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2.1 Introdução
2.1.1 O que é o ambiente de um ser vivo?
2.1.2 Como se define espécie?
2.1.3 Como se configura um processo evolutivo?
2.1.4 O que é desempenho biológico?
2.2 Fatores limitantes
2.2.1 O que é fator limitante?
2.2.2 Como atua um fator limitante?
2.2.3 Quais são os princípios auxiliares à Lei da Tolerância?
2.3 O que é nicho ecológico?
2.4 Por que os fatores limitantes e o nicho ecológico explicam
a distribuição das espécies no planeta?
2.5 Fechando o assunto
2.5.1 O que virá depois
Referências
2.1 Introdução
Diferentes tipos de organismos vivos não ocorrem homogeneamente nos ambientes terrestres e
aquáticos. Enquanto alguns apresentam ampla distribuição, outros ocorrem apenas em determinados
locais. Mesmo em uma região propícia à ocorrência de um determinado tipo de vegetação natural
é possível perceber que as plantas não se distribuem igualmente, podendo ser observadas manchas
resultantes da agregação de indivíduos de um mesmo tipo ou de diferentes tipos, mas com exigências
ambientais semelhantes (Figura 2.1).
Pelo que acabamos de afirmar, as características bióticas de um determinado local nada mais
são do que o conjunto de diferentes tipos de organismos que nele habitam. Grupos de indivíduos
do mesmo tipo constituem uma espécie (do latim species = tipo ou aparência), sendo que os
indivíduos de uma mesma espécie que se encontram em um determinado ambiente formam uma
população. Neste momento é muito importante ter clareza a respeito do conceito de espécie.
Em primeiro lugar, deve-se salientar que espécie pode ser definida inicialmente de duas
maneiras: a primeira leva em conta a morfologia e a outra, o conceito biológico. Como se verá
a seguir, ambas as visões geralmente, mas nem sempre, são coincidentes. Segundo o conceito
morfológico de espécie, uma espécie pode ser definida como um grupo de indivíduos que
apresentam certas características que os tornam morfologico, fisiologico ou bioquimicamente
distintos de outros grupos de indivíduos. Essa é a visão empregada pelos taxonomistas que
até pouco tempo baseavam-se apenas em características morfológicas diferentes para distinguir
as espécies, não levando em consideração se tais diferenças resultavam em impossibilidade de
reprodução entre indivíduos de espécies diferentes. Chegamos, então, ao conceito biológico
de espécie que foi enunciado por Ernst Mayr, em 1942. Segundo esse biólogo alemão, uma
espécie é formada por populações cujos indivíduos podem intercruzar, produzindo descen-
dentes férteis. Imagine duas populações cujos indivíduos não intercruzam ou, se isso acontece,
produzem descendentes inférteis. Nesse caso, dizemos que estas populações apresentam isola-
mento reprodutivo, tratando-se, assim, de duas espécies diferentes.
Como se vê, o conceito de espécie proposto por Mayr não se aplica às espécies que apre-
sentam reprodução assexuada. Portanto, neste caso, a definição taxonômica não coincide com
o conceito biológico de espécie.
Há uma terceira definição, o conceito filogenético de espécie, no qual a espécie é definida
como o menor grupo de indivíduos que compartilham um ancestral comum, formando um
ramo na árvore da vida. Uma abordagem detalhada sobre filogenia será apresentada na disciplina
Diversidade Biológica e Filogenia. Por ora basta saber que a filogenia (do grego phylon = tribo,
raça e genetikos = relativo à gênese, origem) se ocupa em determinar as relações ancestrais/
descendentes entre as espécies.
Finalmente, existe o conceito ecológico de espécie que define uma espécie em função
do modo como seus membros interagem com componentes abióticos ou bióticos do ambiente.
2 Ocorrência e distribuição dos seres vivos como resultado das pressões ambientais
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Como foi exposto na introdução desta aula, a ocorrência e a distribuição atual dos seres vivos
no planeta resultam de sua adaptação evolutiva às diferentes pressões ambientais. Além disso,
pelo texto Origem, evolução e estrutura das células anterior, conclui-se que as diversas
formas de vida não surgiram todas de uma vez, mas no decorrer de um longo período de
tempo. A atmosfera ia sendo alterada, surgiam diferentes organismos (procariontes, eucariontes),
e os que tinham sucesso naquelas condições iam sendo positivamente selecionados.
O importante neste ponto é saber o que permite que uma espécie tenha sucesso em
determinados ambientes e outras não. Como acontece com qualquer espécie, os indi-
víduos que compõem suas populações não são todos iguais, apresentando diferenças na
composição dos genes. Esse fato faz com que a probabilidade de sucesso diante de uma
determinada situação ambiental difira entre os indivíduos da mesma espécie.
As diferenças nas características genéticas de indivíduos pertencentes a uma mesma
população podem surgir por alterações espontâneas na sequência de bases nitrogenadas
do DNA (ver texto Origem, evolução e estrutura das células) e pelo rearranjo de
cromossomos durante a reprodução sexuada.
As alterações espontâneas que ocorrem no DNA são denominadas mutações e surgem pela adição
ou subtração de bases, ou ainda por alterações na estrutura dos cromossomos. As mutações, portanto,
dão origem a diferentes arranjos de bases que podem conferir novas habilidades aos organismos nos
quais ocorrem. Se tais habilidades vão ser positivas, negativas ou neutras para esses organismos, depende
das condições ambientais em que eles se encontram. Se tais alterações ocorrem nos gametas (células
reprodutoras), podem ser transmitidas aos descendentes. Cabe salientar que a frequência de ocorrência
de mutações é naturalmente baixa.
Quando ocorre reprodução sexuada, os cromossomos presentes nos gametas dos dois indivíduos
envolvidos formam uma combinação diferente daquela encontrada em cada um dos indivíduos
parentais. Assim, como no caso das mutações, essa combinação pode trazer sucesso ou não para o
novo indivíduo formado, sempre na dependência das condições ambientais a que estará sujeito.
Tomemos como exemplo o surgimento dos primeiros organismos resistentes ao enriquecimento
da atmosfera pelo oxigênio produzido pelos primeiros fotossintetizantes. Como exposto no texto da
aula anterior, esse gás pode ter sido tóxico para vários outros organismos e, portanto, o surgimento
de resistência possibilitou que estes novos indivíduos apresentassem maior sucesso naquela atmosfera.
Assim, tinham maior chance de sobreviver e de deixar descendentes apresentando as mesmas ca-
racterísticas genéticas que conferiam resistência à geração parental. Pode-se afirmar que a atmosfera
rica em oxigênio exerceu uma pressão seletiva sobre os indivíduos então existentes, selecionando
aqueles que eram mais aptos a viver naquela situação. Esse processo é denominado seleção natural.
Todas as espécies estão sujeitas à seleção natural, assim como aquelas que já estão extintas
também estiveram. As espécies existentes atualmente surgiram em um tempo pretérito, oriun-
das de outras espécies das quais se separaram por processos de isolamento reprodutivo, e desde
então seus componentes têm estado sujeitos a inúmeras pressões seletivas. Portanto, ao longo
de sua existência, tais espécies passaram e continuam passando por um processo evolutivo,
no qual os indivíduos mais aptos são aqueles que apresentam melhor desempenho biológico,
permitindo-lhe maior sucesso frente às pressões ambientais.
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Os recursos, por outro lado, são fatores utilizados pelos indivíduos. Esses fatores são abi-
óticos (espaço, luz, dióxido de carbono, oxigênio, nutrientes e água, entre outros) e bióticos
(organismos que servem de alimento para outros organismos). Quanto aos recursos, cabe dizer
que podem ter sua disponibilidade afetada pelos organismos, uma vez que são utilizados por
eles, sendo que em condições de escassez pode ocorrer competição pelo recurso.
Retomando a Figura 2.2, sobre o balanço entre captação de energia e nutrientes, e a perda
de energia por um indivíduo, podemos chegar a um esquema sintético com o acréscimo das
condições e recursos (Figura 2.4).
Além dos recursos e das condições, as interações entre as espécies também podem atuar
como fatores limitantes. Por exemplo, os indivíduos de duas espécies que competem por um
determinado recurso terão seu desempenho biológico diminuído uma vez que cada uma das
espécies não terá todo o recurso a sua disposição.
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Assim, no exemplo da Figura 2.5, percebe-se que a produção máxima de uma planta será limitada
pelo potássio, que é o elemento presente em quantidade próxima ao mínimo necessário para a planta.
Com o passar do tempo, observou-se que não apenas o elemento presente em menor quantidade
pode ser limitante para o crescimento de um indivíduo, mas que seu desempenho biológico pode
ser afetado por valores mínimos e máximos de todos os fatores limitantes.A partir do conhecimento
de que para cada fator limitante existe uma faixa de valores dentro da qual os indivíduos podem
viver, Victor Ernest Shelford, um
ecólogo norte-americano, estabeleceu a
Lei da Tolerância, em 1913. Segundo
essa lei, existem amplitudes de tolerância
aos fatores ambientais para cada espécie, as
quais são determinadas de acordo com as
necessidades da espécie e dentro das quais
sua existência é possível.Tal amplitude ou
faixa é dada pelos valores máximos e
mínimos de cada fator, que são tolerados
Figura 2.6: Curva ilustrando o efeito de um fator ambiental sobre
pela espécie. Esses valores, por sua vez, são o desempenho biológico de uma espécie (clique na imagem para
iniciar a animação)
denominados limites de tolerância.
Assim, para cada fator ambiental, cada
espécie apresenta uma amplitude de tolerância que é determinada por seus limites de tolerância a
este fator (Figura 2.6). Se na figura, o fator considerado fosse a temperatura, poderíamos dizer que
há um limite máximo e um mínimo, estabelecendo uma faixa de valores dentro da qual a espécie em
questão pode viver. Ao analisarmos a curva, é possível observar que há uma faixa de valores na qual
o desempenho biológico é favorecido, ou seja, uma faixa ótima para a espécie. Tanto abaixo como
acima desta faixa, os indivíduos da espécie conseguem viver, mas seu desempenho é menor, de modo
que sob tais valores estão sujeitos a estresse. Neste caso, poderíamos concluir que a espécie não vive
tão bem em condições muito frias ou muito quentes.
Na realidade, a forma da curva de desempenho biológico de uma espécie varia depen-
dendo do fator considerado. No entanto, se a resposta da espécie ao fator ambiental for
como no modelo exposto anteriormente, pode-se dizer que existe um contínuo partindo
de um nível adverso ou letal (no caso da temperatura poderia ser o congelamento), pas-
sando por valores favoráveis à espécie, e chegando novamente a um outro nível adverso ou
letal (no nosso exemplo, danos provocados pelo calor excessivo).
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Figura 2.10: Variação do desempenho biológico de populações de Umbilicus rupestris em função da temperatura no
ambiente de origem (1) e no ambiente em que a espécie foi introduzida (2). a.Germinação de sementes (%) e
b. Sobrevivência à temperatura baixa (%) (clique no ícone para visualizar a animação correspondente a imagem b). /
Fonte: modificado de Begon et al., 2007.
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Nos próximos textos, entenderemos como os seres vivos estão distribuídos no planeta
e quais os fatores que influenciam essa distribuição, e estudaremos mais detalhadamente os
biomas brasileiros.
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Referências
Begon, M.; Townsend, C. R.; Harper, J. L. Ecologia: De indivíduos a ecossistemas. 4. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2007.
Campbell, N.A. et al. Biologia. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Fatores Limitantes. <http://www.ib.usp.br/ecologia/fatores_limitantes.html>. Acesso em Set. 2013
Futuyma, D. J. Evolutionary biology. 2. ed. Massachusetts: Sinauer Associates, 1986.
Lepsch, I. F. Solos formação e conservação. São Paulo: Edusp. 1977.
Odum, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Interamericana, 1985.
Glossário
Ernst Mayr: Ernst Mayr foi um biólogo de origem alemã que dedicou grande parte da sua carreira ao
estudo da evolução, genética de populações e taxonomia. Descendente de diversas gerações de
médicos, ele abriu mão da carreira e se voltou para o estudo da Zoologia, concluindo um doutora-
do na área apenas 16 meses depois de formado. Durante os anos 30 tomou parte de uma expedição
à Nova Guiné e às Ilhas Salomão, onde estudou a fauna autóctone, especialmente a ornitológica.
Justus Von Liebig: Justus Von Liebig foi um químico e inventor alemão. Filho de um comerciante de
anilinas, Liebig tornou-se grande cientista e um dos maiores professores de química em todos os tem-
pos. Seu legado foi um dos maiores do século 19, perdurando até os dias atuais. Seus experimentos
possibilitaram a criação de fertilizantes químicos, sabão, explosivos e alimentos desidratados. Sua con-
tribuição para a humanidade foi extraordinária, além de inúmeras fórmulas e processos para a química
orgânica, Liebig criou o conceito do laboratório de química.
Taxonomistas: pessoas que se dedicam à Taxonomia que é a ciência que visa identificar espécies.
Victor Ernest Shelford: Victor Ernest Shelford (1877 – 1968) nasceu em Nova Iorque e foi um ecólogo.
Estabeleceu a lei da tolerância e foi o fundador da Sociedade de Ecologia da America.