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Rio de Janeiro
2006
Celtas e romanos: interações culturais através
dos adornos pessoais
Bacharelado em História
Rio de Janeiro
2006
ii
Celtas e romanos: interações culturais através
dos adornos pessoais
Aprovado por:
Rio de Janeiro
2006
iii
Irina Aragão dos Santos
xiv, 77 f. : il.
iv
Resumo
Palavras-chave
Adornos pessoais; sociedade; cultura; cultura material; linguagem;
alteridade; identidade; classificação social; representação simbólica;
interação cultural.
v
Abstract
Key words
Personal ornaments; society; culture; material culture; language;
otherness; identity; social classification; symbolic representation; cultural
interaction.
vi
Agradecimentos
vii
Sumário
Apresentação 13
1. Introdução 16
3. Os celtas 26
4. Britânia Romana 43
5. Conclusão 62
Glossário 68
Referências bibliográficas 75
viii
Lista de quadros-resumos
ix
Lista de mapas
x
Lista de imagens
xi
"Felicidade do Historiador - (...) alguém em quem, ao estudo da
história, não somente o espírito, mas também o coração sempre
se transforma de novo e que, ao contrário dos metafísicos, se
sente feliz por albergar em si, não ‘uma alma imortal’, mas muitas
almas mortais."
Friedrich Nietzche
xii
Apresentação
1
Nesta monografia, denominaremos de adorno, ou adorno pessoal, ou objeto de
adorno, todos os objetos utilizados pelo homem sobre o corpo, envolvendo partes do
corpo, interferindo no corpo, aplicados sobre o corpo, que desempenham várias funções
e têm distintos significados dentro das sociedades: símbolo de status social, econômico
e cultural; símbolo de fé, devoção e religiosidade; veículo de cura; dote; riqueza; jóia;
bijuteria; folheado e similares. Busca-se um termo amplo para os diversos significados
atribuídos a este objeto, portanto, aqui citamos sinônimos para o termo adorno:
adereço, acessórios, enfeite, ornato, ornamento, atavio, objeto ritual ou simbólico. É
importante observar que o foco desta pesquisa não aborda roupas, sapatos e
acessórios tais como chapéus, luvas, bolsas, leques etc.
13
para pesquisa - Metodologia de projeto aplicada ao design de jóias,
título inicial, no Curso de Mestrado em Design da PUC-Rio, buscou-se a
identificação destas questões e o embasamento teórico, fundamental na
construção de idéias, que resultaram em novas perguntas e opiniões.
Paralelamente, disciplinas externas ao Departamento de Artes e
Design foram cursadas na Pós-Graduação em História Comparada –
PPGHC, do IFCS / UFRJ: Identidades e Alteridades Culturais, Seminário
da Linha de Pesquisa Identidades e Alteridades Culturais, objetivando
estudar e discutir as questões referentes ao olhar sobre o outro; e
Estado Atual dos Debates em Instituições e Formas Políticas, Seminário
da Linha de Pesquisa Instituições e Formas Políticas, tendo como
proposta discutir as instituições e a modernidade. Os conteúdos das
mencionadas disciplinas desempenharam importante papel na
fundamentação teórica da dissertação, bem como na reflexão sobre o
objeto de estudo e e pesquisa desenvolvido na dissertação intitulada –
Adornos pessoais: uma reflexão sobre as relações sociais, processo de
design, produção e formação acadêmica.
No presente trabalho, ao realizar o exercício de desenvolver uma
pesquisa histórica para monografia de conclusão do Curso, busco
conciliar as idéias geradas nestas experiências acadêmicas e as
opiniões vivenciadas e discutidas sobre o papel dos objetos dentro das
sociedades humanas. Fiz opção pelo estudo em História Antiga, pois foi
possível identificar uma oportunidade de reflexão sobre as mencionadas
questões. Entendo o meu objeto de pequisa como sendo atual, embora
aborde uma sociedade e cultura distantes, pois as questões levantadas,
avaliadas e pesquisadas são presentes e pertinentes na compreensão
das relações sociais humanas. No contexto atual, em que o rápido e
fácil acesso à informação possibilita o contato com novas idéias, novos
valores e culturas múltiplas, busca-se a percepção da dinâmica das
sociedades, fomentando a compreensão e maior aceitação das
diferenças culturais. Embora seja fascinante a idéia do mundo sem
fronteiras, proposta pela globalização e pela alta tecnologia, observa-se
a resistência à perda da identidade cultural e ao esquecimento das
tradições perpetuadas por gerações nas sociedades. Neste panorama,
percebemos o interesse pelo resgate das tradições, que falam da
14
história de um indivíduo, de um grupo, de um povo, de uma sociedade,
de uma cultura.
Diante deste panorama e experiência, entendo como necessária a
compreensão do bem simbólico como elemento importante na
sedimentação da identidade do produto brasileiro dentro do mercado
mundial. Buscando resgatar e perpetuar a cultura, as tradições e a
identidade deste povo e sua história. Estes aspectos são importantes
agentes agregadores de valor à matéria-prima, que devem ser
considerados pelo design como uma ferramenta aliada em tornar o
produto nacional competitivo, que embora produzido em massa, torna-
se único e especial, veículo de afirmação de valores, convenções,
aspirações e identidade.
15
1. Introdução
17
comunicação humana e sustentam as práticas sociais lingüisticamente
mediadas.
Nesta pesquisa, conduziremos uma reflexão sobre os diversos
significados e efeitos atribuídos aos objetos usados sobre o corpo, aqui
chamados de adornos pessoais, que consideramos como formas de
expressão do imaginário de uma sociedade, de sua cultura, tradições,
crenças e valores. Através do adorno pessoal, buscaremos
características e elementos das culturas celta e romana, que possam
apontar para a relação entre estas sociedades.
Traçamos, como objetivos desta monografia: 1- mapear os
objetos das sociedades celta insular e romana até 43 d.C. e os objetos
oriundos da Britânia Romana, nos séculos I a II d.C; 2- selecionar e
sistematizar os objetos, que foram avaliados, analisados, estudados e
classificados a partir dos seguintes critérios: localização atual; origem;
data; tipo de objeto; usuário; função; forma; estilo; ornamentação /
grafismos / inscrições; temática; assinatura; materiais e processos de
fabricação; 3- identificar as características dos adornos pessoais celtas,
romanas e celto-romanas; 4- traçar quadros comparativos destes dados
e características, dos quais foram identificados os elementos e usos
resultantes da interação cultural entre as sociedades em questão.
Consideramos oportuno chamar atenção para o uso do termo
adorno pessoal nesta monografia, ao qual são atribuídos diversos
sinônimos: jóia, bijuteria, folheado, adereço, quinquilharia, acessório,
enfeite, ornato, ornamento, atávio, objeto ritual ou simbólico.
Atualmente, o uso dos nomes jóias, bijuterias e folheados está
vinculado ao tipo de material do qual são fabricados estes objetos e,
conseqüentemente, ao seu valor de troca. Portanto, jóia significa um
objeto de adorno pessoal, confeccionado de materiais convencionados
como valiosos. Este valor está vinculado à raridade, forma, função,
circulação comercial e às propriedades físicas e químicas de metais e
pedras preciosos.
Adotaremos os termos adorno ou objeto de adorno pessoal, para
significar os objetos acima mencionados. É importante observar que o
foco deste estudo não são roupas, calçados e acessórios tais como
chapéus, luvas, bolsas e outros. Mas, não descartamos a possibilidade
18
de citar tais objetos como elementos de referência na exemplificação
dos usos e moda da época em questão.
Estruturamos a monografia em cinco capítulos. No primeiro, a
introdução ao presente trabalho, seguida do segundo capítulo, no qual
realizamos uma reflexão sobre os objetos de adorno pessoal. Neste,
discutimos o papel dos adornos pessoais nas sociedades, apontamos
vários conceitos e sugerimos significados a eles atribuídos, para, no
capítulo subseqüente, desenharmos um panorama da sociedade celta
insular, com o auxílio dos objetos cotidianos de tão forte apelo
simbólico. No quarto capítulo, apresentamos os objetos de adorno
pessoal usados, produzidos e em circulação na Britânia após a
ocupação romana: suas características e os elementos celtas e
romanos, que indicam a interação ocorrida entre estas culturas.
Concluímos a monografia no quinto capítulo, com considerações sobre
as relações estabelecidas na Britânia Romana.
19
próprias às peças produzidas pelos celtas insulares. Paralelamente, já
estabelecidos os critérios de comparação (tipo, descrição morfológica,
usos e significados, decorações, materiais e técnicas de confecção), foi
feito levantamento das particularidades dos adornos pessoais romanos.
As fontes, em especial o livro The Jewellery of Roman Britain, de
Catherine Johns, direcionaram a análise e as comparações entre os
adornos pessoais produzidos na Britânia Romana.
A interação cultural entre as culturas celta e romana, na primeira
fase de ocupação da Britânia, torna-se aparente de forma sutil pelo
todo, isto é, pela avaliação da cultura material oriunda da região. Os
adornos pessoais que fazem parte deste sistema, apresentam
características de ambas as culturas, ora com maior maiores elementos
celtas, ora com maiores elementos romanos. Acreditamos na oferta,
circulação, coexistência e compartilhamento destes componentes no
dado contexto, o que ficará mais evidente nas peças de períodos
posteriores. Portanto, mesmo diante das limitações, consideramos
alcançado o objetivo deste trabalho, que possibilitou a formulação de
um banco de imagens, o mapeamento e conhecimento dos adornos
pessoais celtas e romanos, entre os séculos I a.C. e II d.C.
20
2.Adornos pessoais
21
Nesta abordagem, podemos observar que o adorno pessoal,
objeto que tem como suporte o corpo humano, veículo vivo, dinâmico e
mutável de idéias, emoções, sensações e padrões, portanto, de
comunicação, vem acompanhando a humanidade por toda a sua
trajetória, se adequando às suas necessidades e aos seus valores em
contextos históricos, econômicos, sociais e culturais distintos. São
metáforas do cotidiano, pois os seus vários significados, subjetivos ou
objetivos, são idealizados e materializados pelo homem no metal e em
outros materiais. Através dos adornos pessoais, laços de parentesco,
afinidade ou afeto são reforçados; alianças são firmadas; o belo é
cultuado; a sexualidade é enaltecida ou condenada; os antepassados
são reverenciados; a fé é exaltada e a proteção é rogada. São símbolos
do fetichismo de um contexto, falam da adoração de objetos animados
ou inanimados aos quais poderes sobrenaturais, mágicos e espirituais
são atribuídos.
22
compreensão, o diálogo, a troca de experiências, a ordem e a
convivência social.
A linguagem, portanto, é um produto social, gerado em um
contexto histórico, pela demanda e combinação de fatores
circunstânciais. Apresenta-se como mediadora das relações sociais,
produz efeitos, e através da qual, normas são estabelecidas; a ordem é
firmada; os valores são expressos, perpetuados ou excluídos; questões
cotidianas são gerenciadas; hierarquias são formatadas e articuladas.
Esta análise nos remete aos textos de Janet Wolff (1982:23-29)
nos quais é conduzido debate sobre a natureza da obra de arte, de sua
produção, distribuição e percepção. A leitura é iniciada com a afirmação
de que a arte é um produto social, conseqüentemente, construção
resultante de vários fatores, vinculados às estruturas e convenções
sociais em ação, sendo afetada por estes mecanismos. Entendemos
que os objetos são uma forma de linguagem, portanto, produtos da
estrutura social em vigente.
As sociedades humanas produzem estruturas sociais embasadas
na hierarquia, que está expressa nas organizações, relações, papéis e
valores sociais, que atuam como mecanismos de seleção e
consolidação das diferenças e semelhanças entre os indivíduos e
grupos. A hierarquia é resultado da demonstração, imposição e
aceitação do poder, que faz prevalecer um ponto de vista sobre a vida,
normas de conduta e ordem social em vigor, por meios que influenciem
e induzam no outro a ação ou o comportamento desejado. Citamos
Hannah Arendt (Apud: Habermas,1980:101-118), que entende o poder
como resultado da “capacidade humana, não somente de agir ou de
fazer algo, como de unir-se a outros e atuar em concordância com eles”.
O poder não é apenas a instrumentalização de uma vontade alheia para
os próprios fins, mas a formação de uma vontade comum, uma
comunicação orientada para o entendimento recíproco, no contexto da
comunicação livre de violência. Ocorre o assentimento e consenso dos
participantes mobilizados para fins coletivos e entendimento recíproco.
A linguagem, portanto, torna-se veículo ativo destas relações e
atribuições, tanto para mediar a aceitação como a reação ao poder
hegemônico.
23
A partir desta visão, podemos observar que as sociedades
produzem diversas formas e meios de significar e articular o poder,
dentre os quais podemos citar os bens simbólicos como agentes
eficientes na hierarquização social. Aqui, torna-se oportuno fazer
análise das estruturas sociais pela ótica de Pierre Bourdieu, que
discorre sobre o papel dos bens simbólicos dentro destes sistemas na
obra A Economia das Trocas Simbólicas (2001).
Bourdieu identifica o espaço social como lugar onde agentes
sociais, oriundos da mesma ou de diferentes classes sociais, se
relacionam. As classes sociais, portanto, são resultados da construção
classificatória, sistêmica e relacional do espaço social, que vai legitimar
os bens simbólicos. Estes agentes sociais têm diferentes pontos de
vista sobre o mundo e relacionam-se entre si de formas diversas. Em
função disto, as classes também têm diferentes graus e tipos de
relação, que geram os princípios da hierarquização pelos diferentes
graus de posse de bens, recursos e capital, demarcando as distâncias
sociais. Segundo Bourdieu, capital tem significado de bem utilizado nas
disputas sociais entre os agentes. O capital pode ser econômico, social,
cultural e simbólico; este último está diretamente vinculado aos valores
econômicos, intelectuais, artísticos e estéticos, quando conhecidos,
reconhecidos e legitimados como tais pela sociedade.
Os bens simbólicos são construções eficazes em perpetuar a
hierarquização social, e, conseqüentemente, as distâncias sociais, pelo
exercício do poder através da dominação simbólica legitimada e
alimentada pelo contexto e pela estrutura social.
Desta forma, podemos perceber o adorno pessoal como um
componente de formação da identidade do indivíduo, grupo e
sociedade, resultante da intenção, percepção e relação com o outro. O
objeto de adorno pessoal, portanto, também funciona como um
mecanismo da alteridade, isto é, de demarcação da distinção, da
qualidade que se constitui através de relações de contrastes e
diferenças. Este mecanismo é um dos símbolos de dominação, intenção
e confirmação da hegemonia, de prestígio e do poder, mas também de
contestação, resistência ou oposição.
24
Portar o adorno pessoal preenche a necessidade de auto-
afirmação e de identificação dos agentes sociais inseridos em uma
estrutura social. Chama-se a atenção para a dinâmica deste organismo,
que relaciona grupos distintos, inclusive os que negam o grupo
dominante pela exclusão de elementos simbólicos então dominantes,
gerando, conseqüentemente, um novo grupo. Torna-se claro o
movimento e a relação destas estruturas, que vivenciam a dependência
como necessária para legitimar a relação construída.
O adorno pessoal ao compor a imagem de seu usuário, torna-se
eficaz por localizá-lo e identificá-lo socialmente, e por fazê-lo parte da
dinâmica estrutura social em vigor. Portá-lo, proporciona ao usuário
confiança em sua imagem, que pode ser a real ou a pretendida; situa
seu gosto e escolhas, portanto, visão de si e de mundo; seus valores e
crenças. Portá-lo é deter poder, é se sentir protegido, é se relacionar
com o outro, é se perceber como indivíduo.
25
3. Os celtas
3
A palavra ‘celta’ vem do nome grego Keltoi dado aos bárbaros oriundos da Europa de
clima temperado.
4
Hallstatt - cidade na região montanhosa Salzkammergut, na Áustria, de 700 a.C. a 500
a.C., deu o nome à primeira fase a Idade de Ferro na Europa. Os túmulos desta região
apresentaram quantidade relevante de adornos pessoais feitos de metal.
5
La Tène, de 500 a.C. a 43 d.C., localidade suiça perto do Lago Neuchâtel, segunda
fase da Idade do Ferro. Estilo praticado até a conquista da Gália por Júlio César, século
I a.C. Muitos elementos do estilo La Tène continental são compartilhados com o insular,
mesmo este apresentando particularidades.
6
A Britânia compreende o território da atual Inglaterra, Gales e o sul da Escócia.
7
Hecateu de Mileto – geógrafo grego (550-475 a.C.), Viagem ao Redor do Mundo e
Histórias; Pítias de Massalia – mercador, geógrafo e explorador grego (380–310 a.C.);
Políbio – historiador e geógrafo grego (208-126 a.C.), Histórias; Posidônio de Rodes –
filósofo grego da Escola Estóica (135-51 a.C.); Júlio César – general e historiador
romano (100-44 a.C.), Comentários sobre a Guerra Gálica; Diodoro da Sicília –
historiador grego (c. 90-21 a.C.), Biblioteca histórica; Estrabão – geógrafo e historiador
grego (63 a.C.-24 d.C.), Geografia; Tito Lívio – historiador romano (59 a.C.-17d.C.),
História de Roma; Plínio, O Velho, historiador e naturalista romano (23 a.C.-79 d.C.),
História Natural; Cornélio Tácito – historiador romano (55-117 d.C), Anais, Histórias,
compiladores de mitos, lendas e costumes politeístas. Foram
mencionados, pela primeira vez, pelo geógrafo grego Hecateu de Mileto
e, posteriormente, pelo geógrafo e historiador grego Heródoto de
Halicarnassos (484-425 a.C.), em sua obra História (II,33; IV,49):
Sobre a vida e o caráter de Júlio Agrícola, Germânia; Dio Cássio – senador e historiador
romano (150-235 d.C.), História Romana.
27
pesquisadores que buscam relacionar os dados textuais escritos ao
acervo material para entender o cotidiano da sociedade celta.
No capítulo anterior, mencionamos que o indivíduo ao se
relacionar com outro, busca expressar e comunicar suas idéias e
valores, perceber as diferenças e se posicionar diante do outro. A
formação da identidade, portanto, passa a ser um meio de
reconhecimento de similaridades e diferenças na relação com o outro.
Vale ressaltar que a identidade não é fixa, pois resulta de um processo
dinâmico e circunstancial - o relacionamento social, entre indivíduos,
grupos e sociedades, questões que exemplificaremos e discutiremos
nos capítulos seguintes. As sociedades formam e adotam identidades,
que são compartilhadas pelos seus agentes, e que podem ser
percebidas em diversas manifestações culturais: arte, religião,
educação, tradições familiares, práticas cotidianas, alimentação,
produção de objetos, indumentária, formas de relacionamento com
outras sociedades, relações comerciais etc.
Os objetos, então, como produtos sociais, comunicam e
informam sobre os seus usuários; os seus papéis nas relações entre os
indivíduos e entre grupos; os significados, valores e usos a eles
atribuídos; formas de sua produção, circulação e consumo dentro de um
contexto histórico. Portanto, as evidências materiais da vida cotidiana e
de rituais auxiliam na compreensão das maneiras que os celtas
entenderam, expressaram e construíram suas identidades. Ao
classificar e formar grupos por características comuns, os objetos
podem oferecer pistas para a compreensão de como os celtas
organizavam suas moradias, como produziam e decoravam objetos de
uso cotidiano, que tipo de vestimentas e adornos pessoais escolheram
para fazer e usar, quais peças depositavam em túmulos, e que objetos
importados consumiam.
28
Na Britânia, onde são conhecidos três mil assentamentos, a
população era formada por diferentes tribos, que ocupavam os
territórios que pertenciam à comunidade, formando vilas com mercados
locais e pequenos povoados. A pirâmide social foi dividida em: escravos
– camada mais baixa da sociedade, constituída por homens que
perderam os seus direitos por não seguir as leis ou as normas sociais
em vigor; os homens da tribo que trabalhavam as suas próprias terras,
ou eram empregados em outras terras (clientelismo); os artesãos; a
aristocracia guerreira, nobres ou serventes públicos – responsáveis pela
preservação dos direitos e atividades públicas da tribo; os druídas –
sacerdotes, profetas, filósofos e professores; os bardos e os
curandeiros que gozavam de posição de destaque na sociedade. O
poder político era compartilhado pelos chefes eleitos pela tribo e os
druídas.
Na sociedade celta, a mulher ocupou posição de honra, exerceu
funções de chefia de clãs e famílias, teve direito à posse de terras e
bens próprios, acesso à carreira religiosa, gozou de liberdade e
igualdade com o homem como guerreira, chefe e líder do grupo. Ao se
casar, a mulher conservava seus bens pessoais, e os levava consigo
em caso de dissolução do casamento.
A economia destas sociedades, essencialmente rurais, tinha na
agricultura (trigo, cevada, centeio, feijões) e na criação do gado bovino,
suíno e ovino as principais fontes de subsistência, conjugadas com a
metalurgia (desenvolveram grande habilidade no manuseio de metais –
ferro, chumbo, ligas de cobre,8 prata e ouro), desenvolvendo técnicas
altamente sofisticadas para produzir armas, escudos e capacetes,
objetos para uso cotidiano (louças, utensílios domésticos, ferramentas,
espelhos, pegas para objetos, adornos pessoais etc) e para rituais
(caldeirões, máscaras, esculturas – carretas de culto, objetos votivos).
Havia também a produção artesanal de cerâmicas e vidros, têxteis
(tecelões de lã e linho), objetos de madeira e couro. Estes produtos
eram comercializados entre as tribos e o continente a partir do século I
8
Ligas de cobre: combinação do cobre com dois ou mais metais, usualmente fundidos
juntos, favorecendo suas propriedades e as equilibrando. 1. Bronze: liga metálica
composta por 96% de cobre e 4% de estanho. O bronze celta poderia possuir partículas
de cobalto, arsênico, ferro e níquel. 2. Latão: liga metálica composta por 70% de cobre e
30% de zinco.
29
a.C.9 As elites celtas demandavam e consumiam artigos de luxo,
compreendidos como bens de prestígio, tais como jóias, tecidos, vidros,
peças finas de cerâmica, vinhos e outros produtos vindos de regiões
distantes, o que movimentou o intercâmbio comercial e a formação de
centros comerciais em pontos estratégicos pela Britânia (os portos da
região sul e sudeste se destacam). Os artigos de luxo eram trocados
por gado, cereais, escravos, cães de caça, ouro, prata e ferro.
As atividades e elementos cotidianos mencionados, foram
representados como temas para ornamentos localizados; padronagens;
formas de objetos utilitários, decorativos e votivos; adornos pessoais e
armamentos. Suas qualidades e importância na ordem social os
tornaram símbolos sagrados, associados às forças e atributos divinos.
No quadro abaixo, podemos conferir os principais elementos
observados ao longo do estudo realizado.
Elementos • abundância
florais / • símbolos de ressurreição na
vegetação vegetação e agricultura
• fecundidade, símbolo da
Falo / formas • deuses e guerreiros representados com perpetuação da vida, do poder
fálicas falo ereto ativo e da força
• rituais de fertilidade
• combinação de grupo de linhas em
Hachuras • formando trama de cestaria
direções contrárias
9
O comércio com Roma foi estabelecido e mantido até a invasão de Cláudio em 43 d.C.
30
• símbolo mágico associado ao
Par de
céu e cultos solares
dragões /
• proteção, roga-se coragem e
forma em S
vitória na guerra
31
A religiosidade celta foi expressa, com freqüência, em objetos.
No Quadro 02, apresentamos um resumo das principais divindades e
mitos sagrados, relacionados à natureza (animais, vegetação,
fenômenos climáticos e naturais, estações) e aos elementos ar, terra,
fogo e água, que trazem bons augúrios e vitória nas guerras,
abundância na colheita e fertilidade dos solos e mulheres, pela
prosperidade e cura; e representados por elementos gráficos simples,
figurativos e/ou estilizados.
32
• corvo cavaleiros, cavalos e asnos
• provedora da fartura
• vinculada à festividade pastoril
Deusa
• usando coroa • deusa que proteje as mulheres
Brigantia
em trabalho de parto
Deus Archina e • javali = animal de culto (se
deusa relacionava com o poder dos
Arduinna druidas), guerreiro natural
• representada montando um javali e um
(deusa da • representada no topo de
punhal na mão
floresta, vida capacetes, escudos ou em
selvagem, caça terminais de trompetes de guerra
e lua) (carnyx)
• deusa de profecia, inspiração,
Deus Sulis - sabedoria e morte
• divindade da cura
• renovação, renascer, cura,
Deusa Sirona • serpente
fertilidade
33
No Quadro 03, apresentamos exemplos de composições
aplicadas às superfícies de objetos. Chamamos a atenção para a
representação dos elementos mencionados nos Quadro 01, tais como:
o triscele, a ornamentação floral e de vegetação, círculos e discos,
hachuras e cabeças de pássaros estilizadas.
34
permitiu identificá-los como grupos. Estes objetos de expressão da
identidade, nos oferecem informações sobre os indivíduos e grupos
sociais a que o usuário pertenceu; o estilo, o gosto e a moda que
determinaram as suas formas, os usos e os padrões estéticos então
aceitos e considerados adequados.
Os pesquisadores não puderam contar com um acervo relevante
de trajes celtas, pois peças feitas de lã, linho, peles e couro precisam de
condições especiais no ambiente, em que foram depositadas, para se
manterem preservadas. Mas, outros objetos encontrados em túmulos
masculinos e femininos – vestígios das honrarias fúnebres dedicadas ao
morto, nos quais eram colocados alimentos, animais, ferramentas,
armas de ferro ou bronze, adornos pessoais (tesouro Winchester),10
amuletos, vasilhames de cerâmica ou metal, carros de quatro ou duas
rodas com os acessórios de atrelagem; caldeirões (símbolo da
abundância) e trombetas – objetos considerados como necessários na
outra vida; ou enterrados em tesouros, ou em locais destinados para os
rituais sagrados como objetos votivos – oferendas para divindades:
miniaturas de machados; barcos; espadas e escudos de bronze
(Ilustração 01); rodas; esculturas de cabeças humanas com uma a três
faces, feitas de metal ou pedras; figuras de animais (javalis, cães,
cavalos e bois); e torçais - ofereceram pistas generosas sobre os
hábitos destas sociedades.
Ilustração 01
Nome: escudo Battersea
Material: bronze e esmalte vermelho opaco
Período: século III a.C.
Proveniência: rio Tâmisa em Battersea, Londres.
Dimensões: comprimento 77,5cm
Descrição: escudo cinzelado, com três círculos decorados por
composição floral estilizada. Desenhos em relevo cinzelado,
simétricos, formados por linhas curvas, firmes e limpas. 27
detalhes em forma circular, esmaltados em vermelho opaco.
Temática: suásticas nos centros esmaltados - símbolo do sol,
céu, das divindades solares, e dos guerreiros.
Estilo: La Tène (insular)
Especificidade: escudos da Idade do Ferro foram confeccionados
em madeira e couro, raramente recebiam partes em metal.
Localização: British Museum, Londres. P1857.7-15.1
Ref. biblio.: Laing;1996:106-107
Uso social: pela rica decoração, supõe-se que seja objeto de
parada, ou objeto votivo - para santuário, ou oferenda em espaço
de ritual (margens de rios), não para batalha.
10
Tesouro Winchester: Idade do Ferro, depositado em torno de 75-25 a.C., em
Hampshire, sul da Inglaterra.
35
•
11
O ouro usado no período Hallstatt não era ligado. A partir do início do período La
Tène, o ouro passa a receber 5% de cobre para formação de liga.
36
Ilustração 02
Nome: broche
Material: bronze
Período: século III a.C.
Proveniência: Lincolnshire, Inglaterra.
Descrição: broche em forma de ‘8’, sinuosa,
decorado com circulos , alguns concêntricos, pontos
em suave relevo cinzelado. Nas laterais hachuras,
formando o padrão das cestarias.
Temática: desenhos abstratos
Estilo: La Tène (insular)
Especificidade: alfinete sem suporte de segurança
Ref. biblio.: Mills,2000:25;
Uso social: peça de decoração e fixação de partes
de roupas leves.
Ilustração 03
Nome: fíbula
Material: bronze
Período: século III a.C.
Proveniência: Lincolnshire, Inglaterra.
Descrição: forma simples, parte superior feita de chapa, sustenta compartimento de
segurança do alfinete; está solda a uma esfera, que dá início ao fio que forma o alfinete e o
mecanismo de pressão e fechamento.
Estilo: La Tène III (continental)
Ref. biblio.: Mills,2000:40
Uso social: dispositivo para fixação de roupas e mantos.
37
Ilustração 04
Nome: torçais (sete) e braceletes (quatro)
Material: ouro amarelo
Período: século I a.C. a I d.C.
Proveniência: Snettisham, Norfolk (território Iceni); encontrado em cova o tesouro L, em 1990.
Associado com moedas, fragmentos de metal e braceletes.
Descrição: dois braceletes rígidos, lisos, feitos de fio chato; dois braceletes em forma de torçal –
fios torcidos formam seus corpos e extremidades em forma de alças.
Estilo: celta insular
Localização: British Museum
Ref. biblio.: Laing;1995:29,32
12
Tesouro Snettisham – Idade do Ferro, enterrado entre 70-75 a.C., em Ken Hill,
Snettisham, Norfolk (East Anglia – território do grupo Iceni / Rainha Boudica), Inglaterra.
Forma um dos 5 grupos do Snettisham Cinco grupos (A,B,C,D,E) do tesouro foram
encontradas em 1951: 61 torçais ou braceletes, 2 braceletes, 158 moedas e alguns
anéis. Em 1990, foram descobertos mais 7 tesouros (F: 50 torçais, 17 braceletes, 2
lingotes e 9 moedas, G: 03 torçais de ouro electrum + 07 de prata + 10 torçais de
bronze,H,J,K,L,M), que somam 20kg de ouro e 15kg de prata.
13
Tesouro Ipswich - Idade do Ferro, enterrado c. 75 a.C. Foi descoberto em outubro de
1968, no estado de Belstead, Suffolk, Inglaterra: 5 torçais de ouro. O 6º foi descoberto
em 1970.
38
de metais: ferro, ligas de cobre, prata ou ouro. Alguns torçais receberam
decorações em suave relevo ou incisões gravadas, formando variados
desenhos em sua superfície (Ilustrações 06 e 08), outros são
despojados de ornamentos, têm o corpo torcido em torno de seu próprio
eixo (Ilustração 05). Acreditamos que a origem do nome deste objeto
esteja vinculada a esta última variante, isto é, vem do padrão obtido de
dois fios maciços torcidos em torno de si. A palavra torquis era usada
pelos escritores latinos para nomear o torçal, e esta palavra vem do
verbo torqueo – torcer.
Ilustração 05
Nome: torçal
Material: ouro amarelo
Período: séc. I a.C.
Proveniência: Snettisham, Norfolk, Inglaterra.
Dimensões: diâmetro 21,2cm
Descrição: dois fios largos torcidos com
terminações em formato de alças, um anel
preso em uma das alças.
Localização: British Museum, Londres –
PRB 1951.4-2.1
Ref. biblio.: Tait,1997:80
Obs.: encontrado sozinho, em 1950.
Ilustração 06
Nome: torçal (detalhe)
Material: ouro amarelo
Período: século I a.C.
Proveniência: Ipswich, Suffolk, Inglaterra.
Descrição: terminações em formato de alças
decoradas com relevos florais estilizados.
Localização: British Museum, Londres – PRB
1969.1-3.5
Ref. biblio.: Tait,1997:78
Obs.: encontrado em 1968
39
esculturas, representando guerreiros ou divindades femininas e
masculinas usando torçais (Ilustração 07), e em textos de escritores
clássicos, que fazem menção aos ferozes guerreiros celtas em batalhas
usando torçais, embora este objeto tenha sido pouco comum em
túmulos de guerreiros.
Ilustração 07
Nome: escultura de guerreiro
Material: bronze
Período: séc. III a.C.
Procedência: Roma - Itália
Dimensões: altura 13cm
Descrição: guerreiro celta usa torçal e cinto,
exemplifica a imagem típica do guerreiro celta
descrita na literatura clássica.
Localização: Staatliche Museen, Berlim.
Fonte: Powell;1997:63
Obs: representa os Gaesatae – tropas gaulesas
(homens-lança), homens nus adornados com
torçais de ouro em volta do pescoço e braceletes
de ouro e armas, que lutaram na batalha Telamon,
em 225 a.C., entre romanos e gauleses. Políbio
(História,II,28-29) descreveu a batalha e os
Insubres e Boii, tribos estabelecidas no norte da
Itália.
40
romanos em 61 d.C. (Stead;2000:72-79). O objeto para significar,
dialogar, organizar, diferenciar, interagir, identificar e reconhecer. Os
chefes de tribos usavam torçais de ouro amarelo com fino acabamento
e riqueza de detalhes (vide similar na Ilustração 08). Os guerreiros
usavam torçais simples de prata, bronze, ferro, ou, às vezes, de ouro,
despojados de decorações rebuscadas.
Ilustração 08
Nome: torçal
Material: liga de ouro, prata e cobre
Período: Idade do Ferro, enterrado cerda de
70 a.C.
Proveniência: Snettisham, Norfolk –
Inglaterra. Forma um dos cinco grupos do
tesouro Snettisham, encontrado em 1951, em
Ken Hill.
Dimensões: diâmetro 19,5cm
Descrição: o corpo é formado por oito fios,
cada um formado por oito fios torcidos,
soldados à terminação em formato de alça
decorada com folhagens estilizadas e
hachuras.
Localização: British Museum, Londres – PRB
1951.4-2.2
Ref. biblio.: Laing;1995:32; Powell;1997:70;
Johns;1996:28; Tait,1997:79
41
Quadro 04: Adornos pessoais celtas.
Adornos pessoais celtas
Ilhas Britânicas - até 43 d.C.
Tipo Forma e decoração Significado Material Caracterísitcas
• raramente usados
Anel • lisos ou decorados - • bronze e ouro
pelos celtas
• rígidos, tubulares, • usados em pares,
lisos, torcidos e • bronze, ferro e ou peças únicas,
peças volumosas ouro + esmalte nos pulsos, braços
com relevos vermelho, azul, ou tornozelos.
Bracelete -
geométricos e florais amarelo e verde • encontrados em
estilizados • madeira, osso, túmulos femininos e
• também flexíveis: azeviche masculinos, ou
feitos de contas entesourados.
• bronze, ferro, • prender roupas de
• formas simples raramente em lã ou linho.
• decorações florais prata e ouro • objetos muito
Broche, abstratas • esmalte populares
fíbula, • objetos
vermelho, azul, • uso feminino e
alfinete de decorativos e
amarelo e verde masculino.
segurança, utilitários
• inlay de coral • amuletos /
fivela,
vermelho e talismãs.
branco e vidro • dimensões e
vermelho formas variadas
• flexíveis de contas
• rígidos (poucos exemplares) • âmbar, coral,
• poucos
mármore, osso,
exemplares da
madeira, bronze,
Colar Idade do Ferro
azeviche e vidro
• encontrados em
vermelho, azul e
túmulos femininos
branco
• sapatos, barcos,
falos, rostos, rodas, • bronze, ferro e • usado no colo,
pássaros, cestas, ouro pescoço, quadril e
• amuleto /
Pendente machados (em • âmbar, dentes cintura (em cintos)
talismã
bronze) de animais • associados às
• grandes contas (ursos), coral crinaças
(âmbar), discos
objeto mágico, • usados em
• ocos ou maciços,
representa batalhas
lisos ou torcidos,
poder, • bronze, ferro e • uso feminino e
com relevos
Torçal liderança, ouro, raramente masculino
geométricos, florais
autoridade, de prata • objeto ritual,
estilizados, fios
força bélica, oferenda votiva
torcidos
realeza, status • totem tribal
Aros lisos ocos ou • uso feminino, em
Tornozeleira - • bronze
maciços pares
42
4. Britânia Romana
14
Caio Júlio César nasceu em Roma, no ano 100 a.C., numa família aristocrática.
Assassinado em 44 a.C.
15
Cláudio I (Tibério Cláudio César Augusto Germânico), nasceu em Lugdunum (atual
Lyon / França), na Gália Oriental, no ano 10 a.C. Foi tio do imperador Calígula, que, em
agosto de 40 d.C., foi morto pela Guarda Pretoriana. Cláudio, como único membro
adulto sobrevivente da família imperial, foi proclamado pelos militares como o novo
Imperador. Governou de 41 a 54 d.C., quando morreu envenenado.
Carataco, à frente das tribos Silures e Ordovices, em Gales, de 47 a 51
d.C.; a considerada como a mais violenta, liderada por Boudica – rainha
dos Icenos, em Norfolk, de 60 a 61 d.C.; e a liderada por Venútio –
pelos Brigantes, em 69 d.C., no norte da Inglaterra.
A estratégia de expansão romana foi caracterizada pela
intencional marcação dos territórios ocupados, com práticas e estruturas
entendidas como civilizadas pelo Império e, portanto, um benefício para
a região sob intervenção. Estes espaços foram marcados pela
arquitetura militar; definição de novas fronteiras; fundação de cidades
segundo modelos romanos; obras de infra-estrutura: aquedutos, fontes
d’água, caminhos, pontes etc, que simbolicamente representaram a
autoridade do conquistador, que definiu uma nova ordem social,
organização espacial – pelos processos de desterritorialização e
reterritorilização, portanto, uma nova forma de circulação e relações de
poder, através de novos códigos verbais e não verbais de comunicação
(Davidson;2005:17-41).
O contato do civilizador com a população local aconteceu de
formas variadas. Inicialmente, a ocupação espacial ocorreu fora do
padrão romano, pois invés de uma rede de cidades-Estados, os
romanos se depararam com a estrutura tribal rural, dominada pela
aristocracia guerreira, dividida em diferentes grupos, com lideranças
próprias (vide Mapa 01). Havia grandes assentamentos (oppida)
irregulares, maioria situada em topos de montanhas e colinas. As
adequações se fizeram necessárias, foram construídos fortes e
fortificações, muros e muralhas como demarcações de fronteiras e
soberania, rede de estradas e pontes, que posteriormente configuraram-
se em novas cidades, com infra-estrutura urbana, edificações públicas
(basílicas, fóruns, anfiteatros, termas e teatros) e privadas (villae).
A região sul da Britânia que, desde o século IV a.C., possuía
contato com o continente e que, portanto, já havia interagido com a
civilização romana, ofereceu menor resistência ao governo do
conquistador. As elites locais firmaram acordos de cooperação e paz,
adotaram hábitos, costumes e modas romanos, e até, em alguns casos,
a cidadania – cocedida para os membros da eleite que aceitavam a
ordem romana e administravam a sua comunidade em nome de Roma,
44
colaborando na reformulação do espaço e com a romanização. Os mais
ricos, importaram variados objetos e artigos de luxo: móveis, vinhos,
cerâmicas, objetos de metal e esculturas clássicas de divindades
romanas ou de figuras imperiais reconhecíveis.
E, para atender as novas demandas locais, e abastecimento das
cidades, bases e fortificações militares, novas rotas de comércio e
foram estabelecidas; vieram artesãos (ceramistas, ferreiros, tecelões)
de várias províncias do Império; foram abertas oficinas que difundiram o
estilo e padrões clássicos; e artesãos celtas foram treinados dentro da
tradição romana (Laing;1995:82). A mineração16 e a circulação dos
metais passou a ser controlada pelas autoridades romanas. As
principais oficinas de ourivesaria estiveram localizadas em
Verulamium17 e Cirencester18 (Gloucestershire), onde réplicas, peças
com referências aos padrões romanos e celtas foram produzidas.
A circulação dos objetos e mercadorias dentro dos modelos
romanos agenciava a divulgação dos novos padrões. As moedas, de
prata, ouro e bronze, que passaram a ser usadas pelas sociedades
celtas, no sudeste da Britânia, em torno de 100 d.C., após a conquista,
apresentaram-se como eficazes veículos de propaganda política e das
tendências estéticas romanas.
O latim passou a ser o idioma dos governantes e das elites, mas
a maior parte da população prosseguiu falando o idioma celta, e mesmo
com a presença dos modelos estrangeiros, segundo Potter (1997:65), a
tradição celta foi preservada.
Na região norte da Britânia, onde a influência romana foi menor,
as características da tradição e cultura celtas se mantiveram
predominantes. E, em conseqüência da distância e das ações de
resitência celtas, a troca entre as tribos do norte e do sul deixou de ser
intensa.
16
Mineração na Britânia: depósitos de ouro – em Dolacothi (sudoeste de Gales); prata,
cobre, estanho, chumbo e ferro – em Mendips (Somerset), Kent, Sussex e
Gloucestershire.
17
Verulamium (Verlamion na Idade do Ferro, assentamentos da tribo Catuvellauni) -
cidade localizada a 33Km de Londres, em St. Albans. Uma das maiores cidades na
Britânia romana.
18
Cirencester (originalmente chamada Corinium Dobunnorum) – no século II d.C. foi a
segunda maior cidade (municipia) da Britânia. Londres é a maior cidade (municipia), o
porto central e o centro de comércio. Colchester, Lincoln, Glouchester e York foram
consideradas colonia (povoamentos).
45
Mapa 01 - Tribos celtas, na Idade do Ferro e Britânia romana.
19
Gaio Cornélio Tácito (c.56 – c.117 d.C.) – historiador, orador, jurista e senador
romano. Suas maiores obras — Os Annais e As Histórias, abordaram a história do
Império Romano no século I, da ascensão do imperador Tibério à morte de Domiciano.
46
objetos diversos (moedas, adornos pessoais, armamentos, utensílios
domésticos) e a arquitetura. O legado em adornos pessoais é
significativo, no qual podemos perceber as diferenças e as
características dos objetos, que nos auxiliam a perceber traços das
culturas celta e romana.
Na Britânia romana, a historiografia vincula o uso de adornos
pessoais à distinção de grupos sociais, como indicativo do status social
do qual o usuário gozava.
Nesta monografia, buscamos perceber a interação cultural entre
culturas muito distintas, que produziram objetos com características
próprias e também bastante diversas. Através da observação dos
adornos pessoais usados pelos celtas até 43 d.C, e os que foram
importados e fabricados na Britânia romana, podemos pensar o
movimento de aceitação, rejeição, adoção e apropriação dos modelos
estéticos do conquistador pelos objetos em circulação na sociedade.
47
adornos que usavam, pela posse de valiosos escravos e carros caros.
Dos objetos que sobreviveram, pode-se concluir que, entre 700 e 250
a.C., a joalheria romana era praticamente de origem etrusca (vide
verbete jóias etruscas*). E, entre 250 a 27 a.C., tanto as peças etruscas
como as romanas seguem o estilo helenístico grego – peças de ouro e
prata, volumosas e cheias de graciosos detalhes, confeccionadas pelos
processos de fundição por cera perdidada, filigrana, granulação, poucas
gemas, e superfícies coloridas com esmaltes ou pasta de vidro (vide
verbete jóias gregas*). Em torno de 27 a.C., quando o Império se
instalava, Roma finalmente dominara o que restava do mundo
helenístico com a anexação do Egito Ptolomaico em 30 a.C. As
mudanças políticas, entretanto, pouco refletiram na ourivesaria e,
durante os primeiros anos de domínio, os adornos pessoais
continuaram sendo produzidas segundo as formas helenísticas. Os
maiores centros de confecção de objetos de adorno pessoal do Império
Romano foram as cidades Antióquia, Alexandria e Roma. Com a
progressiva prosperidade, o luxo e a ostentação sepultaram de vez a
sobriedade da República e os adornos pessoais, influenciados pela rica
mistura dos estilos grego e etrusco, tornaram-se importantes símbolos
de status e poder. Nos primeiros anos do Império Romano, houve
restrições ao uso de peças feitas de ouro, em especial anéis. Até o final
do século I, o ouro era usado em ocasiões especiais e por pessoas de
posto elevado. O bronze não era popular e os grandes anéis-sinetes,
usados por homens, foram feitos de prata ou ferro - metais para uso
diário. Já os brincos eram a forma favorita das aristocratas mostrarem
riqueza. Estas freqüentemente recorriam aos cuidados das auricolae
ornatrices, mulheres que tinham como trabalho atender senhoras com
problemas causados pelo uso prolongado de grandes e pesados
brincos. A extravagância é relatada por Plínio, em História Natural.
9.58.117, que conta que a terceira esposa de Calígula - Lollia Paulina
era exemplo de ostentação - usava esmeraldas e pérolas nos cabelos,
cabeça, braços e dedos, assim como nas orelhas em seu cotidiano.
I have seen Lollia Paulina, though it was on no great occasion, nor she
in her full dress of ceremony, but at an ordinary wedding dinner. I have
seen her entirely covered with emeralds and pearls strung alternately,
48
glittering all over her head, hair, bandeau, necklaces and fingers, the
value of all which put together amounted to the sum of forty millions of
sesterces, a value she was ready to attest by producing the receipts.
Nor were these jewels the presents of a prodigal emperor; they were
regular family heir-looms, that is to say, bought with the plunder of
provinces. This was the end gained by his peculations, this the object
for which Lollius made himself infamous all over the East, by taking
bribes from its princes, and, at last, poisoned himself, when C. Caesar,
the adopted son of Augustus, formally renounced his friendship. All for
this end, that his granddaughter might show herself off by lamplight
bedizened to the value of forty millions of sesterces. (Plínio, História
Natural. 9.58.117)
Ilustração 09
Nome: pintura funerária – retrato de mulher
Material: painel de madeira, envolvido em linho.
Período: período romano, c. 100-110 d.C.
Proveniência: Egito
Descrição: mulher com cabelos recolhidos em
penteado, usa três colares: um de ouro com pendente
de ametista, dois de ouro com esmeraldas, um par de
brincos de ouro e pérolas, tiara de louros em ouro e
prendedor de cabelos de ouro.
Temática: retrato funerário
Estilo: romano
Especificidade: tiara com folhas de louros –
esperança de triunfo sobre a morte.
Localização: J. Paul Getty Museum – CA / USA
Ref. biblio.: Munn, 2002:13
49
Ilustração 10
Nome: pintura funerária – retrato de mulher
Material: cera pintada sobre madeira
Período: séc. II-III d.C. - período romano
Proveniência: Egito
Dimensões: 36,9cm de altura
Descrição: mulher usa dois colares de ouro e gemas,
e um par de brincos de ouro e pérolas.
Temática: retrato funerário
Estilo: romano-egípcio
Localização: Kunsthistoriches Museum Wien – AS
Inv. No X 301
Ref. biblio.: postal Kunsthistoriches Museum e
http://www.khm.at
Obs.: tipo pintura e suporte com influência egípcia -
forma de preservar as características faciais do morto
para o outro mundo.
Ilustração 11
Nome: dois colares e adorno para cabeça
Material: ouro, granadas, safiras, esmeralda, cristal e
pérolas.
Período: século I e II d.C.
Proveniência: Roma (colares) e Tunísia
Dimensões: colar com esmeraldas – 41,6cm
Descrição: 1- colar com centro de colar formado por
granadas + pendente em forma de borboleta (granada,
safira e duas pedras brancas); 2- colar com esmeraldas
e cristal; 3. adorno para cabeça com esmeraldas, safira
e pérolas – 10,7cm (século III d.C.).
Estilo: romano
Especificidade: uso de corrente etrusca, pedras
somente roladas.
Localização: British Museum, Londres. GR 72.6-4.670
Castellani Collection; . GR 14.7-4.1203 Townley
Collection; GR 1903.7-17.3.
Ref. biblio.: Tait;1996:87
• inscrições AMICA;
ANIMA MEA, AMO
• uso feminino
AMA. MISCE MI • ouro, prata e
Anel noivado • compromisso • uso não era
• casal se fitando ou bronze
obrigatório
se beijando
• aperto de mãos
Bracelete • rígidos, em forma de serpentes, • bronze, ferro e • usados em
50
tubulares, torçais e peças volumosas ouro pares, ou peças
com extremidades em forma de animais • madeira; únicas, nos pulsos
mitológicos contas de vidro ou tornozelos.
• gemas • também
flexíveis: feitos de
contas
• esféricos, discos
• rosáceas recortadas
• folhagens e flores
• figuras mitológicas
• argolas com
• ouro, prata • uso feminino
pendentes: clava de
• com gemas: • feitos com
Hércules, contas • enfeite
esmeraldas, ganchos para
Brincos • em formato de barco • talismãs
granadas e orelhas furadas
(boat shape)
pérolas • brincos
• esmalte pendentes
• animais
• rosáceas • prender roupas
Broche, • bronze, ferro,
• folhagens e flores de lã ou linho
fíbula, prata e ouro;
• divindades e seres mitológicos • objetos muito
alfinete de inlay de coral
• camafeus populares, uso
segurança, vermelho e
feminino e
fivela branco e vidro
masculino
Observações gerais
• torçais em moda no século IV, nas províncias orientais do Império, usados com fecho e pendente.
• adornos pessoias usados como presente diplomático, amuletos, oferendas devocionais.
• processos de fabricação: filigrana, granulação, fundição por cera perdida, repuxo, gravação,
esmaltação, inlay, intaglio, niello.
• outros adornos pessoais: coroas, body chains, diademas, faixas de cabeça (headbands).
51
Na Britânia, o uso de anéis era pouco comum entre os celtas, o
que passou a ser popular a partir do período de ocupação romana. Os
anéis passaram a ser confeccionados de diversos materiais: dos mais
caros e sofisticados – ouro e prata, aos mais baratos – bronze, ferro,
vidro, âmbar, quartzos, ossos e azeviche, acessíveis para homens e
mulheres dos diversos grupos sociais. Os anéis em forma de serpente
ocuparam importante lugar na moda latina. Chegaram à Britânia no
século I e foram bastante usados durante todo o período de ocupação
romana. A serpente era associada à divindade da cura romana
Esculápio, (Asclépio grego), filho de Apolo, e à divindade celta Sirona.
Portanto, acreditava-se na sua capacidade de regeneração e renovação
- usar um anel neste formato, poderia preservar a boa saúde e
fertilidade, e proteger dos maus espíritos o seu usuário. Além dos anéis,
os braceletes rígidos também foram confeccionados em forma de
serpente, estas peças foram usadas por homens e mulheres.
Outra categoria de anéis comum na sociedade romana e que
passou a fazer parte do repertório dos adornos pessoais na Britânia, foi
a dos anéis de compromisso e de casamento. Estes anéis populares,
embora não obrigatórios, desempenharam o papel de firmar laços
afetivos e contratos de matrimônio. Na cabeça destes anéis, foram
representados, em baixo relevo, um aperto de mãos (Ilustração 12) ou
figuras de um casal se fitando (Ilustração 13). Por vezes, as cenas eram
acompanhadas de palavras ou frases expressando juras de amor eterno
e fidelidade (AMICA – amiga / querida; ANIMA MEA – minha alma,
MISCE MEA – misture-se comigo, AMO AMA – meu amor). Estes anéis,
finamente acabados, foram encontrados em ouro e bronze.
Ilustração 12
Nome: anel
Material: prata e ouro
Período: século II d.C.
Proveniência: Groovely Wood, Wiltshire, Inglaterra.
Descrição: relevo representando aperto de mãos.
Estilo: romano
Especificidade: peça cinzelada
Localização: British Museum, Londres.
Ref. biblio.: Johns;1996:63
52
Ilustração 13
Nome: anel
Material: ouro
Período: século II d.C.
Proveniência: Whitwell, Leicstershire, Inglaterra.
Descrição: relevo representa marido e esposa se fitando.
Estilo: romano
Especificidade: peça cinzelada
Localização: Rutland County Museum, Oakham, Inglaterra.
Ref. biblio.: Johns;1996:65
Ilustração 14
Nome: bracelete
Material: bronze e esmalte amarelo e vermelho
Período: séc. I-II d.C.
Proveniência: Castle Newe, Strathdon, Aberdeenshire,
Escócia.
Dimensões: 14,6cm
Descrição: terminais circulares, decorados com discos
com padrão quadriculado em esmalte amarelo e
vermelho, e desenhos de pétalas.
Temática: floral
Estilo: características celtas
Especificidade: fundição e esmaltação champlevé
Localização: British Museum, Londres – PRB 38.7-
14.3
Ref. biblio.: Tait,1997:79
Uso social: usada na parte superior do braço. Por
causa do peso acredita-se que não fosse para uso, mas
objeto votivo.
53
Quadro 06: Anéis e braceletes na Britânia Romana .
Adornos pessoais na Britânia Romana
Séculos I-II d.C.
Tipo Forma e decoração Significado Material Caracterísitcas
• inscrições AMICA;
• contrato
ANIMA MEA, MISCE MEA
Anel de afeto • compromisso • ouro, prata,
• casal se fitando ou se • uso feminino
e casamento • afeto bronze
beijando
• casamento
• aperto de mãos
• assinatura,
• sinetes (desenhos, • bronze, ouro,
marca oficial, • uso masculino
letras, nomes) prata
identificação
• em forma de serpentes • fecundidade
/ fertilidade
• boa saúde /
cura • bronze, ouro, • uso feminino e
• proteção prata masculino
• talismã
• regeneração,
renovação
• bronze, ouro,
Anel prata, ferro
• divindades: cabeça de
• gemas:
Hércules, Júpiter, Marte,
cornalina,
Baco, Apolo, Minerva, • proteção
esmeraldas, • uso masculino
Medusa, Vênus, Fortuna, • talismã
safiras, jaspe, e feminino
Ceres, Bonus Eventus • devoção
onix
• abreviações de nomes
• vidro
• moedas
• azeviche
• osso
• peças
• anéis-chave
utilitárias
- • bronze e
• chaves de
ferro
pequenos baús,
caixas de jóias
• fecundidade
• rígidos, em forma de / fertilidade
• usados em
serpentes • boa saúde /
pares, ou peças
cura • bronze, ouro,
únicas, nos
• proteção prata
pulsos ou
• talismã
braços
• regeneração,
• encontrados
renovação
em túmulos
Bracelete • bronze, ferro, femininos e
prata e ouro masculinos
• tubulares, fios torcidos e • também
• esmalte
peças volumosas com pulseiras
vermelho,
relevos geométricos e flexíveis: feitas
- azul, amarelo
florais estilizados de contas ou
e verde
• aros lisos ocos ou partes
• de vidro; de
maciços articuladas
madeira, de
azeviche
54
ou sem pendentes, foram feitos de materiais mais baratos como o
bronze.
Os broches, alfinetes e fíbulas foram peças muito apreciadas e
usadas por celtas e romanos, homens e mulheres, e figuraram como
objetos de uso cotidiano. São numerosos os exemplares oriundos da
Britânia, do período anterior e posterior da conquista romana, o que
aponta para a popularidade deste objeto entre os celtas e romanos. O
generoso acervo de broches e fíbulas auxilia na reconstituição das
variações ocorridas na moda na Britânia. Foram confeccionados em
bronze – a grande maioria, ferro, prata e ouro; revestidos com esmaltes
coloridos; e aplicados as suas superfícies desenhos gravados, que
representaram formas, grafismos e decorações das culturas celta e
romana. Os broches figurativos de bronze esmaltado, ou de prata com
niello*, que representaram animais diversos do repertório celta e/ou
romano, são característicos do período romano-britânico. Poderiam
estar associados às divindades ou atividades cotidianas (vide Quadro
08): golfinhos, peixes, cães, cavalos, javalis, lebres, alces, aves e
pássaros (patos, galinhas, corvos e águias), leões e leopardos. Os
broches que representam um par de dragões em forma de S (Ilustração
15), que também são típicos do período romano-britânico, expressam o
gosto e estilo nativos. Foram confeccionados em bronze, decorados
com esmaltes coloridos e usados em pares. São peças bastante
decorativas, mas como as fíbulas – são funcionais, foram usadas para
prender pregas espessas e mantas.
Ilustração 15
Nome: broche ‘dragonesque’
Material: bronze e esmalte branco e azul
Período: século I-II d.C.
Proveniência: norte da Inglaterra, Escócia.
Dimensões: 6,2cm
Descrição: broche em forma de S, em cada extremidade uma
cabeça de dragão: grandes orelhas e focinho curvo. O corpo é
decorado com desenho geométrico e colorido com esmaltes branco
e azul.
Estilo: características celtas
Especificidade: fundição e esmaltação champlevé
Localização: British Museum, Londres - PRB
Ref. Biblio.: Tait,1997:96
Uso social: espirais e formas em S são formas associadas ao céu e
aos cultos solares. O deus Sol foi também representado segurando
objetos em formato de S, representação dos relâmpagos. Estes
broches foram comuns no norte da Inglaterra (tribos Brigantia).
Usados como amuletos de proteção: roga-se coragem e vitória na
guerra.
55
As fíbulas (Ilustração 16) foram as peças mais usadas na
Britânia, antes, durante e após a ocupação romana. Isoladas ou em
pares, em tamanhos variados, foram dispostas em cada ombro do
usuário, prendendo mantos (feitos de lã e linho, e, quando trajes de
luxo, de algodão ou seda) ou partes da túnica, e ligadas por uma
corrente ou cordão. As fíbulas sofreram várias mudanças em sua forma,
acompanhando a moda em vigor, influências continentais, ora peças
simples, despojadas de decorações, ora ricamente elaboradas.
Ilustração 16
Nome: dois broches trompete e corrente etrusca
Material: prata
Período: séc. I-II d.C.
Origem: Chorley, Lancashire, Inglaterra.
Dimensões: comprimento broche 6,6cm
Descrição: um par de fíbulas em forma de trompete,
decoração com linhas geométricas em relevo.
Estilo: romano-britânico, ligados por corrente
estrusca.
Especificidade: fundição por cera perdida
Localização: British Museum, Londres
Fonte: Johns;1996:161
Obs: peça encontrada com moeda de 140 d.C.
56
Os colares e as correntes, embora poucos exemplares tenham
sido encontrados na Britânia, a bibliografia (Johns;19:87-103) sugere
que tenham sido usados com freqüência no período romano. Os
modelos confeccionados com metais e gemas (esmeraldas na sua
forma hexagonal original; granadas; ametistas; safiras; ágatas e
cornalinas em formato de discos, lentilhas, cilindros, esferas ou contas
facetadas; e pérolas – muito apreciados pelos romanos, portanto,
presentes em várias composições de brincos e colares) ou contas de
vidros coloridos (verde, lilás, azul e branco simulando as gemas) foram
bastante usados em Roma e em suas províncias (vide as Ilustrações
09, 10 e 11), o que nos sugere a adoção destes modelos também na
Britânia. Acreditamos que colares confeccionados com materiais
orgânicos perecíveis, tais como madeiras, sementes e couros,
acessíveis a qualquer grupo social, tenham sido feitos e usados na
região, mas por causa de sua fragilidade não foram preservados.
Os prendedores de cabelos (hairpins) foram usados como
alfinetes de segurança em roupas, mas com maior freqüência como
adornos e fixadores de elaborados penteados. Este objeto foi comum às
sociedades celta e romana (vide Ilustração 09), confeccionado de
diversos materiais, dos quais destacamos o osso; o metal – bronze e
prata, mas raramente de ouro; o azeviche; o vidro e a madeira. As
extremidades foram decoradas com pequenas figuras de divindades,
animais, mãos segurando frutos ou simples formas geométricas (vide
Quadro 08).
Os torçais, tão característicos da cultura celta, no período
romano seguiram sendo usados pela população nativa, talvez como
símbolo de sua origem, veneração de suas tradições e ancestrais,
objetos votivos e como reserva de ouro e prata. Os romanos também os
usaram, mas como objetos-troféus, o distintivo militar ou emblema de
um oficial, de um guerreiro vencedor. Esta prática tornou o torçal um
objeto de adorno pessoal comum em outras províncias do Império.
57
Quadro 08: Colares, prendedores de cabelos, pendentes e torçais na
Britânia Romana.
Adornos pessoais na Britânia romana
Séculos I-II d.C.
Tipo Forma e decoração Significado Material Caracterísitcas
• contas de
• colares de contas esféricas, cilíndricas, osso; faiança;
irregulares vidro colorido
• colares flexíveis – uso de correntes e azeviche
(etrusca) com gemas variadas. • bronze, ouro • encontrados
e prata em túmulos
Colar
• gemas: coral femininos, ou
ágata, âmbar; entesourados
quartzos,
esmeralda,
pérolas,
granada
• extremidades com figuras femininas ou
divindades, animais (ursos, cães), objetos • fixar lenços,
• formas abstratas geométricas • âmbar, coral, véus e mantos
azeviche, • prender roupas
Grampo /
vidro, osso, • prender
alfinete para
madeira penteados
cabelos
• bronze, prata • encontrados
e ouro em túmulos
femininos
• usados em
• imagens de Ísis, Vênus, • ouro, bronze
colares,
cupidos, Medusa • amuleto / • gemas:
correntes de
• rodas, discos, barcos, talismã cornalina,
ouro
rostos • fortuna azeviche
Pendente • uso masculino
• falos, clava de Hércules • proteção • moedas de
e feminino
• cabeças de animais contra más ouro
• como amuletos
• moedas influências • vidro
atados à pessoa
• camafeus • osso
ou à roupa
• ocos ou maciços, lisos
ou torcidos, com relevos • objeto
geométricos, florais mágico, • usados em
estilizados, fios torcidos representa batalhas
• bronze, ferro
poder, • uso feminino e
e ouro,
Torçal liderança, masculino
raramente de
autoridade, • objeto ritual,
prata
força bélica, oferenda votiva
realeza, status • totem tribal
• troféu militar
Observações gerais
• os processos de fabricação dos adornos pessoais: fundição por cera perdida ou em areia, repuxo /
cinzelamento, gravação, texturização, esmaltação champlevé, inlay (incrustação), intaglio, douração
e revestimento de prata (técnicas provavelmente trazidas pelos romanos).
• outros tipos de adornos pessoais: tornozeleiras, body chains (comuns no século IV), diademas,
coroas, botões
58
As peças produzidas no período romano, resultaram de idéias,
técnicas e materiais do conhecimento destas culturas. É interessante
pensar que os adornos, aos poucos, foram recebendo modificações em
suas formas, decorações, dimensões, significados e usos, conforme as
idéias circulavam, se mesclavam e passavam a ser aceitas, ou
rejeitadas. O repertório de técnicas de ornamentação praticadas pelos
celtas em objetos foi ampliado com as técnicas oriundas das oficinas
romanas, tais como a filigrana, granulação, esmaltação cloisonné*,
intaglio, niello e douração de peças. E a recíproca ocorreu nas oficinas
dos artesãos romanos, que passaram a trabalhar peças volumosas,
feitas com ligas de cobre, cinzeladas e repuxadas, gravadas, fundidas,
e esmaltadas na técnica champlevé*. Mas, além dos conhecimentos
técnicos assimilados, as partes somaram a sua forma de ver e externar
idéias em adornos pessoais, novos conceitos, estilo e padrões.
E para ilustrar e complementar o texto e quadro anteriores,
elaboramos o Quadro 09, no qual listamos as principais divindades,
símbolos, padrões e grafismos em circulação na Britânia Romana, que
representam divindades celtas com características associadas às
divindades romanas, e vice versa. Estas correspondências também
exemplificam o processo de interação entre as culturas.
59
Deus Esus • associado às árvores,
• entre folhagens
(divindade gaulesa) vegetação, elementos da terra
• carneiro • força e agressividade
C
• acompanha Cernunnos • divindade popular
Deus Erriapus //
Mercúrio • simbolizado pela sua bolsa, pés • deus do comércio, o
R alados e chapéu de viajante mensageiro dos deuses
• galo • divindade popular
• usando capacete cônico, escudo e
clava • senhor dos relâmpagos e
C • representa o relâmpago trovões
Deus Taranis // • roda • símbolo da força e duração
Júpiter • azinheira
• homem grande barbado, com • triunfo, dominação
R relâmpago • o pai, o elemento fecundador
• águia, a coroa e o trono • símbolo do poder do Império
• guerreiro protetor, chefe
Deus Teutanes // C • figura guerreira usando todos os
tribal
Cocidus // Marte R adornos de guerra
• divindade popular
• cavalo, lobo (triunfo e coragem)
Marte-Alator;
• armas e ferro • divindade popular
Marte-Toutatis //
• figura guerreira usando todos os • deus da guerra
Marte
adornos de guerra
• guerreiro, mestre do
• o corvo – um corvo profetiza a morte, artesanato
Deus Lugus (Lud /
três corvos juntos representam a • o nome da cidade Londres
Lugh)
destruição pode ter origens no nome
deste deus
• usando vestido pregueado,
Deusa Verbeia // C
segurando uma serpente em cada • divindade da primavera
Salus R
mão
• divindade da fertilidade,
protetora dos cavalos e asnos
C • com espiga de milho ao lado de
Deusa Epona • venerada no período
R cavalo
romano, inclusive pelos
romanos
• vinculada à festividade
C • usando coroa
Deusa Brigantia // pastoril
Minerva • divindade popular.
R • armadura e coruja
• deusa da sabedoria
Juno • acompanhada por pavão • deusa do parto
• pomba
Vênus • deusa da beleza e amor
• espelho
• deus da saúde, da salvação,
• folhas de louro – esparança de triunfo
Apolo do canto, da poesia, da dança
sobre a morte
e da verdade
• jovem que traz na mão uma taça e na
Bonus Eventus • bons acontecimentos
outra espigas e papoulas
• taça, vinho, uvas, romã
Baco • pantera, leopardo, papagaios • deus do vinho
• folhas de hera e parreira
60
trompetes
Lebre • caça
21
Tesouro Thetford - escondido no século IV d.C, Thetford, Norfolk, Inglaterra, e
encontrado em 1979: 33 colheres de prata, 22 anéis, 4 pendentes, vários colares, uma
fivela de ouro. Embora neste período a Britânia oficialmente é cristã, há influências
pagãs nas peças deste tesouro.
22
Tesouro Hoxne - enterrado no século V d.C., em Hoxne, Suffolk, Inglaterra, e
encontrado em 1992: 200 objetos de ouro e prata (19 braceletes, 6 colares, 3 anéis de
ouro, 78 colheres, estatuetas, vaso de prata); 14.780 moedas (maioria de prata). É
considerado o mais rico tesouro da Britânia romana.
61
5. Conclusão
63
que não descarta a aceitação de elementos da cultura do conquistador,
que também passaram fazer parte do cotidiano daquela sociedade.
Seguindo este raciocínio, podemos, então, falar em interação
cultural entre celtas e romanos. Um processo que ocorreu nos dois
sentidos, portanto, híbrido e permeável aos elementos das culturas
envolvidas.
Podemos observar nos adornos pessoais oriundos da Britânia
romana objetos com características tanto da tradição celta insular como
romana. A relação entre estas sociedades envolveu a adoção de
elementos tradicionais destas culturas, que podem ser observados nos
objetos de uso cotidiano. Aparentemente, ao avaliarmos a iconografia,
os aspectos mais evidentes nas peças são de origem latina, talvez por
terem sido adotados pelas elites locais, mais permeáveis à
romanização, que, inclusive, propiciaram a sua maior circulação e
divulgação. Possuidores de recursos, encomendaram e consumiram
objetos confeccionados de materiais nobres23 - os mais cobiçados e
preservados ao longo do tempo. Mas, ao observarmos atentamente a
documentação, podemos identificar traços, em alguns mais e em outros
menos, da cultura nativa expressa nos objetos.
Nesta reflexão, não devemos esquecer a “gente comum”,
geralmente vinculada à tradição, que valoriza o que é nativo - o
conhecido. Acreditamos que este grupo deve ter usado objetos menos
elaborados, leia-se mais despojados de decorações, se comparados
com os que receberam influência clássica; e feitos de materiais não
nobres, mas com características e padrões da cultura celta.
Confeccionar e circular estes modelos, pode ter sido uma forma de
resistência, pois ao rememorar, respeitar, valorizar e usar adornos
celtas, fizeram viver os seus costumes e os seus antepassados.
Nos primeiros anos da conquista, novidades chegaram à ilha,
seduziram alguns e influenciaram parte do gosto local. Outros as
negaram e rejeitaram. De geração em geração, se fizeram conhecidas e
parte da rotina, deixaram de ser novidades, e talvez não mais
23
Atualmente na joalheria são considerados materiais nobres: o ouro; a platina e alguns
metais de seu grupo (rutênio, ródio, paládio, ósmio e irídio); a prata; e as pedras
preciosas. No período estudado, os metais entendidos como nobres são o ouro, a prata
e as pedras.
64
percebidas como totalmente estrangeiras, pois então passaram por
adaptações e se integraram ao dia-a-dia das sociedades locais.
Desta forma, consideramos válido pensar no cotidiano em que
pessoas faziam uso de fíbulas e broches para prender partes de suas
vestimentas, como também para torná-las mais bonitas e únicas. Ou,
em momentos de tensão – guerras, em que enterravam seus maiores
bens – aqueles que possuiam grande valor, que não apenas pelo seu
poder de troca, mas também por ser parte de sua memória e afeição –
forma de guardar e preservar algum momento importante, ou presente
de pessoa querida, ou símbolo de devoção a alguma divindade, ou até
mesmo um emblema do status social almejado e alcançado, para
retomar passado o conflito.
Acreditamos que, na Britânia, muitos objetos passaram a ser usados
tanto por celtas como pelos romanos, por estarem associados aos
valores e crenças comuns a estas sociedades. Um bom exemplo desta
situação são os colares e pulseira, feitos de correntes e pendentes
representando a roda (Ilustração 17). Este elemento foi comum às duas
culturas como um símbolo solar, vinculado às maiores divindades
cultuadas por celtas e romanos – respectivamente, os deuses Belenus e
Taranis, e Júpiter (vide Quadro 09). Embora estas peças sejam de
origem romana, provavelmente também foram aceitas e usadas pelos
celtas, pois os elemento centrais destas peças foram identificados e
associados aos modelos nativos.
Ilustração 17
Nome: dois colares e pulseira
Material: ouro
Período: séc. I-II d.C.
Origem: Backworth, Noethumberland,
Inglaterra.
Significados: associação às divindades
solares
Descrição: pulseira – corrente formada por
esferas, conectadas por elos, no centro roda
de 4 eixos; dois colares de correntes e
pendentes em formato de rodas de 4 eixos,
que também compõem o fecho da peça
(ganchos).
Estilo: romano
Localização: British Museum, Londres –
PRB 50.6-1-3-5-15-16
Ref. biblio.: Tait;1996:204
Obs: referência ao deus Sol Beltane (celta) e
Júpiter (romano) – divindades solares,
supremas, símbolos de força e poder.
65
Com o tempo, os processos de fabricação e os materias se
mesclaram nas oficinas da Britânia, passaram a ser comuns, assim
como os tipos de adornos pessoais, que antes eram pouco usados ou
inexistentes. Os anéis, brincos e colares, anteriormente pouco usados,
foram decorados com o repertório celta, e as fíbulas e torçais passaram
a ser utilizados pelos romanos.
Os romanos contribuíram para a metalurgia / ourivesaria celta
trazendo a tecnologia de uma nova liga de cobre - o latão, que
inicalmente era apenas importada na forma de fíbulas ou moedas; a
filigrana; a granulação e a douração de metais. Outra técnica romana
que também foi difundida na Britânia é o intaglio*, que, por recortes e
sulcos, em superfícies planas de pedras duras ou metais, forma
desenhos variados: cenas mitológicas, divindades, bustos e perfis,
inscrições e símbolos. Por sua vez, os celtas apresentaram a
possibilidade de produzir requintados trabalhos em bronze; bem como
peças em azeviche, material até então pouco familiar aos romanos, mas
logo adotado e divulgado pelo Império.
Um outro aspecto interessante foi observado por Lloyd e Jennifer
Laing (1995): até a ocupação da Britânia, os celtas pouco produziam
imagens tridimensionais realistas de homens e animais, mas, após o
contato com os modelos clássicos, passou a ser mais comum na
representação de divindades e animais em peças de ourivesaria.
Apresentamos como exemplo os objetos votivos entesourados,
encontrados em Felmingham Hall (Ilustração 18), que representam
divindades e símbolos celtas e romanas. Destes objetos, nos chama a
atenção a cabeça maior com claras características clássicas (peça
cinzelada, semelhante à figura humana) e a menor com halo e meia-lua
(peça fundida com linhas mais estilizadas), que, provavelmente,
representam Júpiter - deus romano associado aos deuses celtas
Belenus ou Taranis – divindades solares, identificadas com as forças e
fenômenos celestiais, e que representam o pai supremo, símbolo do
poder supremo e dominação. Outros elementos curiosos deste tesouro,
são as duas pequenas esculturas em forma de aves estilizadas e uma
roda - os três conforme estilo celta, mas que podem simbolizar tanto as
66
divindades celtas (Belenus, Taranis ou Lugus) como as romanas
(Júpiter, Mercúrio ou Vênus) - vide Quadro 09.
Ilustração 18
Nome: tesouro Felmingham Hall
Material: bronze
Período: séculos II-III d.C.
Proveniência: Felmingham Hall, Norfolk, Inglaterra. Encontrado em 1884.
Descrição: estatuetas e esculturas votivas
Localização: British Museum, Londres.
Ref. biblio.: Green,2000:47
Obs.: Combinação de elementos religiosos clássicos e nativos, na Britânia romana.
67
Glossário
69
(cor, beleza, raridade, dureza e brilho) são utilizadas como
adornos pessoais.
• Granulação: grãos / granulos também feitos de metal e
aplicados nas superfícies da peças como ornamento.
• Gravação: é o processo de entalhar, incisar, abrir sulcos em
metais, madeiras, pedras, coral, ossos com o auxílio de buril,
goiva ou reagente químico. Atualmente, há processos de
gravação além do buril: pantografia bi e tridimensionais;
guilhoche; eletroerosão; motores de suspensão (chicote); fresas
de aço rápido e diamantadas; laser; entre outros. Por processos
químicos: ácido nítrico, água forte, fotocorrosão, ultrasom etc.
• Inlay: incrustação de madeiras, vidros, pedras, metais etc em
rebaixos nas superfícies metálicas. Estes materiais são
embutidos de tal forma que as suas superfícies se confundem.
• Intaglio: o mesmo que entalho. Técnica de gravar por sulcos
superfícies de pedras ou metais, formando composições
variadas.
• Jóias etruscas: os mais antigos vestígios dos etruscos na Itália
central datam aproximadamente 700 a.C., com presença até o
século I a.C. A prosperidade deste povo, que se deve aos
recursos agrícolas e minerais da região, permitiu a importação
de artigos de luxo da Fenícia e Grécia, o que refletiu na
suntuosidade de seus funerais e túmulos. Nos túmulos
femininos, foram encontrados recipientes com adornos pessoais
em ouro e prata: fivelas, peitorais, braceletes e brincos (em
forma de bolsa de viagem – baule; de disco; de arco tubular com
cabeça de mulher, ou leão, ou carneiro aplicada em uma das
extremidades - esculpidas em cera de abelha e obtidas em metal
pelo processo de fundição por cera perdida; de ferradura,
formada por várias esferas ocas, que possibilitavam colocar
óleos perfumados em seu interior). A decoração dos adornos
pessoais era feita com apliques de folhas e flores estilizadas,
rosetas, motivos geométricos, em composições ricamente
preenchidas por granulos e filigranas, e, ocasionalmente, com
esmaltes ou gemas incrustadas. Estes depósitos refletem não
70
apenas o importante papel da mulher, mas também a função dos
adornos pessoais como tesouro e fundo de reserva nesta
sociedade. As manifestações primórdias da arte etrusca foram
despojadas da influência grega até o final do século VII a.C.,
quando a influência estética grega é percebida em várias
civilizações do Mediterrâneo. Entretanto, o estilo etrusco não
perde a sua identidade e características até os últimos trinta
anos do século IV a.C., quando as formas tradicionais etruscas
gradualmente desaparecem e são substituídas pelas formas
internacionais: pendentes, discos, pirâmides, pássaros, sinos,
ânforas ou arcos decorados com cabeças de negros feitas em
âmbar.
Ilustração 19
Nome: Colar
Material: ouro
Período: século VI a.C.
Proveniência: Toscana Maremma, Itália.
Dimensões: 27,6cm
Descrição: pendentes em formato de
cabeças do deus dos rios, sereias, flores,
botões e escaravelhos.
Estilo: etrusco
Localização: British Museum, Londres -
GR 56.6-25.17
Ref. biblio.: Tait;1997:63
71
os trabalhos feitos com a finíssima filigrana, a granulação e a
esmaltação nas cores azul, verde, preto e branco. Os temas
representados nestas peças fazem menção à mitologia e à vida
cotidiana, representam flores e animais, formas geométricas,
espirais, guirlandas de flores e figuras humanas. Os adorno
pessoais provavelmente foram presenteadas em ocasiões como
casamentos, nascimentos ou aniversários; como oferendas para
os deuses, colocados em estátuas de culto, nos templos, que
pediam ou agradeciam alguma graça: manter um casamento,
manter um amante, ter um bom parto, ter alcançado a cura de
um mal etc; em túmulos, como honrarias em funerais. Os
homens normalmente usavam apenas anéis e, em ocasiões
especiais, coroas de ouro. Nas cidades do leste grego, os
homens usavam brincos e braceletes. As mulheres usavam
brincos, colares, braceletes, anéis, coroas, tiaras e pendentes. O
uso de botões, fivelas e alfinetes variava de acordo com a época
e a região.
Ilustração 20
Nome: brinco
Material: ouro
Período: c. 350 a.C.
Proveniência: Kul Oba, Kerch, reino Bosporan, Rússia.
Dimensões: h 9cm; diâmetro disco 2,8cm; peso 22,35gr
Descrição: brinco com disco sustentanto forma boat shape,
da qual 5 correntes etruscas, flores e pinhas formam franja,
uma figura alada completa em uma das laterais e outra
somente parte.
Estilo: helênico
Especificidades: filigrana e granulação
Localização: Hermitage, St. Petersburg – K0 7
Ref. biblio.: Williams;1995:149
72
para barras e hastes. Os laminadores podem ser manuais ou
elétricos.
• Latão: liga metálica composta por 70% de cobre e 30% de
zinco.
• Liga: combinação de dois ou mais metais, usualmente fundidos
juntos. Ligas de metais são feitas em ourivesaria, objetivando
somar as características dos metais envolvidos na mistura:
maleabilidade, resistência, ductibilidade, conductibilidade,
dureza, elasticidade, fluidez, moldabilidade, plasticidade e
tenacidade. Ao unirmos metais, esperamos que estes atendam
às necessidades de algum trabalho que devemos realizar.
Podemos modificar não apenas a sua maneira de se comportar,
mas também a sua aparência.
• Modelos de cera: modelos originais esculpidos em cera ou
réplicas em cera de um padrão-mestre, protótipo, feitas
injetando-se em moldes de borracha vulcanizada, montadas em
grupos sobre troncos e, então, fundidas (perdidas) e, assim,
removidas de um molde de revestimento, deixando cavidades
precisas para a intrusão.
• Niello: técnica de ornamentar peças através da aplicação de
“esmalte” negro em rebaixos, vãos e entalhes em suas
superfícies. Este “esmalte” é uma liga metálica composta de
enxofre com prata, cobre e chumbo.
• Ouro electrum: liga de ouro, na qual duas partes são de prata
pura e três partes de ouro puro.
• Repuxo: vide cinzelamento.
• Torçal: Torçal é objeto de adorno pessoal, que tem formato de
um anel, que nos lembra as atuais gargantilhas rígidas usadas
na base do pescoço. Suas extremidades são abertas e
finalizadas em alças decoradas, maciças ou ocas. Foi
confeccionado de metais: ferro, ligas de cobre, prata ou ouro.
Alguns torçais receberam decorações em suave relevo ou
incisões gravadas, formando variados desenhos em sua
superfície, outros são despojados de ornamentos, têm o corpo
torcido em torno de seu próprio eixo.
73
• Trefilação: é o processo em que se aplica tração em perfis
metálicos, obtendo-se perfis de diâmetros menores e de
comprimento maior. Quanto mais dúctil for o metal, mais ele
poderá ser trefilado, chegando a filamentos mínimos.
74
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Fonte te xtual
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We bsite s consultados
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Referências das imagens
Referência do mapa
81