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DA CIDADE ANTIGA
BELCHIOR MONTEIRO LIMA NETO
Érica Cristhyane Morais da Silva
Gilvan Ventura da Silva
Organizadores
BELCHIOR MONTEIRO LIMA NETO
ÉRICA CRISTHYANE MORAIS DA SILVA
GILVAN VENTURA DA SILVA
(ORGANIZADORES)
FORMAS E IMAGENS
DA CIDADE ANTIGA
EDITORA MILFONTES
VITÓRIA
2020
EDITORA MILFONTES
Editor chefe
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© 2020 Editora Milfontes
© 2020 Os autores
Revisão e normas
Os autores
Imagem da capa
Mosaico policromático de pavimento representando Jerusalém,
nomeada como hagia polis. O painel se encontra instalado na nave
central da Igreja de São Estêvão, em Umm Er-Rasas, atual Jordânia.
Sua confecção remonta ao período bizantino (século VIII).
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-86207-10-1
CDU: 94(37)
Sumário
Apresentação
9
Os organizadores
N
a atualidade, o estudo da cidade antiga revela-se cada
vez mais dependente do enfoque interdisciplinar, pois
é praticamente impossível, em virtude do extenso
repertório de informações provenientes das fontes literárias e,
sobretudo, da cultura material empreender-se qualquer incursão
nesta área sem considerar, ao mesmo tempo, os pressupostos
teóricos e os métodos de trabalho próprios da História Antiga e
da Arqueologia Clássica. Apesar das particularidades de cada uma
delas, não sendo por acaso que constituem dois ramos de saber
distintos, é indiscutível a notável contribuição de ambas para o
estudo da cidade antiga no que diz respeito ao seu ordenamento
territorial, aos arranjos arquitetônicos, às características da
população e outros tantos objetos possíveis. Ainda que as
reflexões em torno da cidade antiga constituam, desde pelo
menos a publicação, em 1864, de La cité antique, obra pioneira de
Fustel de Coulanges, um assunto amplamente debatido pelos
historiadores, não se pode, em absoluto, ignorar o trabalho
dos arqueólogos, profissionais laboriosos na identificação de
dezenas de cidades gregas e romanas, algumas das quais apenas
mencionadas de passagem nas fontes textuais, cujas características
físicas têm sido reconstituídas com base nos vestígios materiais.
Mediante a identificação de equipamentos arquitetônicos de
caráter público, bem como das habitações, das necrópoles ou dos
espaços conectados ao mundo do trabalho, é possível identificar a
morfologia urbana que enquadrava a vida das populações dessas
cidades, abrindo caminho para outras inferências relativas aos
domínios da política, da sociedade, da economia e da cultura.
C
ornélio Nepos, ao descrever a casa de Ático, o famoso
amigo de Cícero, apresenta uma distinção entre elegantia
(moralmente positiva) e magnificentia (moralmente
negativa), por meio de uma série de antíteses na qual termos
abstratos, e não informações objetivas, descrevem a domus como
um reflexo do seu proprietário:
1
As traduções dos trechos citados de Cícero são minhas.
2
Cf. Ernout e Meillet (2001, p. 166-167), s.v. decet, -uit, -êre, indicando o
sentido geral de “o que convém a”, o “conveniente”. O termo gerou muitas
derivações, significando o que é digno ou decente (decus), honrado (dedecus),
até os sentidos – notadamente ciceronianos – de ornar, embelezar, decorar,
decoroso (decor, decorus, decoratus) e seus opostos (e.g. indecorosus), que
Ornanda enim est dignitas domo, non ex domo tota quaerenda, nec domo
dominus sed domino domus honestanda est (Off., 1, 139).
11
Sobre o tema das casas mal-assombradas na literatura grega e romana,
ver Felton (1999).
12
Sobre essas artimanhas, ver Sharrock (2000, p. 101-105).
13
Para alguns estudiosos esta peça não tem um final robusto e adequado
no interior do corpus plautino: ver Leach (1969, p. 331-332) e Milnor (2002,
p. 21-22). No entanto, se observarmos a centralidade do tema da domus na
comédia, essa conclusão é plenamente satisfatória.
14
Sobre o discurso moralizante romano, ver especialmente Edwards (1993).
15
Leigh (2004, p. 102-3) é um bom comentário sobre a oposição
entre a rusticidade e a urbanidade personificadas pelos dois escravos,
respectivamente Grumião e Tranião.
16
Texto em latim extraído da edição de F. Leo (1895).
17
Todas as traduções da Mostellaria são de Reina M. T. Pereira, para a
coleção Classica Digitalia (2014), levemente modificadas quando necessário.
18
Sobre o tópico tradicional da comparação entre escravo urbano e escravo
rústico na Comédia Nova, com nítida valorização moral do escravo rústico,
ver Hunter (1985, p. 110). Como Denis Feeney (2016, p. 56) recentemente
21
Kristina Milnor (2002, p. 21-22; 2005, p. 132-139) apresenta o gynaeceum
como um sinal de “grecidade” nos textos romanos, assim como comenta a
atual controvérsia acadêmica em relação à presença desses elementos nas
casas gregas. Ver também Fontaine (2010, p. 183-187) sobre o tema. Sobre
a “casa de Simão”, ver Leach (1969, p. 326-329).
immo me praesente amato, bibito, facito quod lubet/sic hoc pudet, fecisse
sumptum, supplici habeo satis (Mos., 1164-1165).
22
Wallace-Hadrill (1994, p. 20-23; 1997) e Dickmann (1997) defendem que
o pórtico ou peristilo não foi um elemento característico da casa romana até
o fim do século II.
23
Ver contra: Leach (1969, p. 32), que argumenta em prol da imoralidade
das características da casa de Simão e que a aprovação de Teoprópides seria
um vitium.
Philolaches – [...] atque illud saepe fit: tempestas venit,/ confringit tegulas
imbricesque: ibi/ dominus indiligens reddere alias nevolt;/ venit imber,
perlavit parietes, perpluont,/ tigna putefacit, perdit operam fabri:/ nequior
factus iam est usus aedium./ atque ea haud est fabri culpa, sed magna pars/
morem hunc induxerunt: si quid nummo sarciri potest,/ usque mantant neque
id faciunt, donicum/ parietes ruont: aedificantur aades totae denuo./ haec
argumenta ego aedificiis dixi;/ nunc etiam volo/ dicere, ut homines aadium
esse similis arbitremini./ primumdum parentes fabri liberum sunt:/ ei
fundamentum substruont liberorum;/ extollunt, parant sedulo in firmitatem/
et ut in usum boni et in speciem/ poplo sint sibique, haud materiae reparcunt/
nec sumptus ibi sumptui esse ducunt;/ expoliunt: docent litteras, iura leges,/
sumptu suo et labore/ nituntur, ut alii sibi esse illorum similis expetant./ ad
legionem cum ita paratos mittunt, adminiclum eis danunt/ tum iam, aliquem
cognatum suom/ atenus. abeunt a fabris. unum ubi emeritum est stipendium,
igitur tum specimen cernitur, quo eveniat aedificatio... (Mos., 105-130).
24
No Truculentus 553, por exemplo, uma personagem “se embeleza com
atributos ímprobos” (inprobis se artibus expoliat). No Poenulus 188, o termo
também é usado para descrever o embelezamento artificial de uma meretriz.
A domus e a meretriz
quin tu te exornas moribus lepidis, quom lepida tute es? non vestem amatores
amant mulieris, sed vestis fartim (Mos., 168).
Conclusão
Referências
Documentação textual
Obras de apoio
Introdução
P
lauto floresceu entre o final do século III a.C. e 184 a.C.,
o ano de sua morte. Provavelmente iniciou a carreira de
comediógrafo em idade madura, durante os anos finais
da Segunda Guerra Púnica,1 quando as comédias em Roma se
tornaram mais frequentes e populares (Festus, 274; Hieronymus,
Chronicon, Ol., 145, 1; Cicero, De senectute, XIV, 50; Cicero,
Brutus, XV, 60; Aulus Gellius, Noctes atticae, XVII, 21, 46-47).
Suas comédias – as palliatae2 – são modelo para textos teatrais e
traduzidas do latim para os vernáculos desde o final do século
XV (HARDIN, 2003-2004, p. 255 e ss.).
As apresentações dramáticas, das quais as comédias
plautinas faziam parte, eram denominadas ludi scaenici.3 Foram
1
A Segunda Guerra Púnica ocorreu entre 218 e 202 a.C.
2
As comédias romanas das primeiras décadas eram adaptações de
comédias gregas. São denominadas de palliatae, ou seja, comédias “em
vestimenta grega”, pois preservam temas, personagens e ambientes de
palco dos originais gregos. O nome provém da vestimenta grega himátion,
denominada pelos romanos de pallium. Todos os atores da palliata eram
homens, que representavam inclusive os papéis femininos (BEARE, 1951,
p. 176; DUCKWORTH, 1994, p. 18).
3
“Jogos cênicos”, “festivais cênicos”, “jogos teatrais”. As traduções podem
variar entre “cênicos”, “dramáticos”, “de palco”, “teatrais”, etc.
4
Uma tragédia e uma comédia.
5
O ator de teatro era denominado histrio, termo, segundo Tito Lívio (VII, 2,
6), derivado do etrusco ister. Encontramo-lo em várias comédias de Plauto,
por exemplo, em Anfitrião (77) e O pequeno cartaginês (20).
6
Plural de grex, literalmente, “rebanho”.
7
“Artífices”, “artesãos”, “artistas” do palco. Eram grandes corporações
de músicos, poetas e diferentes indivíduos relacionados à representação
dramática, que surgiram no início do século III a.C. Os texnîtai espalharam-
se pelas regiões de cultura grega, desde a Ásia Menor até o sul da Itália e
a Sicília. Organizavam-se em guildas devido à necessidade de mobilidade
para as apresentações nos diferentes festivais, de música e até atletismo,
difundidos no mundo grego a partir do final do século IV a.C. (LIGHTFOOT,
2008, p. 246 e ss.).
8
“Aplaudam nossa guilda”.
9
Possuímos três exemplos de ocorrência de ludi scaenici em ludi funebres:
o primeiro, atestado por Tito Lívio (XLI, 28, 11), durante os funerais de
Tito Quíncio Flaminino, em 174 a.C., e os outros dois atestados por duas
didascálias de Terêncio (Hecyra e Adelphi), ambos durante os funerais de
Lúcio Emílio Paulo, em 160 a.C.
10
Cada um desses festivais, ou ludi, possui história distinta, com diferentes
datas de primeira ocorrência e de regularização como celebração anual.
Vide detalhes em Taylor (1937, p. 286 e ss.).
11
Representações originalmente não literárias, executadas por indivíduos
dos sexos masculino e feminino, comandadas por um ator ou uma atriz
principal. Eram apresentações improvisadas, curtas, sem preocupações
técnicas, e com liberalidade no tema e nas apresentações, nas quais os
atores se utilizavam de mímica e dança. A primeira evidência de mimos em
Roma é atestada em 211 a.C., mas sua presença na Urbs deve ser bem mais
antiga. A partir do final do século II a.C. surgiram mimos escritos, cujos
fragmentos apontam temas e linguagem obscenos (BEARE, 1951, p. 141 e
ss.; DUCKWORTH, 1994, p. 13-15).
Os teatros da República
12
Assentos de madeira temporários eram erigidos em stadia – e cortes
legais – nas poleis gregas, por exemplo, para a Apollonia, em Delos, e os jogos
Pítios, em Delfos. Esses eventos, assim como diversos outros nas poleis,
eram comumente realizados com intervalos de alguns anos entre cada um
(bienalmente, quadrienalmente, etc.), de forma que os terrenos dispensados
para sua execução eram reservados para outras funções nos períodos
intermediários. Inscrições mostram que as áreas onde eram erguidos os stadia
para a Apollonia em Delos e as Panatenaicas em Atenas eram arrendadas para
pastoreio ao final dos jogos. No caso das Panatenaicas, os assentos eram
erigidos na ágora, “e teriam que ser removidos imediatamente após o festival,
de forma a não atrapalhar a atividade normal” (CSAPO, 2007, 103-105). A
título de curiosidade, os primeiros teatros gregos dos quais temos vestígios
tinham em comum algumas características, como assentos frontais (proedría)
de pedra e demais de madeira, e skené construída com material perecível
(MORETTI, 2011, p. 135). Diversos teatros gregos dos séculos V e IV a.C.
tinham assentos de madeira, nos quais apenas a proedría (ou sua base) era de
pedra (CSAPO, 2007, p. 105-106). O teatro de Dioniso Eleutério, em Atenas,
durante o século V a.C. – quando floresceram Ésquilo, Eurípides, Sófocles e
Aristófanes – e parte do século IV a.C., era composto por assentos de madeira,
sendo que a proedría (ou sua base), assim como em outros teatros gregos do
período, era feita de pedra. A skené também era de madeira. A prática de se
escavar e elevar o terreno regularmente para o auditório é do século IV a.C.,
e apenas em meados deste último século, ou na segunda metade, o auditório
do teatro de Dionísio em Atenas foi reconstruído em pedra (TOMLINSON,
1995, p. 44-46; ROBERTSON, 1988, p. 164-166; MORETTI, 2011, p. 122-
125, 154 e ss.; GOETTE; CSAPO, 2007, p. 116 e ss.).
13
Csapo (2007, p. 105, nota 32) associa a referência de Plauto aos assentos
17
A ligação de Apolo com a capacidade de promover a pestilência é antiga.
A encontramos nos versos iniciais da Ilíada (I, 1-10) com a praga enviada
por Apolo aos gregos acampados diante da cidade de Troia.
18
O templo foi dedicado a Apolo Medicus (Liv., XL, 51).
19
Mais de duzentos anos depois foram instituídos ludi em honra de Apolo,
os ludi Apollinares, também para aplacar uma peste.
20
“et scaenam aedilibus practoribusque praebendam [locaverunt]”.
21
“Quando um teatro contratado pelos censores foi construído, pela
proposta de Públio Cornélio Nasica, como se [fosse] inútil e danoso aos
costumes públicos, foi destruído por ordem de um senatus consultum, e o
povo por algum tempo assistiu os jogos de pé” – “Cum locatum a censoribus
theatrum exstrueretur, P. Cornelio Nasica auctore tamquam inutile et nociturum
publicis moribus ex senatus consulto destructumm est, populusque aliquamdiu stans
ludos spectavit” (Liv., Periochae, XLVIII).
22
Tácito (Annales, XIV, 20) afirma que antes da construção do teatro de
Pompeu, ou seja, antes de 55 a.C., os assentos e o palco eram erigidos às
pressas e, antes disso, o povo assistia de pé os ludi, mas suas afirmações são
vagas com relação à época de cada fase à qual se refere.
23
Campbell (2003, p. 67 e ss.), com base em fontes textuais e em dados
arqueológicos, sugere uma explicação tecnológica para a inexistência de
teatros permanentes em Roma até a construção do teatro de Pompeu, em 55
a.C. Segundo a autora, o único material capaz de permitir a construção dos
vãos e arcos característicos dos auditórios dos teatros romanos, construídos
em terrenos planos ou apoiados em encostas – e não nas encostas –, é o
concreto. Os romanos utilizaram o concreto desde pelo menos o início do
século III a.C., porém, para a construção de estradas. Uma das estruturas de
teatro mais antigas é o Odeon de Pompeia, construído pelos romanos em
cerca de 80 a.C. Nele, os vãos que levam à arena são de concreto e suportam
parte do peso dos assentos e das pessoas na cauea – a área dos assentos.
A técnica de ereção de estruturas com concreto, incluindo abóbadas, só
foi dominada pelos romanos no século I a.C. – um exemplo é o próprio
Odeon mencionado (CAMPBELL, 2003, p. 76). Vitrúvio (De architectura, II,
8, 2-3), por exemplo, reclama de antigas estruturas de concreto em tumbas
da Via Ápia que estavam ruindo em sua época. Concretos desse tipo,
escreve Campbell (2003, p. 76), não poderiam suportar o peso de assentos
de pedra e da audiência. Portanto, teatros permanentes não poderiam ser
construídos antes da técnica ser dominada, e os teatros que começavam
28
Beacham (1991, p. 60) comenta que os termos utilizados por Plauto para
designar o palco, scaena e proscaenium, não são exatos, pois o termo “scaena
poderia ser utilizado também para designar o edifício de cena, ou mesmo a
sua fachada cênica”, e o termo proscaenium é uma tradução possível para o
edifício cênico. Esse comentário de Beacham, ao nosso ver, é temerário, pois,
se Plauto denomina dessa forma o tablado sobre o qual os atores encenam
suas comédias, é porque estes termos eram aceitos e reconhecidos como
significantes para o que denominamos de palco. As palavras podem ter seus
significados mudados com o passar do tempo. Em francês, por exemplo,
o termo acteur significava, no século XVII, “personagem”, e não “ator”
(MOLIÈRE, 1962, p. 33). Vários termos latinos referentes às estruturas e
componentes dos edifícios teatrais são derivados de textos cuja antiguidade
remonta ao século I a.C., como o de Vitrúvio e o de Tito Lívio, sendo,
portanto, cerca de cento e cinquenta anos posteriores aos textos de Plauto.
29
Em certas ocasiões, o espaço onde os atores estão no palco é denominado
também de angiportum (BEARE, 1951, p. 173; DUCKWORTH, 1994, p. 87-88).
30
A existência de assentos nos teatros temporários romanos do período da
República é advogada por Beare (1951, p. 163-164) e Duckworth (1994, p.
80-81). Robertson (1988, p. 253) afirma que a audiência assistia às peças
de pé, mas não fornece explicação para sua afirmação.
31
Há dúvidas sobre a autoria de alguns prólogos de Plauto. Certos autores
41
“serui ne opsideant, liberis ut sit locus / uel aes pro capite dent”. O último
verso – “uel aes pro capite dent” – significa, literalmente, “ou deem dinheiro
por cabeça”, ou seja, ao pagar por sua manumissão, entrem no cômputo
dos capite censi, indivíduos abaixo da menor categoria censitária para
o alistamento nas legiões, que eram contados como indivíduos sem
propriedade (BERGER, 1991, p. 380).
42
Conforme nota Richlin (2014, p. 206), parte importante dos enredos
de Plauto concentra-se no tema da libertas: a palliata surgiu “durante um
período na história da escravidão no qual a escravização havia aumentado e
estava ainda aumentando”.
43
As colônias são Cosa, Paesto, Fregelas e Alba Fucens (MOURITSEN,
2004, p. 44-51).
44
Mouritsen (2004) conclui que, provavelmente, os furos tiveram funções
diversas e seu propósito exato não pode ser reconstruído.
45
Saepta significa “cercas”. No caso dos locais para as eleições, eram as
cercas que dividiam os grupos de eleitores.
46
Essa é, por sinal, segundo Taylor (1937, p. 288), a única evidência nas fontes
de ludi scaenici encenados durante os ludi plebeii no período da República.
47
Taylor (1937, p. 299) lista cinco passagens de Tito Lívio que tratam de
ludi funebres (XXIII, 30, 15; XXVIII, 12, 10; XXXI, 50, 4; XXXIX, 46, 2; XLI,
28, 11). A única que menciona ludi scaenici é a que citamos.
48
O filho de Tito Quíncio Flaminino.
49
“Munera gladiatorum eo anno aliquot, parva alia, data; unum ante cetera insigne
fuit T. Flaminini, quod mortis causa patris sui cum visceratione epuloque et ludis
scaenicis quadriduum dedit”.
50
“iam est ante aedis circus ubi sunt ludi faciundi mihi”.
51
O título da comédia pode ser Cornicula<ria>, A história do corniculum, ou A
história do elmo com corno – um ornamento conferido por bravura –, conforme
sugere Kent (1951), em sua tradução da obra de Varrão, devido ao tema,
relacionado a um soldado. De Melo (2011) traduz o título por O corvinho.
52
“quid cessamos ludos facere? circus noster ecce adest”.
53
Segundo Varrão, Plauto faz um trocadilho com a palavra “circum”, que
pode significar “em torno” e “circo” – o soldado será cercado e irão fazer
troça dele. Porém, Wolfgang De Melo (2011), em nota para sua tradução
do fragmento, considera essa explicação de Varrão muito elaborada, e
interpreta que o “circo” é o soldado que permitirá o entretenimento para
os que vão zombar dele, ou seja, da mesma forma que nós interpretamos.
54
Conforme comentamos em nota anterior, esse era o único templo de
Apolo existente em Roma antes da época de Augusto (Asconius, in Tota
candida, 90C, 6-14).
55
Caio Flamínio foi cônsul em 223 e 217 a.C., e censor em 220 a.C.
(BROUGHTON, 1986, p. 235). Sabemos, pelo sumário de Tito Lívio
(Periocha, XX), por Cassiodoro e por Festo (79) que o circo foi construído
por Caio Flamínio. O único que posiciona a data de sua construção em 220
a.C. é Cassiodoro. Como 220 a.C. é o ano da censura de Caio Flamínio,
provavelmente a data está correta. A obra de Cassiodoro pode ser encontrada
em nossas referências bibliográficas na tese de doutorado de Klaassen (2010).
56
Eliminando, nesse caso, a possibilidade de que os furos encontrados pela
Arqueologia no fórum romano, os quais comentamos acima, serviram de
base para estruturas de madeira dos teatros temporários.
A audiência
57
As interpretações sobre a composição da audiência das comédias na
época de Plauto são díspares. Alguns autores, por exemplo, interpretaram
as linhas de Plauto – que usamos aqui como evidência da composição da
audiência – como frases irônicas, que tinham como propósito transmitir o
contrário do que dizem. Outros caracterizam a audiência como aristocrática.
Uma bibliografia extensa pode ser encontrada em Moore (2010).
58
“scortum exoletum ne quis in proscaenio / sedeat”. Por proscaenium Plauto
significa, nesse caso, a borda do palco. Talvez estejamos diante de uma
pilhéria sobre pessoas se exibindo para a audiência, promovendo-se no
comércio do sexo.
59
“nutrices pueros infantis minutulos / domi ut procurent”. As amas-de-leite
referidas podem ser escravas ou mulheres pertencentes aos estratos sociais
mais baixos, e as crianças podem ser nascidas livres, ou nascidas no domus,
de pais escravos, e até mesmo capturadas juntamente com as amas-de-leite.
Temos exemplos, nas comédias de Plauto, de algumas dessas possibilidades:
“não vai enviar qualquer coisa para a ama-de-leite que alimenta os escravos
nascidos em casa” (Miles gloriosus, 698); as escravas cartaginesas, em O
pequeno cartaginês (84-86), foram raptadas juntamente com a ama-de-leite.
60
Ou seja, mulheres casadas, mães de família.
61
“matronae tacitae spectent, tacitae rideant […] ne et hic uiris sint et domi molestiae”.
62
Pajens, serviçais que seguiam a pé os senhores. Por exemplo, em O soldado
fanfarrão (1009), um dos personagens diz “então, siga-me aqui” – “sequere hac
me ergo” –, e recebe a resposta “sou seu pajem” – “pedisequos tibi sum”. Notar
que pedisequos é a forma arcaica de pedisequus, e está no nominativo singular.
63
O evento é registrado também por Valério Máximo (II,4.3). É tentador
imaginar nessa separação a origem da orchestra do teatro romano, de acordo
com a descrição do teatro feita por Vitrúvio (De architectura, V, 6, 1).
64
“eum ordinem”.
65
Valério Máximo (II, 4, 3) afirma que a proposta da separação dos assentos
partiu de Cipião, o Africano, então cônsul.
66
As normas são criadas para ratificar um consenso já referendado pelo
grupo que normaliza.
67
Os escravos, também presentes na plateia, estão obviamente excluídos
da comunidade cívica à qual nos referimos, conforme afirmamos no texto.
68
Ou seja, Mercúrio e Júpiter.
69
“nunc iam huc animum omnes quae loquar aduortite. / debetis uelle quae uelimus:
74
Possuímos os títulos de quarenta e duas comédias de Cecílio, a maioria
em grego (BEARE, 1951, p. 79). Seu apogeu é situado em 179 e morte em
168 a.C. (WARMINGTON, 1956, p. xxvii-xxix).
75
A ordem das primeiras apresentações das comédias de Terêncio é
controversa, mas existe aceitação de que a primeira foi Ândria, em 166 a.C.,
e que sua atividade dramática terminou em 160 a.C. (BEARE, 1951, p. 86).
76
Sabemos as datas das tentativas de encenação da comédia pelos prólogos
e pela didascália.
77
Amphitruo, 15; Captivi, 11-16, 54; Casina, 3-4; Asinaria, 1, 4; Trinummus,
5-8; Poenulus, 3, 11-14; Truculentus, 1-8; Miles gloriosus, 79-82; Menaechmi,
4-5; Mercator, 14-15.
78
O termo pode ser utilizado para outros tipos de drama, mas é
normalmente associado à comédia. Um sinônimo para togata é tabernaria,
ou seja, “comédia da casa privada”, com sentido de “comédia nativa”, pois
taberna, em latim arcaico, significa “casa privada”, particularmente uma
casa de indivíduos pobres. Aparentemente, diferentemente da palliata, na
togata os escravos não eram representados como mais espertos, inteligentes
ou hábeis que seus senhores (BEARE, 1951, p. 121-124).
79
“denique / nullumst iam dictum quod non dictum sit prius”.
Referências
Documentação textual
Obras de apoio
Manuela Martins
Introdução
A
arquitetura romana constitui um dos domínios mais
investigados da Antiguidade Clássica, mergulhando
as suas origens no Renascimento, tendo por base o
reconhecimento das ruínas dos antigos edifícios de Roma,
então ainda parcialmente visíveis, e a redescoberta do tratado
De Architectura de Vitrúvio, que viria a ser reinterpretado e
ilustrado pelos arquitetos que nele se inspiraram para construir
os seus próprios tratados. Ao longo dos séculos seguintes,
os monumentos da Roma antiga foram sendo desenhados e
interpretados, afirmando-se uma tradição de estudos que viria
a ser consolidada, a partir do século XVIII, pela descoberta
das cidades de Herculano e Pompeia e, já no século XX, pela
identificação arqueológica dos edifícios de inúmeras cidades do
Império Romano. Assim, os vestígios arqueológicos e a obra
de Vitrúvio representam os alicerces de uma longa tradição de
*
Este capítulo foi elaborado no âmbito do projeto Usos do Espaço na Cidade
Antiga, financiado por intermédio do Convénio FCT-CAPES, submetido
ao concurso 2019-2020, desenvolvido em cooperação entre a Ufes e a
Universidade do Minho.
A obra de Vitrúvio
Fonte: ©UAUM
Fonte: ©UAUM
2
Valor obtido pela divisão da superfície total da cavea, sem ter em conta
passagens, muros e escadas, pela área média ocupada por uma pessoa
sentada (0.85*0.60m= 0.51m2) (31.302π= 3077.78/ 3077.78/2=
1538.90/ 1538.90/0.51= 3017) (SEAR, 2006).
Fonte: ©UAUM
difundido, mas sim o autor que falava por experiência própria, facto
que parece demostrado por Marcus Cetius Faventinus, nascido cerca
de 250, que redigiu e anotou um compêndio abreviado de partes
do tratado vitruviano, onde discute os materiais de construção
e debate as técnicas construtivas do antigo escritor. O tratado
vitruviano serviu também de inspiração a Paládio, na elaboração
do seu próprio tratado sobre agricultura e a organização de uma
típica villa romana tardia. Ambos autores escreveram manuais
práticos inspirados na obra de Vitrúvio, o que demonstra que a
mesma continuava a ser reproduzida e utilizada. No entanto, nem
Faventino nem Paládio estavam particularmente interessados
nas questões culturais ou filosóficas, que tanto parecem ter
preocupado Vitrúvio, as quais são sumariamente abordadas
na introdução do compêndio faventiniano. Interessava-lhes,
sobretudo, as questões eminentemente práticas, como o modo de
explorar a água, a localização de construções domésticas, o melhor
uso a dar aos materiais, ou como construir uma abóbada, o que
permite admitir que haverá partes do tratado vitruviano que terão
sido mais usadas que outras e que as schemata que ilustravam o
texto devem ter servido como elementos gráficos que circulariam
pelo Império. O mesmo terá certamente acontecido com outros
tratados de arquitetura entretanto perdidos, que terão servido
para difundir os modelos arquitetónicos e decorativos ensaiados
em Roma, rapidamente adoptados nas províncias, inspiradores
dos desenhos de projetos arquitetónicos que foram materializados
nas diferentes cidades do Império, sujeitos a reinterpretações e
sempre condicionados por vários fatores de natureza topográfica,
técnica e financeira.
A nossa ignorância é total relativamente aos esquemas
gráficos que circulariam pelo Império, bem como sobre o modo
como se organizavam e difundiam os novos modelos ensaiados
em Roma. Na verdade, os caminhos da constituição de um saber
Referências
Documentação textual
Obras de apoio
Thiago de A. L. C. Pires
O
historiador Tácito, no trecho abaixo, discorre sobre
a dominação romana na cidade de Camulodunum, na
Britânia, durante o governo de Nero, ocorrido entre 54
até a sua morte, em 68 d.C.
*
Agradeço a gentil leitura prévia e observações da profa. Dra. Claudia
Beltrão da Rosa.
1
Com algumas exceções, a tradução do original latino para o português foi
feita por mim, sob a revisão do latinista Braulio Pereira.
2
No entanto, é salutar ressaltar que todas as três áreas do cume capitolino
eram fortificadas, inclusive a “sela” conectora.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Capitoline_hill_map.
png em 24/08/2019
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/14_regions_of_Augustan_Rome#/
media/File:Plan_Rome-_Regiones.png
3
Devido ao espaço, traremos apenas um recorte das batalhas mais
4
Traduzido do inglês pelo autor.
Até aqui a conjuração não tem forças. Para além disso, conta
com grande incremento no número de homens, que se fazem
mais a cada dia. Seus ancestrais não desejavam que se juntassem
sem motivo, exceto quando o estandarte era exibido na cidadela
[arx] e o exército estava reunido para uma eleição, ou quando os
tribunos haviam anunciado uma reunião dos plebeus, ou quando
algum dos magistrados os tivesse chamado para uma reunião
informal; e onde quer que houvesse uma multidão reunida,
pensavam que deveria haver ali também um líder legítimo da
multidão (Liv., 39, 15, 10-11).
Referências
Documentação textual
Obras de apoio
Fernanda Magalhães
Introdução
O
conhecimento que hoje possuímos sobre o modo de vida
romano está intimamente relacionado com o estudo das
cidades, impulsionado pelas importantes contribuições
provenientes da Arqueologia Urbana, que têm permitido renovar
o saber relativo ao universo urbano provincial. Neste sentido, é
importante destacar o desenvolvimento dos estudos relativos à
arquitetura romana, que têm vindo a proporcionar novos dados
sobre a organização urbanística das cidades romanas, mas
também sobre a sua economia, ou sobre os processos e ritmos
de aculturação sofridos pelas diferentes regiões do Império.
Por outro lado, é importante aludir ao desenvolvimento que
se vem registando no estudo da arquitetura doméstica, que
progressivamente vem desfocando da análise estritamente
tipológica das habitações, que dominou o panorama da
investigação relativa à casa romana, para se centrar na análise dos
processos construtivos, na abordagem social do uso diferencial
*
Este capítulo foi elaborado no âmbito do projeto Usos do espaço na cidade
antiga, financiado pelo Convénio FCT-CAPES, submetido ao concurso 2019-
2020, desenvolvido em cooperação entre a Ufes e a Universidade do Minho.
Referências
Documentação textual
Obras de apoio
U
ma antiga lenda norte-africana conta como um soldado
romano se apaixonou por uma princesa nativa, a qual,
orgulhosa como Dido, não queria saber dele. Ela
somente se casaria com ele, disse a moça, quando as águas do
Zaghouan corressem para Cartago. O aqueduto com 132 km de
extensão, visível ainda hoje na planície do oued (rio) Miliana, foi
construído (Figura 1).1 O romano cobrou a noiva, e esta, como
Dido, preferiu se jogar do alto da construção.
Ainda que não seja possível comprovar a veracidade dessa
história, a memória a ela intrínseca nos diz que, no campo do
desenvolvimento de um urbanismo romano, um diferencial
marcante foi a engenhosidade posta a serviço do bem-estar
1
Este aqueduto transportava água da montanha (djebel, em árabe)
Zaghouan até Cartago. Trata-se de um monumento impressionante, tanto
do ponto de vista técnico como por sua monumentalidade. É dividido em
uma parte aérea formada por altas arcadas que cortam os vales, e em uma
parte subterrânea, que atravessa as colinas. Este aqueduto leva a água
movida pela gravidade, isto é, a partir de uma inclinação suave desde as
fontes no flanco da montanha até os reservatórios (cisternas) das termas
igualmente monumentais de Cartago, à beira mar. Calculou-se que 32.000
m3 de água eram lançados por dia, isto é, 270 litros por segundo. Atribui-se
sua construção ao imperador Adriano (117-138) (SLIM et al., 2003, p. 237).
2
Por exemplo, em comparação ao mundo grego, que usou a
monumentalização principalmente no campo religioso, ver Hirata (2009)
e Florenzano (2011).
3
Existe um debate secular e intenso sobre a organização e atuação do
Império Romano nos territórios conquistados. Tanto as intenções das
ações romanas quanto as respostas a estas, nas províncias, encontram-
se no centro do debate das últimas décadas. Uma das correntes mais
fortes, formada principalmente por pesquisadores anglo-saxões,
prega o reconhecimento que os processos de interação cultural foram,
necessariamente, multidirecionais. Entre outros, ver Curchin (2004);
5
Esta era a opinião de Stéphane Gsell (1928, p. 4-8). No entanto, a
“primeira” medição do terreno de fato documentada teria sido realizada para
a desafortunada colônia dos Graco, em 122 a.C. Já a Lei Agrária de 111 a.C. e
outros textos mostram que centuriações foram feitas para além do território
da colônia dos Graco. Cada centúria possuía c. 5000 m2, e era produzida
a partir da organização do terreno em quadrados ou retângulos regulares,
desenhados tendo como guia travessas que se cortavam no terreno, as decumani
e as cardines, as quais, por sua vez, corriam em paralelo, respectivamente, ao
decumanus maximus (L-O) e ao cardo maximus (N-S) (GSELL, 1928).
6
Uma estrada romana era composta por 3-4 camadas de pedras grandes e
menores e pedregulho, algumas ligadas por argamassa, dispostas em uma
trincheira de c. 1 m de profundidade. A superfície era usualmente formada
por terra compactada ou grandes seixos (NINOUH; ROUILI, 2013, p. 248).
7
A grade ortogonal foi um desenvolvimento levado a cabo pelas mãos
dos gregos ao longo do século VIII a.C., no Mediterrâneo (há exemplos
anteriores em terras orientais, mesopotâmicas e egípcias), em suas apoikiai
ocidentais, por exemplo, em Mégara Hiblea e na ilha de Ortígia, base da
fundação de Siracusa, ambas cidades siciliotas. No século IV a.C., Aristóteles
apresenta-nos o nome do arquiteto Hipodamos de Mileto como o criador
desta grade, o que sabemos não ser exato. No entanto, é possível, sim, vê-lo
como aquele que normatizou essa grade. Segundo a tradição, Hipodamos
teria sido responsável pela revitalização do porto do Pireu, em Atenas, de
Mileto (pois após a expulsão dos persas, entre 480-470 a.C., os milésios, ao
reentrarem em sua cidade, deram continuidade ao estabelecimento da grade
ortogonal, já anteriormente existente), de Rodes e de Túrio. Entretanto, as
datações arqueológicas destas intervenções englobam mais de um século,
tornando inviável que Hipodamos tenha sido, de fato, o artífice em todas
essas revitalizações (agradecemos à Profa. Maria Beatriz Florenzano pela
sistematização dos dados acima apresentados).
Fonte: https://www.reddit.com
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nymphaeum_Leptis_
Magna.JPG
Fonte: https://www.flickr.com/photos/82733598@N00/7122597903
Fonte: https://fr.wikipedia.org/wiki/Site_arch%C3%A9ologique_de_
Carthage#/media/Fichier:Plan_carthage_romaine.jpg
8
Sua obra pode ser acessada em: <https://jeanclaudegolvin.com/carthage>.
Fonte: https://jeanclaudegolvin.com/carthage
9
Cirta (Constantina), na atual Argélia, e Volubilis, no atual Marrocos,
seriam exceções em termos de centros indígenas.
10
Pelos cálculos do arqueólogo Philippe Leveau, o aqueduto de Cesaerea
possuía uma capacidade de fornecimento de água para até 40.000 pessoas
(LEVEAU; PAILLET, 1976).
11
Sobre evergetismo e patronato, ver Longfellow (2011) e Perissato (2018).
Fonte: https://journals.openedition.org/encyclopedieberbere/docannexe/
image/2210/img-5.png
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d6/Vue_
generale_du_site_de_Djémila.jpg
12
Para uma lista das principais publicações e para referências de
sistematizações das importantes escolas de epigrafistas franceses e italianos,
os principais pesquisadores a trabalharem com inscrições romanas do
Norte da África, ver Mattingly & Hitchner (1995, p.166, notas 17 e 18).
Fonte: http://photo.sf.co.ua/g/189/22.jpg
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Dougga#/media/File:Roman_
Theatre_Dougga.jpg
13
O nome Thysdrus já denuncia sua origem berbere, cuja raiz remete ao
termo que designa “passagens estreitas”. Ora, a localização de Thysdrus, na
região central do plateau de El Djem, domina um corredor de depressões
que determina a ligação mais direta do Sul com o Norte e o ponto mais
cômodo de junção do litoral com a hinterlândia (SLIM, 1995).
Fonte: https://journals.openedition.org/encyclopedieberbere/docannexe/
image/2182/img-1.png
Templos
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/ae/
Capitolio_de_Dougga_2.JPG
***
Referências
Introdução
D
urante boa parte do século XX, o conceito de romanização
foi identificado com uma perspectiva historiográfica
eurocêntrica, vinculada a um grupo de antiquistas
comprometidos, em alguma medida, com o expansionismo
imperialista europeu. Em autores como Haverfield (1906),
Boissier (1901) e Cagnat (1909; 1913), o termo romanização é
compreendido como o processo de aculturação das populações
autóctones, que assumiam os padrões estéticos, a língua e os
valores romanos. Pressupunha-se a existência de um desnível
civilizacional que legava às populações conquistadas pelo
poderio romano uma posição de passividade frente ao que era
considerado culturalmente superior. Romanização, grosso modo,
constituía um processo em que o outro se civilizava na medida
em que se transformava em romano (MENDES, 2007, p. 38-39).
A partir da década de 1970, como consequência dos
movimentos de descolonização, a produção historiográfica tomou
um novo rumo. As pesquisas, destacadamente as de Bénabou
(1978), pautaram-se por temas que valorizavam a resistência dos
povos autóctones ao domínio romano, resgatando e enfatizando
os elementos nativos em contraposição ao precedente conceito
1
Utilizaremos o termo Lepcis Magna, sempre que nos referirmos à cidade
à época imperial romana, para a diferenciar de sua homônima localizada
na África Proconsular, na atual Tunísia. A distinção era também feita na
Antiguidade, como atesta a epigrafia local de final do século I, que oferece
a primeira menção ao adjetivo Magna para denominar a cidade (Inscriptions
of Roman Tripolitania, 302, 352).
2
No decorrer do texto, usaremos, como referência aos catálogos de inscrições
epigráficas provenientes da Tripolitânia, as seguintes siglas: para Iscrizioni
Puniche della Tripolitania (IPT), para Inscriptions of Roman Tripolitania (IRT).
3
Tal fronteira não constituía uma linha ininterrupta de separação entre o
mundo romano e o “bárbaro” exterior, mas, ao invés disso, se caracterizava
como uma região de contato entre diferentes culturas. Era formada por uma
linha descontínua de fortes e estradas que dificilmente se poderia interpretar
como um limes de defesa contra as ameaças externas. Correspondia, na
realidade, a uma rede complexa de controle, administração e taxação dos
movimentos dos grupos seminômades que habitavam a região meridional e
que sazonalmente atravessavam a fronteira à procura de pastos que fossem
suficientemente abundantes aos seus rebanhos (CHERRY, 2005, p. 24-74).
4
Cartago foi fundada por colonizadores fenícios vindos da cidade de Tiro
por volta de meados do século IX a.C., tornando-se, entre os séculos VI e II
a.C., a capital de um império marítimo muito poderoso, que criou colônias e
Acerca destes diversos grupos étnicos líbios, ver Brett; Fentress (1996) e
Mattingly (1994, p. 17-50).
7
As Guerras Púnicas consistiram numa série de três guerras que colocaram
Roma em conflito direto com Cartago, cidade-Estado fenícia que dominava
territórios no norte da África, Espanha e Sicília. Entre os anos de 264 a.C.
e 146 a.C., as duas potências se enfrentaram no intuito de conseguirem
para si uma hegemonia duradoura no Mediterrâneo ocidental. Ao fim
das Guerras Púnicas, Cartago capitulou frente às forças romanas e foi
totalmente destruída. Como resultado do conflito, Roma pôde se apoderar
das regiões antes subjugadas pelo poderio cartaginês, o que incluía o norte
da África (RAVEN, 1993, p. 33-48).
8
A Guerra de Jugurta ou Guerra Jugurtina foi um conflito que opôs Roma,
liderada pelo cônsul Quinto Cecílio Metelo, ao Reino da Numídia, governado
por Jugurta. A guerra durou dois anos, iniciando-se em 111 a.C. e se encerrando
com a derrota dos númidas em 109 a.C. (RAVEN, 1993, p. 51-52).
9
A Guerra Civil Cesariana, também conhecida como Segunda Guerra Civil
da República de Roma, foi um conflito militar ocorrido entre 49 e 46 a.C.
Foi o confronto de Júlio César contra a facção conservadora do Senado,
liderada militarmente por Pompeu. A guerra terminou com a ascensão
definitiva de César como ditador romano (GRIMAL, 1993, p. 27-32).
10
Sobre as civitates libertae no norte da África, afirma Estrabão (Geographia,
XVII, 24): “Algumas cidades são livres, pois estabeleceram aliança de
amizade com Roma, e outras por demonstração de consideração. Há
governantes, tribunos e sacerdotes que vivem em tais cidades [...] de
acordo com seus códigos legais ancestrais”.
11
O Imperium Romanum designava não só o espaço no interior do qual
Roma exercia o seu poder, como este mesmo poder. A palavra imperium
representava a força transcendente, simultaneamente criativa e reguladora,
capaz de agir sobre o mundo, de submetê-lo à sua vontade. A etimologia da
palavra continha a ideia de ordenação, de preparativos feitos em vista de um
fim, concebidos pelo espírito de quem comanda (GRIMAL, 1993, p. 9-12).
12
O termo evergetismo refere-se às obrigações que os membros das ordens
mais abastadas das cidades tinham em relação às suas civitates. Esses notáveis
é que organizavam os espetáculos e os banquetes coletivos, é que construíam
os prédios públicos, é que contribuíam com recursos próprios para o
abastecimento do erário citadino. Em troca, garantiam para si os benefícios
e as honrarias de serem os patronos da cidade (VEYNE, 1994, p. 114-117).
13
Entre o final do segundo e o início do terceiro século havia na Tripolitânia,
segundo dados retirados de duas fontes valiosas para o conhecimento das
regiões provinciais do Império, o Itinerarium Antonini e a Tabula Peutingeriana,
quatro cidades que ostentavam o status de colônia romana: Tacapae, Lepcis
Magna, Sabrata e Oea. Somavam-se a elas mais seis cidades com o título de
municipium Latinum: Telmine, Gigthis, Zitha, Pisidia, Thubactis e Digdida.
Também podem ser citadas mais uma dezena de pequenas civitates, cujo
status é pouco conhecido, mas que provavelmente se caracterizavam como
oppida stipendiaria, tais como Cidamus, Sugolin, Sutututttu, Mesphe, entre
outras (MATTINGLY, 1994, p. 139).
14
Utilizamos o termo modus vivendi imperial em consonância com a
perspectiva delineada por Janet Huskinson (2000), que observa a existência,
entre os séculos I a.C. e II d.C., de um common ground de elementos culturais
compartilhados pelas diversas elites que compunha o Império Romano,
como o domínio do latim e/ou do grego, a educação nos moldes da paideia
greco-romana, a posse da cidadania romana, a participação nos cargos
e ritos públicos, o gozo das benesses urbanas nos teatros, anfiteatros e
termas. Tais elementos, que comporiam uma espécie de cultura imperial,
em sentido lato, eram diversamente experimentados, assimilados e
apropriados nas diferentes regiões do Império.
15
Poucos são os dados arqueológicos descobertos acerca da Lepcis púnica.
Além do mercado e do fórum, que provavelmente foram remodelados em
época romana, há a existência de um antigo cemitério, remetendo ao século
VI a.C., encontrado sob o teatro citadino (MATTINGLY, 1994, p. 117-119).
16
O procônsul da África Proconsular era a mais alta autoridade judiciária
da província, sendo o juiz supremo nas ações criminais e civis. Ele se
caracterizava como um funcionário de posição elevada, escolhido entre os
dois mais antigos ex-cônsules de Roma. Ao procônsul eram concedidos
poderes para supervisionar as autoridades municipais, recolher o imposto
devido ao fisco imperial e comandar a III Legião Augusta, destacamento
do exército responsável pela manutenção da ordem pública e da paz nas
regiões fronteiriças da África Proconsular (MAHJOUBI, 1985, p. 506-507).
17
A transcrição neopúnica da epigrafia latina do mercado de Lepcis Magna
é encontrada somente no quiosque ocidental do edifício (QUINN, 2010, p.
53; Iscrizioni Puniche della Tripolitania, 21).
18
Além da construção do teatro de Lepcis Magna em honra de Otávio
Augusto, há também no edifício a dedicatória de uma estátua ao imperador,
feita pelos Fulvii (IRT, 320, 328).
19
Em 36, o teatro ainda recebeu a inclusão de um pequeno santuário no
topo de sua cávea, dedicado a Ceres Augusta por Suphunibal, esposa de
Annobal Ruso, provavelmente com algum grau de parentesco com Annobal
Tapapius Rufus (IRT, 269).
20
No tocante às Termas construídas às expensas de Quintus Servilius Candidus,
também foi descoberta uma inscrição que se utilizava do alfabeto latino
para expressar o idioma púnico. Num determinado azulejo das termas está
escrito a seguinte frase: felioth iadem sy-Rogate ymmanai, traduzido por Levi
Della Vida (1927, p. 108) como “feito nas oficinas de Rogate Ymmannai”.
21
O azeite era produto vital no Mundo Antigo, utilizado na alimentação,
como combustível e base para a fabricação de numerosos medicamentos,
perfumes e cosméticos. Segundo dados apresentados por David Mattingly
(1994, p. 138-140), no interior da Tripolitânia existiam inúmeras
propriedades agrícolas aprovisionadas com todo tipo de equipamentos
imprescindíveis à fabricação do azeite de oliva, sendo tais propriedades as
responsáveis pelo enriquecimento das elites citadinas regionais.
22
Grosso modo, havia três ordens de elite na sociedade romana alto-imperial,
hierarquicamente representada pelo ordo senatorius, equester e decuriorum,
sendo este último destinado aos membros da aristocracia das cidades
provinciais (SALLER, 2008, p. 817-818).
23
Acerca da elevação das elites norte-africanas às ordens equestre e senatorial,
ver Salcedo de Prado (2012; 2013), Corbier (2005) e Birley (1988).
24
Havia dois principais modos de latinização dos nomes de origem púnica
na região da Tripolitânia: um ao acaso, adotando-se nomes relacionados
Referências
Documentação textual
Documentação arqueológica
Obras de apoio
Introdução
D
afne é conhecida como o célebre subúrbio de uma dentre
as mais famosas cidades do Mundo Antigo – Antioquia
de Orontes, metrópole da Síria antiga –, mas foram
raras as vezes em que a história daquele platô foi tratada por sua
própria posição na história das cidades e dos territórios romanos
na Antiguidade Tardia.1 A história de Dafne é sempre relacionada
à asty de Antioquia, dando a esta última mais destaque e
proeminência em termos de importância. Por vezes, esquecemos
que isso não foi sempre assim. Glanville Downey (1951, p.
19) destaca: na “Antiguidade, o subúrbio Dafne era tão famoso
1
Encontramos poucas referências que tratam, particularmente, do subúrbio.
Entre as referências, podemos mencionar o artigo de Pierre Bazantay
(1933), intitulado Um petit pays alaouite: le plateau de Daphne; o capítulo The
Plateau of Daphne, de Donald Wilber (1938), que integra os relatórios de
escavação das campanhas realizadas em Antioquia e suas vizinhanças; o
artigo Daphne of Antioch, de William Francis Ainsworth (1844); um breve
verbete no Oxford Classical Dictionary intitulado Daphne, a park near Antioch,
de Arnold Hugh Martin Jones e Antony Spawforth (1946); outro verbete
intitulado Daphne-by-Antioch, de Anna Collar e Oliver Nicholson (2018),
em The Oxford Dictionary of Late Antiquity. Excetuando essas publicações que
tratam, especificamente de Dafne, as referências ao subúrbio são incluídas
sempre em obras que tratam da cidade de Antioquia de Orontes.
2
N.T.: As expressões mencionadas em texto podem ser traduzidas,
respectivamente, por: “Dafne, próxima a Antioquia” (Flávio Josefo);
“subúrbio” (Dio Cássio) e “subúrbio de Antioquia” (Amiano Marcelino).
3
Esta comissão congregava representantes do Musées Nationaux de
France (Louvre), o Baltimore Museum of Art e o Worcester Art Museum,
Princeton University e, nas campanhas de escavações de 1936, se junta
a essa delegação, os representantes do Fogg Art Museum da Harvard
University e sua filiada a Dumbarton Oaks (KONDOLEON, 2000).
4
“Há uma ambiguidade no nome de Antioquia”, assim declara Liebeschuetz
(1972, p. 40), ao discorrer sobre o território que pertence à jurisdição
administrativa antioquena.
5
Há também um hipódromo na cidade nova, na asty, de Antioquia,
localizada na ilha.
6
A presença de um theatron nem sempre significava, automaticamente,
que o espaço poderia ser destinado à realização de espetáculos como
compreendermos ser as performances teatrais. As escavações em Magnésia
de Meandro, lideradas por Orhan Bingol, revelaram a presença de um espaço
de audiência, mas não foi encontrado nenhum vestígio da existência de
uma skêne (YEGÜL, 2007, p. 581; BINGOL, 2005). De fato, como podemos
compreender do caso do theatron, em Magnésia de Meandro, este não era
um espaço de espetáculos, mas um “lugar onde se podia contemplar a vista”
(YEGÜL, 2007, p. 582; BINGOL, 2005), embora esse não seja o caso em
Dafne que se constituiu de um teatro próprio com performances teatrais.
Acrescentamos apenas que as nascentes de águas de Dafne possam também
constituir-se de um espetáculo adicional no amplo espectro de performances.
O templo de Apolo
7
Libânio (Or. XI) e João Crisóstomo (Hom. In Bab.) produzem orações sobre
As águas proféticas
Considerações finais
Referências
Documentação textual
Documentação iconográfica
Documentação arqueológica
Obras de apoio
Introdução
N
uma rápida consulta ao acervo de bibliotecas
acadêmicas nacionais, ao buscarmos verbetes como
“Constantinopla” ou “Bizâncio”, nos deparamos com
resultados numéricos significativos, o que, à primeira vista,
sugere um grande interesse historiográfico sobre essa cidade.
Todavia, a situação muda um pouco ao nos debruçarmos sobre
o material encontrado, pois a maioria das obras que contêm
os termos buscados apresenta títulos compostos por “Império
Bizantino”, “Sociedade Bizantina” ou “Civilização Bizantina”, o
que não é problema algum, exceto pelo fato de que tais obras
praticamente ignoram a criação da cidade grega de Bizâncio e
seus primeiros séculos de existência.
É deveras curioso pensar que as “origens” da cidade são
esquecidas nesses manuais. Seria uma superação do temido “mito
das origens”? Antes fosse. Pois a própria refundação e consolidação
da cidade como Constantinopla, nos séculos IV e V, sofre com a
escassez de estudos a seu respeito. É claro, menções são feitas
à empreitada de Constantino rumo ao Oriente, mas de forma
*
O presente capítulo foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de
Financiamento 001.
2
Grafado em grego como Βυζάντιον e em latim como Byzantium. A etimologia
do termo não é precisa, a hipótese mais plausível é que o nome da cidade
esteja relacionado com a lenda do rei de Mégara, Bizas, filho de Netuno
(RAYMOND, 1964, p. 10).
3
Na mitologia grega, Keroessa (Κερόεσσα) era descrita como mãe de Bizas,
filha de Zeus e Io, e irmã de Épafo (Nono, Dionysiaca, XXXII, 70; Procópio,
De aedificiis, I, 5, 1).
4
Plínio (Nat. His., IX, 1), em seu trabalho, relata a abundância de peixes
nas águas que banhavam Bizâncio, especialmente do tipo pelamis. Devido
às riquezas provenientes da pesca, o porto de Bizâncio foi chamado de “O
corno de ouro”.
5
Para informações detalhadas sobre a política de Constâncio II, consultar
a obra Reis, santos e feiticeiros: Constâncio II e os fundamentos místicos da basileia
(337-361), de autoria de Gilvan Ventura da Silva (2003a).
6
Há uma discussão a respeito do uso do termo “Nova Roma”. Para alguns
autores, Constantino não teria chamado Constantinopla dessa forma, mas,
9
Em grego Μέγα Παλάτιον, e em latim Palatium Magnum.
10
As termas foram assim batizadas devido ao fato de terem sido construídas
sobre um antigo templo de Júpiter (Zeus) (GILLES, 1998, p. 70).
Fonte: Reconstrução feita por Jonathan Bardill, entre 2008 e 2010, para a
exposição “Hippodrome and Atmeydani: a stage for Istanbul’s history”,
em 2010. Imagem pertencente ao acervo byzantium1200.com
11
Em grego Χρυσεία Πύλη (Chryseia Pylē), e em latim Porta Aurea.
12
Pilone, no Antigo Egito, era um grande pórtico dos templos, em forma de
pirâmide truncada, que ladeava a entrada.
13
Em português, ventenália, significa literalmente “20 anos no trono”.
14
Os anfiteatros possuíam forma elíptica, com um eixo central, a qual era
chamada de spina.
15
Uma publicação sobre o Obelisco de Teodósio está sendo desenvolvida pelo
autor. Devido ao limite de páginas, restringimo-nos a fazer uma breve menção
ao monumento, mas ressaltamos sua forte relação com o culto imperial.
16
O martyrium, traduzido como “martírio”, pode ser definido como uma
estrutura construída em um local que professa testemunho da fé cristã,
tanto por referência à vida de Jesus, quanto por abrigar o túmulo de um
mártir (KRAUTHEIMER, 1986, p. 518). Apesar de não terem um padrão
arquitetônico, os martyria foram muito difundidos no século IV, o que gerou
a diversidade de formas e modelos (YASIN, 2012, p. 251). Contudo, ao redor
por isso recebeu tal designação (JANIN, 1953, p. 471). Por meio
de Sócrates (Hist. Eccl., II, 16) sabemos que a Magna Ecclesia foi
construída durante o governo Constâncio II, por um período de
quase 15 anos, de 346 até a inauguração em 360, no momento
em que o ariano Eudóxio de Antioquia ocupava o cargo
episcopal. Não obstante a questão da fundação, o edifício foi
arquitetonicamente projetado no estilo de uma basílica romana
colunada, com galerias, teto de madeira e átrio, de modo a ser
exuberante e resistente (JANIN, 1953, p. 472). É nessa igreja
que, inclusive, João Crisóstomo atuou e foi consagrado como um
dos mais notáveis bispos de Constantinopla. Por coincidência, é
justamente devido ao tumulto causado após a proclamação do
Sínodo do Carvalho, a destituição de João do cargo episcopal e
o exílio deste, que a Magna Ecclesia foi quase que inteiramente
consumida pelas chamas (Zósimo, Historia Nova, V, 24).
Aliada à ascensão de Constantinopla e à condição de capital
do Império no Oriente, um elemento fundamental para fortalecer o
status da cidade foi, como vimos, sua promoção à condição de uma
digna capital religiosa, sobretudo cristã. Esse processo, segundo
Ramón Teja (1999, p. 11), foi acelerado quando, em 380, Teodósio
conseguiu resolver o problema da insegurança nas fronteiras e
transferiu-se de Tessalônica para Constantinopla. Segundo alguns
autores, como Rosemary Radford Ruether (1969, p. 45) e o próprio
Teja (1999, p. 11), o imperador buscava impor a ortodoxia nicena,
já fortemente estabelecida no Ocidente e no Egito, mas que ainda
era motivo de disputa no Oriente – como pode ser bem observado
no confronto entre arianos e nicenos –,17 tese questionada por
Helena Amália Papa (2016, p. 14), que enxerga o favorecimento
17
Para mais informações a respeito do conflito entre arianos e nicenos, cf.
Papa (2014). As análises de Ventura da Silva (2003a) sobre o governo de
Constâncio II e os efeitos de política imperial sobre os distintos grupos
cristãos são também fundamentais para compreender este conflito.
[...] a natureza não nos deu dois sóis, mas duas Romas, que
iluminam todo o universo: uma, poderosa há muito tempo, a
outra, há pouco; diferem apenas no fato de uma brilhar no Oriente
e outra no Ocidente, mas em ambas a beleza compete com a beleza
(Greg. Naz., Carmina de vita sua, 562-567).
Considere agora o belo raciocínio que eles ofereceram: era
necessário, segundo eles, que a situação da Igreja se adaptasse
ao modelo solar e que a autoridade viesse da terra de onde Deus
nos foi apresentado em seu corpo revestido de carne. E então?
Considerações finais
Referências
Documentação textual
Documentação numismática
Obras de apoio
Palavras iniciais
J
oão Crisóstomo, um dos mais renomados oradores em
língua grega da Antiguidade, ao se dirigir à audiência que
se reunia, em Antioquia, para ouvi-lo pregar, costumava
dispensar uma atenção especial à maneira como os cristãos
lidavam com os respectivos corpos no recinto da igreja, tida
como escola espiritual e prefiguração da morada celeste,
estabelecendo assim uma polarização entre comportamentos
adequados à igreja e aqueles que tinham como cenário os
ambientes abertos da cidade, suas ruas, avenidas e praças,
o que o leva a censurar os fiéis que aproveitavam o encontro
proporcionado pelos ofícios religiosos para se exibir de modo
impróprio, rindo, gracejando e entabulando uma animada
conversação, como se estivessem circulando livremente pelas
ágoras de Antioquia,1 assunto que tivemos a oportunidade de
1
Antioquia contava com pelo menos duas ágoras. A mais antiga, que
remontava à época de fundação da cidade por Seleuco Nikátor, em 300 a.C.,
ficava às margens do Orontes. A segunda, localizada no bairro denominado
Epifânia, teria sido construída por Antíoco IV Epifânio (175-164 a.C.). Essa
segunda ágora é certamente aquela mencionada pelos autores da época
tardia, dentre os quais Amiano Marcelino, João Crisóstomo, Libânio e João
Malalas. A ágora de Epifânia abrigava o bouleuterion, a sede do conselho
3
Para maiores informações sobre a tradição literária latina de censura
à multidão, incluindo as camadas inferiores da sociedade e aqueles que
exerciam ofícios declarados infames, como os gladiadores, as atrizes e as
prostituas, consultar Edwards (1993).
4
Certamente sob inspiração dos estudos de Liebeschuetz, Ward-Perkins
lança, em 2006, The fall of Rome and the end of civilization, obra na qual retoma
o debate acerca da ruína da cidade antiga, mas agora valendo-se de dados
provenientes, em sua maioria, do acervo arqueológico. Assim como no
caso de Liebeschuetz, as conclusões de Ward-Perkins provocaram diversas
reações nos meios acadêmicos, contribuindo para reacender um debate que
se encontrava então um tanto ou quanto esvaziado.
5
O controle das finanças públicas por agentes especiais (curatores)
nomeados pela administração central é um acontecimento que remonta ao
governo de Trajano, mas que será institucionalizado pelos juristas da corte
severiana ao legislarem no sentido de colocar as cidades sob tutela jurídica,
prescrevendo, em termos legais, os encargos (munera) dos integrantes das
cúrias urbanas e dos titulares dos honores (ALFOLDY, 1989, p. 184-5).
6
Da segunda metade do século IV em diante, as liturgias, em Antioquia,
deixam pouco a pouco de ser cumpridas pelo conselho local, sendo a tarefa
assumida pelos honorati, personagens de destaque no contexto urbano
que assumem as responsabilidades pela subvenção dos edifícios, pela
manutenção das termas e pelo patrocínio dos festivais, das performances
teatrais e dos ludi, incluindo os Jogos Olímpicos, bastante apreciados na
cidade (NATALI, 1975, p. 52).
7
“Cristianização” é uma palavra de origem inglesa. Surgida em fins do
século XVIII, Christianisation passa formalmente a integrar o léxico quando
da edição do dicionário inglês de 1833. Em 1843, o vocábulo recebe uma
definição francesa, sendo logo depois absorvido pelos alemães, italianos
e espanhóis. O seu sentido é duplo e dá margem a ambiguidades, pois
cristianização designa ao mesmo tempo o “ato de se tornar cristão” e “o
fato de ter se tornado cristão”, ou seja, o processo e o resultado do processo
(INGLEBERT, 2010, p. 9).
8
Temos conhecimento de casos nos quais, a contrapelo do discurso
eclesiástico “oficial” que condenava os gastos com as formas de lazer
próprias da cidade, os bispos faziam instalar, nas residências episcopais,
termas cujo uso era compartilhado com os demais integrantes do clero,
ao mesmo tempo que se estabeleciam em moradias amplas não muito
distintas daquelas ocupadas pelos funcionários imperiais e membros da
elite local, o que nos permite constatar a inserção inequívoca da Igreja nas
estruturas urbanas preexistentes (RAPP, 2005, p. 210).
9
Infelizmente, os arqueólogos que participaram da temporada de escavações
em Antioquia entre 1932 e 1939 não tiveram sucesso em localizar as
fundações da Domus Aurea de Constantino e Constâncio, também mencionada,
nas fontes, como Igreja Octogonal, Igreja Nova, Igreja da Penitência e Igreja
da Concórdia, mas conhecemos o perfil do edifício pela descrição fornecida
por Eusébio, em sua Vita Constantini. Antigamente, supunha-se que a igreja
estaria localizada próximo ao palácio imperial, na ilha formada pelo Orontes,
o que foi refutado, em 1972, por Friedrich Deichmann. Para mais detalhes
sobre o assunto, consultar Kleinbauer (2006).
10
Para um relato mais detalhado do episódio da usurpação de Magnêncio
e o status de Galo como César de Constâncio II, consultar Silva (2003). A
respeito da atuação de Galo César em Antioquia, consultar Silva (2019).
Considerações finais
Referências
Documentação textual
Obras de apoio
Francisco Andrade
Luís Fontes
Introdução
O
conhecimento que dispomos da origem e evolução
da cidade de Braga, antiga Bracara Augusta, tem vindo
a beneficiar dos resultados dos inúmeros trabalhos
efetuados no âmbito do estudo arqueológico da cidade (Antigo
Salvamento de Bracara Augusta) (MARTINS; LEMOS, 1997-
1998; MARTINS; FONTES, 2009; MARTINS; FONTES,
2010; FONTES, 2015; 2017; FONTES et al., 2010; FONTES;
ANDRADE, 2018; MARTINS et al., 2016).
Pese o acréscimo de conhecimento acerca da cidade tardo
antiga em diversas componentes do seu urbanismo, conhecem-
se poucas evidências arqueológicas resultantes de escavações da
cidade tardo antiga que se possam relacionar diretamente com
edifícios de culto, sendo uma notável exceção os dados recolhidos
na escavação da catedral (FONTES; LEMOS; CRUZ, 1997-1998).
Assim sendo, dado que as fontes são qualitativamente
distintas, procurar-se-á dentro do possível harmonizar a análise,
dando maior destaque, em alguns casos, às materialidades,
havendo, em outros, uma necessidade de recorrer mais a fontes
escritas, dependendo dos dados que dispomos para o estudo.
Considerações finais
Referências