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 Processo de Hominização

Existem diferentes correntes de pensamento que intervieram na compreensão deste


fenómeno. Como este diz respeito à origem do homem, as primeiras ciências que se
interessaram pelo assunto foram as ciências humanas – a pré-história, a paleoantropologia.
Para explicar esse processo são necessárias provas, evidencias, pelo que a estas áreas
científicas se vieram juntar outras – a Biologia e a Paleontologia Humana (ciência que estuda
vestígios fosseis a partir dos quais se pode reconstituir a evolução humana). Só tardiamente,
nos anos ‘70/’80, se junta uma quarta área de investigação, a genética.

Na genética, há uma forte contestação ao conceito de hominização. É um conceito complexo.


Quando observamos o homem do passado, e o procuramos caracterizar, os aspectos que
marcam a sua individualidade (traços de natureza anatómica, morfológica), não podemos
deixar de reconhecer que os nossos mais remotos antepassados também se individualizaram
porque foram capazes de desenvolver características comportamentais decisivas.

Será que a nossa existência de deve exclusivamente a processos biológicos? Ou esses devem
ser associados outros aspectos? Esta questão oculta um receio, o facto de uma visão deste
género poder abrir a porta e iniciar um retrocesso relativamente a esta visão mais científica,
de volta a questões teológicas.
Os genéticos de hoje em dia temem é que, ao não naturalizar a 100% o processo de
hominização que abra espaço para correntes tradicionais, ligadas ao criacionismo.
O entender maioritário desvaloriza este temor.

A hominização pretende representar a transformação de um ser vivo, um primata, num


primata particular, com uma história evolutiva particular, que não depende exclusivamente da
biologia. A genética não é capaz de explicar tudo. A evolução tem de ser entendida a dois
níveis:

• Nível Endógeno – aquilo que podemos observar fisicamente, os vestígios fósseis, a anatomia

• Nível Exógeno – Voltado para os comportamentos que o homem desenvolve ao longo dos
anos, que marcam a sua individualidade.

Ainda que geneticamente sejamos próximos de um chimpanzé, não somos iguais. Não é
possível reduzir a história da evolução humana à história da evolução biológica.
A dificuldade deste exercício reside no facto de ser difícil reproduzir esta história, trabalhando
num registo científico, introduzindo outras variáveis, como a cultura e o comportamento. O
processo científico exige que os fenómenos sejam explicados com base em fenómenos
naturais. Mas o comportamento é hoje entendido como objecto do conhecimento científico.
Não deve ser menosprezado apenas porque não é expressivo fisicamente. A Pré-História e a
Paleoantropologia ajudam a compreender este processo de Hominização. Este processo está
representado na prática por um conjunto de características, o chamado “pacote” da
hominização:

De tal forma que, as principais características que marcam a especificidade do género humano,
poderiam ser sintetizadas em:

1. Cérebro de grande dimensão;


2. Grande dependência em relação à cultura material;
3. Locomoção bípede;
4. Regime alimentar integrando o consumo intensivo de proteínas de origem animal;
5. Organização social complexa.
1. Cerebralização;
2. Cultura material;
3. Bipedismo;
4. Alimentação;
5. Sociabilização.

 Paradigmas da Hominização

1 - Paradigma Intelectual - Segundo este, teria sido por via das superiores capacidades
intelectuais, não do homem, mas dos seus mais remotos antepassados que teriam iniciado um
processo de evolução particular que o levaria a tornar-se homens. O ponto fulcral da evolução
reside no cérebro. Este paradigma explicativo vai prevalecer até à altura em que, fruto da
pesquisa levada a cabo a partir dos anos ’20 no continente africano, são encontrados os mais
antigos vestígios (até então) da linhagem evolutiva.
O continente europeu teve um papel secundário naquele que foi o percurso evolutivo
enquanto espécie. Vai intervir depois de maneira significativa, porque aí se começaram a
desenvolver os primeiros estudos, mas á escala global, os achados aí feitos são muito recentes.
Os investigadores que antes estudavam as evidências na europa, foram depois trabalhar, por
meio da colonização, para a Ásia e África, foram encontrado vestígios fósseis muito mais
antigos do que os europeus.
À luz deste paradigma, os antepassados remotos deveriam ter um cérebro desenvolvido. O
que não se verifica. Então este paradigma é abalado, ainda que os seus defensores procurem
dar uma solução a isto, explicando que ainda que os cérebros sejam pequenos, são complexos.
Estes hominídeos já eram capazes de idealizar e fabricar pequenos objectos, desenvolvendo
ferramentas para isso. Aparentemente, a fragilidade deste paradigma estaria resolvida.

No entanto o processo de hominização inicia-se há cerca de 8 milhões de anos e termina há


cerca de 2 milhões de anos. Já a capacidade de produzir os primeiros utensílios surge há cerca
de 3 milhões de anos. Assim, o processo de hominização já estava a decorrer há largos
milhões de anos até que surge a capacidade de produzir utensílios, daí que isto não seja
condição essencial para a ocorrência da hominização.

O modelo intelectual faz assentar na pretensa superioridade intelectual as causas do processo


de hominização. Este modelo apresenta, contudo, fragilidades. Hoje, sabe-se que os homininos
tinham cérebros de muito pequena dimensão e que a utilização de instrumentos é muito
tardia. Há muitas falhas na argumentação.

2. Paradigma Ambiental - Surge na consequência de pesquisas sobre a evolução climática pré-


histórica. Percebeu-se então que a África havia sofrido movimentações tectónicas continuadas
que, num primeiro momento, originam a formação de duas cadeias montanhosas, provocando
uma série de alterações no clima e que vão determinar a aridificaçao de vastas zonas de
África – savana. É neste contexto de mudança ambiental e climática que vai emergir, como
aspecto determinante para a hominização o modo de locomoção próprio do homem.

Nos finais do sec. XX o paradigma ambiental vai-se confrontar com dificuldades, provocadas
por novas descobertas que começam a situar os hominínos também em contexto florestal, o
que gera um problema em relação à origem do bipedismo (entendido como um processo
evolutivo iniciado a partir do contexto ambiental da savana africana). O bipedismo tem de
passar a ser entendido como mais uma das várias possibilidades que se ofereciam a este
conjunto de seres, associado agora também a essa população que fazia vida nas árvores: dois
modos de locomoção disponível.

Reconhecendo as alterações paleoclimáticas, a nível dos ecossistemas, traduzida em


diminuição da floresta e aumento do recobrimento por savana, fez com que alguns tivessem
continuado a viver na área florestal. Outros, porém, impossibilitados de o fazer, tiveram de
passar a viver em áreas de savana. A partir daí, desencadeou-se um complexo processo de
mudanças anatómicas para que se pudessem adaptar às novas condições. Daí tirando
vantagens adaptativas, por via da adopção deste novo modo de locomoção (transporte de
objectos, termoregulação, maior eficiência energética para vencer distancias – maior
mobilidade). Foi em torno destes raciocínios que se construiu este paradigma que perdura até
finais do séc. XX.

Principais transformações anatómicas associadas à estação erecta e ao bipedismo:

Ø  ossos da bacia;

Ø  coluna vertebral;

Ø  articulação do fémur com os ossos da bacia;

Ø  articulação do fémur com o joelho;

Ø  articulação do joelho;

Ø  articulação da tíbia e do peróneo com o calcâneo;

Ø  articulação tíbio-társica;

Ø  alterações na estrutura óssea e muscular dos pés;

Ø  desenvolvimento dos membros inferiores;

Ø  retracção dos membros superiores;

Ø  alterações na estrutura muscular das nádegas e na cintura

Ø  articulação do crânio com a coluna vertebral;

Ø  modificações na estrutura na calote craniana.

No inicio do novo século estes paradigmas começam a ser questionados. O paradigma


ambiental deixa de ser compatível com os conhecimentos desenvolvidos noutros ramos
científicos.

Este processo de hominização, não obstante a sua importância, não se pode pensar que
ocorreu no plano das grandes realizações morais, etc, essas realizações são recentes. Do
ponto de vista processual, a evolução conhece grande desenvolvimento apenas nos últimos
200.000 anos. Foi inicialmente, um desenvolvimento muito lento e básico. Ainda assim, neste
nível, querer fazer depender a hominização de um único factor (seja o tamanho de cérebro, o
bipedismo) é muito pouco.
Teve-se essa percepção quando algumas transformações anatómicas foram ricas em
consequências. Não se pode pensar que os antepassados se começaram a diferenciar dos
irmãos biológicos porventura por adopção de um modo de locomoção original, que acarreta
evoluções anatómicas e que essas evoluções não tivessem consequências, algumas delas
dramáticas.

Por exemplo, a nível dos ossos da bacia. Quando estes se começam a transformar, é
provocada uma diminuição do canal ósseo púbico. Apesar de estarem em causa hominídeos de
cérebro pouco desenvolvido, surgiu um problema obstétrico, pondo em causa a sobrevivência
da espécie. A solução encontrada foi o parto prematuro. O homem é a única espécie onde se
verifica o parto prematuro. Um recém-nascido humano não sobrevive muito tempo sem
cuidado após o nascimento.
Qualquer parente biológico próximo é mais autónomo quando nasce. O parto dos hominídeos
tem de ser antecipado, a cria não pode completar a formação no ventre materno, pois não
seria possível o parto nessa condição. Isto coloca sérios problemas a nível de dependência
entre mãe e cria. Porque somos mamíferos, recai sobre a fêmea a responsabilidade de dedicar
cuidados prolongados na protecção da cria. Para amamentar a cria é investido muito tempo na
sua protecção. Para que as fêmeas se possam dedicar a isso, o macho precisa de proteger a
fêmea e as crias.
Os gorilas, por exemplo, apresentam um modo de organização uni-macho, isto é, um macho
tem um harém de fêmeas. A primeira acção do macho dominante é aniquilar as crias do seu
antecessor (o mesmo fazem os leões). Isto é uma forma de assegurar a transmissão do seu
património genético, assegurando que aquele colectivo para o qual trabalha é o seu. Isto
confere características anatómicas, aos que vivem sob este modelo. O acesso às fêmeas é
exclusivo (com excepções). Como tal, a tradução prática disto ao nível dos mecanismos de
selecção natural é que os machos que tem acesso exclusivo a fêmeas, como não têm
concorrência, têm testículos pequenos. Por outro lado, os chimpanzés, como vivem em
promiscuidade e têm competição, tem testículos maiores, para produzir mais esperma e
fecundar maior número de fêmeas. Este mecanismo de competição dos machos por acesso às
fêmeas, coloca-as numa posição de subalternidade, menos corpulentas e mais frágeis –
dimorfismo sexual.

Nos humanos existe um dimorfismo pouco acentuado. Dando sinal que os nossos
antepassados competiam entre si no acesso às fêmeas, mas tem testículos pequenos. Os
nossos traços morfológicos são contraditórios, evidenciam tanto sinais de domínio de harém
como de promiscuidade.

Portanto, o fenómeno de hominização envolve muito mais variáveis do que as avançadas pelos
dois modelos enunciados. Lovejoy desenvolve uma teoria de contrato sexual, em que o modo
de organização social se baseava no controlo do macho sobre um certo número de fêmeas,
que lhes deviam garantir que a descendência era sua. O homem é a única espécie que concebe
o sexo por prazer. Provavelmente, é nestes aspectos que se encontra a “pedra de toque” para
entender todo o processo. O aspecto sexual converte-se no motor gerador da vida social
humana. O homem domestica-se a si próprio através da socialização. Portanto, não é realista
manter paradigmas baseados num único factor.

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