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BIOLOGIA

8ª Edição

CAMPBELL • REECE
U R R Y • C A I N • WA S S E R M A N
MINORSKY • JACKSON
Obra originalmente publicada sob o título
Biology, 8th Edition
ISBN 9780805368444
Authorized translation from the English language edition, entitled BIOLOGY, 8th Edition, by NEIL A. CAMPBELL and JANE B. REECE,
published by Pearson Education, Inc., publishing as Benjamin Cummings, Copyright © 2008. All rights reserved. No part of
this book may be reproduced or transmitted in any form or by any means, electronic or mechanical, including photocopying,
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Portuguese language edition published by Artmed Editora, Copyright © 2010.
Tradução autorizada a partir do original em língua inglesa da obra intitulada BIOLOGY, 8ª EDIÇÃO, de autoria de NEIL A. CAMPBELL
e JANE B. REECE, publicado por Pearson Education, Inc., sob o selo de Benjamin Cummings, Copyright © 2008. Todos os direitos
reservados. Este livro não poderá ser reproduzido nem em parte nem na íntegra, nem ter partes ou sua íntegra armazenada
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A edição em língua portuguesa desta obra é publicada por Artmed Editora, Copyright © 2010.

Capa: Mário Röhnelt


Preparação de originais: Henrique de Oliveira Guerra
Leitura final: Magda Regina Chaves
Editora Sênior – Biociências: Letícia Bispo de Lima
Editora Júnior – Biociências: Carla Casaril Paludo
Editoração eletrônica: Techbooks

C187b Campbell, Neil.


Biologia [recurso eletrônico] / Neil Campbell, Jane Reece;
tradução Daniel Lorenzini ... [et al.]. – 8. ed. – Dados
eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2010.

Editado também como livro impresso em 2010.


ISBN 978-85-363-2351-0

1. Biologia. I. Reece, Jane. II. Título.

CDU 573

Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/1922

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à


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Descendência

22
com Modificação:
Uma Visão
Darwiniana da Vida

CONCEITOS-CHAVE

22.1. A revolução darwiniana contestou visões tradicionais


de uma Terra jovem habitada por espécies imutáveis
22.2. A descendência com modificação por seleção natural
explica as adaptações dos organismos, bem como a
uniformidade e a diversidade da vida
22.3. A evolução é sustentada por uma quantidade
expressiva de evidências científicas
 Figura 22.1 Como este besouro consegue sobreviver no deser-
to? E o que ele está fazendo?

genética de uma população que ocorre de geração para geração,


como vamos abordar no Capítulo 23. Independente de uma visão
ampla ou mais específica, podemos encarar a evolução de duas
maneiras diferentes, mas relacionadas: como padrão e como pro-
cesso. O padrão de modificação evolutiva é revelado por dados
oriundos de diferentes disciplinas científicas incluindo biologia,
geologia, f ísica e química. Esses dados são fatos – observações do
mundo natural. O processo da evolução consiste nos mecanismos
VISÃO GERAL
que produzem o padrão de mudança observado. Esses mecanis-
mos representam causas naturais dos fenômenos naturais que
Formas infinitas e maravilhosas observamos. Assim, o poder da evolução como teoria unificadora
O besouro Onymacris unguicularis habita a costa do deserto da é a sua habilidade em explicar e conectar a vasta gama de obser-
Namíbia, no sudoeste africano, região onde os nevoeiros são co- vações do mundo vivo.
muns, mas as chuvas são raríssimas. Para obter a água necessária Como todas as teorias gerais em ciência, continuamos a tes-
à sua sobrevivência, esse besouro apresenta o comportamento tar a nossa teoria da evolução, examinando se ela pode explicar
peculiar de “ficar de cabeça para baixo” (Figura 22.1). Inclinando tanto novas observações como resultados experimentais. Neste e
a cabeça para baixo, o besouro fica de frente para o vento que nos capítulos seguintes, vamos examinar como descobertas em
sopra o nevoeiro pelas dunas. Gotículas de água da neblina con- curso modelam a nossa visão atual do padrão e processo de evo-
densam sobre o corpo do besouro e escorrem até a sua boca. lução. Para começar, primeiro vamos refazer a busca de Darwin
Esse besouro compartilha muitas características com as mais para explicar as adaptações, a uniformidade e a diversidade das
de 350.000 espécies de besouros que vivem na Terra, incluin- “infinitas e maravilhosas formas de vida”.
do seis pares de patas, carapaça rígida e dois pares de asas. No
entanto, como pode existir tanta diversidade em besouros? O
besouro Onymacris unguicularis e seus parentes ilustram três 22.1 A revolução darwiniana
observações essenciais sobre a vida: os modos surpreendentes contestou visões tradicionais de
com que os organismos se adaptam à vida em seus ambientes;
as várias características vitais compartilhadas (uniformidade); e uma Terra jovem habitada por
a rica diversidade da vida. Há um século e meio, Charles Darwin espécies imutáveis
desenvolveu uma explicação científica para essas três observa-
ções. Quando ele publicou suas hipóteses no livro A origem das O que levou Darwin a contestar as visões correntes de sua época
espécies, Darwin provocou uma revolução científica – a era da sobre a Terra e seus seres vivos? A sua proposta revolucionária, na
biologia evolutiva. verdade, tem raízes no trabalho de várias pessoas (Figura 22.2).
Por ora, vamos definir evolução como descendência com mo-
dificação, expressão utilizada por Darwin ao propor que as várias
Scala naturae e a classificação das espécies
espécies que vivem na Terra descendem de espécies ancestrais Muito antes de Darwin nascer, vários filósofos gregos sugeriram
diferentes das espécies atuais. A evolução pode também ser de- que a vida poderia mudar gradualmente ao longo do tempo. Mas
finida, mais precisamente, como uma alteração na composição um filósofo de grande influência na jovem ciência ocidental,
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Linnaeus (classificação)
Hutton (mudança geológica gradual)
Lamarck (espécies podem mudar)
Malthus (limites de população)
Cuvier (fósseis, extinções)
Lyell (geologia moderna)
Darwin (evolução, seleção natural)
Wallace (evolução, seleção natural)
Revolução Americana Revolução Francesa Guerra Civil dos Estados Unidos
1750 1800 1850 1900
1795 Hutton propõe teoria do gradualismo.
1798 Malthus publica “Ensaio sobre o princípio da população”.
1809 Lamarck publica suas hipóteses de evolução.
1830 Lyell publica Princípios de geologia.
1831–1836 Darwin viaja ao redor do mundo no HMS Beagle.
1837 Darwin começa seus apontamentos.
1844 Darwin escreve seu ensaio sobre descendência com modificação.
1858 Wallace envia as suas hipóteses para Darwin.
1859 O livro A origem das espécies é publicado.

 Figura 22.2 Contexto histórico da vida e das ideias de Darwin. As barras em azul-escuro represen-
tam a vida de alguns indivíduos cujas ideias contribuíram para o pensamento de Darwin sobre a evolução.

Aristóteles (384-322 a.C.), considerou as espécies como unidades Ideias sobre mudança ao longo do tempo
fixas (incapazes de sofrer mudanças). Por meio de suas observa-
Darwin retirou muitas de suas ideias do trabalho de cientistas
ções da natureza, Aristóteles reconheceu certas “afinidades” en-
que estudavam fósseis, retos ou traços de organismos do passa-
tre os organismos. Concluiu que as formas de vida poderiam ser
do. Muitos fósseis são encontrados em rochas sedimentares for-
organizadas em uma escada ou escala com aumento de complexi-
madas por areia e lama depositadas no fundo do mar, de lagos
dade, mais tarde chamada de scala naturae (escala da vida). Cada
e de outros ambientes aquáticos (Figura 22.3). Novas camadas
forma de vida, perfeita e permanente, tinha o seu determinado
de sedimento cobrem as antigas camadas e as comprimem em
lugar nesta escada.
camadas de rocha chamadas de estratos. Os fósseis de um deter-
Essas ideias coincidiram com o criacionismo, mencionado no
minado estrato fornecem pistas sobre organismos que povoavam
Velho Testamento, que postula que as espécies foram individual-
mente desenhadas por Deus e, portanto, são perfeitas. No século
XVIII, muitos cientistas interpretaram a adaptação dos organis- 1 Rios carregam sedimento para o mar
e banhados. Ao longo do tempo,
mos aos ambientes como evidência de que o Criador desenhou camadas de rochas sedimentares
cada espécie com uma finalidade. (estratos) se formam debaixo da água.
Um desses cientistas foi Carolus Linnaeus (1707-1778), Alguns desses estratos possuem fósseis.
f ísico e botânico sueco que procurou classificar a diversidade
da vida, em suas palavras, “para a grande glória de Deus”. Lin-
naeus desenvolveu o sistema binomial de designar organismos
2 À medida que o
de acordo com gênero e espécie, ainda utilizado atualmente. nível de água muda
Ao contrário da hierarquia linear observada na scala naturae, e o mar desce, os
Linnaeus utilizou um sistema de classificação em grupos, reu- estratos e seus
fósseis são
nindo espécies semelhantes em categorias gerais. Por exemplo, expostos.
espécies semelhantes são agrupadas no mesmo gênero, gêneros
semelhantes são reunidos na mesma família e assim por diante
(ver Figura 1.14). Estrato jovem com
fósseis recentes
Linnaeus não relacionou as semelhanças entre as espécies a
um parentesco evolutivo, mas sim a seu padrão de criação. No
entanto, um século mais tarde, o seu sistema de classificação teria Estrato velho com
importante papel no raciocínio de Darwin para a evolução das fósseis antigos
espécies.
 Figura 22.3 Formação de estrato sedimentar com fósseis.
454 C a mpbel l & Col s .

a Terra quando aquela determinada camada foi formada. Mais (1744-1829). Infelizmente, Lamarck é lembrado hoje não por sua
tarde, o estrato superior (mais jovem) pode ser erodido, revelan- visão pioneira de que mudanças evolutivas explicam padrões em
do um estrato mais profundo (mais antigo) que estava enterrado. fósseis e a adptação dos organismos a seus ambientes, mas pelo
A paleontologia – o estudo dos fósseis – foi amplamente mecanismo incorreto que ele propôs de como a evolução ocorre.
desenvolvida pelo cientista francês Georges Cuvier (1769-1832). Lamarck publicou sua hipótese em 1809, o ano em que Da-
Ao examinar estratos geológicos perto de Paris, Cuvier observou rwin nasceu. Comparando espécies vivas com fósseis, descobriu
que quanto mais antigo o estrato, mais distintas eram as formas o que pareciam ser linhas de descendência, cada linha represen-
de vida em comparação aos organismos atuais. Ele também ob- tada por uma série de fósseis antigos e recentes que levariam à
servou que espécies novas surgiam de uma camada para outra, espécie atual. Lamarck explicou a sua descoberta utilizando dois
ao passo que outras não eram mais encontradas. Então sugeriu princípios. O primeiro foi o princípio do uso e desuso. Esse prin-
que as extinções deveriam ser comuns na história da vida. No cípio postulava que partes do corpo utilizadas extensivamente
entanto, Cuvier se opôs firmemente à ideia de evolução. Para se tornam maiores e mais fortes, e aquelas que não são usadas
explicar as suas observações, ele utilizou o princípio do catas- acabam deteriorando. Como exemplo ele citou a girafa estican-
trofismo, que postula que eventos no passado ocorreram repen- do o seu pescoço para alcançar folhas nos ramos mais altos das
tinamente causados por mecanismos diferentes dos que operam árvores. O segundo princípio foi o da herança de característi-
no presente. Cuvier especulou que cada limite entre os estratos cas adquiridas que defendia que um organismo poderia passar
representava uma catástrofe; por exemplo, enchentes que po- essas modificações à prole. Lamarck explicou que o pescoço
deriam ter matado muitas espécies naquela época. Ele propôs musculoso e longo da girafa teria evoluído ao longo de várias
que essas catástrofes periódicas estavam geralmente restritas a gerações desses animais que precisaram desse tipo de pescoço
determinadas regiões, as quais eram repovoadas por espécies para sobreviver.
imigrantes de outras áreas. Lamarck também pensou que a evolução acontecia porque
Em contraste, outros cientistas sugeriram que mudanças os organismos tinham força inata para se tornarem mais com-
profundas poderiam ocorrer através do efeito cumulativo de um plexos. Darwin rejeitou essa ideia, mas também acreditou que
processo lento e contínuo. Em 1795, o geólogo escocês James variações poderiam ser introduzidas no processo evolutivo por
Hutton (1726-1797) sugeriu que as características geológicas da meio da herança de características adquiridas. Atualmente, nosso
Terra poderiam ser explicadas por um mecanismo gradual ainda conhecimento de genética refuta esse mecanismo: não existem
operante. Por exemplo, ele sugeriu que vales eram frequentemen- evidências de que características adquiridas podem ser herdadas
te formados por rios que corriam através de rochas, que por sua do modo proposto por Lamarck (Figura 22.4).
vez continham fósseis marinhos formados quando sedimentos Lamarck foi fortemente criticado por suas ideias, especial-
terrestres haviam sido carregados do rio para o mar, enterrando mente por Cuvier, que negava que as espécies poderiam evoluir.
organismos marinhos mortos. Charles Lyell (1797-1875), o prin- Lamarck, no entanto, merece crédito por reconhecer que a cor-
cipal geólogo da época de Darwin, incorporou o pensamento de respondência entre organismos e meio ambiente pode ser expli-
Hutton no seu princípio do uniformitarianismo, que postulava cada por mudanças evolutivas graduais e, também, por propor
que os mecanismos de mudança são constantes ao longo do tem- mecanismos para testar essas mudanças.
po. Lyell propôs que os mesmos processos geológicos operam no
mesmo ritmo tanto hoje quanto no passado.
As ideias de Hutton e Lyell influenciaram fortemente o pen-
samento de Darwin. Darwin concordou que, se as mudanças ge-
ológicas resultam de ações lentas mas contínuas, e não de even-
tos repentinos, a Terra deveria ser muito mais antiga do que o
estimado (poucos milhares de anos). Um exemplo disso seria o
tempo gasto por um rio para formar um cânion por erosão. Mais
tarde, ele sugeriu que talvez processos lentos e sutis pudessem
também produzir mudanças biológicas substanciais. No entanto,
Darwin não foi o primeiro a aplicar a ideia de mudança gradual à
evolução biológica.

A hipótese evolutiva de Lamarck


Durante o século XVIII, muitos naturalistas (incluindo o avô de
Darwin, Erasmus Darwin) sugeriram que a vida evoluía à medida
que os ambientes mudavam. Mas somente um dos predecessores
 Figura 22.4 Características adquiridas não podem ser herda-
de Charles Darwin propôs um mecanismo para como a vida muda das. Este bonsai foi “treinado” através de poda para não crescer. No en-
ao longo do tempo: o biólogo francês Jean-Baptiste de Lamarck tanto, sementes desta árvore produzem prole de tamanho normal.
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REVISÃO DO CONCEITO que era médico, não conseguia ver grande futuro para o seu filho
1. Como as ideias de Hutton e Lyell influenciaram o pensa- como naturalista, então o matriculou na Faculdade de Medicina
mento de Darwin sobre evolução? de Edimburgo. No entanto, Charles achava a medicina entedian-
2. E SE...? No Capítulo 1, aprendemos que hipóteses te, e a cirurgia antes do surgimento da anestesia, horripilante.
científicas devem ser testáveis e podem ser rejeitadas. Ele abandonou os estudos de Medicina e entrou na Universidade
Aplicando esse critério, as explicações de Cuvier sobre o de Cambridge com a intenção de ser tornar um clérigo (naquela
registro fóssil e as hipóteses de Lamarck sobre evolução época na Inglaterra muitos cientistas pertenciam à Igreja).
são científicas? Explique a sua resposta para cada caso. Em Cambridge, Darwin se tornou um protegido do reveren-
do John Henslow, professor de botânica. Logo após a formatura
Ver as respostas sugeridas no Apêndice A.
de Darwin, Henslow recomendou-o ao capitão Robert FitzRoy,
que preparava o barco de pesquisa HMS Beagle para uma longa
viagem ao redor do mundo. Darwin pagaria as suas despesas e
22.2 A descendência com modificação faria companhia ao jovem capitão. FitzRoy aceitou Darwin por
sua escolaridade e também por serem de mesma classe social e
por seleção natural explica as quase da mesma idade.
adaptações dos organismos,
A viagem do Beagle
bem como a uniformidade e a
Darwin embarcou no Beagle na Inglaterra em dezembro de 1831.
diversidade da vida A missão inicial era catalogar trechos pouco conhecidos da costa
da América do Sul (Figura 22.5). Enquanto a tripulação do barco
No início do século XIX, acreditava-se que as espécies não so-
fazia o levantamento da costa, Darwin passou a maior parte do
friam modificações desde a sua criação. No entanto, algumas
tempo em terra observando e coletando milhares de animais e
dúvidas sobre essa condição imutável das espécies estavam apa-
plantas sul-americanos. Ele observou características que tornavam
recendo, mas ninguém poderia prever a tempestade que se for-
esses animais e plantas adaptados a diversos ambientes, como flo-
ma no horizonte. Como Charles Darwin acendeu o estopim para
restas brasileiras, pampas na Argentina e montanhas nos Andes.
uma visão revolucionária da vida?
Darwin observou que as plantas e animais de regiões tem-
peradas da América do Sul eram mais parecidas com espécies
A pesquisa de Darwin do mesmo continente que vivem nos trópicos do que com espé-
Charles Darwin (1809-1882) nasceu em Shrewsbury, no Oeste cies de regiões temperadas da Europa. Além disso, os fósseis que
da Inglaterra. Desde menino, apresentou grande interesse pela ele encontrou, embora diferentes das espécies existentes, eram
natureza. Quando não estava lendo livros sobre natureza, estava caracteristicamente sul-americanos, parecidos com as espécies
pescando, caçando ou colecionando insetos. O pai de Darwin, existentes no continente.

Darwin em 1840,
após o retorno
da viagem.

Grã-
Bretanha EUROPA
AMÉRICA
DO NORTE
OCEANO
ATLÂNTICO
As ÁFRICA
Ilhas OCEANO
Pinta PACÍFICO HMS Beagle no porto.
Galápagos
Genovesa Equator
Marchena
Equator AMÉRICA
Santiago DO SUL OCEANO
Ilhas PACÍFICO
Daphne
Pinzon AUSTRÁLIA
Fernandina
OCEANO
Andes

Isabela Santa Santa PACÍFICO Cabo da


Cruz Fé São Boa Esperança
Cristobal
0 40 km Florenza
Tasmânia
Espanhola Cabo Horn
0 40 milhas
Nova
Terra do Fogo Zelândia

 Figura 22.5 A viagem do HMS Beagle.


456 C a mpbel l & Col s .

Darwin também dedicou muito tempo da viagem pensando preensão da evolução. Como veremos futuramente, suas expli-
sobre geologia. Apesar das crises de enjoo, ele leu Princípios de cações de como essas adaptações surgiram estão centralizadas
geologia, de autoria de Lyell, a bordo do Beagle. Ele pôde obser- no conceito de seleção natural – processo no qual indivíduos
var de perto mudanças geológicas ao presenciar um terremoto com certas características herdadas deixam mais descendentes
na costa do Chile, observando também que as rochas ao longo da do que indivíduos com outras características.
costa tinham sido movidas vários metros para cima. Ao encon- No início da década de 1840, Darwin já tinha detalhado os
trar fósseis de organismos marinhos nas montanhas dos Andes, principais aspectos de sua hipótese. Ele organizou todas as suas
Darwin sugeriu que rochas contendo esses fósseis deveriam ter ideias em 1844, quando escreveu um longo artigo sobre descen-
chegado ao topo das montanhas por meio de uma série de terre- dência com modificação e o seu principal mecanismo, a seleção
motos similares ao que ele presenciou. Essas observações refor- natural. No entanto, estava receoso de publicar as suas ideias,
çaram o que ele havia lido no livro de Lyell, que a evidência f ísica aparentemente porque previa o tumulto que elas causariam. À
não apoia a visão tradicional de uma Terra estática e com apenas medida que adiava a publicação do seu artigo, ele continuava a
alguns milhares de anos. agregar evidências que sustentariam a sua hipótese. Pela metade
O interesse de Darwin pela distribuição geográfica das espé- da década de 1850, Darwin descreveu suas ideias a Lyell e a al-
cies foi estimulado pela parada do Beagle nas Ilhas Galápagos, ar- guns outros cientistas. Lyell, apesar de não estar convencido da
quipélago vulcânico, localizado perto do Equador a aproximada- existência de evolução, sugeriu que Darwin publicasse as suas
mente 900 km a Oeste da América do Sul. Darwin ficou fascinado ideias antes que alguém chegasse às mesmas conclusões e as pu-
pelos estranhos organismos que habitavam as ilhas. Os pássaros blicasse primeiro.
coletados incluíam vários tipos de tordos que, embora semelhan- Em junho de 1858, as previsões de Lyell se tornaram reali-
tes, pareciam pertencer a espécies diferentes. Alguns eram endê- dade. Darwin recebeu um manuscrito de Alfred Russel Wallace
micos de uma ilha, e outros eram encontrados em ilhas adjacentes. (1823-1913), naturalista inglês que estava trabalhando nas Índias
Além disso, embora os animais de Galápagos fossem parecidos Orientais e havia desenvolvido uma hipótese de seleção natural
com algumas espécies existentes no continente sul-americano, semelhante à de Darwin. Wallace pediu a Darwin para avaliar o
a maioria não tinha sido registrada em nenhum outro lugar do seu artigo e também para enviá-lo a Lyell se merecesse ser publi-
mundo. Darwin, então, sugeriu que Galápagos teria sido coloni- cado. Darwin concordou e escreveu para Lyell dizendo: “Você ti-
zada por organismos que saíram do continente sul-americano, nha razão... Nunca vi uma coincidência tão grande... toda a minha
diversificaram-se e deram origem a novas espécies habitantes das originalidade, qualquer que fosse, foi destruída”. Lyell e um colega
várias ilhas. apresentaram o artigo de Wallace junto com trechos do artigo de
Darwin, não publicado e escrito em 1844, à Linnean Society of
O foco de Darwin na adaptação
Durante a viagem do Beagle, Darwin ob-
servou muitos exemplos de adaptações,
características dos organismos que au-
mentam a sua capacidade de sobrevivência
e reprodução em ambientes específicos.
Mais tarde, à medida que revisou as suas
observações, ele passou a perceber que
as adaptações ao ambiente e a origem de
novas espécies são processos fortemente
relacionados. Era possível uma nova espé-
cie se originar de uma forma ancestral por (a) Dieta de cactos. O bico (c) Dieta de sementes. O
acúmulo gradual de adaptações a diferen- longo e afiado do tentilhão grande dos Galápagos
tes ambientes? Por meio de estudos desen- tentilhão dos cactos (Geospiza magnirostris) possui
(Geospiza scandens) bico grande adaptado para
volvidos anos após a viagem de Darwin, ajuda a ave a rasgar e quebrar sementes que caem
biólogos concluíram que foi exatamente comer as flores e a polpa das plantas.
isso que ocorreu ao diverso grupo de tenti- dos cactos.
lhões de Galápagos discutido no Capítulo
1 (ver Figura 1.22). Os vários bicos e com-
portamentos dos tentilhões são adapta- (b) Dieta de insetos. O tentilhão canoro
ções aos alimentos específicos disponíveis (Certhidea olivacea) utiliza o seu bico
pontudo para se alimentar de insetos.
nas ilhas que eles habitam (Figura 22.6).
Darwin entendeu que a explicação para  Figura 22.6 Variação no bico dos tentilhões de Galápagos. As ilhas Galápagos abrigam
essas adaptações era essencial para a com- mais de doze espécies de tentilhões relacionadas entre si, presentes, às vezes, em apenas uma ilha.
As diferenças mais marcantes entre eles são os bicos adaptados a dietas específicas.
B i o l o gi a 457

London em 1o de julho de 1858. Darwin rapidamente terminou


o seu livro com o título de Sobre a origem das espécies por meio
da seleção natural (amplamente conhecido como A origem das
espécies) e publicou-o no ano seguinte. Embora Wallace tivesse
publicado as suas ideias antes de Darwin, ele o admirava e achava
que, como Darwin havia desenvolvido a ideia de seleção natural,
ele deveria ser conhecido como seu principal descobridor.
Em aproximadamente uma década, o livro de Darwin com
suas hipóteses tinha convencido a maioria dos biólogos de que
a diversidade da vida é um produto da evolução. Darwin obteve  Figura 22.7 “Eu pen-
sucesso onde outros evolucionistas não conseguiram, principal- so...” Neste rascunho de
1837, Darwin previu o pa-
mente porque apresentou um mecanismo científico plausível com drão de ramificação da evo-
lógica perfeita e uma avalanche de evidências. lução.

A origem das espécies


Hyracoidea
No seu livro, Darwin desenvolveu duas ideias (híraces)
principais: a descendência com modificação
explica a uniformidade e a diversidade da Sirenia
(peixes-boi
vida, e a seleção natural mostra a correspon- e parentes)
dência entre os organismos e seu hábitat.
Moeritherium

Descendência com modificação


Na primeira edição de A origem das espécies, Barytherium
Darwin nunca utilizou a palavra evolução
(embora a palavra final do livro seja “evo-
Deinotherium
luiu”). Ao contrário, ele discutiu a descendên-
cia com modificação, a expressão que resume
a sua percepção da vida. Darwin observou Mamute
uniformidade na vida, atribuída por ele à
descendência de todos os organismos de um
Platybelodon
ancestral comum que viveu em um passado
distante. Também considerou que, como os
descendentes desse organismo ancestral vive- Stegodon
ram em vários hábitats ao longo de milhões
de anos, eles teriam acumulado diversas mu-
Mammuthus
danças (ou adaptações) que os adaptaria a
modos de vida específicos. Darwin sugeriu
que durante longos períodos, a descendência Elephas maximus
com modificação levaria a uma rica diversi- (Ásia)
dade de vida que se observa atualmente.
Loxodonta
Darwin vislumbrou a história da vida africana
como uma árvore, com muitos ramos que (África)
saíam de um tronco comum para as pontas Loxodonta cyclotis
de novos galhos (Figura 22.7). As pontas dos (África)
galhos representariam a diversidade de or-
ganismos atuais. Cada bifurcação da árvore 34 24 5,5 2 104 0
representaria um ancestral de todas as linhas
Milhões de anos atrás Anos atrás
evolutivas que posteriormente se ramifica-
riam nesse ponto. Como está representado na
 Figura 22.8 Descendência com modificação. Esta árvore evolutiva dos elefantes e seus
árvore da Figura 22.8, espécies relacionadas parentes baseia-se principalmente em fósseis – sua anatomia, ordem de surgimento nos estratos e
entre si como os elefantes asiáticos e africanos distribuição geográfica. Observe que a maioria dos ramos de descendentes termina em extinção.
são muito semelhantes, pois compartilham a (A linha do tempo não está em escala.)
mesma linha de descendência até a recente se- Com base na árvore apresentada, aproximadamente quando viveu o mais recente ancestral
? compartilhado por mamutes, elefantes asiáticos e elefantes africanos?
458 C a mpbel l & Col s .

paração do ancestral comum. Observe que sete linhagens relacio-


nadas aos elefantes foram extintas nos últimos 30 milhões de anos.
Desse modo, não existem espécies vivas que completem essa lacu-
na entre os elefantes e os parentes mais próximos, os peixes-boi e
os híraces. De fato, muitos ramos da evolução, mesmo os maiores,
são beco sem saídas: os cientistas estimam que mais de 99% de
todas as espécies que já existiram estão hoje extintas.
Em seu esforço de classificação, Linnaeus percebeu que alguns
organismos são mais semelhantes entre si em comparação com
outros, mas não relacionou essa semelhança com evolução. No en-
tanto, por ter reconhecido que a diversidade dos organismos pode
ser organizada em “grupos subordinados a outros grupos” (expres-
são de Darwin), o sistema de Linnaeus combinava bem com a hi-  Figura 22.10 Variação numa população. A variação na coloração
pótese de Darwin. Para Darwin, a hierarquia de Linnaeus reflete e nos padrões desta população de caracóis, sendo herdável, é influenciada
a ramificação da árvore da história da vida, com organismos em por seleção natural.
vários níveis se relacionando através de ancestrais comuns.
Darwin então descreveu quatro observações da natureza, das
Seleção artificial, seleção natural e adaptação
quais fez duas inferências:
Darwin propôs o mecanismo de seleção natural para explicar os
padrões observáveis de evolução. Ele construiu seu argumento
cuidadosamente, para persuadir o leitor mais cético. Primeiro, Observação #1: Membros de uma população geralmente
discutiu exemplos conhecidos de cruzamento seletivo de plantas possuem grande variação em suas características (Figura
e animais domesticados. Os humanos têm modificado outras es- 22.10).
pécies ao longo de gerações por meio da seleção e do cruzamento Observação #2: Características são herdadas dos pais
de indivíduos com características desejadas – processo chamado pela prole.
de seleção artificial (Figura 22.9). Como resultado da seleção
Observação #3: Todas as espécies são capazes de produ-
artificial, plantas cultivadas e animais de rebanho ou estimação
zir uma prole maior do que o ambiente pode suportar (Fi-
apresentam pouca semelhança com os seus ancestrais selvagens.
gura 22.11).
Observação #4: Devido à falta de alimento ou outro re-
curso, muitos descendentes não sobrevivem.
Broto Inferência #1: Indivíduos que herdaram características
terminal
Broto
que conferem maior probabilidade de sobrevivência e re-
lateral produção em dado ambiente tendem a deixar mais des-
cendentes do que outros indivíduos.
Repolho Couve-de-bruxelas
Inflorescência Inferência #2: Essa diferença na habilidade dos indivíduos
em sobreviver e reproduzir levará ao acúmulo de caracte-
rísticas favoráveis na população ao longo de gerações.
Folhas
Darwin observou a importante relação entre a seleção natural
Couve e a capacidade dos organismos produzirem muitos descendentes.
Couve-flor
Ele começou a fazer essa conexão após ler o artigo do economista
Thomas Malthus que sugeria que a maior parte do sofrimento da
Caule
humanidade – doença, fome e guerra – seria consequência do
potencial de crescimento da população humana mais rápido do
Mostarda selvagem
que o alimento ou outros recursos. Darwin entendeu que a ca-
Flores pacidade de produzir muitos descendentes era característica de
e caule todas as espécies. Somente uma pequena porção dos ovos pos-
Brócolis Couve-rábano tos, e dos filhotes nascidos das sementes dispersas completam o
 Figura 22.9 Seleção artificial. Estes vegetais foram selecionados de seu desenvolvimento e deixam os seus próprios descendentes. O
uma espécie selvagem de mostarda do campo. Com a seleção de diferen- restante não reproduz devido a predadores, fome, doença ou a
tes partes da planta, melhoristas obtiveram estes resultados divergentes. condições f ísicas do ambiente, como salinidade ou temperatura.
B i o l o gi a 459

(a) Louva-a-deus flor


na Malásia.

Nuvem de
esporos

(b) Bicho-pau
na África.

 Figura 22.11 Superprodução de prole. Um único esporângio de


fungo pode produzir bilhões de esporos. Se todos estes esporos e seus des-
cendentes sobrevivessem, cobririam toda a superfície ao redor da Terra.

As características de um organismo podem influenciar não  Figura 22.12 Camuflagem como exemplo de adaptação evolu-
somente o seu próprio desempenho, mas também o quanto a sua tiva. Espécies relacionadas de insetos da ordem Mantodea apresentam
prole conseguirá lidar com condições adversas do ambiente. Por cores e formas diversas evoluídas em ambientes distintos.
exemplo, um organismo deve possuir características que confi-
ram à sua prole vantagem para escapar de predadores, em obter  Ao longo do tempo, a seleção natural pode melhorar a rela-
alimentos e tolerar condições f ísicas do ambiente. Quando essas ção do organismo com o seu ambiente (Figura 22.12).
vantagens aumentam o número de descendentes que sobrevivem  Se o ambiente se modifica, ou se os indivíduos mudam para
e se reproduzem, as características favoráveis provavelmente irão um novo ambiente, a seleção natural talvez leve à adaptação
aparecer em frequência alta na próxima geração. Assim, ao longo dos organismos a essas novas condições, dando origem a no-
do tempo, a seleção natural ligada a fatores como predação, au- vas espécies ao longo de todo o processo.
sência de alimento ou condições f ísicas adversas pode aumentar
Um ponto importante, mas sutil, é que embora a seleção na-
a proporção de características favoráveis na população.
tural ocorra através de interações entre organismos individuais
Com que rapidez essas mudanças ocorrem? Darwin sugeriu
e seu ambiente, os indivíduos não evoluem. É a população que
que, se a seleção artificial pode gerar mudanças drásticas num
evolui ao longo do tempo.
período relativamente curto, então a seleção natural deveria ser
Um segundo ponto importante é que a seleção natural pode
capaz de promover modificações substanciais nas espécies ao
apenas aumentar ou diminuir características herdáveis, ou seja,
longo de várias centenas de gerações. Mesmo se as vantagens de
transmitidas de pais para filhos. Mesmo que um organismo se
uma característica herdada sobre outra forem pequenas, as va-
modifique durante o seu ciclo de vida, adquirindo característi-
riações vantajosas irão acumular gradualmente na população, e
cas que o ajudem a se desenvolver no seu ambiente, existe pouca
as variações menos favoráveis diminuirão. Ao longo do tempo,
evidência de que essas características podem ser herdadas pela
esse processo irá aumentar a frequência de indivíduos com adap-
prole.
tações favoráveis e assim aperfeiçoar a relação do organismo com
Em terceiro lugar, fatores ambientais variam geograficamente
o seu ambiente.
ao longo do tempo. Uma característica favorável em dado espaço
Seleção natural: um resumo e tempo talvez não seja importante – ou até mesmo seja deletéria
– em outros momentos e locais. A seleção natural está sempre
Vamos agora recapitular as ideias principais da seleção natural:
agindo, mas as características favoráveis dependem do contexto
 A seleção natural é um processo em que os indivíduos com ambiental.
certa característica herdada sobrevivem e se reproduzem em A seguir, vamos explorar as observações que sustentaram a
uma taxa maior em comparação com outros indivíduos. visão darwiniana de evolução por meio de seleção natural.
460 C a mpbel l & Col s .

REVISÃO DO CONCEITO

1. Como o conceito de descendência com modificação expli-


 Figura 22.13 Pesquisa
ca a uniformidade e a diversidade da vida? A predação pode resultar em seleção natural
2. Descreva como reprodução excedente e variação herdável para os padrões de coloração em barrigudinhos?
se relacionam à evolução por seleção natural. EXPERIMENTO John Endler, da Universidade da Califórnia, em Santa
3. E SE...? Se você descobrisse um fóssil de mamífero ex- Bárbara, estudou um grupo de barrigudinhos selvagens do Rio Aripo na
tinto que viveu nos Andes, diria que ele se parece mais ilha caribenha de Trinidad. Ele transferiu 200 barrigudinhos de regiões do
rio que continham joaninhas, predadores vorazes de barrigudinhos, para
com os atuais mamíferos das florestas sul-americanas ou uma região contendo somente killifish, um predador menos ativo. Ele con-
com aqueles das montanhas africanas? Explique. tou o número de pintas coloridas e a área total dessas pintas em barrigu-
dinhos machos em cada geração.
Ver as respostas sugeridas no Apêndice A.

Predador: killifish; preda principalmente


barrigudinhos jovens (que não
22.3 A evolução é sustentada por expressam os genes de coloração) Ambientes com
Barrigudinhos: machos adultos killifish, mas sem
uma quantidade expressiva de possuem cores mais brilhantes do barrigudinhos antes
que aqueles em ambientes com da transferência
evidências científicas joaninhas (pike-cichlids)

No livro A origem das espécies, Darwin mostrou várias evidências


que sustentavam o conceito de descendência com modificação. Transferência
experimental de
No entanto, como ele mesmo considerou, existem casos em que barrigudinhos
faltam evidências. Por exemplo, Darwin se referiu à origem das
plantas com flores como “um mistério abominável” e lamentou a
ausência de fósseis que mostrasse de que modo grupos de orga-
nismos deram origem a novos grupos.
Nos últimos 150 anos, novas descobertas têm completado
várias lacunas identificadas por Darwin. A origem das plantas
com flores, por exemplo, é melhor compreendida (ver Capítulo
29), e muitos fósseis indicando a origem de novos grupos de or-
ganismos foram descobertos (ver Capítulo 25). Nesta seção, con-
sideramos quatro tipos de dados que documentam o padrão de Predador: Joaninhas; predam preferencialmente
barrigudinhos adultos
evolução e iluminam seu processo: observações diretas da evolu- Barrigudinhos: machos adultos possuem
ção, registro fóssil, homologia e biogeografia. coloração menos brilhante em comparação
com aqueles de ambientes com killifish

Observações diretas de mudança evolutiva


RESULTADOS Depois de 22 meses (15 gerações), o número e a área
Biólogos têm documentado mudanças evolutivas em milhares total de pintas coloridas em machos de barrigudinhos na população trans-
de estudos científicos. Vamos examinar alguns desses estudos ao ferida aumentou em comparação com os machos da população original.
longo desta unidade, começando por dois exemplos. 12 12
Área de manchas
coloridas (mm2)

pintas coloridas

10 10
Número de

Predação e coloração em guppies (barrigudinhos): 8 8


pesquisa científica 6 6
4 4
Os predadores (organismos que se alimentam de outras espécies
2 2
chamadas de presas) são uma força importante para moldar as 0 0
População População População População
adaptações das espécies presas. Predadores normalmente se ali- Original Transferida Original Transferida
mentam de presas menos aptas a se camuflarem, fugirem ou se
defenderem. Como resultado, essas presas provavelmente não
CONCLUSÃO Endler concluiu que a mudança no predador resultou
irão reproduzir e passar suas características à prole, ao contrário
no favorecimento de diferentes variações (padrões de coloração mais vi-
das presas que conseguem fugir dos predadores. brantes) na população transferida. Em um curto período de tempo, uma
Por muitos anos, John Endler, da Universidade da Califórnia, mudança evolutiva observável ocorreu nesta população.
em Santa Bárbara, estudou o impacto de predadores de barrigudi- FONTE J.A. Endler, Natural selection on color patterns in Poecilia re-
nhos (guppies) (Poecilia reticulata), pequeno peixe de água-doce ticulata. Evolution 34:76-91 (1980).
comum em aquários domésticos. Ele observou que, na população E SE...? O que aconteceria se depois de 22 meses os barrigudinhos da
selvagem de barrigudinhos em Trinidad, o padrão de coloração dos população transferida retornassem à população original?
machos é tão diverso que nenhum deles se parece com o outro.
B i o l o gi a 461

Essas cores altamente variáveis são controladas por um grupo de

Porcentagem de vírus HIV resistentes ao 3TC


genes que, na natureza, se expressam somente em machos adul-
100
tos. As fêmeas de barrigudinho são atraídas por machos com cores Paciente
1
mais brilhantes e em geral preferem procriar com os mais coloridos Paciente 2
do que com aqueles de cores mais apagadas. No entanto, as cores 75
vibrantes que atraem as fêmeas também atraem os predadores. As-
sim, se uma população possui machos com cores vibrantes e apaga-
das, provavelmente os predadores vão atacar os mais brilhantes. 50
Endler tentou descobrir de que modo a relação de atrair par- Paciente 3
ceiros e predadores afeta a coloração em machos de barrigudi-
nhos. A campo, observou que os padrões de coloração de bar- 25
rigudinhos machos aparentemente correspondiam à intensidade
de predação. Em pequenos corpos d’água que abrigavam poucas
0
espécies de predadores, os barrigudinhos machos geralmente 0 2 4 6 8 10 12
possuíam cores brilhantes, e em ambientes com muitos preda- Semanas
dores apresentavam coloração mais discreta. De acordo com es-
sas observações, Endler sugeriu que a predação intensa causou  Figura 22.14 Evolução da resistência a medicamentos no HIV. Ra-
seleção natural em barrigudinhos machos, favorecendo aqueles ros vírus resistentes se multiplicaram rapidamente quando cada um destes
pacientes foi tratado com o anti-HIV 3TC. Em apenas algumas semanas, os
com cores menos brilhantes. Testou a sua hipótese transferindo organismos resistentes ao 3TC já representavam 100% da população em
barrigudinhos com cores brilhantes para um ambiente com mui- todos os casos.
tos predadores. Como ele previu, ao longo do tempo a população
transferida adquiriu cores mais discretas. DNA da célula humana hospedeira (ver Figura 19.8). Visto que
Um dos predadores do barrigudinho, o killifish, geralmente a molécula 3TC é semelhante em forma ao nucleotídeo citosina
preda jovens que ainda não desenvolveram a coloração de adulto. do DNA, a transcriptase reversa do HIV seleciona uma molécula
Endler sugeriu que, se barrigudinhos com cores apagadas fossem 3TC, ao invés de selecionar uma citosina e adiciona este 3TC na
colocados em um ambiente com killifish como único predador, os cadeia de DNA em formação. Esse erro termina a formação da
descendentes desses barrigudinhos teriam cores mais vibrantes cadeia de DNA, bloqueando assim a reprodução do HIV.
(porque as fêmeas preferem machos de cores mais vibrantes). A Fi- As variações de vírus HIV resistentes ao 3TC possuem versões
gura 22.13 na página anterior descreve este experimento. De fato, da transcriptase reversa que consegue distinguir o medicamento
no seu novo ambiente, a população de barrigudinho rapidamente da molécula de citosina. Na ausência de 3TC, esses vírus não pos-
começou a apresentar cores mais brilhantes, demonstrando que a suem nenhuma vantagem em relação aos outros vírus; ao contrário:
seleção pode levar à rápida evolução em populações selvagens. apresentam replicação mais lenta em comparação aos vírus com a
versão típica da transcriptase reversa. No entanto, quando o 3TC é
A evolução do HIV resistente a medicamentos adicionado ao ambiente, ele se torna uma força seletiva muito im-
Um exemplo da seleção natural em curso que afeta nossas vidas portante na sobrevivência dos vírus resistentes (ver Figura 22.14).
dramaticamente é a evolução de patógenos (vírus e outros orga- Os dois exemplos, dos barrigudinhos e do HIV, ilustram dois
nismos causadores de doenças) resistentes a medicamentos. Isso pontos importantes sobre a seleção natural. Em primeiro lugar,
ocorre com bactérias e vírus que se reproduzem de forma ace- a seleção natural mais se parece com um processo de edição do
lerada, pois o número de indivíduos resistentes a uma droga em que com um mecanismo de criação. O medicamento não cria
particular pode aumentar rapidamente. patógenos resistentes, ele seleciona indivíduos resistentes que já
Considere o exemplo do HIV (vírus da imunodeficiência hu- estavam na população. Em segundo lugar, a seleção natural de-
mana), o vírus causador da AIDS (ver Capítulos 19 e 43). Pesqui- pende do tempo e espaço onde está ocorrendo. Ela favorece, em
sadores desenvolveram vários medicamentos para combater esse uma população com variabilidade genética, aquelas característi-
patógeno, mas o seu uso promove uma seleção dos vírus resis- cas que conferem vantagem aos indivíduos em tempo e espaço
tentes. Poucos deles talvez estejam presentes, ao acaso, no início determinados. O que pode ser benéfico em uma situação talvez
do tratamento. Aqueles que sobrevivem às doses iniciais passam seja neutro ou danoso em outra. No exemplo dos barrigudinhos,
os seus alelos a gerações futuras, habilitando-as a sobreviver ao a coloração apagada era vantajosa em ambientes com predadores
medicamento, aumentando, assim, rapidamente a frequência de vorazes, mas em outros ambientes, desvantajosa.
vírus resistentes.
A Figura 22.14 ilustra a evolução da resistência do HIV ao O registro fóssil
medicamento 3TC. Os cientistas criaram o 3TC para interferir O segundo tipo de evidência para a evolução vem dos fósseis. O
na transcriptase reversa. O HIV utiliza essa enzima para produ- registro fóssil mostra que organismos que viveram no passado
zir DNA a partir do seu RNA genômico, que então é inserido no são diferentes dos organismos atuais, e também que muitas espé-
462 C a mpbel l & Col s .

4
4
6 4 Bristolia insolens

8 3 Bristolia bristolensis (a) Pakicetus (terrestre).


Profundidade (metros)

10

3 12
2 Bristolia harringtoni
14

16
(b) Rhodocetus (predominantemente aquático).
18 1 Bristolia mohavensis

2 Pelve e membros
inferiores
(c) Dorudon (totalmente aquático).

Ancestral da
(d) Balaena baleia moderna
1 Sítio arqueológico de Latham Shale,
cidade de San Bernardino, Califórnia. (ancestral da baleia
moderna).
 Figura 22.15 Evidência fóssil de evolução em um grupo de tri-
lobitas. Estes fósseis apenas amostras de uma série descoberta no sítio  Figura 22.16 A transição para a vida no mar. A hipótese de que
arqueológico de Latham Shale. Eles datam do período entre 513 e 512 baleias e outros cetáceos evoluíram a partir de organismos terrestres suge-
milhões de anos atrás. A sequência mostra a mudança ao longo do tempo re que cetáceos ancestrais possuíam quatro patas. De fato, paleontólogos
da localização e do ângulo dos espinhos no escudo da cabeça dos animais descobriram fósseis de cetáceos extintos com quatro patas, incluindo as
(a área marcada por pontos vermelhos). quatro espécies ilustradas nesta figura (desenho fora de escala). Fósseis
adicionais demonstram que Pakicetus e Rodhocetus possuíam um tipo de
cies já se extinguiram. Fósseis também demonstram que mudan- osso no tornozelo exclusivo de um grupo de mamíferos terrestres que inclui
porcos, hipopótamos, vacas, camelos e veados. Essa similaridade sugere
ças evolutivas ocorreram ao longo do tempo em diversos grupos que os cetáceos são estreitamente relacionados a este grupo de mamíferos
de organismos (Figura 22.15). terrestres.
No decorrer de longas escalas de tempo, os fósseis documen-
taram a origem dos novos e principais grupos de organismos. Um Além de evidenciar como a vida na Terra muda ao longo do
exemplo é o registro fóssil dos primeiros cetáceos, a ordem de tempo – o padrão de evolução –, o registro fóssil também pode
mamíferos que inclui baleias, golfinhos e botos. Os cetáceos mais ser utilizado para testar hipóteses evolutivas surgidas de outros
antigos viveram de 50 a 60 milhões de anos atrás. O registro fós- tipos de evidência. Por exemplo, com base em dados anatômi-
sil indica que antes disso a maioria dos mamíferos era terrestre. cos, os cientistas pensam que os primeiros vertebrados terrestres
Embora cientistas acreditem que as baleias e outros cetáceos se evoluíram de um grupo de peixes e que os primeiros anf íbios
originaram de mamíferos terrestres, há pouca evidência fóssil so- se originaram de descendentes dos primeiros vertebrados ter-
bre como a estrutura dos membros dos cetáceos se modificou ao restres. Se essas relações estão corretas, os primeiros fósseis de
longo do tempo, originando nadadeiras. No entanto, nas últimas peixe deveriam ser mais antigos do que os primeiros fósseis de
décadas, uma série de fósseis vem sendo descoberta no Paquis- vertebrados terrestres. Do mesmo modo, os primeiros fósseis de
tão, Egito e América do Norte, que documentam a transição da vertebrados terrestres seriam mais antigos do que os primeiros
vida da terra para a água. Todos os organismos mostrados na Fi- fósseis de anf íbios. Essas hipóteses podem ser testadas usando
gura 22.16 diferem dos mamíferos atuais (incluindo as baleias) e técnicas radioativas de datação (ver Capítulo 25) para determinar
estão atualmente extintos. Coletivamente, esses e outros fósseis a idade dos fósseis. Até agora, todas essas hipóteses têm sido con-
primitivos documentam a formação de novas espécies e a origem firmadas. Isso sugere que as hipóteses se baseavam numa com-
de um dos principais grupos de mamíferos, os cetáceos. preensão correta das relações evolutivas.
B i o l o gi a 463

Homologia
Um terceiro tipo de evidência da existência da evolução vem da
análise de semelhanças entre diferentes organismos. Como vimos,
Bolsas
a evolução é um processo de descendência com modificação: as faríngeas
características presentes em um organismo são alteradas (por se-
leção natural) em seus descendentes ao longo do tempo, à medida
que enfrentam diferentes condições ambientais. Como resultado,
espécies relacionadas podem ter características semelhantes mes- Cauda
mo que apresentem diferentes funções. Essas semelhanças resul- pós-anal
tantes de um ancestral comum são chamadas de homologias.
Embrião de galinha (MO) Embrião humano
Homologias anatômicas e moleculares
A percepção da evolução como um processo modelador leva a crer  Figura 22.18 Semelhanças anatômicas em embriões de verte-
brados. Em algum estágio do desenvolvimento embrionário, todos os ver-
que espécies relacionadas compartilham características semelhantes tebrados apresentam cauda localizada posteriormente ao ânus (chamada
– e elas compartilham mesmo. Claro, espécies intimamente relacio- de cauda pós-anal), assim como bolsas faríngeas (na garganta). A descen-
nadas compartilham as caracteríticas utilizadas para determinar seu dência a partir de um ancestral comum pode explicar estas semelhanças.
parentesco, mas também compartilham muitas outras característi-
cas. Algumas dessas características compartilhadas só fazem senti- ânus e também estruturas chamadas de bolsas faríngeas em al-
do no contexto da evolução. Por exemplo, os membros anteriores de gum estágio do seu desenvolvimento (Figura 22.18). Essas bolsas
todos os mamíferos, incluindo humanos, gatos, baleias e morcegos, faríngeas homólogas se transformam em estruturas com funções
mostram o mesmo arranjo de ossos que vai do ombro às pontas dos muito diferentes, como: brânquias em peixes, e partes dos ouvi-
dedos, apesar de serem utilizados para diferentes funções, como: dos e da garganta em humanos e outros mamíferos.
levantar objetos, caminhar, nadar e voar (Figura 22.17). Essa sur- Algumas das mais intrigantes homologias estão relaciona-
preendente semelhança anatômica seria muito improvável se estas das com estruturas com pouca ou nenhuma importância para o
estruturas tivessem se originado em cada espécie. Esses esqueletos organismo. Essas estruturas vestigiais são remanescentes de es-
básicos de braços, patas dianteiras, nadadeiras e asas de diferentes truturas que apresentavam funções importantes nos organismos
mamíferos são estruturas homólogas que representam variações ancestrais. Por exemplo, o esqueleto de algumas cobras apresenta
de um mesmo tema estrutural presente no ancestral comum. vestígios de pelve e ossos das patas provenientes de ancestrais que
A comparação de estágios iniciais do desenvolvimento em caminhavam. Outro exemplo é a diminuição do tamanho e perda
diferentes espécies de animais mostra homologias anatômicas da função dos membros posteriores dos cetáceos à medida que
adicionais não visíveis em organismos adultos. Por exemplo, to- esses organismos enfrentaram os desafios da vida aquática (ver
dos os vertebrados possuem uma cauda em posição posterior ao Figura 22.16). Essas estruturas não seriam observadas se cobras e
baleias tivessem uma origem se-
parada dos outros vertebrados.
Biólogos também observam
semelhanças entre organismos
em nível molecular. Todas as for-
Úmero
mas de vida utilizam a mesma
linguagem genética de DNA e
RNA e o código genético é essen-
cialmente universal (ver Capítulo
Rádio 17). Assim, é provável que todas
Ulna as espécies descendam de um
ancestral comum que já utilizava
Carpos esse código. Por exemplo, orga-
Metacarpos nismos tão diferentes como hu-
Falanges manos e bactérias compartilham
genes herdados de um ancestral
comum muito distante. Assim
Humano Gato Baleia Morcego como os membros posteriores de
 Figura 22.17 Membros anteriores de mamíferos: estruturas homólogas. Mesmo adaptados a diferen- humanos e baleias, esses genes
tes funções, os membros anteriores de todos os mamíferos são constituídos dos mesmos elementos básicos do frequentemente adquirem dife-
esqueleto: um osso grande (roxo), conectado a dois ossos menores (laranja e bege), ligado a vários ossos pequenos rentes funções.
(amarelo), então conectados a vários metacarpos (verde), e a aproximadamente cinco dígitos ou falanges (azul).
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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