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A dimensão imaginária na análise, na educação e na política

A dimensão imaginária na análise,


na educação e na política
The imaginary dimension in the analysis,
education and politics
Cibele Prado Barbieri

Resumo
Freud propôs ao longo de sua teoria três impossibilidades que Lacan posteriormente definiu
como decorrentes da falta de significantes para recobrir todo o universo do ser falante: é im-
possível esgotar o inconsciente recalcado, educar as pulsões, governar todos. A civilização
fala, o ser fala, mas a dimensão simbólica não dá conta de tudo. O texto pretende trabalhar os
efeitos da dimensão imaginária nesses três campos da cultura.

Palavras-chave: Psicanálise, Educação, Política, Democracia, Saber, Agressividade.

Um apólogo Zen “Conte-me como foi o diálogo”, pediu o


Dois irmãos, ambos monges, viviam sozi- irmão mais velho.
nhos num mosteiro no norte do Japão. O ir- “Ao sentarmos”, explicou o viajante, “eu
mão maior era muito culto, enquanto o me- levantei um dedo, representando Buda, o Ilu-
nor era estúpido, e lhe faltava um olho. minado. Ele respondeu levantando 2 dedos,
Um monge forasteiro chegou certo dia ao dando a entender que uma coisa era Buda,
mosteiro em busca de abrigo. e outra, seus ensinamentos. Aí então levan-
O costume diz que, para que um foras- tei 3 dedos, simbolizando o Buda, seus en-
teiro tenha o direito de ficar num mosteiro sinamentos e seus seguidores, levando uma
Zen, ele deve desafiar seus moradores e ga- vida harmoniosa. Mas ele me lançou então o
nhar um debate sobre qualquer aspecto do punho fechado no rosto, indicando-me que
budismo, caso contrário, ele deve ir-se. as 3 coisas procedem de uma compreensão
Segundo esse costume, ele então desafiou única. Foi como ele ganhou, e portanto eu
os irmãos para uma discussão. não tenho direito a ficar”. Dito isso, foi-se
O mais velho, que estava muito cansado embora.
de tanto estudar, pediu ao mais jovem que Em seguida, chega o irmão menor, per-
ocupasse seu lugar. “Veja e modere-se para guntando “Onde se meteu esse tipo?” E o
que o diálogo se faça em silêncio”, aconse- irmão mais velho respondeu, “Pelo que eu
lhou o irmão, pois conhecia sua pouca habi- entendi, você ganhou o debate”.
lidade com as palavras. “Não ganhei nada. Vou dar uma surra
O jovem monge e o recém-chegado se di- nesse monge.”
rigiram ao oratório e se sentaram. “Conte-me qual foi o tema da discussão”,
Pouco depois, o forasteiro chegava cor- disse o maior.
rendo até o irmão mais velho e disse a ele: “O tema!... Pois bem: Assim que nos sen-
“Pode ficar satisfeito. Seu jovem irmão é um tamos, esse tipo levantou um dedo, insultan-
eminente budista, e me derrotou.” do-me ao insinuar que só tenho um olho.
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A dimensão imaginária na análise, na educação e na política

Mesmo assim, posto que se tratava de uma como defesa, pois se vê insultado e deve se
visita, achei que era minha obrigação tratá-lo defender.
com cortesia, então mostrei 2 dedos, felici- Isso também explica certos efeitos que
tando-o por sua boa sorte, que lhe permi- observamos em alguns estudos e relatos que
tiu conservar ambos os olhos. Mas então, o encontramos a respeito de certas práticas na
grande miserável levantou impunemente 3 literatura psicanalítica de autores pós-freu-
dedos, sugerindo que entre ele e eu não so- dianos, principalmente. A partir desse apó-
mávamos mais que 3 olhos. Isto me tirou do logo ficam esclarecidos os descaminhos do
sério e comecei a dar-lhe socos, mas ele con- papel e da função a ser desempenhados pelo
seguiu escapar e assim tudo se acabou.”1 analista quando se posiciona numa relação
dual, quase mística, de uma comunhão, uma
Carne de Zen - Ossos de Zen (apud Vegh, 1991, p. 189). comunicação entre inconscientes que, na ver-
dade, decorre de sua própria transferência.
Entre ele e eu... Algumas vezes, levados por essas mira-
Entre o eu e o outro, há um mundo de pos- gens imaginárias, instalam-se na concepção
sibilidades de sentidos que a imagem não de que o instrumento e objetivo da análise
pode delimitar. Só a palavra, e nem mesmo seria tornar consciente o sentimento do ana-
a palavra, pode sempre especificar. Tudo de- lisante, esquecendo que Freud nos ensinou
pende do lugar que cada um ocupa, de onde que o sentimento não pode ser recalcado e,
cada um olha nessa díade. Essa é a lição que portanto, não se trata de des-recalcar o que
nos ensina essa história antiga do budismo nunca foi recalcado.
Zen, assim como a psicanálise, desde Freud. Como no apólogo, quando se instala uma
A partir dela, podemos compreender os relação ‘entre ele e eu’, identificar-se com ou
engodos e desvios que se operam quando o contra o suposto sentimento do analisando a
ser falante, abstendo-se da palavra, se deixa partir das imagens que ele envia, fatalmente
guiar pela imagem e se aprisionar nas mira- desvia o sentido do discurso e desfavorece o
gens de seu próprio eu. Dela podemos tirar ‘re-conhecimento’, o ‘des-cobrimento’, o dis-
muitos ensinamentos sobre a cristalização cernimento das razões desse sofrimento, os
e o fechamento do sentido quando dois su- modos de gozar do sujeito, verdadeiros ve-
jeitos, aprisionados na solidão da dimensão tores do direcionamento objetivo do trata-
imaginária, somam-se como duas metades mento.
do UM, impedindo o avanço do desenrolar Gosto dessa definição da análise: trata-
de novos sentidos. mento. O analista não está aí para compreen-
No apólogo, o irmão mais novo, instruí- der, para sentir junto, para se compadecer do
do sobre a conveniência de que “o diálogo sofrimento do outro, pois isso não resolve o
se faça em silêncio”, coloca-se de saída nesse conflito do sujeito, só o confirma. Está para
plano privilegiado da imagem cujo centro é tratar esse sofrimento de uma forma tal que
o que nela falta: o olho. Frente a frente com desperte no sujeito a possibilidade de reorga-
esse estranho, o sujeito se representa a si mes- nizar sua subjetividade, seus conflitos e suas
mo como o olho que falta, e é a partir dessa angústias ao se deparar com seus gozos na
posição que ele interpreta as imagens que o esfera do prazer ou no mais além – os mór-
outro lhe envia. Enquanto o forasteiro fala bidos – e buscar instituir novas formas de
de um Outro, o Buda, ele ouve a mensagem gozar. Como se diz: passar da posição de ob-
sobre seu eu: denúncia acusatória referente jeto de gozo para a posição de sujeito de um
à sua falta. Isso desperta a sua agressividade desejo próprio, singular, nascido de si mes-
mo, liberto do aprisionamento ao desejo e ao
1. Tradução minha. gozo do Outro e do outro.

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Mas para isso, é preciso que o sujeito faça justifica a sua estupidez. A estupidez decor-
o percurso num plano que exceda a relação re não da falta do olho, mas da forma que
‘entre ele e eu’, onde se colocam tanto o mon- prevalece a partir do ângulo do seu olhar,
ge estúpido, quanto o monge vagabundo, que só enxerga a imagem. O dedo em riste
impedindo que o percurso seja feito. Nosso do visitante é signo de presença, que remete
‘pa-ciente’ não é ciente do alcance de suas à ausência; representante unívoco, imagem
palavras quando busca a análise. Exatamente da ereção do olho ausente no real e de tudo
por isso ele o faz. Não quer saber; só quer ser mais que lhe falta.
abrigado nesse monastério para amenizar a A fixação nessa ausência exclui os outros
noite de sofrimentos em que vive e seguir possíveis sentidos e qualquer avanço no seu
viagem. O que ele quer é um porto seguro, mais além, que a dimensão simbólica e polis-
que o analista lhe ofereça um novo sentido sêmica da palavra permitiria; a imagem tan-
que o proteja no albergue do sentido. to vale mais do que mil palavras como pode
Isso nos toca diretamente enquanto psica- se congelar em signo, em símbolo e, tanto
nalistas, pois que já passamos por esses cami- num caso quanto noutro, deixar de nortear,
nhos e aprendemos que é no campo do sen- contextualizar, oferecendo um norte imagi-
tido (com e sem sentido) que operamos na nário e sabotador do diálogo no encontro
sessão analítica. E quando as relações entre entre dois.
analista e analisando permanecem no plano Tem de haver uma dimensão a mais para
da dualidade imaginária – em espelho, como quebrar a univocidade, introduzir o equívo-
mostra o apólogo – aí proliferam a agres- co e a multiplicidade de sentidos para an-
sividade, a competição e os duelos: “ou eu, corar esse barco e abrir para novas rotas; é
ou ele”. Em sua origem fundamental e cons- preciso que haja pelo menos três dimensões
titutiva, o eu é essencialmente paranoico e, para definir um ponto: a dimensão terceira, a
para preservar-se, deve excluir o outro que, a simbólica, estabelece o norte para o discurso.
priori, o ameaça (Lacan, [1948] 1998). Mas é a quarta dimensão, a que faz o en-
A estrutura psíquica do analista, por mais laçamento do real, imaginário e simbólico
que se tenha analisado, é a mesma estrutura – a entrada em jogo do Pai como agente da
que configura a subjetividade de seus anali- castração – que permite quebrar o idílio nar-
santes. Mesmo quando se trata da psicose – e císico e instituir o desejo da mãe, diferente
inclusive nesses casos –, a estrutura se orga- do desejo da criança, que se metamorfoseia
niza em torno dos mesmos pilares, apenas em sujeito de um discurso singular, norteado
articulados de formas diferentes. pelo falo, diferente e distanciado do desejo
O que faz a diferença, para além das dife- do Outro.
renças da estrutura psicótica, é o fato de que Entre analista e analisando, deve haver
o analista esteja avisado, prevenido, quanto essa distância, aquela que só se faz quando o
à sua própria estrutura, que tenha apreen- analista abre mão de seu ser para ocupar um
dido e aprendido, ao longo de sua análise lugar Outro para cada analisando; quando se
pessoal e supervisão, pois também funcio- porta como o farol que assinala as rochas no
na nos registros do real, do imaginário e do percurso na fala desse sujeito do inconscien-
simbólico; pois, logicamente, passou pelas te, permitindo que a cena ou a imagem que
sucessivas operações do recalque e dividiu- se apresenta à lembrança seja vista de fora,
se diante do desejo que se fez inconsciente, em seu mais além da significação original – o
do mesmo modo como acontece com o ana- que costumamos chamar de insight.
lisante neurótico. Se o monge forasteiro tivesse colocado
O fato de o monge ter apenas um olho, em palavras a chave, o tema a ser debatido, o
ao contrário do que se poderia pensar, não diálogo teria sido norteado por ela, na dire-

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ção de um discurso sobre o budismo, como zer do paciente e o que o analista quer que o
ele revela ao irmão sábio. Provavelmente, paciente faça dele. Temos aí o par da fantasia
para ele isso era óbvio. Perdeu a disputa le- do analista: o analista na posição de sujeito e
vado por dois erros: quando acha que sabe, o analista no lugar de objeto, como comentei
entende e é entendido pelo outro e quando em outra oportunidade (Barbieri, 2003).
acha que sabe por que perdeu. A fantasia – que não se restringe aos sen-
O monge estúpido também perde, pois tidos de imaginar, devanear, sonhar acordado
despreza os termos do desafio sobre um sa- ou elaborar cenas usando a imaginação, que
ber a respeito do budismo e, em sua certeza, chamamos de fantasia neurótica – tem, a par-
interpreta o gesto do outro pela via de um tir de Freud, uma consistência que vai além da
saber absoluto. Se tivesse questionado ou se fantasia neurótica, uma consistência de para-
interrogado sobre o sentido daquele dedo digma conceitual das relações entre seres fa-
em riste, descobriria do que se tratava. Mas lantes, que ele chama de fantasia fundamental.
girava em torno de uma chave fixa baseada Matematizada, a partir de Lacan, como
na figuração narcísica do eu, na sua incom- fórmula, como função matemática, ela de-
pletude e, por isso, não podia ver no gesto do monstra as posições que o ser falante ocupa
forasteiro outra interpretação a não ser essa. em suas relações com seus objetos eletivos.
Então, o que é que o apólogo nos diz? Não Esse matema nos permite reconhecer as pos-
é que o analista tenha de se abster de falar. sibilidades de adotar alternadamente a pos-
Quando o sábio monge diz: “Veja e mode- tura de objeto e de sujeito na cena que per-
re-se para que o diálogo se faça em silêncio”, meia o modo de ser de cada ser falante.
devemos entender que é sábio ‘moderar-se’. Por isso, Freud a chama de fantasia “pri-
Ouvir e moderar o quê? Os gozos, não falar mária”, assim como a cena “primária”, recal-
com seu ser, não agir de acordo com seu in- que primário, remetendo-nos à origem da
consciente na sessão analítica – ao contrário constituição do eu e do sujeito como tal.
do que lemos em alguns autores que pro- Mas não podemos deixar de notar que
põem uma comunhão entre inconscientes –, isso não se confunde com os aspectos passi-
evitar a possibilidade de encharcar essa re- vo e ativo, já que identificar-se na posição de
lação com o sentido pertinente à relação de objeto pode ser a resultante de um ato, de um
um eu para outro eu, onde se faz uma par- agir prenhe de intencionalidade ativa, tan-
ceria de gozo do sintoma. O apólogo mostra to quanto posicionar-se no lado do sujeito.
como se monta a armadilha na qual se cai Muitas vezes, inclusive, fazer-se objeto exige
quando nós, analistas, nos calcamos em nos- mais atividade do que se fazer sujeito, como
sa fantasia particular. já foi observado quando se trata da mulher:
Como abordei em outra oportunidade, fazer-se objeto de desejo de um homem.
auxiliada pelo texto de Serge Andrè, A im- Lacan nos dá a fórmula da fantasia: $ ◊ a
postura perversa, e por Lacan, o desejo do – o sujeito, dividido pelo desejo interditado,
analista não é um desejo puro e “poderia inconsciente, e o objeto privilegiado de seu
ser definido como o desejo de um homem desejo e gozo. A isso responde o que mencio-
prevenido” (Andrè, 1993, p. 43-44). Isso sig- nei acima a respeito da fantasia do analista,
nifica que o analista deve tomar seu próprio mas também à de todo ser falante, pois é à
desejo de se tornar analista como um desejo medida que o monge estúpido se coloca nes-
eminentemente suspeito, que fatalmente in- sa posição de objeto da crítica do forasteiro
tervirá na sua postura. que podemos vislumbrar os infortúnios que
No Seminário 11 Lacan ([1964] 1985, p. a imagem, a aparência formal, nos propicia.
151) afirma que nessa história existem duas Infortúnios. Mas, por outro lado e con-
vertentes diferentes: o que o analista quer fa- comitantemente, proteção para não nos de-

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pararmos com nossas faltas, nossas falhas e Por mais que se interprete, esses gozos per-
nossos desejos perversos que possam esca- sistem, não mudam, são resistentes à trans-
par à lei da castração. Pois, mesmo que não crição, não se inscrevem na linguagem e,
o façam, tais desejos, ainda assim, podem ser consequentemente, não obedecem ao Ideal
fonte contínua de angústia, a cada vez que se do Eu ou se submetem aos mandatos e ensi-
insinuam sedutoramente para o eu em busca namentos da educação. Não é possível edu-
de satisfação. car, governar e psicanalisar todas as pulsões,
Quando o sujeito sofre de angústia é por Freud nos assinalou.
se identificar como a. Enquanto objeto a, ele Para ser condescendente, abrir mão do
não pode ser sujeito. Mas há quem escolha gozo da pulsão e passar ao desejo, há que
essa posição na medida em que tem medo de passar pela angústia; nem todo sujeito, mes-
ser sujeito de seu próprio desejo. mo neurótico, está propenso a se deixar pro-
Se algo escapa à operação lógica da cas- cessar pela via da castração para se livrar de
tração, resta como “tentação pulsional”, gozo certos gozos. Para esses gozos, Vegh (2001)
que Isidoro Vegh2 chama também de “parasi- propõe, apoiado em Lacan, que deveria haver
tário”, que não pode ser contido ou desviado, um ato do analista e uma tarefa do analisante.
sublimado através do simbólico. Diferente Entretanto, para além das questões que
do gozo ligado ao desejo, acessível à inter- envolvem mais diretamente a prática psi-
pretação, que chamaríamos de gozo sexual, canalítica, o apólogo remete diretamente a
porque norteado pelo Falo, no registro do questões tão importantes quanto. A trans-
simbólico. missão do saber – não apenas o psicanalítico,
O que resta como tentação não se circuns- mas qualquer outro – e o laço social estabele-
creve com palavras, permanecendo como cido num contexto cultural fruto de manipu-
real em sua consistência, inacessível pela in- lação midiática da imagem a serviço de inte-
terpretação e sem limite. É da ordem do que resses econômicos e políticos que conduzem
faço, sei por que faço, mas não sei como dei- e determinam o sujeito tornando-o refém de
xar de fazer. ideais imperativos, não podem deixar de ser
Ouvi uma piada psicanalítica que ilustra notados e anotados pelos psicanalistas.
bem o que quero dizer: um jovem que se ana- O saber sobre os discursos, constituído na
lisa há muitos anos comenta com um amigo obra de Freud e revisto, sistematizado e ex-
que continua sofrendo de enurese noturna, pandido na obra de Lacan, vem sendo posto
só que agora, por causa da análise, ele já sabe à prova quando aplicado ao relato da história
por quê. Essa piada, que aparentemente pre- da humanidade desde os seus primórdios e
tende desmoralizar a eficácia da psicanálise, fundamentos.
como todos os chistes em sua relação com o Nem precisamos recorrer à Psicologia das
inconsciente, é uma verdade. Temos de ad- massas e análise do eu ou ao Porvir de uma
miti-la. ilusão e a O mal-estar na civilização para jus-
Há certos gozos que não se submetem às tificar esse ponto de vista. Mas, se o leitor as-
intervenções simbólicas, não entram no cir- sim desejar, pode ser importante recurso.
cuito da representação e permanecem como Comecemos pela transmissão do saber,
tentação à satisfação direta, impossível de ser do modo como falamos aos educadores.
desviada, inibida, sublimada ou recalcada.
O saber da fantasia:
da dimensão imaginária ao simbólico
2. Ideias apresentadas no texto Repassemos durante a Reu- Alguns anos atrás, convidada a falar para
nião Lacanoamericana de Psicanálise de Montevidéu e no
seminário inédito Estruturas e intervenções no sujeito da educadores no Instituto Anísio Teixeira,
análise, realizado em Salvador (BA), nos dias 7 e 8 jun. 2013. em Salvador, a questão que me foi proposta

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permitiu avaliar a distância que o senso co- racterístico dos fracos e imaturos, pois a fan-
mum coloca entre a fantasia e a “realidade”, tasia humana está na base dos processos mais
na medida em que desconhece tanto o seu fundamentais e produtivos e a inibição da sua
substrato de real – que a fórmula lacaniana atividade, não apenas empobrece o potencial
aponta – como o potencial de criação e ela- de aprendizagem, como também termina por
boração de saber que a fantasia carrega. “De embotar a vida afetiva das pessoas. Se pro-
que forma o educador possibilita à criança curarmos as motivações mais profundas dos
buscar a ponte da fantasia para a realidade?” gênios criadores, terminaremos esbarrando
foi a pergunta que me fizeram, cuja resposta numa fantasia fundamental do sujeito, que
resumirei a seguir. se oculta sob os mais variados disfarces, em
germe, como semente da qual procede todo
Mas afinal o que é mesmo a realidade? E de movimento intelectual e criador, seja cientí-
que realidade podemos falar? O que é que fico, seja artístico. Todos os gênios criadores
sabemos da realidade senão aquilo que dela buscaram respostas para questões que em sua
apreendemos através das insidiosas lentes da essência foram algum dia uma questão ínti-
nossa percepção pessoal e intransferível, da- ma e pessoal. [...] talvez o educador devesse
quilo que dela teorizamos ou, ainda, daquilo canalizar esse manancial para o seu campo de
que criamos como nossa realidade? trabalho, usar as águas da fantasia para fazer
rodar os geradores da energia necessária ao
Não podemos nos iludir. A realidade pode trabalho intelectual.
ser, e geralmente é, uma convenção que se
propõe diante da coincidência de pontos de Não estamos distantes do nosso apólogo
vista. Sabemos muito pouco ou quase nada como poderíamos pensar, mesmo que nele
sobre a realidade e o que sabemos é o que fiquem demonstradas as limitações e as fra-
construímos ao longo da vida e transmitimos gilidades de julgamento quando nos apega-
de um ao outro, como o educador transmite o mos à imagem como verdade, pois ela não
que por sua vez aprendeu em sua própria vida pode circunscrevê-la. A verdade não pode
transmitido por um outro educador. Por isso, ser desvelada toda, pois implica, em si mes-
a educação é tarefa permanente e eterna. ma, uma vertente de Real, que é irrepresen-
tável pelo Imaginário e inominável pelo Sim-
Na realidade..., aquilo que concebemos como bólico. Não falo da realidade, mas do Real
real só pode ser apreendido na medida em enquanto aquilo que é imutável e inacessível.
que formulamos uma representação, que São necessárias a arte e a ciência para des-
pode ser imaginária e ilusória, até mesmo vendá-lo e a religião para vendá-lo quando
enganadora. [...] A realidade material pode transparece.
estar em desacordo com a realidade psíqui- Se o professor não estiver avisado, preve-
ca do sujeito, criada sobre a tela da fantasia nido, de que seu saber não é pleno, de que
individual. [...] A fantasia é de certa forma a seu aluno pode construir um saber próprio,
criação de um saber, principalmente a fanta- individual, a partir de suas próprias articu-
sia consciente que chamamos devaneios ou lações – se, como o monge estúpido, partir
sonhos diurnos. [...] o que seria da literatura, de uma imagem como se fora absoluta e
das artes e da ciência se certos adultos não ti- unívoca – excluirá a possibilidade de um sa-
vessem conservado sua capacidade de fanta- ber novo, fora do convencional, criativo, ou
siar, transformando a realidade? “transcriativo”, como diz Paolo Lollo.

Não devemos, então, tomar a fantasia segundo Quando um professor se dirige a um estudan-
um preconceito de que seja algo menor ou ca- te para lhe transmitir um saber, ele põe em

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movimento uma dinâmica entre dois sujeitos. atualidade um verdadeiro retrocesso à di-
Assim, ele não pode abstrair-se do domínio mensão imaginária da informação, do saber
humano que procede da singularidade. Se, na e da verdade através da utilização espúria da
física, o ponto de vista do observador muda imagem, com objetivos de massificação e en-
o objeto observado, no discurso das ciências godo da opinião púbica, com fins políticos.
humanas, o ponto de vista do professor for- Acostumados a tomar a palavra escrita
ma e transforma o discípulo, mas ele também e falada, assistimos, vemos e ouvimos, com
pode vir a ser transformado por um verda- nossos aparelhos sensoriais, o privilégio que
deiro receptor que nunca é passivo. Assim, o se outorga ao uso manipulatório da imagem
objeto saber, o conteúdo transmitido no ensi- na veiculação das informações que torna a
no, acaba se transformando nessa viagem de comunicação das massas tão truncada, dis-
vai-e-vem (Lollo, 2013, p. 16). torcida e obscura quanto a dos dois monges
do apólogo. As mensagens subliminares, en-
Sobre esse ponto, remeto o leitor ao livro viadas através de distorções e fabricações de
ou à resenha de seu livro Passagens, publica- imagens são um fato e, assim como a ima-
da nesta revista (p. 171), que resumirei em gem do dedo em riste, deflagram reações in-
poucas palavras. conscientes, antes latentes.
O autor considera quatro modalidades ou Embora não considere que isso possa
frações na transmissão do saber. Uma fração inaugurar um novo discurso, um sujeito des-
de saber, que é transferido e pode ser men- provido de inconsciente ou incapaz de sim-
surado, corresponde ao “que cessa de não se bolização, inacessível ou inadequado à análi-
escrever”: um real que se representa, se es- se, que funcione a toda no imaginário – isso
creve, se registra no campo do simbólico. apenas implicaria um sujeito psicótico, como
Uma segunda parte, que é transferida, já conhecemos – e, considerando que o dis-
mas não pode ser mensurada, “que não cessa curso que domina a nossa sociedade seja o
de não se escrever” e permanece inapreen- discurso capitalista, como Lacan o definiu,
sível, inacessível e impossível de ser quanti- atribuímos a esse discurso, como efeitos, o in-
ficada. cremento da exploração política da imagem,
Um terceiro tipo de saber que não pode da relação dual e narcísica com base no poder
ser transferido, pois se perde no trajeto e não dos bens de consumo, individuais e grupais.
chega ao seu destino e “cessa de se escrever”. Desenvolve-se em larga escala um uso
Esse saber seria da ordem do recalcado, ou inevitável e adverso do potencial da imagem
foracluído, por isso bloqueia a máquina de que – propiciado pelas novas tecnologias da
aprendizagem e de transferência. comunicação utilizadas pelos sistemas e pe-
A quarta modalidade é um saber que não los grupos políticos – produz na atualidade
pode ser transmitido, mas que surge do nada, os mesmos efeitos de ódio, destrutividade,
produzido pelo aluno e por sua pulsão cria- competição, ilusão de verdade, que a história
dora: “O que não cessa de se escrever”. Esse mundial das lutas de poder nos conta e que
seria um saber criado, “[...] um furo criador acabamos de reconhecer no encontro entre
que permite sair do trou-matisme e da side- dois solitários monges.
ração, levando o aluno (e o analisando) a A resposta é a mesma, só que agora numa
produzir saber que não se encontra lá” (Lol- proporção de massa, nacional e também in-
lo, 2013 p. 19), uma saída original e singular ternacional. Afirmada, rebatida, repetida, a
pela produção de novos significantes. imagem passa a ter valor inquestionável de
É assim que se criam novos saberes na verdade, e o receptor reage e revida: instala-
cultura, partindo da dimensão imaginária, se no lugar do estúpido e não questiona a in-
mas não retrocedendo a ela. Vivemos na terpretação da imagem.

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A dimensão imaginária na análise, na educação e na política

O que está na base dos conflitos da socie- dade: felicidade = necessidade satisfeita, por
dade atual não pode ser explicado simples- direito.
mente pelo uso exacerbado das tecnologias É desse discurso que fala Colette Soler
digitais e do uso da imagem, mas do tipo de quando diz que a civilização nos nossos dias
uso que se faz e do objetivo que norteia esse éa
uso que – encoberto, escamoteado e velado –
sorrateiramente produz um pobre eu seden- [...] civilização da ciência e dos objetos que ela
to de conquistar ideais grandiosos, tais como gera. [...] o objeto é função dos discursos em
vencer o debate monástico, para se proteger ação, é função dos discursos que definem a
do desamparo social. civilização (Soler, 1998, p. 167).
Um olhar atento revela fatores políticos e
econômicos muito mais radicais na compo- Assim, a ética desse discurso obedece ao
sição da cena virtual que realmente nos de- imperativo do consumo, à dialética do ter ou
vora neste século XXI: o discurso capitalista não ter, que responde pelo ser ou não ser, e
e o sujeito da nova democracia. à lógica cartesiana do todo, da completude
que obtura a falta a ser. A falta fundamental
O capitalismo, a democracia do ser humano deve ser preenchida e con-
e o sujeito democrático cretada com objetos que produzam a (ilusão
Freud elaborou uma fina teoria sobre a de) felicidade.
constituição e os mecanismos de coesão Essa regra – embutida nas terapias de
dos fenômenos de grupos, considerando as comportamento, nos manuais de autoajuda,
estruturas subjetivas capazes de fornecer o implícita na lei que exige o “Eu em primeiro
aparato necessário ao processo de formação lugar” e nos ideais de beleza, juventude e saú-
e manutenção dos grupos espontâneos e os de eternas, decorrentes da perfeição – pre-
comparou com as estruturas da igreja e do tende e quase consegue obnubilar o sujeito
exército. Do indivíduo à cultura. quanto à sua corruptibilidade física e moral,
Lacan formalizou cinco discursos que quanto ao destino natural da morte, quanto
contemplam as estruturas discursivas, que à sua falibilidade.
se diferenciam entre si na trama da cultu- E enquanto consegue, oferece como obje-
ra. O discurso capitalista se diferencia por se tivo de vida a solidão resultante da destruição
organizar fora da norma vigente nos outros do outro para viver consigo mesmo, amando
quatro discursos; ele resulta de uma torção, a si mesmo, em primeiro lugar, consumindo
de um deslocamento anômalo dos termos e acumulando! Pena que isso não garanta a
em comparação com os outros, subverten- felicidade pretendida.
do o modo como o laço social se estrutura. Simultaneamente, convoca o sujeito a
Essa torção implica diretamente os termos exigir uma reparação do outro, suposto cau-
da fantasia ($ ◊ a). Isso se dá na medida em sador de sua falta, diferente, estrangeiro e
que a ideologia capitalista transformou as inimigo. Como se desejo fosse direito a de-
relações de produção e as relações do sujei- mandar e ser atendido, assistimos a cenas em
to desejante com os objetos de desejo e do que, diante da urgência conflituosa em pro-
gozo. O capitalismo institui a produção de ver plenamente tudo e qualquer coisa que
objetos de consumo que nos são impostos, evite dizer não ao filho, ouve-se em resposta
mais do que oferecidos, como possibilida- uma reivindicação impossível que faria ao
de de compor a imagem da completude en- menos um desejo nascer nesse sujeito infan-
quanto felicidade/satisfação plena. Isso tem til que precisa desejar.
como consequência elevar a satisfação à ca- Muito já se esclareceu e se tem falado
tegoria de direito e rebaixar desejo a necessi- acerca da depressão generalizada em função

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do esvaziamento do desejo nas sociedades traduzem um mesmo mal, todos esses efeitos
economicamente desenvolvidas – o que po- têm uma única causa. Ela se chama democra-
deria ser paradoxal, mas não é – pois, sem cia, isto é, o reino dos desejos ilimitados dos
desejo, a vida não tem sentido e somos mor- indivíduos da sociedade de massa moderna
tificados. (Rancière, 2014, p. 7-8).
O culto à perfeição e aos objetos que com-
pletam, mortificando o desejo, certamente Não se trata de discutir o ódio à demo-
concorrem muito mais para a formação de cracia, cuja violência continua sendo atual,
sintomas aparentemente devidos à utilização como sempre, não é novidade, já aponta
das novas tecnologias. Ao que parece, a rela- Rancière como introdução. Trata-se de arti-
ção é, inclusive, inversa. As pessoas aderem cular a questão da dimensão imaginária que
ao consumismo e utilizam muito as tecno- inunda o campo da cultura atual advinda dos
logias na medida em que pretendem com próprios sistemas de pensamento que a es-
elas preencher as lacunas nos laços sociais. truturam. Não estamos lidando com objetos
Os objetos de consumo tentam escamotear de gozo que são prejudiciais ao ser humano,
a falta ‘do olho’, que não pode ser aceita pelo não é essa a questão. Estamos envolvidos
monge estúpido. num sistema imaginário, virtual, que nos
A sociedade atual acredita na plenitude cala na medida em que entope nossos orifí-
e na perfeição, no poder e satisfação total. cios com objetos que devemos querer ter.
Tudo posso! Não em Deus, em Jesus ou pela Assim, ele diz:
intercessão de alguma entidade infinita, ab-
soluta e simbólica, mas em mim mesmo, por [...] as leis e as instituições da democracia for-
mim mesmo, sob o axioma “querer é poder”. mal são as aparências por trás das quais e os
Segundo essa nova ideologia, basta comprar. instrumentos com os quais se exerce o poder
Quem tem, é. da classe burguesa (Rancière, 2014, p. 9).
Concomitante e conectada com o ideal
capitalista, encontramos uma definição Paradoxalmente, quanto mais evoluímos
inesperada para um conceito que se revela rumo aos direitos democráticos, mais fica-
como fundamento de diferentes sintomas da mos submetidos à “tirania democrática” do
civilização atual, que vem articulada a esse consumo – termo usado por ele –, determi-
discurso. Democracia: O reino dos desejos nada pela ideia de plenitude a ser alcançada
ilimitados dos indivíduos da sociedade de pela via do direito a consumir tudo.
massa moderna.
A lei do lucro capitalista reina sobre o mun-
Uma jovem que mantém a França em suspen- do porque o homem democrático é um ser de
se com o relato de uma agressão imaginária; desmedida, devorador insaciável de merca-
adolescentes que se recusam a tirar o véu na dorias, direitos humanos e espetáculos tele-
escola; o déficit da Previdência Social; [...] as- visivos. A verdade é que nossos profetas não
salariados que fazem manifestações pela ma- se queixam desse reino. Eles não se queixam
nutenção do sistema de aposentadoria; [...] o nem das oligarquias financeiras nem das esta-
avanço dos realities shows, do casamento ho- tais. Eles se queixam, em primeiro lugar, dos
mossexual e da reprodução artificial. É inútil que as denunciam. A coisa é fácil de compre-
procurar o que une acontecimentos de natu- ender: denunciar um sistema econômico ou
reza tão distinta. Centenas de filósofos ou so- estatal é exigir que eles sejam transformados.
ciólogos, cientistas políticos ou psicanalistas, Mas quem pode exigir que eles sejam trans-
jornalistas ou escritores já forneceram a res- formados, senão esses homens democráticos
posta [...] Segundo eles, todos esses sintomas que reclamam que esses mesmos sistemas

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não satisfazem seu apetite? (Rancière, 2014, Christofle para reivindicar algum direito pes-
p. 111-112). soal, no seio de um grupo.
Para concluir, lembro o fato de que nada
O homem democrático de Rancière seria disso passou despercebido para Freud, mes-
o sujeito freudiano? Seria o Eu, democráti- mo quando optou por não ser completamen-
co? O sujeito da modernidade, no que tange te explicito. Imerso no contexto que sua épo-
ao ser de desmedida, devorador insaciável, ca produziu, adotou a postura daquele que
agora abonado pela atitude capitalista oci- vai sempre além, não se detém diante das
dental, não parece, em essência, diferente do tramas imaginárias e, muito menos, diante
revelado por Freud e descrito por Rancière. dos maniqueísmos políticos.
O ideal democrático, aderido às curvas de- É impossível esgotar o inconsciente re-
terminadas pelos interesses de poder e usu- calcado, educar as pulsões, governar todos e
ra, adapta-se aos interesses elitistas de nos- para todos. Ele, que sempre viu e ouviu além
so tempo, distanciando-se do modelo grego da superfície, não tinha de ser nem branco
que o concebeu. nem preto, apenas ser da cor da carne.
A nova democracia, subordinada à ilu-
são imaginária de plenitude e poder ilimi- Joan Riviere conta, segundo Jones, que al-
tado, torna-se cada vez mais difícil de ser guém acusou Freud de ficar em cima do
sustentada, pois, como satisfazer a todos, muro, durante uma discussão política, de não
o tempo todo, completamente, sem gerar ser nem fascista nem socialista. “O Sr. não é
um caos? Seria possível hoje seguir à risca nem branco, nem preto!”, teria dito a pessoa.
o ideal democrático como o que surgiu na E Freud: “Não mesmo, temos que ser da cor
Grécia antiga? da carne” (Goldenberg, 2015).

Esquecida toda política, a palavra “democra-


cia” torna-se então o eufemismo que designa
um sistema de dominação que não se quer Abstract
mais chamar pelo nome e ao mesmo tempo Freud proposed over his theory three impos-
o nome do sujeito diabólico que toma o lugar sibilities that Lacan later defined as arising
desse nome obliterado: um sujeito compósito, from lack of significant to cover the entire uni-
em que o indivíduo que sofre esse sistema de verse of the speaking being: it is impossible to
dominação e aquele que o denuncia se mistu- exhaust the repressed unconscious, to educate
ram. É com os traços combinados de um e de all drives, to govern all. Civilization speaks,
outro que a polêmica desenha o retrato falado human beings speak, but the symbolic dimen-
do homem democrático: jovem consumidor sion does not account for everything. The text
imbecil de pipoca, reality show, safe sex [sexo intends to work out the effects of imaginary
seguro], previdência social, direito à diferen- dimension in these three fields of culture.
ça e ilusões capitalistas ou altermundistas
(Rancière, 2014, p. 112). Keywords: Psychoanalysis; Education; Policy;
Democracy; Knowledge; Aggressiveness.
Só acrescentaria a esse retrato falado, que
parece bem francês, uma característica mais
típica dos jovens e velhos consumidores im-
becis, protestantes recentes do nosso país,
que adotam o “panelaço gourmet”. Explico:
protestos nas varandas de residências onde
se usam panelas Fissler e talheres de prata

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A dimensão imaginária na análise, na educação e na política

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tas-em-matc3a 9 ria-de-polc3adtica.pdf >. Out. 2015.
Acesso em: 1º fev. 2016. Sobre a autora

JONES, E. Vida y obra de S. Freud. Buenos Aires: Hor- Cibele Prado Barbieri
mé, 1976. v. 2. Psicanalista. Psicóloga.
Membro e atual presidente
LACAN, J. A agressividade em psicanálise (1948). In: do Círculo Psicanalítico da Bahia - CPB.
______. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Revisão Presidente do Círculo Brasileiro
técnica de Antonio Quinet e Angelina Harari. Prepa- de Psicanálise (CBP) 2006-2008.
ração de texto de André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, Membro da Comissão Editorial
1998. p. 104-126. (Campo Freudiano no Brasil). da Revista Estudos de Psicanálise do CBP.
Editora da Revista Cógito, publicação anual
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