Você está na página 1de 14

Ocorrência e distribuição dos

História da Vida na Terra e Distribuição Atual da Vida no Planeta


seres vivos como resultado
das pressões ambientais
Ana Lucia Brandimarte
Déborah Yara Alves Cursino dos Santos

2.1 Introdução
2.1.1 O que é o ambiente de um ser vivo?
2.1.2 Como se define espécie?
2.1.3 Como se configura um processo evolutivo?
2.1.4 O que é desempenho biológico?
2.2 Fatores limitantes
2.2.1 O que é fator limitante?
2.2.2 Como atua um fator limitante?
2.2.3 Quais são os princípios auxiliares à Lei da Tolerância?
2.3 O que é nicho ecológico?
2.4 Por que os fatores limitantes e o nicho ecológico explicam
a distribuição das espécies no planeta?
2.5 Fechando o assunto
2.5.1 O que virá depois
Referências

Licenciatura em Ciências · USP/ Univesp


Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3 231

2.1 Introdução
Diferentes tipos de organismos vivos não ocorrem homogeneamente nos ambientes terrestres e
aquáticos. Enquanto alguns apresentam ampla distribuição, outros ocorrem apenas em determinados
locais. Mesmo em uma região propícia à ocorrência de um determinado tipo de vegetação natural
é possível perceber que as plantas não se distribuem igualmente, podendo ser observadas manchas
resultantes da agregação de indivíduos de um mesmo tipo ou de diferentes tipos, mas com exigências
ambientais semelhantes (Figura 2.1).

Figura 2.1: Diversas feições observadas em uma região.

2.1.1 O que é o ambiente de um ser vivo?

Ambiente (do latim ambiens = ao redor) é uma palavra empregada rotineiramente,


adquirindo significados diferentes nas mais variadas situações. Com o objetivo de facilitar
a compreensão do que virá a seguir, definiremos ambiente como o conjunto de situações
a que um ser vivo está exposto no local em que vive. Assim, sob essa visão, ambiente
integra os fatores físicos (tipo de solo e temperatura, entre outros) e biológicos (indi-
víduos do mesmo tipo e de outros tipos que vivem no mesmo local). Os primeiros são
denominados abióticos (“não vivos”), e os segundos são os bióticos (“vivos”).

História da Vida na Terra e Distribuição Atual da Vida no Planeta


232 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3

2.1.2 Como se define espécie?

Pelo que acabamos de afirmar, as características bióticas de um determinado local nada mais
são do que o conjunto de diferentes tipos de organismos que nele habitam. Grupos de indivíduos
do mesmo tipo constituem uma espécie (do latim species = tipo ou aparência), sendo que os
indivíduos de uma mesma espécie que se encontram em um determinado ambiente formam uma
população. Neste momento é muito importante ter clareza a respeito do conceito de espécie.
Em primeiro lugar, deve-se salientar que espécie pode ser definida inicialmente de duas
maneiras: a primeira leva em conta a morfologia e a outra, o conceito biológico. Como se verá
a seguir, ambas as visões geralmente, mas nem sempre, são coincidentes. Segundo o conceito
morfológico de espécie, uma espécie pode ser definida como um grupo de indivíduos que
apresentam certas características que os tornam morfologico, fisiologico ou bioquimicamente
distintos de outros grupos de indivíduos. Essa é a visão empregada pelos taxonomistas que
até pouco tempo baseavam-se apenas em características morfológicas diferentes para distinguir
as espécies, não levando em consideração se tais diferenças resultavam em impossibilidade de
reprodução entre indivíduos de espécies diferentes. Chegamos, então, ao conceito biológico
de espécie que foi enunciado por Ernst Mayr, em 1942. Segundo esse biólogo alemão, uma
espécie é formada por populações cujos indivíduos podem intercruzar, produzindo descen-
dentes férteis. Imagine duas populações cujos indivíduos não intercruzam ou, se isso acontece,
produzem descendentes inférteis. Nesse caso, dizemos que estas populações apresentam isola-
mento reprodutivo, tratando-se, assim, de duas espécies diferentes.
Como se vê, o conceito de espécie proposto por Mayr não se aplica às espécies que apre-
sentam reprodução assexuada. Portanto, neste caso, a definição taxonômica não coincide com
o conceito biológico de espécie.
Há uma terceira definição, o conceito filogenético de espécie, no qual a espécie é definida
como o menor grupo de indivíduos que compartilham um ancestral comum, formando um
ramo na árvore da vida. Uma abordagem detalhada sobre filogenia será apresentada na disciplina
Diversidade Biológica e Filogenia. Por ora basta saber que a filogenia (do grego phylon = tribo,
raça e genetikos = relativo à gênese, origem) se ocupa em determinar as relações ancestrais/
descendentes entre as espécies.
Finalmente, existe o conceito ecológico de espécie que define uma espécie em função
do modo como seus membros interagem com componentes abióticos ou bióticos do ambiente.

2 Ocorrência e distribuição dos seres vivos como resultado das pressões ambientais
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3 233

2.1.3 Como se configura um processo evolutivo?

Como foi exposto na introdução desta aula, a ocorrência e a distribuição atual dos seres vivos
no planeta resultam de sua adaptação evolutiva às diferentes pressões ambientais. Além disso,
pelo texto Origem, evolução e estrutura das células anterior, conclui-se que as diversas
formas de vida não surgiram todas de uma vez, mas no decorrer de um longo período de
tempo. A atmosfera ia sendo alterada, surgiam diferentes organismos (procariontes, eucariontes),
e os que tinham sucesso naquelas condições iam sendo positivamente selecionados.
O importante neste ponto é saber o que permite que uma espécie tenha sucesso em
determinados ambientes e outras não. Como acontece com qualquer espécie, os indi-
víduos que compõem suas populações não são todos iguais, apresentando diferenças na
composição dos genes. Esse fato faz com que a probabilidade de sucesso diante de uma
determinada situação ambiental difira entre os indivíduos da mesma espécie.
As diferenças nas características genéticas de indivíduos pertencentes a uma mesma
população podem surgir por alterações espontâneas na sequência de bases nitrogenadas
do DNA (ver texto Origem, evolução e estrutura das células) e pelo rearranjo de
cromossomos durante a reprodução sexuada.
As alterações espontâneas que ocorrem no DNA são denominadas mutações e surgem pela adição
ou subtração de bases, ou ainda por alterações na estrutura dos cromossomos. As mutações, portanto,
dão origem a diferentes arranjos de bases que podem conferir novas habilidades aos organismos nos
quais ocorrem. Se tais habilidades vão ser positivas, negativas ou neutras para esses organismos, depende
das condições ambientais em que eles se encontram. Se tais alterações ocorrem nos gametas (células
reprodutoras), podem ser transmitidas aos descendentes. Cabe salientar que a frequência de ocorrência
de mutações é naturalmente baixa.
Quando ocorre reprodução sexuada, os cromossomos presentes nos gametas dos dois indivíduos
envolvidos formam uma combinação diferente daquela encontrada em cada um dos indivíduos
parentais. Assim, como no caso das mutações, essa combinação pode trazer sucesso ou não para o
novo indivíduo formado, sempre na dependência das condições ambientais a que estará sujeito.
Tomemos como exemplo o surgimento dos primeiros organismos resistentes ao enriquecimento
da atmosfera pelo oxigênio produzido pelos primeiros fotossintetizantes. Como exposto no texto da
aula anterior, esse gás pode ter sido tóxico para vários outros organismos e, portanto, o surgimento
de resistência possibilitou que estes novos indivíduos apresentassem maior sucesso naquela atmosfera.

História da Vida na Terra e Distribuição Atual da Vida no Planeta


234 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3

Assim, tinham maior chance de sobreviver e de deixar descendentes apresentando as mesmas ca-
racterísticas genéticas que conferiam resistência à geração parental. Pode-se afirmar que a atmosfera
rica em oxigênio exerceu uma pressão seletiva sobre os indivíduos então existentes, selecionando
aqueles que eram mais aptos a viver naquela situação. Esse processo é denominado seleção natural.
Todas as espécies estão sujeitas à seleção natural, assim como aquelas que já estão extintas
também estiveram. As espécies existentes atualmente surgiram em um tempo pretérito, oriun-
das de outras espécies das quais se separaram por processos de isolamento reprodutivo, e desde
então seus componentes têm estado sujeitos a inúmeras pressões seletivas. Portanto, ao longo
de sua existência, tais espécies passaram e continuam passando por um processo evolutivo,
no qual os indivíduos mais aptos são aqueles que apresentam melhor desempenho biológico,
permitindo-lhe maior sucesso frente às pressões ambientais.

2.1.4 O que é desempenho biológico?

O desempenho biológico é um indicativo do


sucesso do indivíduo em um determinado ambiente,
podendo ser avaliado através de medidas da capacidade
de sobrevivência, crescimento corporal e reprodução.
A possibilidade de um indivíduo sobreviver, crescer
e se reproduzir, depende do balanço entre a captação
de energia e nutrientes do ambiente e a perda de
energia pelo metabolismo. Quanto mais positivo for
Figura 2.2: Representação esquemática do balanço
esse balanço, mais energia o indivíduo terá disponível entre captação de energia e nutrientes e a perda
de energia por um indivíduo (clique no ícone para
para os três processos citados e, portanto, maior será iniciar a animação).

seu desempenho biológico (Figura 2.2).


Há uma diferença entre a quantidade de energia necessária para que o indivíduo consiga
realizar cada um dos três processos, sendo que menos energia é necessária para simplesmente
manter-se vivo (sobrevivência) e maior quantidade é necessária para a reprodução (Figura 2.3).

2 Ocorrência e distribuição dos seres vivos como resultado das pressões ambientais
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3 235

Figura 2.3: Variação do desempenho


biológico em função da intensidade de um
determinado fator ambiental (ex.: tempera-
tura). Observe que a faixa de valores em
que ocorre sobrevivência é maior que a
da reprodução, sendo que o crescimento
ocupa uma posição intermediária. / Fonte:
modificado de Begon et al., 2007

Agora é a sua vez


Antes de avançar na leitura do texto, acesse o ambiente virtual e realize a atividade online 2.1
para rever os conceitos importantes e avaliar sua compreensão sobre o que foi trabalhado até agora.

2.2 Fatores limitantes


2.2.1 O que é fator limitante?

Qualquer fator ambiental que


interfira na sobrevivência, crescimento
e reprodução dos indivíduos de uma
espécie e, portanto, no seu desempenho
biológico é um fator limitante.
No início deste texto afirmamos que
o ambiente de um indivíduo integra
os fatores físicos (abióticos) e biológicos
(bióticos) aos quais ele está exposto. Figura 2.4: Relação entre fatores limitantes e o desempenho
biológico de um indivíduo (clique no ícone para iniciar a animação).
Entre os fatores abióticos existem aque-
les que interferem no seu metabolismo,
como a temperatura, a umidade relativa, o pH, a salinidade e a concentração de poluentes, entre
outros. Tais fatores, embora afetem os indivíduos, não são consumidos ou esgotados por eles,
sendo denominados condições.

História da Vida na Terra e Distribuição Atual da Vida no Planeta


236 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3

Os recursos, por outro lado, são fatores utilizados pelos indivíduos. Esses fatores são abi-
óticos (espaço, luz, dióxido de carbono, oxigênio, nutrientes e água, entre outros) e bióticos
(organismos que servem de alimento para outros organismos). Quanto aos recursos, cabe dizer
que podem ter sua disponibilidade afetada pelos organismos, uma vez que são utilizados por
eles, sendo que em condições de escassez pode ocorrer competição pelo recurso.
Retomando a Figura 2.2, sobre o balanço entre captação de energia e nutrientes, e a perda
de energia por um indivíduo, podemos chegar a um esquema sintético com o acréscimo das
condições e recursos (Figura 2.4).
Além dos recursos e das condições, as interações entre as espécies também podem atuar
como fatores limitantes. Por exemplo, os indivíduos de duas espécies que competem por um
determinado recurso terão seu desempenho biológico diminuído uma vez que cada uma das
espécies não terá todo o recurso a sua disposição.

Agora é a sua vez


Acesse o ambiente virtual antes de avançar na leitura do texto e realize a atividade online 2.2.

2.2.2 Como atua um fator limitante?

Depreende-se do que foi visto anteriormente que um fator limi-


tante afeta o desempenho biológico do indivíduo, interferindo positi-
vamente ou negativamente na sua capacidade de sobreviver, crescer e se
reproduzir. Uma das primeiras explicações sobre a forma de atuação dos
fatores limitantes foi apresentada em 1843 por Justus von Liebig, um
químico alemão. Nesse ano, como fruto de suas pesquisas relacionadas
à Fisiologia Vegetal e ao efeito de fertilizantes sobre o crescimento das
plantas, cunhou a Lei do Mínimo.
2.5: Efeito, sobre a produção
A Lei do Mínimo estabelece que, em condições de estado constante, Figura
máxima de uma planta, de um
ou seja, se não houver variação considerável da quantidade disponível nutriente cuja concentração está
próxima ao mínimo necessário / Fonte:
no ambiente, o nutriente que estiver presente em menor quantidade e, modificado de Lepsch, 1977
portanto, com uma concentração próxima ao mínimo necessário, tenderá a ser limitante para a planta.

2 Ocorrência e distribuição dos seres vivos como resultado das pressões ambientais
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3 237

Assim, no exemplo da Figura 2.5, percebe-se que a produção máxima de uma planta será limitada
pelo potássio, que é o elemento presente em quantidade próxima ao mínimo necessário para a planta.
Com o passar do tempo, observou-se que não apenas o elemento presente em menor quantidade
pode ser limitante para o crescimento de um indivíduo, mas que seu desempenho biológico pode
ser afetado por valores mínimos e máximos de todos os fatores limitantes.A partir do conhecimento
de que para cada fator limitante existe uma faixa de valores dentro da qual os indivíduos podem
viver, Victor Ernest Shelford, um
ecólogo norte-americano, estabeleceu a
Lei da Tolerância, em 1913. Segundo
essa lei, existem amplitudes de tolerância
aos fatores ambientais para cada espécie, as
quais são determinadas de acordo com as
necessidades da espécie e dentro das quais
sua existência é possível.Tal amplitude ou
faixa é dada pelos valores máximos e
mínimos de cada fator, que são tolerados
Figura 2.6: Curva ilustrando o efeito de um fator ambiental sobre
pela espécie. Esses valores, por sua vez, são o desempenho biológico de uma espécie (clique na imagem para
iniciar a animação)
denominados limites de tolerância.
Assim, para cada fator ambiental, cada
espécie apresenta uma amplitude de tolerância que é determinada por seus limites de tolerância a
este fator (Figura 2.6). Se na figura, o fator considerado fosse a temperatura, poderíamos dizer que
há um limite máximo e um mínimo, estabelecendo uma faixa de valores dentro da qual a espécie em
questão pode viver. Ao analisarmos a curva, é possível observar que há uma faixa de valores na qual
o desempenho biológico é favorecido, ou seja, uma faixa ótima para a espécie. Tanto abaixo como
acima desta faixa, os indivíduos da espécie conseguem viver, mas seu desempenho é menor, de modo
que sob tais valores estão sujeitos a estresse. Neste caso, poderíamos concluir que a espécie não vive
tão bem em condições muito frias ou muito quentes.
Na realidade, a forma da curva de desempenho biológico de uma espécie varia depen-
dendo do fator considerado. No entanto, se a resposta da espécie ao fator ambiental for
como no modelo exposto anteriormente, pode-se dizer que existe um contínuo partindo
de um nível adverso ou letal (no caso da temperatura poderia ser o congelamento), pas-
sando por valores favoráveis à espécie, e chegando novamente a um outro nível adverso ou
letal (no nosso exemplo, danos provocados pelo calor excessivo).

História da Vida na Terra e Distribuição Atual da Vida no Planeta


238 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3

Como vimos, o ótimo é a faixa ou


nível de um fator limitante que propicia o
melhor desempenho. Muitas vezes, o ótimo
para um determinado fator é definido em
laboratório. Neste caso, as condições expe-
rimentais impõem a variação dos valores
da condição ou recurso que se quer avaliar,
mantendo os demais fatores constantes. Em
uma situação como esta, determina-se o
ótimo fisiológico para a espécie, o qual
permitiria que ela atingisse o seu potencial
Figura 2.7: Deslocamento do ótimo fisiológico como resultado e interação
biológico, ou seja, sua capacidade máxima biológica. / Fonte: modificado de Fatores limitantes.
de reprodução. Tal situação representaria o
ótimo do ponto de vista evolutivo, sendo as condições ótimas aquelas em que os indivíduos deixam
mais descendentes.
Na natureza, no entanto, as condições, os recursos e, sobretudo, as interações biológicas limitam
as espécies, impedindo que atinjam seu potencial biológico. Assim, dizemos que as espécies estão
em um ótimo ecológico, ou seja, uma faixa ótima sob influência principalmente de competição
e predação. A Figura 2.7 ilustra o deslocamento do ótimo fisiológico para o ótimo ecológico
de duas espécies em interação. Neste exemplo, como resultado da interação, as duas espécies
sofreram deslocamento dos limites inferior e superior de tolerância, resultando em estreitamento
de sua amplitude de tolerância. Como se vê, a faixa ótima ecológica é mais estreita do que a faixa
ótima fisiológica para ambas as espécies. No entanto, dependendo da interação, pode acontecer de
apenas uma das espécies sofrer alteração de sua amplitude de tolerância, e a outra permanecer em
seu ótimo fisiológico ou muito próximo dele.
As amplitudes de tolerância a um determinado fator limitante variam entre as diferentes
espécies. Existem aquelas que suportam uma ampla variação de muitos fatores, enquanto outras
são mais exigentes, apresentando amplitudes menores. As primeiras espécies são denominadas
euriecas (ou euriécias) e as segundas são estenoecas (ou estenoécias). Se considerarmos
um determinado fator ambiental, existem espécies estenoecas que apresentam amplitude de
tolerância limitada a baixos valores, enquanto outras estão limitadas a altos valores (Figura 2.8).

2 Ocorrência e distribuição dos seres vivos como resultado das pressões ambientais
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3 239

Figura 2.8: Diferentes amplitudes


de tolerância para um ou mais
fatores ambientais. / Fonte:
modificado de Fatores limitantes.

Uma vez que todos os indivíduos de uma espécie vivendo em um


determinado ambiente estão sujeitos à ação dos fatores limitantes,
embora uns possam ser mais afetados do que outros, em função de
não serem geneticamente idênticos, toda a população acaba sendo
afetada, o que resulta em resposta no nível populacional (ex. aumento
ou diminuição do número de indivíduos).
A existência de variação na tolerância dos indivíduos de uma mesma
espécie aos fatores ambientais pode explicar, por exemplo, as diferenças
observadas em populações da mesma espécie vivendo em ambientes
distintos. Tomemos como exemplo um experimento realizado com Figura 2.9: Umbilicus rupestris.
indivíduos de Umbilicus rupestris, uma planta da família das Crassulaceae
(Figura 2.9). Plantas e sementes dessa espécie, que normalmente habita áreas litorâneas de clima
ameno na Grã-Bretanha, foram levadas para outra região do país, caracterizada por temperaturas mais
baixas, a uma altitude de 157 m.
Oito anos após o início do experimento, analisou-se o desempenho biológico da população
original e da população introduzida, medido pela porcentagem de germinação de sementes
em diferentes temperaturas (o que é uma estimativa de reprodução, sendo que quanto maior a
germinação, maior o sucesso reprodutivo) e pela porcentagem de sobrevivência de sementes em
temperaturas abaixo do ponto de congelamento (subcongelamento) (Figura 2.10). Percebe-se
que a população do novo ambiente apresenta uma faixa de tolerância à temperatura mais ampla,
suportando temperaturas mais baixas do que a população do ambiente original (Figura 2.10a).
Indivíduos provenientes de sementes que suportavam temperaturas mais baixas passaram a ser

História da Vida na Terra e Distribuição Atual da Vida no Planeta


240 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3

selecionados no novo ambiente, o que resultou em expansão do limite de tolerância inferior.


Percebe-se, ainda, que cerca de 50% dos indivíduos da população introduzida sobrevive na
temperatura de subcongelamento de 12 °C negativos, valor letal para a grande maioria dos
indivíduos da população original, que a partir daí se extingue rapidamente (Figura 2.10b).
a b

Figura 2.10: Variação do desempenho biológico de populações de Umbilicus rupestris em função da temperatura no
ambiente de origem (1) e no ambiente em que a espécie foi introduzida (2). a.Germinação de sementes (%) e
b. Sobrevivência à temperatura baixa (%) (clique no ícone para visualizar a animação correspondente a imagem b). /
Fonte: modificado de Begon et al., 2007.

2.2.3 Quais são os princípios auxiliares à Lei da Tolerância?

São princípios auxiliares à Lei de Tolerância:


• Espécies euriecas provavelmente apresentam uma ampla distribuição geográfica. Este
princípio se baseia no fato de apresentarem uma ampla tolerância a uma série de fatores,
o que as torna mais resistentes às variações ambientais, possibilitando sua ocorrência em
muitos locais diferentes.
• A amplitude de tolerância de uma espécie aos inúmeros fatores ambientais depende do
fator considerado, ou seja, uma mesma espécie pode apresen-
tar ampla tolerância a um fator e estreita a outro;
• Se as condições para um determinado fator não
são ótimas, pode haver alterações na amplitude
de tolerância para outros fatores. Como exemplo, pode-se
citar a diminuição da amplitude de tolerância das larvas do
caranguejo chama-marés (Uca pugilator) (Figura 2.11) à
salinidade, em relação à situação controle, quando expostas Figura 2.11: Macho adulto de Uca
pugilator.

2 Ocorrência e distribuição dos seres vivos como resultado das pressões ambientais
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3 241

a uma concentração de um ppm de cádmio (Figura 2.12). Percebe-se que, na presença


do poluente, o desempenho biológico das larvas, medido como porcentagem de
sobrevivência, ocorre em uma faixa menor de salinidade.

Figura 2.12: Amplitude de tolerância


das larvas de Uca pugilator, na ausência
(controle) e na presença de um ppm de
cádmio. / Fonte: modificado de Odum, 1985.

• Geralmente, as amplitudes de tolerâncias dos primeiros estágios de desenvolvimento e de


fêmeas no período reprodutivo são mais estreitas que as dos demais indivíduos da população.

2.3 O que é nicho ecológico?


Intimamente associado ao conceito de limites de tolerância está o conceito de nicho ecológico,
cuja aplicação é cercada de confusão. Em primeiro lugar, em função do significado original da palavra
nicho (do italiano antigo nicchio = cavidade em parede ou muro para colocar estátuas), a expressão é
erroneamente empregada para designar o local em que um determinado organismo vive, ou seja, o
seu habitat. Outra forma imprecisa de definir nicho ecológico consiste em considerá-lo simplesmente
como o papel que a espécie exerce no ambiente, associando-o com o termo profissão. Na verdade, de
uma forma bastante simplificada, pode-se afirmar que o nicho ecológico é constituído pelo conjunto
de relações que a espécie tem com o ambiente, ou seja, com o conjunto de limites de tolerância
da espécie. Agora que foi apresentado o conceito de nicho, podemos acrescentar que o conceito
ecológico de espécie define uma espécie em função de seu nicho ecológico.

Agora é a sua vez


Acesse o ambiente virtual antes de avançar na leitura do texto e realize a atividade online 2.3.

História da Vida na Terra e Distribuição Atual da Vida no Planeta


242 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3

2.4 Por que os fatores limitantes e o nicho


ecológico explicam a distribuição das
espécies no planeta?
O desempenho biológico dos organismos é influenciado pelas condições, recursos e inte-
rações com outros indivíduos (principalmente competição e predação), ou seja, pelo conjunto
de fatores limitantes a que estão sujeitos. Uma vez que o conjunto de limites de tolerância a
tais fatores representa o nicho ecológico da espécie, podemos afirmar que o nicho determina
a presença e a continuidade dos indivíduos de uma espécie no decorrer do tempo, em um
determinado ambiente. Portanto, a sobrevivência, o crescimento e a reprodução dos organismos
dependem dos fatores limitantes e do nicho ecológico da espécie. Desse modo, é fácil concluir
que, por existirem inúmeros tipos de ambientes, cada qual caracterizado por diferentes fatores
limitantes, um conjunto diferente de espécies será capaz de existir em cada um desses ambientes.

2.5 Fechando o assunto


Nesta aula vimos que o ambiente pode apresentar um conjunto de fatores que afetam de
forma desigual as diferentes espécies e também os diferentes indivíduos de uma população.
O efeito desses fatores pode ser medido por meio de avaliação do desempenho biológico
dos indivíduos, ou seja, por meio de medidas de sobrevivência, crescimento e reprodução.
Finalmente, foi explicado que as amplitudes de tolerância aos fatores limitantes, que por sua vez,
fazem parte do nicho ecológico da espécie, juntamente com suas necessidades, determinam a
presença ou não desta em um determinado ambiente.

2.5.1 O que virá depois

Nos próximos textos, entenderemos como os seres vivos estão distribuídos no planeta
e quais os fatores que influenciam essa distribuição, e estudaremos mais detalhadamente os
biomas brasileiros.

2 Ocorrência e distribuição dos seres vivos como resultado das pressões ambientais
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 3 243

Referências
Begon, M.; Townsend, C. R.; Harper, J. L. Ecologia: De indivíduos a ecossistemas. 4. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2007.
Campbell, N.A. et al. Biologia. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Fatores Limitantes. <http://www.ib.usp.br/ecologia/fatores_limitantes.html>. Acesso em Set. 2013
Futuyma, D. J. Evolutionary biology. 2. ed. Massachusetts: Sinauer Associates, 1986.
Lepsch, I. F. Solos formação e conservação. São Paulo: Edusp. 1977.
Odum, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Interamericana, 1985.

Glossário
Ernst Mayr: Ernst Mayr foi um biólogo de origem alemã que dedicou grande parte da sua carreira ao
estudo da evolução, genética de populações e taxonomia. Descendente de diversas gerações de
médicos, ele abriu mão da carreira e se voltou para o estudo da Zoologia, concluindo um doutora-
do na área apenas 16 meses depois de formado. Durante os anos 30 tomou parte de uma expedição
à Nova Guiné e às Ilhas Salomão, onde estudou a fauna autóctone, especialmente a ornitológica.
Justus Von Liebig: Justus Von Liebig foi um químico e inventor alemão. Filho de um comerciante de
anilinas, Liebig tornou-se grande cientista e um dos maiores professores de química em todos os tem-
pos. Seu legado foi um dos maiores do século 19, perdurando até os dias atuais. Seus experimentos
possibilitaram a criação de fertilizantes químicos, sabão, explosivos e alimentos desidratados. Sua con-
tribuição para a humanidade foi extraordinária, além de inúmeras fórmulas e processos para a química
orgânica, Liebig criou o conceito do laboratório de química.
Taxonomistas: pessoas que se dedicam à Taxonomia que é a ciência que visa identificar espécies.

Victor Ernest Shelford: Victor Ernest Shelford (1877 – 1968) nasceu em Nova Iorque e foi um ecólogo.
Estabeleceu a lei da tolerância e foi o fundador da Sociedade de Ecologia da America.

História da Vida na Terra e Distribuição Atual da Vida no Planeta

Você também pode gostar