas que se banham nas praias do mar. Seus dentes são
as pérolas que ninguém inda pôde buscar.
Que bonita as areias do mar, aiai! Que bonita as areias que dormem no fundo
do mar!
Quando eu canto é para salvar Yemanjá, que escolheu para seu leito as areias
2 As sonoridades podem ser ouvidas em arquivo de áudio que acompanha o artigo. Estão
numeradas de acordo com a marcação feita em cada uma no texto. As datas que aparecem nas
canções se referem ao lançamento dos discos de Ely Camargo que as contêm.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
do fundo do mar.
Ela é uma moça bonita. Ela é dona de conga. Erê, erê, lerá. Quando vem de Aru-
anda, sarava de umbanda, mamãe Iemanjá.
Aí eivem, vem a nossa rainha. Aí eivem sereia do mar. Erê, erê, lerá. Quando vem
de Aruanda, sarava de umbanda, mamãe Iemanjá.
Aí eivém a senhora das águas. Aí eivem mamãe Iemanjá. Erê, erê, lerá. Quando
vem de Aruanda, sarava de umbanda, mamãe Iemanjá.
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ANAIS – XII Colóquio de História e Imagens
discurso popular, por ser dona de poderes ligados à fertilidade. Sueli Carneiro e
Cristiane Abdon Cury (CARNEIRO e CURY, 1993), ao falar sobre o poder feminino
nos cultos aos orixás, trazem avante as relações de gênero dentro dos cultos de
matriz africana. Acreditam que é no mistério da concepção da vida que reside a
associação da mulher ao segredo, ao temor do desconhecido, à natureza selva-
gem, às profundezas das águas e suas turbulências, à terra, ventre fecundo onde
tudo nasce e para onde tudo retorna, e ao fogo sensual que conduz ao encon-
tro”. Segundo elas os orixás femininos cultuados no candomblé como Oxum,
Iemanjá, Nanã, Obá, Ewá e Iansã, representam os aspectos socializados das Iyá
mi e “os aspectos “anti-sociais” das orixás femininas são temíveis por todo povo
de santo. A ira de Oxum pode provocar o desencadeamento dos aspectos con-
trários às suas qualidades. Dessa forma, enquanto provedora de filhos, quando
irada pode trazer a esterilidade e os abortos sucessivos, as enchentes, os males
do amor”. Exemplificam que Iemanjá, representa no seu aspecto perigoso a ira
do mar, a esterilidade e a loucura e que cada orixá representa uma força ou ele-
mento da natureza, “um papel na divisão social e sexual do trabalho, e como
desdobramento disto, a este papel estão associadas características emocionais,
de temperamento, de volição e de ordem sexual” (CARNEIRO e CURY, 1993, p. 23).
Obviamente, que o mito que a mostra como violentada não é abordada nas
músicas que se referem à Iemanjá, estupro ainda é assunto tabu, para se tratar
em músicas brasileiras de forma questionadora. No entanto, a beleza do orixá é
de fato enaltecida, em acordo com a narrativa acerca das deusas na África. Além
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Quem tem sua esmola dá, filho de nossa senhora. Esta santa, virgem pura, lhe
proteja lá na glória. Esta santa, virgem pura, lhe proteja lá na glória
Sacrário aberto, senhor saia fora e acompanha essa alma que vai para glória.
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Lá vem as três conchinha, todas três conchinha é minha. Uma chama pastaflor,
a outra chama pastorinha.
5. Bendito de Santa Luzia – 1983 ( Canto de rua recolhido por Ely em Juazeiro
do Norte em 1980)
Bendito louvado seja
Pelas dores de Maria
Que Deus já era serva
Senhora Santa Luzia
Santa Luzia era cega
Mas esmola não pidia
Que de Deus já era serva
Senhora Santa Luzia
Tanto pobre penitente
Batendo de porta em porta
Quem não tiver cego na porta
Também não quereis a minha
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Tô cansada de pidi
A todos meus irimãos
Aqueles que for devoto
Da Virgi da Conceição
Por caridade, eu lhe peço
Me dê uma esmola, irmão
O primeiro canto é uma folia de reis composta por Bariani Ortêncio, que
ganha vida na voz de Ely Camargo. A composição sonora é em ritmo alegre mo-
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4 A historiadora investiga o retrato cultural dos papéis atribuídos à maternidade em: SOUZA,
Maria Beatriz de Mello e. Mãe, mestra e guia: uma análise da iconografia de Santa’Anna. Topoi, Rio
de Janeiro, dez. 2002, p. 232-250.
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àquelas palavras” tão reais para ela. O que era um canto sem sentido e valor para
muitos que ouviam aquela mendiga, se convertia em valor extraordinário para
Ely Camargo (ELY, 2014).
Outra memória evocada pela música recolhida e interpretada por Ely, fai-
xa 5 do lado A do disco, “Cantiga da mendiga”, traz à cena uma cantiga de men-
digos recolhida em Palmeiras dos Índios, Alagoas em 1973, por Ely Camargo.
Tanto o bendito de Santa Luzia quanto a cantiga da mendiga foram transpostas
para o disco com arranjos e timbres elaborados por Ely e parceiros instrumen-
tistas e maestros. Nas palavras da artista a melodia era cantada por mendigos
nas ruas, feiras, mercados, com a finalidade de impressionar, comover e atrair a
atenção das pessoas que passam e receber assim a esmola. A mendiga cantava
melodia conhecida, um Bendito de Juazeiro do Norte, Ceará. Sobre os benditos:
Para o frei Pedro Sinzig os benditos simplesmente são cantos sacros populares,
enquanto que para Luís da Câmara Cascudo, no Dicionário do Folclore Brasileiro
os benditos são cantos religiosos com que são acompanhadas as procissões e,
outrora, as visitas do Santíssimo (POEL, s.d.). Mas esse bendito tinha versos cria-
dos por ela com a finalidade específica de pedir esmola. No Nordeste era muito
comum que Eli encontrasse o mesmo bendito executado por Zabumba, que é
um instrumento de percussão, uma espécie de tambor que tradicionalmente
era feito de madeira com peles esticadas por cordas. Observamos palavras can-
tadas considerando o traço popular. Palavras de um português informal, ditas de
modo simples, costumeiro. Simples, carregado de hábitos e preces cotidianas,
ditas de maneira natural pelos pedintes. Valorizando aquele canto, Ely se propu-
nha a interpretar a obra que ouvia nas ruas. De valor inestimável, seus registros e
interpretação evidenciam tradições, identidades e cultura. O canto da mendiga
evocava imagens de práticas culturais, religiosas, mas também da realidade so-
cial cristalizada em alguns pontos do país.
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Bia-tá-tá, bia-tá-tá
Esse coco saboroso você come e não me dá
Bia-tá-tá, bia-tá-tá…
Bia-tá-tá, bia-tá-tá...
Morena, Morena, dos olhos brilhantes. Estes teus olhos me põe quebrante. Me
põe quebrante de me olhar assim. Morena, minha morena, têm pena de mim.
Morena, Morena, dos olhos castanhos. Estes teus olhos de grandes tamanhos.
De grandes tamanhos, de me olhar assim. Morena, minha morena, têm pena
de mim. De grandes tamanhos, de me olhar assim, morena, minha morena,
têm pena de mim.
Morena, Morena, dos olhos de prata. Estes teus olhos são que me mata. São que
me mata de me olhar assim, morena minha morena, têm pena de mim. São
que me mata de me olhar assim. Morena, minha morena, têm pena de mim.
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5 Ver também:
- VAINFAS, Ronaldo. “Moralidades brasílicas: deleites e linguagem erótica na sociedade
escravista”. In: NOVAIS, Fernando A.; MELLO E SOUZA, Laura de (orgs). História da vida privada no
Brasil I: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997;
- PRIORE, Mary Del. Ao Sul do Corpo: maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. 2ª ed.,
São Paulo: UNESP, 2009;
- _____ Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil. São Paulo: Planeta do
Brasil, 2011.
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300
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Referências Bibliográficas:
CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O poder feminino no culto aos orixás. In: Mu-
lher Negra. Caderno Geledés, vol. 4, nov. 1993, p.19-35
ELY de canto a canto. Direção: Thiago Camargo e Júlio Vann. Produção: Cé-
sar Kiss, Thiago Camargo e Júlio Vann. Roteiro: Thiago Camargo, Júlio Vann e
Paulo GC Miranda. Produção Executiva: César Kiss. Montagem e Edição: Thiago
Camargo, Júlio Vann e Érika Mariano. Captação de Imagens: César Kiss, Júlio
Vann e Érika Mariano. Fotografias e Still: Júlio Vann e Érika Mariano. Som Direto:
Thiago Camargo e Bruno “Bicudo” Ribeiro. Direção de Arte: Ricardo de Podesta.
Pós-Produção e Efeitos Visuais: Rildo Farias. Mixagem e Edição de Som: Thia-
go Camargo. Entrevistados: Elci Camargo Romero, Elvane Camargo Tiemann,
Waldomiro Bariani Ortêncio, Álvaro Catelan, Dama da Conceição, José Mendon-
ça Telles, Maria Dalva Cavalcante. Goiânia: Mandra Filmes, 2014. 1 DVD (65 min),
son., color, 8 mm.
SOUZA, Maria Beatriz de Mello e. Mãe, mestra e guia: uma análise da iconogra-
fia de Santa’Anna. Topoi, Rio de Janeiro, dez. 2002, p. 232-250.
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2 Ver Muralismo Mexicano: O Muralismo Mexicano “ou Escola Mexicana de Pintura, surgiu
logo após o término do período de luta armada, incentivado por José Vasconcelos durante o pe-
ríodo em que foi Secretário da Educação Pública no governo de Obregón, entre 1920 e 1923. Os
principais representantes dessa linha foram Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e José Clemen-
te Orozco, que pintaram as paredes de edifícios públicos com temas essencialmente históricos”.
(BARBOSA, 2008, p. 88).
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3 “Porfiriato: período de governo de Porfírio Díaz, entre 1876-1911, caracterizado pela centra-
lização política, desenvolvimento econômico com o incremento dos investimentos norte america-
nos e expansão das grandes propriedades”. (BARBOSA, 2008, p.88).
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como ele ocorreu”, mas fazer emergir as esperanças não realizadas desse passa-
do. Para Benjamin, esse passado espera das gerações presentes, na forma que
ela cintilou no instante de perigo, reparação e redenção. Para ele, para que haja
reparação e redenção, é preciso tratar o Progresso como catástrofe. Uma tem-
pestade que avança em direção ao futuro, cuja força ameaça não apenas o con-
teúdo dado da tradição quanto também aqueles que a recebem (GAGNEBIN,
1982). Somente com o interromper dessa tempestade que será possível, para
Benjamin, conhecer, reparar e redimir.
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ainda reclama por espaço na memória e por justiça social e econômica no campo
se afastando da narrativa oficial do conflito. Pelos documentários as exigências
históricas camponesas do passado se manifestam ainda pulsante na realidade
camponesa e indígena do presente, como pode ser visto na formação e atuação
do Exército Zapatista de Libertação Nacional e dos 13 pueblos em sua luta para
defender e preservar seus povos, tradições, memórias, terras e nascentes.
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finita que os acontecimentos vêm preencher” (LÖWY, 2010, p. 62). Nessa lógica,
a historiografia oficial mexicana tem se mostrado compatível com esse modelo.
As narrativas historiográficas dos grupos dominantes “estabelecem as relações
passado, presente e futuro dentro de um encadeamento ou uma sucessão de
eventos, fatos etc.” (NUNES, 2005, p. 32).
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Referências Bibliográficas:
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GARCIA RIERA, Emilio. Historia documental del cine mexicano, vol.1, Universi-
dad de Guadalajara / Gobierno de Jalisco / Conaculta / Imcine, Guadalajara, 1997.
LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio, uma leitura das teses “so-
bre o conceito de história”. São Paulo, Boitempo, 2010.
MRAZ, John. A revolução no México e em Cuba: filmando suas histórias. In: NÓ-
VOA, Jorge; FRESSATO, Soleni Biscouto; FEIGELSON, Kristian. Cinematógrafo:
um olhar sobre a história. Salvador, São Paulo: EDUFBA/Editora Unesp, 2009.
VANOYE, Francis & GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Trad.
Maria Appenzeller. Campinas: Papirus, 2008.
Filmografia:
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Introdução.
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2 No estado do Amapá existem dois cemitérios israelitas, todos em Macapá, e são anexos
aos cemitérios municipais. O primeiro cemitério israelita foi construído no Cemitério Municipal
Nossa Senhora da Conceição, no centro, e, de acordo com Wolff (1983), esta necrópole está entre
os cemitérios sefarditas mais antigos e importantes do Brasil, com sepulturas datadas de final do
século XIX; o segundo está no Cemitério Municipal São José, na Zona Sul. Até o ano de 2020 um
terceiro cemitério israelita estava em fase de construção, anexo ao Cemitério Municipal São Fran-
cisco de Assis, na Zona Norte da cidade, mas em virtude da emergência da Pandemia de Covid-19
que demandou novos espaços para sepultamento, a área foi requisitada pela Prefeitura e pronta-
mente aceita pela Comunidade Judaica do Amapá, visto que os seus dois cemitérios mais antigos
possuem espaços consideráveis.
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ção nativa, pois são construídos em clareiras. Não há portão, a entrada principal
é demarcada pelo cruzeiro fixado de frente para o rio, pois os rios eram as prin-
cipais vias de acesso das comunidades ribeirinhas do Amapá, e em muitos locais
continuam sendo. O trapiche integra a estrutura do cemitério ribeirinho, tem a
função prática de demarcar a frente do cemitério e a ligação com o rio, como
pode ser observado na figura 01.
Figura 01: Cemitério Ribeirinho Terra Preta, Município de Vitória do Jari-AP. Fonte: Acervo do autor (2021).
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São lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e fun-
cional, simultaneamente, somente material, somente em graus diversos. Mui-
tos lugares de aparência puramente material [...] só é lugar de memória se a
imaginação o investe de uma áurea simbólica [...] só entra na categoria se for
objeto de um ritual [...]. Os três aspectos coexistem sempre. É material por seu
conteúdo demográfico; funcional por hipótese, pois garante, ao mesmo tempo,
a cristalização da lembrança e a sua transmissão; mas simbólica por definição
visto que caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vivida por um
pequeno número uma maioria que deles não participou. (NORA, 1993, p. 21-22).
3 Wolff (1983).
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Macapá, por seu pioneirismo e por ter em seus mausoléus, túmulos e sepulturas
muitas das personalidades da história política e da cultura amapaense.
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O cemitério, como afirma Cymbalista (2002), reflete a cidade dos vivos, pois
ela é feita pelos vivos e para os vivos, logo, a cidade dos mortos é muito parecida
com a cidade dos vivos: mesmos materiais, técnicas de construção e adorno, in-
clusive alguns problemas são recorrentes também.
Figura 02: Comércio de túmulos pré-moldados no Cemitério Municipal São Francisco de Assis, Macapá-AP.
Finados de 2018. Figura 03: Túmulos castilhos recém-colocados. Cemitério Municipal São Francisco de Assis,
Macapá-AP. Fonte: Acervo do autor (2018).
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sas, como a cruz latina para o católico, a Bíblia para o evangélico. A cruz latina é o
elemento simbólico preponderante em todos os cemitérios do Amapá.
4 De acordo com Leite et al. (2006), tal planta possui o nome científico de Virola surinamen-
sis, pertence a espécie da família Myristicaceae. Trata-se de uma madeira leve utilizada sobretudo
na indústria de compensados.
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Figura 04: Túmulo castilho simples. Cemitério Municipal São Francisco de Assis, Macapá-AP. Fonte: Acervo do
autor (2021)
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Figura 05: Túmulo castilho gradeado Cemitério da Paz, Porto Grande-AP. Fonte: Acervo do autor (2017)
Figura 06: Túmulo castilho trançado. Cemitério Municipal Débora Damascena, Laranjal do Jari - AP. Fonte:
Acervo do autor (2017)
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Considerações finais.
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Referências Bibliográficas:
LEITE, Helio Garcia; GAMA, João Ricardo Vasconcellos; CRUZ, Jovane Pereira da
and SOUZA, Agostinho Lopes de. Função de afilamento para Virola surina-
mensis (Roll.) Warb. Rev. Árvore [online]. 2006, vol.30, n.1, pp.99-106.
LOUREIRO, Maria Amélia Salgado. Origem histórica dos cemitérios. São Paulo:
Secretaria de Serviços e Obras da prefeitura do município de São Paulo, 1977.
MENDONÇA, Maria Silvia de, FRANÇA, José Ferreira, OLIVEIRA, Andréia Barron-
cas, PRATA, Ressiliane Ribeiro, AÑEZ, Rogério Benedito da Silva. Etnobotânica e
saber tradicional. In FRAXE, Therezinha de Jesus Pinto, PEREIRA, Henrique dos
Santos, WITKOSKI, Antônio Carlos. (Orgs.) Comunidades ribeirinhas amazôni-
cas: modos de vida e uso dos recursos naturais. Manaus: EDUA, 2007.
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A partir dos trabalhos de campo que realizei em Codó entre 2019 e 2021
apresentarei como o terecô, religião afro-brasileira de Codó, se organiza e o que
guarda em comum com outras religiões desse segmento em especial o can-
domblé, a umbanda e a mina. Destaco também suas particularidades, suas
reinterpretações do contato com outras religiões e principalmente suas marcas
originais o que não foi observado em outras tradições religiosas. Outra importan-
te característica do terecô, talvez a principal, não diz respeito propriamente aos
elementos rituais do seu culto mas a forma como a comunidade se organiza e o
papel reservado ao feitiço, sempre negado e usado como parâmetro de diferen-
ciação para atestar a pureza ritual na perspectiva da africanização, o feitiço tem
um papel específico nessa comunidade já que é utilizado para definir o lugar
do terecô no campo religioso afro-brasileiro, fazendo com que Codó ganhasse
notoriedade nacional.
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Estive em Codó pela primeira vez em julho de 2019, desde então voltei na
festa grande realizada por Mãe Gleice da Tenda Nossa Senhora da Conceição
e Santa Bárbara3, em dezembro de 2019, 2020 e 2021. O barracão de Mãe Glei-
ce está situado no bairro Codó Novo, na periferia da cidade, um bairro muito
populoso. Seu barracão tem um grande número de membros os abatazeiros
(músicos) são coordenados por seu esposo Sr. Romário, os demais membros
são divididos entre os que incorporam (médiuns) e os que cuidam da logística
dos rituais como organizar o salão providenciar chapéus, cachimbos, bebidas e
etc. para os encantados, receber visitantes (diretoria). Observamos que na Tenda
3 A utilização do termo “Tenda” decorre da influência do chamado movimento federativo
da Umbanda, esse movimento pode ser compreendido como a formalização perante o Estado
das casas de cultos afro-brasileiros em federações de Umbanda. Em diferentes contextos o uso
desse termo pode ser compreendido como uma maneira de resistir à repressão policial utilizando
a vinculação à estas federações como estratégias de resistência. Sobre o movimento federativo da
Umbanda ver (NEGRÃO, 1996).
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Após minha primeira visita a Codó em julho de 2019 percebi que a melhor
forma de desenvolver uma pesquisa naquela comunidade seria a convivência
com aquelas pessoas, busquei, então, recentes perspectivas antropológicas so-
bre o trabalho de campo. Recentemente, diversas pesquisas em antropologia
abriram o horizonte para o “afetar-se” (FAVRET-SAADA, 2005; GOLDMAN, 2003),
acreditamos ser essa a melhor maneira para conseguir perceber o lugar do fei-
tiço no terecô e a intensa sociabilidade dessa comunidade. A metodologia do
nosso trabalho foi a etnografia, as fontes foram dos diários produzidos a partir
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balho de campo, a produção dos diários de campo elaborados nas quatro vezes
que estive em Codó entre 2019 e 2021. Ressalto que a escolha das datas para a
realização do trabalho de campo foi orientada pelo calendário das atividades da
Tenda Nossa Senhora da Conceição e Santa Bárbara que me permitiu entrar na
teia de relações da comunidade do terecô.
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Maria dos Santos gostava de coisas modernas e de roupas luxuosas, com brilho.
Em 6 de janeiro de 1994 iniciou o toque de gravador na mão e usou roupa nylon.
Em 1995, “sonhava” com uma saia de lamê verde. Em dezembro de 1996 colocou
som e venda de bebidas na festa de fim de ano do terreiro e, embora tenha feito
roupa bordada em Richelieu para as tobôssas, usou, na abertura da festa, nylon
trabalhado industrialmente. Gostava também de preparar mesa de doces e
bolo confeitado nas festas de seus guias. O estilo de Maria dos Santos parecia
pautado no do Bita, que parece ter também influenciado Dona Antoninha que,
apesar de mais velha do que ele, dançou muitos anos no seu salão e tinha por
ele grande admiração. Logo após o falecimento de Dona Antoninha, parecia
que aquela influência ia aumentar, pois antes dele ocorrer o Bita já estava sen-
do apresentado como alguém que poderia orientar e acompanhar os passos da
nova mãe de santo e o filho de Maria dos Santos fora preparado por ele. Na festa
do fim de ano de 1996, a Tenda Santa Bárbara não parecia tão empenhada em
desenvolver o “nagô de Codó” quando em acompanhar o movimento umban-
dista que ver crescendo na capital e no interior do Estado do Maranhão e que
ali era liderado pelo Bita. (FERRETTI, 2000, p. 133-134)
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Como nos mostra (OLIVEIRA, 1996) devemos ter em mente que as nações no
contexto das religiões afro-brasileiras se constituem a partir de múltiplos agen-
ciamentos e que estão muito mais ligadas as reconfigurações e identificações
na América do que a sua origem africana. Pode-se argumentar, por esse motivo,
que o repertório de classificações étnicas na América não passa de atribuições,
que terminariam por colocar-se aos mesmos como rótulos. Segundo esta pers-
pectiva é que se problematiza a atribuição dos nomes étnicos aos grupos afri-
canos na América, considerando que os nomes de nação ficaram conhecidos
em tal região ou país, sem se questionar a lógica que presidiu tal processo. To-
davia, diversos elementos nos indicam que os nomes étnicos se transformaram
em formas auto-descritivas introjectadas, individual e socialmente. Destacamos
que a ênfase, ao problematizar a etnicidade na religiosidade afro-maranhense,
não está na permanência das práticas, mas sim nas transformações, reconfigu-
rações, o processual em detrimento do essencialismo. O que interessa a esta
pesquisa não é o que permaneceu, mas sim o que se reconstruiu, a diversidade
e o agenciamento das religiões afro-brasileiras produzindo um contraponto às
ideias de pureza e africanização nas diferentes tradições que formam os cultos
afro-brasileiros.
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“capital da macumba”.
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Referências Bibliográficas:
COSTA EDUARDO, Octavio da. The Negro in Northern Brazil: a Study in Ac-
culturation. Washington: University of Washington Press - Seattle and London,
1966. [1948]
DANTAS, Beatriz Góis. Vovó Nagô e papai branco: usos e abusos da África no
Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etno-
grafia urbana. In Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol 17. n. 49 – São Paulo,
junho de 2002.
MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio
de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992.
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OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes de. Viver e morrer no meio dos seus: nações e co-
munidades africanas na Bahia do século XIX. In Revista da USP, São Paulo (28):
174-193, 1996.
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O Galpão desde sua formação e nas diversas montagens que realizou busca
incorporar em suas performances teatrais, técnicas circenses, improvisação pro-
venientes da commedia dell’arte, mas busca incorporar especialmente, o imagi-
nário cultural regional de Minas Gerais.
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fletir sobre o que lhe foi apresentado, criticando e quem sabe até mesmo agindo
a respeito. O teatro, assim como diversas outras modalidades artísticas, sobre
esse aspecto, cumpre uma função de dotar o público de autoconsciência como
agente histórico, capaz de propor questões e participar ativamente na constru-
ção do processo histórico.
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Através de sua fala, é possível notar que a decisão do grupo pela prática do
teatro de rua como projeto teatral foi intencional, sobre os pretextos de atender
as formações estéticas e políticas da época causadas pelas mudanças sociais no
país e para dialogar com o público desse período.
Esse público que se diferenciava ao anterior à Ditadura, uma vez que ele
se encontrava acostumado e familiarizado com as dinâmicas de programas te-
levisivos, que estava também marcado pela crise econômica e sucateamento,
além de marcado pela ausência de políticas públicas voltadas para a formação
cultural.
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Além disso, no interior dessa própria obra, o autor apresenta elementos ca-
pazes de conceituar o teatro de rua, entre eles se encontram:
Essa expressão teatral executada pelo Grupo Galpão nas ruas de Belo Hori-
zonte possui, portanto, uma relevância histórica e política consideráveis, o teatro
de rua produzido pelo coletivo demonstra o cumprimento de suas intenções e
objetivos de criação com a comunicação com o público para a formação cidadã
através do teatro com apresentações lúdicas e de caráter transgressor.
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para a sua realização, cumprindo assim com os objetivos que eles se propõem
desde a sua concepção, com o contato e a provocação de uma reflexão do pú-
blico.
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Exemplificando, desse modo, como uma obra de arte pode ser adaptada
culturalmente através da inserção de certos elementos e resultando em uma
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Assim como Shakespeare fez para a língua inglesa, Guimarães Rosa propor-
cionou a língua portuguesa uma vasta quantidade de palavras e expressões que
muitas vezes eram retiradas do dia a dia da região em que vivia, o norte mineiro,
e outras inventadas por ele mesmo, ambos criaram diversos neologismos, onde,
de certo modo, desrespeitaram as regras gramaticais em função de suas obras
ou para reproduzir a linguagem popular.
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Como forma de alusão a isso o Grupo Galpão faz uso do veículo tanto como
elemento que compõe o cenário, como também palco e camarim, a utilização
do automóvel como um elemento central da montagem contribui para conferir
o visual circense, interiorano, mineiro e popular que transcorre por toda a peça.
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nagens.
O veículo por si só também possui sua decoração, uma vez que é objeto
central nas apresentações, ele é decorado com decalques de flores coloridas e
franjas douradas, remetendo visualmente a cultura popular mineira, se relacio-
nando com características do Barroco da região.
Interessante pensar que quando o Grupo opta por inserir músicas como es-
tas, da cultura popular brasileira, na apresentação da peça shakespeariana surge
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uma certa contradição, uma vez que o que foi utilizado para quebrar com a tra-
dição que a peça carrega, também carrega tradição a sua maneira.
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Referências Bibliográficas:
ALVES, Junia; NOE, Marcia. (Org.). O palco e a rua: a trajetória do teatro do Gru-
po Galpão. Belo Horizonte: PUC, 2006.
MICHALSKI, Yan. A crise do teatro dentro da crise maior. In: SOSNOWSKI, Saúl;
SCHWARTZ, Jorge (orgs). Brasil: o trânsito da memória. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1994. p.113-120.
PAVIS, P. Análise dos Espetáculos. Tradução de Sérgio Sálvia Coelho. São Paulo:
Perspectiva, 2015.
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