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Violência Urbana: Breves Considerações Sobre a Cidade de Londrina

Márcia Siqueira de Carvalho

Departamento de Geociências - UEL

Temática: A Cidade e o Urbano: história, conflitos e gestão.


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Violência Urbana: Breves Considerações Sobre a Cidade de Londrina

Resumo

A despeito da visível melhoria de condições de renda dos primeiros beneficiados


nos vários conjuntos habitacionais na região Norte da cidade a partir da metade da
década de 1970, a cidade ainda tem cerca de 10% da sua população residindo em
áreas de assentamentos e favelas. Esse sintoma pode ser considerado como uma
parte da violência urbana. Porém se analisarmos o aumento do número de mortes
entre jovens do sexo masculino – variável que comumente traduz a forma mais
estrema da violência, devemos incluir a inserção da cidade na rede de atividades
ilícitas, em especial o tráfico de drogas, também uma referência importante no
estudo da violência urbana, em especial da criminalidade urbana. Londrina, uma
cidade média em termos de população e de funções urbanas mostra-se ideal como
campo de trabalho e de reflexões a respeito do assunto

Palavras chaves: Londrina, Violência Urbana, homicídios.

Introdução

Tornou-se comum a expressão da violência urbana através do número de óbitos por


faixas etárias, sua relação por mil habitantes ou de número de anos potenciais de
vidas perdidas. Nesse contexto, a relação entre violência, criminalidade e condições
econômicas tem sido dominante nas análises acerca do tema, cuja configuração
espacial tem se baseado na “cidade partida”, na reprodução da desigualdade ao
acesso ao trabalho formal, moradia, saúde, entre outros (Maricato, 1995).
Observamos que há, pelo menos, duas estruturas que analisam a violência urbana e
suas causas: a primeira que insere a violência no contexto do território da cidade,
abordando as diferenças reveladas por índices (como o IDH), as desigualdades
como sua impulsionadora, a apropriação de novos espaços através de condomínios
fechados em contraposição às ocupações de espaços na maioria públicos e de
preservação ambiental por favelados. Note-se que se estabeleceu a priori que a
pobreza versus a riqueza, ou seja, a desigualdade entre os que têm muito e os que
têm muito pouco ou nada, é a principal explicação da violência urbana (MISSE, 1995
e 2007). Sociólogos e parte dos geógrafos adotam essa relação para explicá-la, mas
não todos.

Adotamos o conceito de violência quando


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em uma situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta


ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou a mais pessoas
em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade
moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais.
(Michaud, 1989 apud WAISELFISZ, 2007, p. 13)

Entretanto, nem toda a violência leva à morte, mas esta revela o grau mais extremo
que ela chegou, e de acordo com a sua quantidade pode revelar-se um problema
epidêmico. Especificamente, a violência urbana que envolve as condições de
existência de determinada população e que não deve ser considerada de modo
separado, a não ser como recurso para ampliá-la no processo de levantamento de
dados, sua análise e espacialização. Nesse sentido, os dados e as pesquisas
desenvolvidas por profissionais da Saúde Pública (MINAYO, 2007) permitem uma
espacialização da informação – os óbitos por causas externas - numa escala
intraurbana das Unidades Básicas de Saúde. Eles são um ponto de partida para a
identificação do total desse tipo de morte, sua distribuição por faixas etárias e
demandam informações em outras fontes. Os microdados do IBGE, numa outra
divisão espacial, possibilitam também informações por setores nas cidades. Outros
dados referentes aos detalhes em Boletins de Ocorrência registrados em delegacias
ou atestados de óbitos1 após autópsias em IMLs são também fontes importantes. A
análise desses dados permite uma aproximação à questão, pois até que ponto
determinado aspecto da violência urbana pode ser associado a este ou aquele fator
e de qual escala espacial estamos tratando?

A estrutura explicativa nos leva à questão: as mortes violentas de jovens podem ser
consideradas como o resultado da pobreza e de fluxos migratório? Em pesquisa2
realizada envolvendo dados entre 1981 a 1989 para os estados brasileiros a relação
direta entre pobreza e violência não se confirmou (ZALUAR; NORONHA;
ALBUQUERQUE, 2007). No estado mais violento – o Rio de Janeiro – os crimes
contra a pessoa tiveram um aumento (duplicaram) antes de 1988, ano em que a
proporção de pobres iniciou um aumento. Roraima e Rondônia, estados tão
violentos quanto o Rio de Janeiro, se caracterizaram pela existência de frentes de
expansão, garimpo e tráfico de drogas. As duas primeiras são atividades que
ocorrem quando a estrutura fundiária ainda não se estabilizou e a grilagem é a forma
mais freqüente de apropriação privada da terra, resultando em conflitos e mortes. E
delas não podemos desconsiderar o espaço rural onde as disputas acontecem e que
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se refletem sob a forma de mortes nas cidades. A violência na cidade carioca foi
analisada sob outros fatores. O processo de invasões de terrenos públicos que
beneficiaram grileiros e cabos eleitorais tornou tensas as relações sociais nesses
novos bairros. A ocupação das calçadas por camelôs “misturou uma saída para o
desemprego com o crime organizado, este ainda mais patente nos ferros-velhos e
ourivesarias, que viraram centros de receptação e de organização do crime”
(ZALUAR; NORONHA; ALBUQUERQUE, 2007, p. 215).

Quanto à migração há duas questões que devem ser analisadas. Entre 1980 a 1986
estima-se que 1,5 milhões de agricultores deixaram o estado do Paraná, com
destino principalmente para Rondônia. Curitiba pode ter recebido um milhão de
migrantes, mas não apresentou taxas elevadas de homicídios, o contrário de
Rondônia. Pode ser que o crescimento populacional nas sedes municipais de
municípios do entorno de Curitiba expliquem esse quadro. Mas devemos buscar
outras configurações de circunstâncias que tornam uma cidade mais violenta, como
as relações entre o tipo de emprego informal e o contrabando, o tráfico e o consumo
de drogas, criação de territórios ilegais, a corrupção policial, a facilidade na
aquisição de armas e roubo de carros.

Outras questões se destacam quanto ao problema, considerando que entre 1994 e


2004 houve alteração de posições em relação à taxa de homicídios por população
total em vários estados da federação. Haveria diferença entre os fatores para as
escalas de um estado, uma região metropolitana, cidade grande, uma cidade média
e uma cidade pequena? Seria a variável morte violenta (e nela os homicídios) a mais
representativa para a caracterização da violência urbana? Caso escolhêssemos as
mortes por acidentes de trânsito o conjunto de relações explicativas de muitos
trabalhos daria conta dessa análise? Caberia aos geógrafos uma análise específica
– o território formado por relações específicas – como o controle de determinadas
áreas urbanas e respectivas relações de poder?

Desenvolvimento

O trabalho mais recente a respeito da violência urbana em escala municipal


destacou a interiorização da violência, com a reprodução do ambiente violento das
grandes metrópoles: o incremento das taxas de mortalidade por acidentes de
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trânsito, homicídios e uso de armas de fogo (WAISELFISZ, 2007). Essa inversão já


havia sido observada desde 2004, se reforçou em 2006:

até 1999, os pólos dinâmicos da violência localizavam-se nas grandes


capitais e regiões metropolitanas, a partir dessa data, observou-se certa
estagnação nessas áreas e o deslocamento da dinâmica para o interior dos
Estados, cuja violência continuava crescendo a um ritmo maior que o
anterior (WAISELFISZ, 2007, 8)

As principais características da violência que mata não se alteraram. As taxas de


homicídio nos revelam que são geralmente jovens do sexo masculino, com idade
entre 15 e 24 anos, concentradas entre 20 e 24 anos, mas com ritmo crescente na
faixa de minoridade – 14 aos 17 anos, aos finais de semana, majoritariamente
negros, exceto no Acre, Tocantins e Paraná (WAISELFISZ, 2007, p.23-24)

Numa primeira aproximação ao problema da violência urbana numa cidade média


como Londrina, devemos, de antemão, estabelecer qual o fator que adotamos para
avaliar o grau de violência urbana: mortes violentas, em especial entre jovens do
sexo masculino. Em 2002, Londrina acompanhou a tendência brasileira no que diz
respeito às causas de mortes: doenças do aparelho circulatório (32,9%); neoplasias
(19,1%) e causas externas (12,6%). Entre essas, próximo da metade (44%)
ocorreram por agressões, seguidas de acidentes de transporte (28,6%). Entre 1994
e 2000, os acidentes de transportes eram o principal responsável por mortes de
causas externas, seguidas dos homicídios. A readequação viária, contratação e
capacitação de agentes de trânsito e melhoria do atendimento no local do acidente
(SIATE), permitiram que o número de mortes ficasse estável após uma queda.
Entretanto, os homicídios em 2001 haviam subido de 16,10 para 26,82 para cada
grupo de 1000.000 habitantes. Anteriormente, entre 1994 e 1995, houve um
aumento, seguido de uma queda até o ano de 2000. A partir de então se observou
uma curva ascendente: em números absolutos, 73 em 2000, 125 em 2001 e 164 em
2002. As vítimas eram majoritariamente do sexo masculino, 1/3 das mortes ocorreu
entre as 20:00 e 24:00 horas, concentrando-se nos finais de semana. Em todos os
anos analisados as vítimas que tinham entre 18 e 24 anos ficaram em torno de 35%.
O tipo de arma utilizado em todos os homicídios predominou a arma de fogo (69%)3
(ZEQUIM, 2004).
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A localização dessas mortes entre 2000 e 2002 revelou uma estreita relação entre
ocupações irregulares – favelas e assentamento - a partir do local de residência e o
local do óbito. Em 2001, a zona Oeste da cidade que abarca o Assentamento João
Turquino, Maracanã e seu entorno (extremo oeste), e Jardim Nossa Senhora da Paz
(também conhecido com Grilo da Caixa Econômica ou Favela da Bratac) apresentou
uma taxa de 43,99 homicídios em cada grupo de 100.000 habitantes. Em 2002,
Londrina registrou um alarmante aumento nos assassinatos de 125 para 164
ocorrências registradas no município, correspondendo ao incremento da taxa de
homicídios de 29,14 para 37,34 por 100.000 habitantes. Isso se deveu às mortes
registradas na região Leste (Favela São Rafael, Assentamentos Santa Fé e Monte
Cristo e ocupações no fundo de vale do Córrego Água das Pedras) e na região
Oeste, respectivamente com 54,22 e 53,19 mortes por 100.000 habitantes (ZEQUIM,
2004).

Num momento seguinte e na escala espacial de análise municipal há dados que


mantêm o aspecto crescente da violência. Entre 2002 e 2004 ele sempre presente
entre os 10% dos municípios mais violentos que concentraram 71,8% dos
homicídios ocorridos em 2004 no Brasil. Londrina estava em 292º lugar entre os
10% dos municípios de maiores taxas médias de homicídios, com 39,5. Na
classificação de homicídios juvenis, o município se classificou em 113 º lugar, com
102,7 mortes por 100.000 habitantes. Embora menosprezados nas análises de
violência urbana, os óbitos causados por acidentes de transporte deixaram a cidade
num preocupante 28º lugar no cenário nacional, com a média de 131 mortes entre
2002 e 2004. Nas mortes causadas por armas de fogo, no mesmo período, ela
ocupou o 198 º lugar, com 35,1 mortes. O que pode ser associado à cidade, levando
em conta que o índice de urbanização do município é extremamente alto (96,94%
da população total está em áreas urbanas e 95,9% na sede).

Nos dados analisados entre 2000 e 2002, o perfil das vítimas apontou para jovens,
na maioria desempregados, em que pese a escassa informação a este respeito nos
dados consultados. Pouco mais da metade mortos não distante 500 metros de sua
residência (ZEQUIM, 2004).

Devemos considerar determinados fatos que podem auxiliar para entendermos o


aumento dessas mortes. Uma delas é a transformação do município de ponto de
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passagem em também local de processamento de drogas (refino de cocaína), com a


prisão de pessoas em áreas rurais. Outra, não menos importante, é a ampliação de
consumo de crack por jovens transformados em vendedores e assassinados em
função de dívidas. Um levantamento junto aos menores infratores revela também
uma associação muito forte entre a ação de atos ilícitos e o consumo de drogas,
sendo que são esses jovens que compõem o quadro dos assassinados na cidade
(LINHARES, 2007).

Semelhante ao que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, as calçadas do Centro e


na via principal da Zona Norte (Av. Saul Elkind) foram em parte apropriadas pelos
camelôs, privatizando o uso de um espaço público para a venda de mercadorias
contrabandeadas ou pirateadas. Apesar da migração forçada do Camelódromo para
um prédio alugado pela Prefeitura e da abertura de outras galerias “de comércio
popular”, os produtos continuam sendo os mesmos. Isso revela uma forte atuação
de contrabandistas distribuidores de mercadorias trazidas de Ciudad del Este no
Paraguai, além de cigarros e possivelmente drogas. Se de um lado as calçadas
ficaram livres dos ambulantes (que não ambulavam), os prédios centrais passaram
por uma valorização dos alugueres em função do aumento da procura por galerias.
Dados sobre o trabalho informal são difíceis de serem conseguidos. Mas as
estimativas provavelmente poderão ser um dado importante, assim como o tipo de
mercadoria vendida e as relações estabelecidas entre o espaço público apropriado
por essa atividade na cidade na reunião de fatores que descrevem os laços entre o
ilícito e a violência urbana. Nesse caso não é o trabalho em si, mas as relações de
poder que vão desde a apropriação do espaço público à origem da mercadoria
vendida, de relações de subordinação, relações de trabalho não legalizadas e redes
de contrabando.

Devemos também considerar os laços políticos tão característicos à cidade e ao


acesso à moradia. Por três vezes (1976, 1988 e 1996 ) a Prefeitura foi ocupada por
um representante de um populismo cruel que ao mesmo tempo incentivou a
ocupação de áreas públicas por favelas, construiu conjuntos residenciais de
moradias populares afastados do centro sem a infra-estrutura necessária. A cada
eleição a promessa feita era de estender as melhorias como asfalto nas ruas, o que
possibilitava a entrada de ônibus, construção de escolas, creches, praças, etc. Ao
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mesmo tempo, insinuava que o acesso à moradia seria mais fácil de ser adquirida
na cidade, criando uma “indústria” de ocupações irregulares através de cabos
eleitorais, atividade incrementada às vésperas das eleições municipais. A conjuntura
favorável de construção de moradias populares para a população favelada na
metade da década de 1970 foi não só motivo para as reeleições desse prefeito como
para a criação de “currais eleitorais”. A despeito da visível melhoria de condições de
renda dos primeiros beneficiados nos vários conjuntos habitacionais na região Norte
da cidade, distantes em média 10 quilômetros do centro. Essa política clientelista
ainda conta no imaginário político da cidade. Senão, como explicar que apesar da
cassação de seu mandato em junho de 2000 por improbidade, ele recebeu uma
votação expressiva no primeiro quanto no segundo turno (100.000 votos) da eleição
em 2004 para a Prefeitura de Londrina elegeu-se deputado estadual4 e mantém uma
declarada candidatura? (GOUVEIA, 2006). Esses laços políticos deve ser
pesquisados na análise da violência urbana não apenas em relação ao acesso à
moradia, mas de que maneira são mediadas as necessidades dos eleitores e o
poder político representado pelo prefeito e vereadores quanto ao acesso e às
modificações da área urbana, propiciando (ou não) a especulação urbana e a
ocupação irregular.

A inserção da cidade na rede de atividades ilícitas, em especial o tráfico de drogas


também é uma referência importante no estudo da violência urbana, em especial da
criminalidade urbana. Teoricamente seria possível o estabelecimento de uma rede
desse tipo sem a violência extrema revelada pelas mortes de jovens. Mas a
estrutura atual do tráfico parece não ter um retorno a padrões menos violentos.
Algumas notícias publicadas recentemente podem revelar a ponta do iceberg. Numa
recente rebelião no Centro de Socioeducação (Cense) de Londrina, mais conhecido
como Educandário, os jovens estenderam uma faixa com as iniciais da facção
criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) (GOUVEIA, maio 2006). Em
novembro de 2006 pode-se confirmar a ligação com rede criminosa paulista, mas
não somente ela, que busca entre os jovens pobres a mão-de-obra para o trabalho
na parte mais baixa na hierarquia dessa rede:

A utilização da ''mão-de-obra'' juvenil por criminosos e traficantes é pratica


recorrente em Londrina, mas até mesmo a Polícia Civil foi surpreendida pela
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periculosidade precoce de um adolescente apreendido no final tarde de


ontem. Com 17 anos, ele seria um dos ''chefes'' do tráfico na Zona Leste,
teria ligação com presos do Primeiro Comando da Capital (PCC) e
participação efetiva em dois seqüestros praticados na região e ainda teria
usado uma submetralhadora para matar um desafeto no começo do mês.
(LUCIANO, 2006)

No mesmo mês, o assaltante mais procurado no Brasil pela Polícia Federal e


financiador da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), José Reinaldo
Giroti, de 36 anos, foi preso quando saía de um hipermercado na Zona Sul de
Londrina. Principal parceiro de Marcos Willians Herbas Camacho (conhecido como
Marcola) em roubos praticados em Cuiabá (MT), ele também era procurado no Rio
Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo e no Distrito Federal (POMBO, 2006). A
ironia ficou por conta de ele ter comprado dias antes uma residência num
condomínio fechado – Alphaville – cuja propaganda baseava-se na segurança e na
vizinhança de padrão econômico e status elevados. De lá esse membro da alta
hierarquia do PCC comandaria as demais atividades que não se restringem ao
tráfico de drogas, mas assaltos a bancos e residências e seqüestros. Daí a
importância da análise da violência nas cidades médias, cuja ponta do iceberg da
entrada e atuação de redes criminosas podem ser identificadas através do aumento
da morte violenta entre jovens pobres. As cidades médias passaram a ter a
preferência para a instalação de parte da cúpula?

A formação de gangues e o confronto entre elas também devem ser consideradas,


pois têm uma atuação concreta da disputa de territórios. De acordo com as
assistentes sociais Jaqueline Micali e Ana Lúcia Conde, que atendem adolescentes
infratores,

as gangues já se estruturam praticamente em todas as regiões da cidade.


As gangues são perigosas, segundo as assistentes, porque criam um ciclo
de violência em que a vingança acaba fazendo inúmeras vítimas. Quando há
uma ''baixa'' de um membro de uma gangue, a ''vítima'' busca se vingar a
qualquer preço. Elas citam o exemplo de gangues rivais do Jardim Nossa
Senhora da Paz, Rua Pantanal e Jardim Leste-Oeste, todos na Zona Oeste
(TRÁFICO, 2006).
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Coincidentemente são as áreas onde há comprovadamente tráfico de drogas.

A facilidade no comércio ilegal de armas de fogo atinge diretamente o número de


óbitos. Embora se esperasse uma redução dessas mortes a partir de legislação mais
restritiva, como quando da implantação da Nova Lei de Trânsito, ainda faltam dados
para a sua verificação. Mas a facilidade parece ter se mantido em Londrina, pois

Boa parte das armas chega às mãos de adolescentes por intermédio de traficantes.
Eles as repassam normalmente para os chamados ''aviões'' meninos e meninas
que comercializam drogas no varejo. Outras vias de acesso são furto e roubo.
(QUEM, 2006)

Conclusão

Embora a evidência do aumento de mortes entre jovens pobres do sexo masculino


tenha sido utilizada até então como o principal aferidor do aumento da violência
urbana, há outras informações que a quantificam – como o número de mortes por
acidente de trânsito – e que vêm sendo menosprezadas. Mortes por atropelamentos
e por choques de ônibus, carros, motos e bicicletas parecem não evidenciar uma
cidade violenta, mas são indicadores importantes para as cidades que privilegiam o
automotivo e não a majoritária população de pedestres. No imobiliário urbano as
obras públicas evidenciam essa preferência. Mas ainda é raro um trabalho
estabelecer essa relação que provavelmente se descolaria da receita previamente
conhecida: melhoria nas condições de moradia, água tratada, esgotamento,
pavimentação de ruas, construção de creches e escolas.
Até que ponto determinadas variáveis freqüentemente utilizadas na busca de
estabelecer relações para a explicação da violência urbana deixam a desejar? A
associação entre a precariedade de moradias por si explicaria o aumento da
violência urbana? Pensamos que não. Residências melhores acompanhadas e
creches, escolas e postos de saúde permitem uma vida em condições melhores aos
moradores de assentamento e favelas, assim como o fornecimento de água tratada
e energia elétrica, como pode se atribuir à queda da mortalidade de jovens no
Jardim São Jorge (Região Leste) em 2007(SILVEIRA, 2007). A constituição do
Conselho Municipal de Habitação e de uma política de habitação são instrumentos
valiosos para o atendimento das necessidades de moradias adequadas para as
populações de renda inferior a três salários mínimos (CONFERÊNCIA MUNICIPAL
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DE HABITAÇÃO, 2006). Mas não garantem que o bairro ou parte dele fique fora da
esfera da violência.
A ausência de elementos como as relações políticas (e por isso de poder) formais e
informais (e por vezes ilícitas) vem prejudicando essa análise, assim como não
serem consideradas as medidas que abranjam a segurança pública e polícia
comunitária (SCHEREMETA, 2005). Principalmente porque se verifica que a
violência urbana quando vista a partir de um só aspecto – mortes violentas de jovens
do sexo masculino – se revela concentrada em determinados bairros nas cidades. E
ao utilizarmos essa variável devemos buscar na rede de atividades ilícitas a
instituição que vem empregando esses jovens como mão-de-obra barata e
preferencial para ocupar a base hierárquica mais perigosa. A crescente violência
revelada no trabalho O Mapa da Violência no Brasil demonstra que há pelo menos
quatro variáveis para caracterizá-la: taxas de homicídio na população total, taxas de
homicídios juvenis, óbitos por acidentes de transportes (taxa de número absoluto) e
mortes por arma de fogo. Quando comparamos cidades com o mesmo número
populacional e cujas atividades econômicas transformaram-nas em espaços
importantes na hierarquia regional encontramos dados distintos a respeito desses
quatro elemento caracterizadores, mas principalmente em relação à segunda
variável. O que explica essa diferença? Um caminho pode ser vislumbrado numa
entrevista dada José Pereira de Oliveira Jr., líder do grupo cultural carioca
AfroReggae. Nela há um trecho em que ele registra um aumento na procura pela
ONG de rapazes que querem sair do tráfico causado pela queda na remuneração:
[Um gerente de boca-de-fumo] no caso de Vigário Geral, os caras estão
ganhando R$ 80 por semana. Para quem já ganhou R$ 3 mil, R$ 5 mil, não
é nada. [O que estaria acontecendo na maioria das favelas carioca] As
favelas da Leopoldina estão todas sem grana, menos o Complexo do
Alemão e a Penha. [...] O tráfico no Alemão dá lucro. (RODRIGUES e
VIEIRA, 2007).

Em 2000 a área urbana de Londrina contava com 433.369 habitantes. Em 2005


somadas as ocupações irregulares (1,8%), os assentamentos e favelas urbanizadas
em áreas regularizadas (5%), as ocupações irregulares em áreas particulares (0,4%)
e os assentamentos e favelas em áreas aptas a serem regularizadas (3,4%), atingia-
se 10,6% de habitantes residentes em áreas mais críticas (PREFEITURA DE
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LONDRINA 2005/2006). Esse dado é importante para uma comparação onde houve
a mortalidade violenta de jovens, o que se confirmou nos dados entre 2000 e 2002
para algumas dessas áreas – e pelo fato de serem áreas sob a ação do narcotráfico.
Isso porque essas mortes não apresentaram uma distribuição dispersa no espaço
urbano da cidade e nem por todas as favelas e ocupações irregulares.

Medidas preventivas e remediadoras tomadas pelo Governo do Estado do Paraná


para o município– participação constante da Promotoria da Infância e da Juventude
junto aos problemas, locais específicos para menores infratores com projetos
socioeducativos, a Patrulha Escolar5 e a Polícia Comunitária – e da Prefeitura de
Londrina revelam uma preocupação inexistente em outras cidades. Além disso, a
formação de um grupo multidisciplinar encabeçado por professores da Universidade
Estadual de Londrina, preocupado com a violência que afeta crianças e
adolescentes tem desenvolvidos ações de combate e prevenção6 se soma a outros
projetos educativos destinados aos jovens. Programas de transferência de renda
para a população desfavorecida atingem um espectro razoável através de uma rede
de 14 centros de referências de assistência social (CRAS) distribuídos por todas as
regiões de Londrina7. Mesmo assim, a cidade ainda apresenta uma face violenta aos
seus jovens a despeito das ações específicas para lidar com o problema.

Referências

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e Desenvolvimento) - Universidade Estadual de Londrina.

1
O atestado de óbito normalmente fornece dados relativos à idade, sexo, estado
civil, profissão, naturalidade e local de residência.
2
O trabalho pautou-se na análise de estatísticas de mortalidade do Ministério da
Saúde por causas externas (1981-1989) nas escalas espaciais de unidades da
federação, áreas metropolitanas e capitais, com ênfase nos homicídios.
3
Segundo o delegado responsável pelo setor de homicídios da 10ª SDP na época,
as mortes relacionadas ao narcotráfico e crime organizado em Londrina, são
caracterizadas pela execução sumária com armas de maior capacidade de tiros que
as utilizadas pela própria polícia.
15

4
Houve uma ampliação de votos para outros municípios, como Ibiporã, Tamarana e
Jataizinho, pois do total de 81 mil votos recebidos para deputado estadual na última
eleição, 68 mil foram dados por eleitores do município de Londrina.
5
Em maio de 2007, atitudes violentas promovidas por estudantes dentro das escolas
– seqüestro de uma diretora, assaltos a professores, apreensão de armas em sala
de aula, depredação de material e agressões –,levou à manifestação dos docentes e
do Sindicato dos Trabalhadores em Educação, a APP - Sindicato. (FADEL, 2007;
ALUNOS, 2007)
6
“As discussões colegiadas envolvendo os casos de violência buscam identificar
formas de intervenção, por meio das quais a violência possa ser combatida e a
prevenção se institua como prática do cotidiano. Nesse sentido, as ações
contemplam visitas domiciliares regulares para o monitoramento das situações de
violência; constituição de grupos de intervenção psicossocial, congregando crianças,
adolescentes e familiares adultos; reuniões periódicas entre a equipe da
Universidade e representantes dos poderes públicos locais como Conselhos
Tutelares e Promotoria da Infância e Juventude para dar os encaminhamentos
jurídicos necessários; intercâmbio permanente com as instituições da rede pública e
privada do município para articular ações e estratégias de proteção às crianças e
adolescentes, evitando a fragmentação e sobreposição das intervenções.” (BARROS
e SUGUIHIRO, 2003)

7 Em Londrina, o Bolsa Família, programa de transferência de renda do governo


federal, beneficia 14.140 mil famílias, o Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (Peti) atende cerca de 850 famílias, além de outros 10 programas de
transferência de renda, entre recursos municipais e federais, que somam de R$ 2,5
milhões mensais. Entre estes programas estão o Bolsa Escola, Bolsa Gás, Agente
Jovem (capacitação profissional). Já os programas municipais são Bolsa Escola
Municipal, Bolsa Auxílio Adolescente, Bolsa Auxílio Idoso, Bolsa Auxílio à Pessoa
com Deficiência, Bolsa Auxílio Família Acolhedora, Bolsa Auxílio aos Moradores de
Rua e o Cupom Alimentar. (OTÁVIO, 2006).

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