Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PATRÍCIA LÂNES1
LILIAN GOMES2
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O lm Sementes - Mulheres pretas no poder3 sgu d prto as mpritadas
da campanha políica d sis mulhrs ngras candidatas nas liçõs d
2018. O argumnto do documntário é qu as liçõs d 2018 foram palco
d um “lvant”, conduzido por mulhrs ngras, m rsposta à xcução da
vradora Marill Franco, no Rio d Janiro. Nssa dirção, um objto qu
paricipa aivamnt da cna d poss das candidatas litas como dputadas
fdrais staduais é uma placa rtangular, m azul branco, indicando o
nom d uma rua, um formato trivial m placas d sinalização prsnts nas
squinas do Rio d Janiro. O contúdo txtual do objto, ntrtanto, xpõ
su carátr mmorial:
142
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
143
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
pnsadas como “vntos críicos”, nos trmos propostos por DAS (1995 apud
GAMA, 2012), qu dão snido aos trabalhos d mmória mprndidos.
O sgundo movimnto d anális proposto toma o fato d qu as disputas
m torno da mmória, nos casos m qustão, acontcram m torno d um
msmo objto: a placa d rua. Por mio dla, a rua o bco são rnomados,
como srá visto, a suprssão das msmas rcoloca o dbat público m
torno do dirito à mmória (MEDEIROS, 2018) qu insitui, m cada uma das
situaçõs, fitos difrnts qu podm sr comprndidos também a parir
da trajtória dos objtos, no caso, as placas qu, ao longo d sus prcursos,
podm sr pnsadas a parir dos múliplos usos snidos qu adquirm.
Os dois vntos brvmnt narrados a sguir não são, assim, tomados
como totalidads, mas nquadrados considrando os caminhos analíicos
nunciados.
DOIS ASSASSINATOS
Eduardo d Jsus inha 10 anos quando foi assassinado na porta d sua
casa, m abril d 2016, pla polícia. Era véspra d friado l aguardava a
irmã. Sua mã stava dntro d casa. Eduardo família viviam no Complxo
do Almão, conjunto d favlas (rconhcido formalmnt como bairro
dsd 1993) situado na zona nort do Rio d Janiro. A comoção d sua
família, vizinhos difrnts açõs colivas locais (TILLY, 1978) fz com qu
o corpo do mnino não foss rmovido do local. A mobilização grada por sua
mort os muitos invsimntos ralizados por familiars, vizinhos uma
ampla rd d solidaridad local (incluindo pssoas ligadas a organizaçõs
colivos) tnsionaram o procsso d criminalização d Eduardo nas rds
sociais4 foram fundamntais para qu todo o procsso d rmoção do
corpo foss acompanhado por um grand númro d pssoas. A rirada
foi, inclusiv, rgistrada por um fotógrafo, intgrant d um dos colivos
locais d comunicação diritos humanos, a pdido do pai d Eduardo, a
m d garanir uma prícia justa qu comprovass as condiçõs da mort
a invsigação d sus rsponsávis (SOUZA, 2017).
O assassinato d uma criança m uma favla gra não só criminalização,
mas também rvolta, o caso do assassinato d Eduardo pla polícia não foi
difrnt. Houv manifstaçõs variadas nas horas nos dias qu sucdram
sua mort dntro do Complxo do Almão, incluindo uma grand caminhada
144
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
5 Vrso do funk “Quilombo, favla rua” (2012), d Mano Tko Pingo do Rap.
145
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
***
146
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
MUITAS PLACAS
A brv dscrição d algumas das circunstâncias dos assassinatos do
mnino Eduardo d Jsus da vradora Marill Franco, ambos pssoas
ngras moradoras d favlas do Rio d Janiro, d suas rprcussõs é
important para a comprnsão d como as placas d rua foram mobilizadas
na busca pla construção da mmória dssas pssoas na rlação com o
spaço urbano. D acordo com Halbwachs (1997), a mmória é um fnômno
colivo social sujito a transformaçõs, oscilaçõs variaçõs contínuas.
Como objto d disputa ntr difrnts ators, é produzida a parir d
trabalho d nquadramnto qu rqur invsimnto.
Nos casos analisados, tratamos do trabalho colivo m torno da
construção da mmória, qu s dá no plo prsnt, tndo m vista
disputas m rlação ao passado, aqui consolidado sob forma do stado d
147
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
Do lado esquerdo, está Dona Therezinha com sua neta no colo ao lado da
homenagem que zemos ao seu lho Eduardo de Jesus, assassinado aos 10 anos de
idade por um policial do Choque que atirou na cabeça do menino quando este estava
na escada de sua casa brincando com o celular.
Fizemos essa placa para homenagear um menino, que assim como tantos outros,
usa o beco como local de aprendizado e brincadeiras, já que as ruas e praças estão
cheias de nomes de “soldado isso”, “marechal aquilo”, a avela utiliza o abandono do
Estado para nomear seus próprios becos.
Do lado direito, é uma foto tirada no dia de ontem (10 de agosto de 2018) no mesmo
local quando fazíamos um rolé com a Defensoria pública pelo complexo do alemão
e Dona Therezinha nos pediu para voltar ao lugar. Voltamos e descobrimos que
a placa que disputava a memória da criança foi retirada por policiais. Os vizinhos
nos conrmaram e engolimos mais esta violência do Estado: ter negado o direito de
memória e disputa do imaginário popular e nomeação dos espaços públicos.
Recentemente o prefeito Crivella fez algo parecido na Maré, onde trocou do dia
pra noite, o nome de dezenas de ruas para nomes bíblicos. Nomes que as pessoas
estavam acostumadas a se referenciar, do nada, mudava sua lógica.
148
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
O prefeito não fez isso à toa. Ele sabe que espaços públicos são uma forma de criar
imaginários e construir memórias coletivas. Por isso, o Rio de Janeiro está cheio de
Estátuas de poderosos em praças com nomes que lembram os poderosos.
149
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
Fonte: ruamariellefranco.com.br
150
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
151
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
152
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
7 https://poca.globo.com/um-ano-apos-assassinato-d-marill-placas-s-tornam-simbolo-
m-protstos-23523249
8 https://blogs.oglobo.globo.com/marina-caruso/post/dputadas-criam-o-corrdor-marill-
franco-na-camara.html
9 O qusionamnto da prmanência d státuas d oprssors no spaço público rcntmnt
ganhou grand rprcussão ao sr incluído na stira d rivindicaçõs ani racistas qu viram
à tona após a mort violnta, plas mãos d um policial branco, do stadunidns Gorg Floyd.
A drrubada da státua d um tracant d scravos na cidad inglsa d Bristol pautou uma
séri d discussõs sobr a possívl xclusão d outros símbolos do passado colonial spalhados
plo mundo.
153
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
REFERÊNCIAS
ANISTIA INTERNACIONAL. Você matou meu lho: Homicídios comeidos pela Polícia Militar
no Rio de Janeiro. Rio d Janiro: Anisia Intrnacional, 2015.
DAS, Vna. POOLE, Dborah. El stado y sus márgns. Etnografías comparadas. Cuadernos
de Antropología Social, n. 27, UBA/ Bunos Airs, 2008.
FORTUNA, Maria. Dputadas criam o ‘corrdor Marill Franco’ na Câmara. In: Coluna Marina
Caruso, Jornal O Globo, 5 d fvriro d 2019. Disponívl m https://blogs.oglobo.globo.com/
marina-caruso/post/dputadas-criam-o-corrdor-marill-franco-na-camara.html
FRANÇA, João Paulo. Rua Marill Franco: lutas simbolismo acrca do ato d nomação
rnomação d spaços públicos. Anais... 30º Simpósio Nacional d História - ANPUH, Rcif,
2019.
GOMES, Lilian Alvs. A peregrinação das coisas - trajtórias d imagns d santos, x-votos
outros objtos d dvoção. Ts (Doutorado m Antropologia Social), MN/UFRJ, Rio d Janiro,
2017.
KOPYTOFF, Igor. A Biograa Cultural das Coisas: A mrcanilização como procsso. In:
APPADURAI, Arjun. A Vida Social das Coisas. Nitrói: EdUFF, 2008. p. 89-121.
LÂNES, Patrícia. Plo dirito d sr víima: narraivas, moralidads mobilização virtual m
torno do assassinato d uma criança no Complxo do Almão. In: LEITE, Marcia. ROCHA, Lia.
FARIAS, Juliana. CARVALHO, Moniqu. (Orgs.) Militarização no Rio de Janeiro: da pacicação
à intrvnção. Rio d Janiro: Mórula, 2018.
OLIVEIRA, Éthl. MARIANO, Júlia. Sementes – Mulheres Pretas no Poder. Brasil, 2020, 105 min.
POLLAK, Michal. Mmória idnidad social. Estudos Históricos, Rio d Janiro, v. 5, n. 10,
1992, p. 200-212.
154
MEMÓRIA COLETIVA: ENTRE LUGARES, CONFLITOS E VIRTUALIDADE
SOUZA, Patrícia Lâns Araújo d. Entre becos e ONGs: tnograa sobr ngajamnto militant,
favla juvntud. Ts (Doutorado m Antropologia), PPGA/ICHF/UFF, Nitrói, 2017.
TAUSSIG, Michal. Defacement: Public Secrecy and the Labor of the Negaive. Stanford:
Stanford Univrsity Prss, 1999.
VALLE, Arthur. “Afro-Brazilian Rligions, Visual Cultur and Iconoclasm”. In: IKON, v. 11, 2018.
Fonte eletrônica
155