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Relatório Social de Moçambique 2008

Social Watch Moçambique e Liga Moçambicana dos Direitos Humanos

Moçambique é citado entre os países que maiores êxitos logram no crescimento


económico desde finais da década 1990. Este cenário tem sido confirmado
principalmente pelos relatórios do Banco Mundial e do FMI, para alem de que o
Governo assume que em 2007, a produção global situou-se a 8.8%.

Falando no Parlamento moçambicano a 17 de Outubro de 2007, a Primeira Ministra


moçambicana, assegurou que a taxa de inflação acumulada durante o primeiro
semestre era de 3,7%, tendo as exportações atingido 1.179.7 milhões de dólares, sendo
que a meta era de 2.292 milhões de dólares norte americanos até o fim do ano de 2007.
Para incrementar a economia, o país aderiu a zona do comércio livre da SADC, tendo a
1 de Janeiro de 2008 aberto formalmente as suas fronteiras para entrada sem cobrança
de tarifas de importação de 85% de produtos diversos, constantes da pauta aduaneira,
provenientes dos restantes países da Comunidade para o Desenvolvimento da África
Austral.

Esta zona de comércio livre enquadra-se no âmbito do processo de integração


económica da região austral de África que deverá culminar em 2018 com a União
Monetária. Fazem parte da SADC, para além de Moçambique, a África do Sul (o maior
determinante da economia da região), Angola, Botswana, República Democrática do
Congo, Lesoto, Mauricias, Malawe, Madagáscar, Namíbia, Swazilândia, Tanzânia,
Zâmbia e Zimbabwe.

De acordo com o balanço do desempenho económico apresentado em Janeiro do


presente ano pelo Governo, Moçambique devia ter um crescimento de 7%, uma inflação
media anual de 6.4% e um nível de reservas internacionais capazes de sustentar cerca
de 5 meses de exportações de bens e serviços não factoriais, sendo que para atingir tal
meta a oferta monetária deveria crescer até um limite de 17.5% e a base monetária
situar-se na ordem dos 15%. Entretanto, o Instituto Nacional de Estatísticas indicou que
no ano em referencia o PIB cresceu 7.6%.

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O maior desafio do Governo, continua a ser a execução da sua segunda estratégia de
redução da pobreza, PARPA II (2006-2009), bem como promover o crescimento
alargado através do empoderamento dos cidadãos e instituições.

Para lograr esse objectivo, a IDA, Associação Internacional para o Desenvolvimento


compromete-se a apoiar Moçambique através de um financiamento anual de 155
milhões de dólares americanos, disponibilizados no âmbito da “Estratégia de Parceria
com o País - CPS”, num período de quatro anos: 2008-2011.

Em termos de investimento global, o relatório da execução orçamental do Estado, para


o ano de 2007, refere que foi de 23.298 milhões de Meticais, representando um
crescimento de 19.5% em relação ao ano anterior. Tal investimento teve seu maior
peso, ordem de 77%, nos órgãos e instituições centrais ficando 9,6% absorvido a nível
provincial e 11% pelas administrações distritais, apesar do distrito ter sido referenciado
como pólo principal de desenvolvimento sócio-económico do País1”.
As despesas globais do Estado foram de 72.915.1 milhões de Meticais, enquanto que
as receitas atingiram 33.261 milhões de Meticais.

No ano em questão, o relatório citado, aponta que 16.091 milhões de Meticais foram
aplicados em despesas com o pessoal, sendo salários, remunerações e outras
despesas dos funcionários públicos.

Sabe-se contudo que o país tinha em 2007, cerca de 182.952 funcionários públicos,
contra 170.934 do ano de 2006. Sabe-se também que, o Sector da Educação emprega
a maior parte dos funcionários públicos, com cerca de 111.198, correspondentes a 61%,
seguido pela Saúde, com cerca de 25.965 funcionários.

Quanto ao investimento externo, durante o ano de 2007, notabilizaram-se como


grandes investidores em Moçambique, os Estados Unidos da América com cerca de
cinco mil milhões de dólares americanos, a Suíça com cento e setenta milhões de
dólares, as Maurícias com cento, cinquenta e um milhão de dólares, o Reino Unido com
91 milhões de dólares e a África do Sul com 79 milhões de dólares norte americanos.

1
Ministério da Planificação e Desenvolvimento, Estratégia de Desenvolvimento Rural, Aprovada pelo
Conselho de Ministros a 11 de Setembro de 2007, Maputo, pag. 1.

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Moçambique é um país onde as contas numéricas, o desempenho da função pública e
a realidade sócio económica não dão certo, nem entram em coerência.

Com efeito, o indicador de Desenvolvimento humano continua um dos mais baixos do


mundo e curiosamente, baixou comparativamente ao ano anterior. A situação da
mulher, da rapariga continua na linha da urgência, sendo que são elas que mais sofrem
os efeitos da miséria e da discriminação o que as coloca em situação de extrema
vulnerabilidade.

O HIV/SIDA e a Governação continuam um grande risco para o desenvolvimento do


país, na medida em que tanto o índice de HIV/SIDA, bem como o de corrupção,
revelaram-se tendencialmente a crescer durante o ano de 2007 comparativamente ao
ano de 2006. É que tanto a Estratégia contra o HIV/SIDA e a Anti Corrupção falharam,
muito bem antes da sua implementação.

No lado da Corrupção, dos vários casos denunciados, nenhum deles teve o devido
tratamento jurídico, sendo que a unidade criada para o efeito acabou sendo
desacreditada pelos tribunais por não ter o mandato de acusar crimes, tarefa da
magistratura do ministério público, mesmo sabendo que o tal gabinete é composto por
procuradores designados para o efeito e ainda afectos à procuradoria.

Para alem disso, o Estado, na sua preocupação de combater a corrupção, criou um


fórum Anti Corrupção composto pelos vários actores da sociedade e presidido pela
Primeira Ministra. Tal fórum tinha a missão de materializar a Estratégia Anti Corrupção,
contudo, foi extinto, depois de ter sido declarado inconstitucional pelo respectivo
Conselho.

Na verdade, uma das razões para o crescimento do índice de corrupção é a fraqueza


da sua respectiva estratégia de combate, bem como a impunidade geral que impulsiona
novos actos.

Moçambique, através do seu antigo Presidente Joaquim Chissano, recebeu o famoso


Prémio Mo Ibrahimo de boa governação, ironicamente, depois da mesma Fundação Mo
Ibrahimo ter publicado um relatório sobre governação que colocou Moçambique na lista

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dos piores do mundo (com 43.8 pontos), chegando a estar abaixo de Zimbabwe (com
45.8 pontos) onde a violação dos Direitos Humanos é sistemática.

Quanto ao alcance das Metas do Milénio, embora o Governo continue optimista, está
severamente minado pela corrupção, pelos desastres naturais, pelo aumento do preço
dos combustíveis, aumento dos preços de produtos alimentares no mercado
internacional e as pressões de gastos nos próximos pleitos eleitorais. Lembrar que entre
os anos de 2008 e 2010, o país conhecerá três momentos eleitorais, sendo primeiro
para as Assembleias Provinciais, segundo para as Autarquias locais e por fim para as
Presidenciais e Legislativas. Isto implica que no plano em favor das Metas dos
Objectivos do Milénio, se reflicta também, não só no aumento da produção, como
também na transparência na aplicação do fundos para tais eleições.

Um estudo sobre os indicadores de crescimento industrial e agrícola, financiado pelo


Banco Mundial e orientado por dois economistas nacionais de mérito reconhecido,
nomeadamente Apolinário Panguene e Cardoso Muendane, concluiu que a economia
nacional está em recessão e não em crescimento como se pretende fazer perceber.

O estudo indica sinais de que a indústria moçambicana está estagnada e começa a


regredir, agravada pelo facto de, para o Produto Interno Bruto, o sector terciário e
serviços, contribuírem com maior peso. Acrescenta ainda que as indústrias de
engenharia, matéria prima, insumos agrícolas e peças sobressalentes representam
menos de 7% do produto industrial, enquanto que a agro - industrialização e pescas são
insignificantes.

Aquele estudo, publicado em 2004 recusa que o crescimento do PIB, a estabilização


monetária e o crescimento do investimento privado sejam considerados indicadores
suficientes e adequados na avaliação do desempenho da economia moçambicana.
O salário mínimo dos moçambicanos situa-se na ordem dos 60 dólares americanos
(sendo 1 dólar americanos equivalente a 25 Meticais), embora estudos do grupo que
representa os sindicatos junto do Governo para a concertação social indicasse que a
cesta básica do trabalhador moçambicana poderia ser basicamente satisfeita se ao
menos, o salário mínimo fosse de 3.500.Mt, o que equivaleria a cerca de 140.00 dólares
americanos.

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Aliado aos baixos salários, está a injustiça social, que se agrava com o
encrudescimento do fosso entre cidadãos com mínimas condições de sobrevivência e
aqueles que vivem na absoluta penúria.

O custo de vida no país é extremamente alto, não estando no alcance de mais de 60%
da população que vive nas zonas rurais e sobrevive graças a uma agricultura de
subsistência, efectuada sem nenhuma tecnologia moderna.

O tal custo, veio a gravar-se com a drástica subida dos preço dos combustíveis líquidos
no país, em Janeiro, chegando a atingir uma percentagem máxima de 19%. Tal
situação, implicou a subida do preço de produtos básicos como o trigo e o arroz, assim
também como o dos transportes públicos, o que revoltou de forma incalculável a
população que entre os dias 5 e 8 de Fevereiro levantaram uma forte manifestação na
cidade de Maputo, com réplicas em vários pontos do país, protestando o alto índice do
custo de vida e o baixo poder aquisitivo dos moçambicanos.

Para responder a crise do trigo e dos seus altos preços, o Governo Moçambicano
desenhou um projecto de 503 milhões de Meticais que prevê produzir até 2014 mais de
225.000 toneladas por ano, numa área que vai atingir mais de 108.000 hectares.

Enquanto isso, mais de 100.000 pessoas foram deslocadas na região central de


Moçambique devido as cheias e o Governo necessitava para o seu plano de
contingências de 20.4 milhões de Euros visando dar socorro aos cidadãos. Em marco
de 2007 a província de Inhambane foi fortemente devastada pelo ciclone tropical Fávio,
tendo deixado mais de 120.000 famílias sem casas, machambas ou outras infra-
estruturas. A mesma sorte veio a repetir-se no começo do ano em curso, na região
norte do país onde o ciclone Jokwe, cidades como Ilha de Moçambique que constam
como património cultural da humanidade.

De acordo com o relatório de Desenvolvimento Humanos 2007/2008 publicado pelo


PNUD, Moçambique agravou a sua posição na tabela, tendo descido quatro pontos, ou
seja, de 172 na avaliação anterior para posição 176 na actual. A avaliação do programa
das nações unidas para o desenvolvimento, toma como indicadores aspectos bases da
satisfação dos cidadãos, sendo que tal agravamento de posição significa redução da

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qualidade de vida dos cidadãos, da esperança de vida das pessoas, agravamento da
situação de saúde, educação, emprego entre outros.

Considerando o crescimento económico largamente apregoado que o país logra nos


últimos anos, na ordem entre 7% e 8%, quase o dobro em relação a África do Sul (4%),
é caso para questionar o impacto social, económico e cultural desse crescimento na
vida dos cidadãos.

A UNICEF, revelou que até ao presente momento, um quinto das crianças


moçambicanas continua a sofrer de completas privações na área de saúde, educação
abrigo e alimentação. Sendo portanto, mais de 58% das crianças que vivem abaixo da
linha da pobreza e mais de 380.000 crianças órfãs de pais vítimas do HIV/SIDA.

Segundo a mesma fonte, estima-se que mais de 100 crianças moçambicanas são
traficadas por mês com destino a África do Sul ou passando por ela, sendo
posteriormente usadas para exploração sexual, trabalho escravo ou até extracção de
órgãos. Só em Abril deste ano é que o parlamento nacional aprovou a lei sobre o
Tráfico de Pessoas, em particular Mulheres e Crianças.

Para dar vazão a situação da criança no país, o governo ainda não apresentou uma
proposta clara e inclusiva que a curto prazo possa desafiar a pobreza infantil através de
aplicação de recursos económicos na melhoria da saúde e bem estar das crianças,
sabendo que diariamente centenas delas morrem de HIV/SIDA, malária, fome,
calamidades naturais e por falta de cuidados maternos no momento do parto.

Paralelamente, a UNIFEM, Fundo das Nações Unidas para a Mulher, indicou que um
terço das mulheres moçambicanas continua sendo vítima da violência, mesmo sabendo
que essa cifra significa só a ponta do iceberg já que muitas mulheres vivem intimidadas.
O país não possui nenhum quadro legal para a protecção da mulher vitima de violência,
o que deixa impunes todos os perpetradores de actos que atentem contra os direitos
humanos das mulheres.

A pobreza moçambicana tem cara da mulher, sendo essa também uma das causa-
efeito da desigualdade do género. Últimos dados de desenvolvimento humano indicam

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que próximo de um terço das mulheres moçambicanas é que sabe ler e escrever,
sabendo que do universo da mulher rural em Moçambique, cerca de 81% é analfabeta.
Este baixo nível de escolarização é também um factor de exclusão no acesso ao uso
das Tecnologias de Informação e Comunicação.

Entretanto, o governo moçambicano, compromete-se a reduzir, nos próximos dois anos,


em 10% o índice geral de analfabetismo estimada em 51.9%. O Sistema Nacional de
Educação beneficia-se de 20% do Orçamento Geral do Estado e devido as Metas do
Milénio o programa de ensino tem sido expandido ao longo do território nacional.

Contudo, porque os indicadores avaliativos do sistema são puramente numéricos,


ignora-se por completo a componente qualitativa da educação que se dá aos cidadãos.
Sendo que a equipe de pesquisa da Social Watch Moçambique ouviu do director distrital
de Cuamba, na província de Niassa que alguns alunos da Sétima Classe mantinham
dificuldades de leitura e escrita, tendo por isso, acima de 50% dos mesmos, em finais
de 2007, faltado ao exame por dificuldades de ler informações e seus respectivos
nomes.

A agricultura, definida como a base de desenvolvimento nacional (artigo 103 da


Constituição da República), beneficia-se somente de 4% do Orçamento Geral do
Estado. A população moçambicana, que na ordem de 70% vive nas zonas rurais e
sobrevive graças a uma agricultura de subsistência e praticada nos moldes mais
elementares e rudimentares, é absolutamente excluída das políticas públicas contra a
fome e a miséria.

Para agravar a situação, o país aderiu a revolução verde e a cultura da Jatropha para a
produção de bio-combustíveis, o que em muitas situações substitui campos férteis para
o cultivo de cereais e outros produtos de alimentação populacional em plantações de
matéria prima para cultivar bio-combustíveis. Quanto a produção da Jatropha, de
acordo com comunicados do Governo, serão investidos, para o efeito, em 2008 cerca
de cento e sessenta milhões de dólares nas províncias de Nampula e Sofala. Enquanto
que 10 companhias petrolíferas envolvidas na pesquisa de petróleo em Moçambique
pretendem investir também neste ano mais de 150 milhões de Euros em actividades de
prospecção.

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A ideia de que o crescimento do PIB significa avanços económicos pode estar de certa
forma a retirar responsabilidades a quem tem o dever de elaborar e implementar
políticas públicas participativas e inclusivas no sentido de melhorar a vida dos cidadãos.
Mais do que concentrar todas acções no crescimento do PIB, a situação sócio
económica de Moçambique, que ilustra um povo duramente acoitado pela pobreza e
pela miséria, impera que o Estado se empenhe na redução das desigualdades sociais e
principalmente na redução da desigualdade da renda, proporcionando ao mesmo tempo
oportunidades a todos os cidadãos, no sentido de terem acesso a uma educação de
qualidade, a serviços de saúde eficientes e uma garantia de segurança social.

Com um sistema financeiro debilitado e fortemente minado pela corrupção, com um


sistema judiciário desacreditando e com forte ausência de ética na gestão da coisa
pública, agravado pela falta de serviços públicos básicos para o cidadão, mesmo com o
PIB cada vez mais crescente, não seria possível elevar o Índice do Desenvolvimento
Humano.

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