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Alfātiḥa: o mundo árabe-islâmico


segundo textos medievais
Professor: Thiago Damasceno
(Doutorando e Mestre em História pela UFG,
Graduado em História pela UEG, , servidor técnico-
administrativo no IFG, produtor de conteúdo no
História na Medina)

Instituto Federal de Goiás (IFG) – Câmpus Goiânia


YouTube (História na Medina)
1º dia: 20 de outubro de 2022
Conteúdos:

➢ Arábia pré-islâmica;
➢ o surgimento do Islām;
➢ a vida do Profeta Muḥammad;
➢ Metodologia historiográfica tradicional:
análise externa e interna de documentos;
➢ Hermenêutica e outras orientações para interpretação;
➢ Fonte histórica analisada: Alcorão (séc. VII);
➢ Uma história de (outros) vencedores: árabes muçulmanos.
Questão: Por que história árabe e Idade Média?
➢ Também somos herdeiros culturais da civilização medieval árabe-
islâmica: influências da língua árabe no português, em ciências (Náutica,
Cartografia, Medicina, Astronomia, Matemática, Química/Alquimia),
traduções e divulgação de importantes obras greco-romanas no
Ocidente, difusão de inventos orientais como o papel, experiências de
coexistências interculturais em Alandalus (Portugal e Espanha), etc;

➢ O Islām chegou em peso no Brasil com os escravizados muçulmanos,


nossos ancestrais. Revolta dos Malês (24 de janeiro de 1835);

➢ Na perspectiva da História Global, as histórias do mundo nos pertencem!


Questão: O que é “Oriente Médio”?
Questão: O que é “Oriente Médio”?
➢ Até o final do século XIX foi desenvolvida a noção de que toda região que se encontrava a
leste de uma linha imaginária traçada entre a Grécia e a Turquia estava no “Oriente”;

➢ Essa conceituação europeia reuniu, de forma generalizada, uma série de países sob as
mesmas qualificações: “exóticos”, “misteriosos” e até “bárbaros” e “incivilizados”;

➢ Nessa interpretação preconceituosa e degradante sobre outros países e seus povos estava o
“Oriente Médio”, região situada no meio do caminho entre o “Ocidente” (Europa) e “Extremo
Oriente” (China, Japão, etc.);

➢ Caracterizado pelas fortes presenças da cultura árabe e da religião islâmica, o Oriente Médio
também era considerado atrasado e inferior.
Questão: O que é “Oriente Médio”?
➢ Modelos interpretativos sobre o Oriente, os orientais e os muçulmanos que devem ser superados:

➢ 1 – O Oriente não precisa ser civilizado ou salvo pelo Ocidente;


➢ 2 - O Islām não é um bloco homogêneo: a religião está presente em 170 países. São países árabes,
africanos, asiáticos, americanos e europeus. Há várias vertentes e interpretações jurídicas e
teológicas. Há cerca de 1,8 bilhão de muçulmanos no mundo (dados de 2017);
➢ 3 – Os muçulmanos atuais não são os muçulmanos medievais;
➢ 4 - O Islām não se difundiu “apenas pela espada”. A bem sucedida expansão árabe-islâmica se deu
por 4 meios: conquistas militares, rotas comerciais, migrações de muçulmanos e ações missionárias;
➢ 5 – Casos de violência e usos político-militares da religião não ocorrem apenas no mundo islâmico;
➢ 6 – Muçulmanos não são seres de outro planeta;
➢ 7 – A dicotomia mulheres ocidentais com menos roupas são livres x mulheres muçulmanas cobertas são
oprimidas é simplória, canalha e desvia o foco das discussões mais profundas e urgentes (autonomia
feminina, etc.).
Arábia Pré-Islâmica

➢ Organização social dos árabes: famílias > clãs : tribos;


➢ Cerca de 360 tribos na Arábia/Península Arábica;
➢ Modos de vida: nômade (beduínos) e sedentário (citadinos) ou ambos;
➢ Religiões: politeísmo árabe, Judaísmo e Cristianismo mais ao norte, “religião
de Abraão” ou “´monoteísmo puro” (ḥanīf / ḥunafā’);
➢ Poderes políticos na região: Império Bizantino, Império Persa e Reino
da Abissínia (Etiópia);
➢ Vida comercial: Rota do Ḥijāz , Rota do Najd e Rota da Seda;
➢ Centro religio e comercial: Meca, cidade comandada pela elite econômica
da tribo coraixita.
Rotas Pela Arábia
Rota(s) da Seda
Arábia Pré-Islâmica

➢ Organização social dos árabes: famílias > clãs > tribos;


➢ Cerca de 360 tribos na Arábia/Península Arábica;
➢ Modos de vida: nômade (beduínos) e sedentário (citadinos) ou ambos;
➢ Religiões: politeísmo árabe, Judaísmo e Cristianismo mais ao norte, “religião
de Abraão” ou “´monoteísmo puro” (ḥanīf / ḥunafā’);
➢ Poderes políticos na região: Império Bizantino, Império Persa e Reino
da Abissínia (Etiópia);
➢ Vida comercial: Rota do Ḥijāz , Rota do Najd e Rota da Seda;
➢ Centro religio e comercial: Meca, cidade comandada pela elite econômica
da tribo coraixita.
Arábia Pré-Islâmica: a Caaba

➢ Centro de Meca: a Caaba (Kaᶜaba/Cubo), o mais antigo santuário da Arábia. É


um templo cúbico;

➢ Atualmente, a Caaba tem 15 metros de altura e laterais de 10 metros e 12,5


metros e está coberta por um tecido preto com alguns adornos, estando no
centro da Mesquita Sagrada;

➢ Segundo as tradições o templo foi construído pelos patriarcas Abraão e


Ismael;

➢ No seu canto oriental está a Pedra Negra, um meteorito/pedra divina.


Arábia Pré-Islâmica: a Caaba
Arábia Pré-Islâmica: a Caaba
Arábia Pré-Islâmica: a Caaba
Nascimento do Islām e vida do Profeta Muḥammad

➢ Muḥammad Ibn ᶜAbdullāh nasceu em 569 ou 570 em Meca (o Ano do Elefante);


➢ Pertencia ao clã Hāšim da tribo coraixita;
➢ Seu pai morreu antes do seu nascimento e, sua mãe, quando ele tinha 6 anos;
➢ Foi criado por uma família de beduínos até os 2 anos;
➢ Após a morte de sua mãe biológica, foi criado pelo seu tio paterno Abū Ṭālib;
➢ Aprendeu o ofício de mercador com o tio, tendo viajado para a região da
atual Síria e seus entornos;
➢ Relatos sobrenaturais se referem a ele desde sua infância. Na Síria, um monge
➢ Cristão chamado Baḥīrà reconheceu seu caráter de profeta.
Nascimento do Islām e vida do Profeta Muḥammad

➢610: o então mercador Muḥammad (Alamīn / O Confiável) começou a receber


revelações do Deus Único (Allāh) por meio do arcanjo Gabriel. Início
histórico do Islām (ou Islã);

➢612: início das pregações públicas de Muḥammad e das perseguições contra


os muçulmanos;

➢ 16 de julho de 622: Hégira, migração do Profeta para a cidade de Yatrib,


futura Medina. Início da Confederação Islâmica (unificação política e
religiosa das tribos árabes muçulmanas). Ano islâmico 1 = ano cristão 622.
Nascimento do Islām e vida do Profeta Muḥammad
Nascimento do Islām e vida do Profeta Muḥammad
Nascimento do Islām e vida do Profeta Muḥammad

➢624: Batalha de Baḍr: os muçulmanos de Medina venceram os mequenses;


➢625: Batalha de Uḥud: os muçulmanos perderam para os mequenses;
➢627: Batalha do Fosso: vitória dos muçulmanos;
➢628: Tratado de Ḥudaybiya: acordo de paz entre medinenses e mequenses;
➢630: violação do tratado por certos clãs aliados da tribo Coraixita. O exército
Muçulmano (10 mil homens) cercam Meca e a conquistam;
➢630 (fevereiro): Peregrinação da Despedida;
➢630: morte do Profeta. Seu melhor amigo, braço direito e sogro, Abū Bakr, foi
eleito califa (sucessor) da Umma (comunidade muçulmana).
Questões

➢Muḥammad existiu?
Sim. Fontes históricas islâmicas, bizantinas, persas e hispânicas o mencionam.
Há tantas narrativas sobre ele que é possível criarmos perfis de sua
personalidade.

➢Muḥammad foi de fato um profeta?


Para a História (ciência/disciplina), esse aspecto sobrenatural não é o mais
relevante. É mais importante compreender contextos históricos e a comunidade
islâmica no tempo a partir do fundador histórico do Islām. Em suma, o santo é
mais importante do que os milagres.
Cultura Islâmica

➢5 pilares da prática: a šahāda (testemunho da fé), o ṣalāt (conjunto de cinco


orações rituais por dia), a zakāt (caridade ou doação de parte da renda para fins
sociais), o ramaḍān (mês de jejuns e devoção em comemoração à revelação
divina ao Profeta) e a peregrinação a Meca (ḥajj) pelo menos uma vez para
todos os muçulmanos com condições financeiras e com saúde mental e física;

➢Chamado à oração e recitação do Alcorão (vídeos).


Metodologias para Análise Textual/Discursiva:
hermenêutica filosófica (Gadamer) e hermenêutica imaginativa (Márcia Schuback)
Metodologias para Análise Textual/Discursiva

➢Tradicional crítica historiográfica de documentos: análise externa e interna;


➢Método hermenêutico-estrutural;
➢Hermenêutica: compreensão, interpretação, tradução, tornar algo entendível.
É uma investigação da interpretação. Objetivo: a compreensão;
➢Nomes importantes na hermenêutica: Friedrich Schleiermacher (1768-1834),
(1768-1834), Martin Heidegger (1889- 1976) e Hans-Georg Gadamer (1900-2002);
➢Dilthey: a hermenêutica é o método das Ciências Humanas, pois o trabalho
essencial dessas ciências é a interpretação;
➢Heidegger: a hermenêutica é um modo de ser, pois lidamos com o mundo a
partir de nossas interpretações e compreensões sobre ele (universalidade da
compreensão).
Metodologias para Análise Textual/Discursiva

➢Gadamer: desenvolveu a hermenêutica filosófica nascida com Heidegger;


➢A linguagem é meio pelo qual os sujeitos compreendem o mundo. Compreender
faz parte do ser-no-mundo;
➢A compreensão não é um processo psíquico: é um modo existencial que dá base
à interpretação. Não é apenas com o método que se chega à verdade, mas
também com a compreensão;
➢Círculo hermenêutico: pré-conceitos > compreensão > novos pré-conceitos, etc...
Compreender é um movimento de projeções contínuas a partir de opiniões
prévias, logo, devemos sempre voltar ao documento/texto, etc.
Metodologias para Análise Textual/Discursiva

➢Diálogo/Dialogismo: compreender é perguntar e responder. Diante do texto o


intérprete deve levantar questões;
➢Horizonte: “âmbito da visão que abarca e encerra tudo o que é visível a partir de
um determinado ponto” (GADAMER, 1997, p. 452);
➢Horizonte histórico do intérprete: aquilo que o intérprete já conhece;
➢Horizonte histórico do objeto/texto: o que o texto permite que se conheça do seu
universo histórico e o que se está para conhecer;
➢Fusão de horizontes: é uma consequência da ação de compreender!
Metodologias para Análise Textual/Discursiva

➢Assim, a hermenêutica é uma prática filosófica, é ação;


➢Compreende-se conhecendo seu campo/objeto/texto em análise, fazendo
questões a ele, indo e voltando, fundindo horizontes;
➢Por isso é importante a imersão em campo, ainda mais estudando religiões:
conheça os fiéis, se relacione com eles, dialogue com eles;
➢Como na música Mistério do Planeta dos Novos Baianos: “... Jogando meu corpo
no mundo, andando por todos os cantos e pela lei natural dos encontros eu
deixo e recebo um tanto...”.
Metodologias para Análise Textual/Discursiva

➢Hermenêutica imaginativa de Márcia Schuback: tenha abertura existencial para


compreender o Outro: transpor o espírito, imaginar-se no lugar do Outro;

➢ Reconstrua o passado mediante trabalho historiográfico não a partir de


premissas objetivas e neutras, mas esforçando-se para perceber o passado a
partir de suas próprias referências;

➢Coloque-se na mesma perspectiva dos textos analisados;

➢Questão medieval principal: a questão de Deus.


Alcorão: análise externa

➢ Autoria: Deus (teologicamente). “Edição”: Profeta Muḥammad. O Alcorão foi


revelado/registrado para/por Muḥammad e seus discípulos por cerca de 23 anos (610-632),
registrando assim os últimos anos de vida do Profeta e os primeiros da comunidade
muçulmana;
➢ Período de Produção: de 610 a 632;
➢ Locais de Produção: Meca, Medina e Arábia como um todo;
➢ Tipologia: texto religioso, literário e jurista/legal;
➢ Língua: árabe clássico (fuṣḥa);
➢ Público(s)-alvo(s): árabes, árabes muçulmanos, a humanidade e seres espirituais (gênios)
como um todo;
➢ Datação e Itinerário de versões: em 653 (3º califado) a edição definitiva do Alcorão
foi concluída. 5 exemplares-base para 5 regiões do Império Árabe-Islâmico.
Alcorão: análise interna

➢ Estrutura: organizado em 114 capítulos (sūra-s) compostos por 6.236 versículos


revelados/registrados em Meca ou Medina;
➢ Modos de Leitura: leitura cronológica de revelação/registro dos capítulos
ou leitura literária segundo John Medows Rodwell (1808-1900), britânico,
tradutor do árabe e estudioso de Islām;
➢ Conteúdos: narrativas da cultura popular árabe (oral), narrativas bíblicas e
cristãs hereges , poemas em louvor a Deus, escatologia (fim dos tempos), código
civil, código penal, imaginário árabe-islâmico, etc.
➢ Conceitos (termos caracterizadores e explicativos): Allāh (Deus), tawḥīd
(unicidade divina), jihād (esforço, empenho), fatḥ (conquista, abertura, vitória, sucesso),
povo do Livro (judeus e cristãos), etc.
Referências
ALCORÃO. Português-árabe. Tradução do sentido do Nobre Alcorão para a língua portuguesa. Tradução e notas
explicativas: Doutor Helmi Nasr. Medina: Complexo do Rei Fahd, 2005.
Disponível em:
www.islambr.com.br/wp-content/uploads/2019/03/alcorao_sagrado_helmi.pdf

ARMSTRONG, Karen. Maomé: uma biografia do Profeta. Tradição: Andréia Guerini, Fabiano Seixas Fernandes, Walter
Carlos Costa. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

____________. O Islã. Tradução: Anna Olga de Barros Barreto. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001

BALTA, Paulo. Islã: uma breve introdução. Tradução: William Lagos. Porto Alegre: L&PM, 2016.
Referências
BARBOSA, Francirosy Campos. Islã e islamismo. Entrevistador: Felipe Freitas de Souza (Muhammad Puncha). [S.I.]: O
Nome Disso é Mundo (ONDE Islã), 26 jul. 2017. Podcast.
Disponível em: www.onomedissoemundo.com/2017/07/onde-isla-001-isla-e-islamismo/

BRIANCESCO, Eduardo. ¿Como ler hoy textos medievales? Revista de Filosofía y Teoría Política, n. 26-27, 1986, p. 70-
75.
Disponível em: http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/art_revistas/pr.1271/pr.1271.pdf

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução: Flávio
Paulo Meurer. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. Tradução: Marcos Santarrita. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
Referências
LINGS, Martin. Muḥammad: a vida do Profeta do Islām segundo as fontes mais antigas. Tradução: Cléris Nogueira, Luiz
Pontual, Sério Rizek. São Paulo: Attar, 2010.

PEW RESEARCH CENTER. The Future of World Religions: Population Growth Projections, 2010-2050, 02 abr.
2015.
Disponível em: https://www.pewforum.org/2015/04/02/religious-projections-2010-2050/
Acesso em: 15 set. 2021.

_______. The Changing Global Religious Landscape, 05 abr. 2017.


Disponível em: https://www.pewforum.org/2017/04/05/the-changing-global-religious-landscape/#global-population-
projections-2015-to-206
Referências
PUIG MONTADA, Josep. A Língua Árabe. In: PEREIRA, Rosalie Helena de Souza (Org.). O Islã Clássico: itinerários de
uma cultura. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 51-67.

SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Tradução: Rosaura Eichenberg. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.

SANTOS, Dulce Oliveira Amarante dos. Velhas e novas relações entre os medievalistas e suas fontes. VARIA
HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 26, n. 43, jan./jun. 2010, p. 17-28.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/vh/v26n43/v26n43a02.pdf

SCHUBACK, Marcia Sá Cavalcante. Para ler os medievais: ensaio de hermenêutica imaginativa. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000.
Referências
SILVEIRA, Aline Dias da. Da Expansão Árabe à Era Dourada. In: NASCIMENTO, Renata C. de Sousa; SILVA, Paulo
Duarte. (Orgs.) Ensaios de História Medieval: temas que se renovam. Curitiba, PR: Editora CRV, 2019, p. 141-161.

SONN, Tamara. Uma breve história do Islã. Tradução: Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2011.

MAÍLLO SALGADO, Felipe. Diccionario de Historia Árabe & Islámica. Madrid: Abada Editores, 2013.

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