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Nigéria é a maior economia da

África, mas vive caos social


RIO - A mesma Nigéria que há um mês tem chocado o mundo com o
sequestro de mais de 270 meninas pelo grupo islâmico Boko Haram é
também, desde 6 de abril, a maior economia da África e tem sido
apontada como uma das principais potências emergentes do mundo.
Os indicadores econômicos do país mostram esse mesmo paradoxo:
embora o ritmo de crescimento seja maior que 6% ao ano desde 2006
— em 2013, a economia cresceu 12% —, a taxa de desemprego está
acima dos 20% e cerca de 60% da população vivem com menos de
US$ 1 por dia, embora o primeiro africano a entrar no top 25 da lista
de bilionários da revista “Forbes” seja o nigeriano Aliko Dangote, com
fortuna de US$ 24 bilhões. Como já definiu o economista Jim O’Neill,
é um país de extremos.

Dias antes do sequestro, que ocorreu em 15 de abril, a Nigéria


anunciou a atualização da estrutura de cálculo da atividade
econômica, depois de mais de duas décadas, que implicou uma revisão
do Produto Interno Bruto (PIB) nominal de 42,4 trilhões de nairas (a
moeda local) para 80,2 trilhões de nairas, ou seja, de US$ 292 bilhões
para US$ 510 bilhões. Pela nova série, o crescimento médio de 2011 a
2013 foi de 6,4%. Os novos números permitiram que o país
ultrapassasse a África do Sul como maior economia africana, que tem
um PIB de US$ 372 bilhões, mas uma população de 51 milhões de
pessoas, bem abaixo dos quase 170 milhões da Nigéria.

E esses novos dados ajudaram a reforçar as expectativas sobre o


potencial nigeriano. O’Neill, que se tornou conhecido pela criação do
termo Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) — que depois passou a
incluir um “s” para África do Sul —, cunhou no ano passado a
expressão Mint (México, Indonésia, Nigéria e Turquia) para se referir
ao que acredita serem as próximas economias emergentes. Mas, já em
2012, no livro “Os Rumos da Prosperidade — Em busca dos próximos
milagres econômicos”, o diretor-gerente de Mercados Emergentes e
Macroeconomia Global do Morgan Stanley, Ruchir Sharma, incluía a
Nigéria em um seleto grupo de possíveis destaques no cenário
mundial. Hoje, Sharma confirma o potencial do país, embora afirme
que seu otimismo está se reduzindo por causa da deterioração do
ambiente político, já que na sua avaliação o presidente Goodluck
Jonathan está perdendo a chance de avançar com reformas:

— A Nigéria ainda é muito grande para ser ignorada, com um PIB de


mais de US$ 500 bilhões, uma população de 170 milhões e muito
espaço para crescer a longo prazo. Seu povo ainda é pobre e falta a
muitos o acesso a serviços básicos, como bancos e telecomunicações. A
rede de energia produz menos eletricidade que muitas pequenas
cidades britânicas, então há muitas oportunidades de investimento em
infraestrutura básica.
A infraestrutura do país é caótica e há problemas também em
segurança, educação e saúde. Segundo Alexandra Gillies, chefe de
governança do Revenue Watch Institute, a corrupção e a falta de
instituições fortes na Nigéria estão na origem de um cenário que
impede que a riqueza gerada no país seja utilizada para melhorar a
vida da população como um todo.

— Acredito nos novos números, eles são confiáveis. Mas eles podem
dar uma percepção errônea sobre a Nigéria. Esse crescimento
econômico que estamos vendo é porque o país é muito grande e
vibrante, com pessoas criativas e que dão início a negócios, fazem
dinheiro, apesar de um governo que nada faz para estabelecer um
cenário pró-desenvolvimento. Pelo contrário, até atrapalha — explica.

Com a revisão dos números da economia nigeriana, a participação do


petróleo no PIB caiu de 32,4% para 14,4%, o que mostra uma
diversificação econômica, com telecomunicações passando de 0,8%
para 8,8%, e a indústria do cinema, que antes nem aparecia
percentualmente no PIB, representando 1,4% do resultado econômico.

Petróleo representa 80% da receita do governo

Mas essa diversificação se deu à margem dos políticos, que, segundo


Alexandra, se contentam com os US$ 60 bilhões gerados anualmente
pelo petróleo e que respondem por 80% da receita governamental.
Segundo ela, não há qualquer esforço estatal para estabelecer
condições estruturais ou institucionais para desenvolver outros
setores ou para distribuir a riqueza no país. Essa visão é
compartilhada pelo professor de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília Pio Penna Filho:

— A Nigéria reúne boas condições para se tornar um grande país, mas


o que estamos observando tem mais a ver com crescimento econômico
do que com desenvolvimento. Como em outras economias africanas,
ainda é pouco inclusiva. Falta inclusão social para dar
sustentabilidade ao crescimento.

E o cenário de desigualdade e pobreza é propício para o


desenvolvimento de grupos extremistas e violentos, como o Boko
Haram, no Norte do país. Na região petrolífera do Delta do Níger esse
papel é encampado por milicianos, gangues e desempregados que
atacam, por exemplo, os oleodutos.

— Em 2009, o governo criou um programa de remuneração em troca


de desarmamento no Delta do Níger para tentar reduzir a violência,
mas ficou nisso. Esse programa termina no ano que vem. O que
acontecerá então? Além disso, em fevereiro haverá eleições, o que
aumenta a tensão no país — explica Marcelo Valença, professor do
Departamento de Relações Internacionais da Uerj.
E nesse cenário de violência e instabilidade, Sharma diz que não dá
para negar que ataques do Boko Haram afetaram a percepção
estrangeira:

— O movimento tem tido um impacto direto nos negócios nos últimos


anos, elevando os custos de distribuição no Norte e os gastos com
segurança. Até agora, o impacto econômico tem sido mínimo, mas isso
pode mudar se os ataques se espalharem para o Sul em direção à
capital comercial, Lagos.

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