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Publicação mensal do Cole vo de negros João Cândido do

Par do da Causa Operária nº21 - Agosto de 2022 - R$20


Editorial
Lula é o candidato do povo negro
página 3

Eleições: uma tribuna de denúncia


da opressão do negro
página 4

Negros pagos por bancos estão a serviço da


burguesia
página 5

Um programa do Cole vo João Cândido


Propostas do Cole vo João
Cândido para as
eleições
página 6

Financiamento
A tara do Itaú por um negão
página 8

Rebelião
Hai anos saem às ruas
contra governo imperialista
página 10

Direitos humanos
EUA torturam imigrantes hai anos,
denuncia relatório
página 11

Fim das polícias


A “democracia” e as polícias
página 12

Fim da PM já!
O que subs tuirá a polícia?
página 14

Ar gos do New-York Daily Tribune, Die Presse


e outros (1861-1865)
Escritos sobre a Guerra Civil Americana
Karl Marx e Friedrich Engels
página 16

Cultura
No ajuste de contas…
ou Manifesto maximalista
Lima Barreto
página 24
Lula é o candidato
do povo negro
Nas eleições para presidente de 2022 o povo negro,
pobre e trabalhador não tem dúvida qual candidato
representa seus interesses. O ex-presidente Lula é o
verdadeiro e único candidato da classe trabalhadora
e, especialmente, dos negros do país, o qual concen-
tra na possibilidade de um novo mandato presidente a
possibilidade de melhorias concretas como redução do
desemprego, melhores salários, fim da cares a dos ali-
mentos, fim dos despejos, ou seja, melhores condições
de vida.
Lula é um trabalhador que surgiu para a polí ca no
início dos anos setenta durante as grandes greves dos
operários da região do ABC paulista, contra os desman-
dos dos patrões e que foram mobilizações fundamentais
Circulação Nacional na luta contra a ditadura militar. As greves dos operários
Edição mensal - nº 21 metalúrgicos, na qual Lula foi a principal liderança, foi a
R$20,00
Agosto de 2022
principal força mobilizadora para acabar com o regime
ditatorial que se abateu sobre o país nas décadas de 60,
Expediente: 70 e 80.
Edição: Juliano Lopes, Izadora
Dias, Eric Menezes
A candidatura de Lula representa também a luta para
Redação: Juliano Lopes, Izadora pôr fim à polí ca golpista vigente desde 2016 no gol-
Dias, Eric Menezes, Caio Tulio, Tiago pe contra a ex-presidente Dilma Rousseff e que iniciou
Pires, Carla Silva, Márcio Roberto todo um período de ataques contra a classe trabalha-
Diagramação: Secretaria Nacional dora, através de uma polí ca neoliberal de desemprego
de Agitação e Propaganda do PCO em massa, fim de programas sociais e de direitos traba-
lhistas, cares a nos alimentos, transportes e moradia,
Tiragem: Mil exemplares
priva zações e entrega do patrimônio nacional.
Telefone/Whatsapp:11-95208-8335 Os demais candidatos representam os interesses dos
e-mail: joaocandidopco@gmail.com patrões e nunca fizeram nada em favor dos trabalhado-
site: www.causaoperaria.org.br/ticao-2
facebook: coletivojoaocandido res. O povo negro e trabalhador deve estar nas ruas, se
instagram: @joaocandido.pco manifestando por Lula presidente e lutando por um go-
verno dos trabalhadores, um governo que venha a aten-
Redação: Rua Apotribu, nº 111,
Saúde, São Paulo - SP CEP: 04302-000 der às suas necessidades materiais de melhores condi-
ções de vida.
Correspondência: Todos os pedidos
de assinaturas ou de informação
sobre as publicações das Edições
Causa Operária, devem ser enviadas
para: joaocandidopco@gmail.com
Eleições: uma tribuna de
denúncia da opressão do negro
Nenhum dos grandes problemas que o
povo negro vive pode ser resolvido por meio
de eleições. A fome, o desemprego, a mora-
dia, a repressão policial e o acesso à saúde
são questões que não podem ser verdadeira-
mente mudadas por meio de um conjunto de
“propostas” de um dado candidato.
O negro é o setor mais esmagado de uma
sociedade de classes, em que uma minoria
vive sob a ditadura de uma maioria. Todos
os males do negro hoje têm a mesma raiz:
a ditadura dos bancos, dos grandes empre-
sários e dos la fundiários, que compram
parlamentares, controlam juízes e mandam
na imprensa.
Prometer a construção de um ou dois
hospitais, ou ainda leis que proíbam o “ra-
cismo” é jogar areia nos olhos da popula-
ção. É preciso, portanto, um programa de
luta de todo o povo negro trabalhador. Um
programa de reivindicações que leve a uma
mobilização contra o regime dos capitalis-
tas e inimigos do povo.
Neste sen do, as eleições devem servir
apenas como uma tribuna para esse pro-
grama. O povo negro organizado deve com-
parecer às eleições para denunciar a podri-
dão do regime polí co, incluindo a própria
farsa das eleições. É preciso denunciar que
o País vive um golpe de Estado, que as elei-
ções são um jogo de cartas marcadas, em
que só consegue fazer campanha quem
tem muito dinheiro.
As eleições devem ainda servir para de-
nunciar os impostores do movimento ne-
gro, que lançam suas candidaturas apenas
para cumprir os interesses dos banqueiros,
chegando a receber financiamento do Itaú
para isso.
É preciso fazer das eleições uma alavanca
para o enfrentamento do povo negro com
os seus inimigos. Esse enfrentamento, por
sua vez, deve ter como espinha dorsal um
programa revolucionário, que defenda um
governo dos trabalhadores com Lula Presi-
dente, o fim do ves bular e o fim da PM.
À luta, companheiros!
Negros pagos por bancos
estão a serviço da burguesia
De acordo com o sí o do TSE, Walther Moreira Poderíamos nos estender mais e falar so-
Salles é o 8° maior doador de verbas para os candi- bre todas as polêmicas e os “direitismos” des-
datos das eleições de 2022 — todos eles, diga-se de sas pessoas que recebem o financiamento dos
passagem, são negros. Qual seria o interesse do Itaú grandes capitalistas, mas os fatos apresenta-
e de seus afiliados de financiar tantas candidaturas dos já são suficientemente esclarecedores. To-
progressistas, considerando que os bancos são gran- dos os candidatos listados têm fortes ligações
des carniceiros do povo? com a luta farsesca do negro que, assim como
O fortunato que recebeu a maior quantia de a da mulher, é uma das principais bandeiras do
Walther foi Douglas Belchior. O candidato a De- identitarismo. Isso só comprova a verdadeira
putado Federal pelo PT, na realidade, é ligado natureza dessa política, adotada por todos os
ao PSOL, não à toa sendo um dos fundadores partidos da esquerda-pequeno burguesa atual-
da reacionária Coalizão Negra por Direitos, que mente, sobretudo o PSOL.
reúne centenas de grupos menores ligados a O iden tarismo é financiado pelos bancos, tem
essa causa, caracterizando um dos maiores ex- como principal espalhador de suas ideias as cen-
poentes do identitarismo no País. Além de que, tenas, se não milhares, de ONGs espalhadas pelo
esses grupos são financiados por organizações Brasil, que são financiadas não só por um ou outro
imperialistas. empresário, mas sim por diversas organizações im-
Após Douglas Belchior, que recebeu R$ 150 mil, perialistas como a Fundação Ford, o NED, a Open So-
temos Vilma Maria Dos Santos Reis, também do PT, ciety e tantas outras.
que não só se diz atuar na frente da luta dos negros, O mo vo para isso é simples: por não ter nada a
mas também das mulheres e da comunidade LGBT ver com os reais interesses da população, uma série
— a candidata a Deputada Federal na Bahia recebeu de histéricos iden tários, esbravejando polí cas sem
uma generosa doação de R$ 100 mil para sua cam- lastro na realidade, não incomodam a burguesia.
panha. Pelo contrário, contribuem para manter o movimen-
Em terceira posição, temos Orlando Silva de to operária arrefecido.
Jesus Júnior, do PCdoB que recebeu R$ 75 mil de Mesmo assim, por estarem sempre chamando
Walther Salles. O candidato a Deputado Federal é atenção a supostos grandes problemas sociais,
um notório realizador de ataques ao PT e já pro- suas ações e falas são propagandeadas como gran-
tagonizou diversas cenas de aliança de seu partido des atitudes de luta pela população que, por al-
com o “centrão” e o apoio a propostas direitistas. gum motivo, incomodariam “os poderosos” — isso
O próximo beneficiado é uma figura polêmica: faz com que se crie uma falsa sensação de luta po-
Wesley Teixeira Silva, ex-integrante do PSOL, atual- lítica, mas que, na prática, é apenas uma estraté-
mente filiado ao PSB. Foi a pessoa que recebeu o fi- gia da burguesia para que se mantenha o controle
nanciamento de grandes empresários, em especial sob a esquerda pequeno-burguesa, levando em
do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, frente as políticas dos grandes capitalistas e do
durante as eleições de 2020. Mais uma vez financia- imperialismo.
do, Wesley recebeu R$ 70 mil de Walther para sua É por isso que vemos empresários, banqueiros e
campanha. grandes empresas apoiando as supostas causas das
A lista de financiamento contém mais alguns nomes minorias — a verdade é que o iden tarismo de nada
como Ta ana Marins Roque (PSB), que recebeu R$ 68 serve para a luta da população. Os candidatos que
mil; Marivaldo de Castro Pereira (PSOL), que recebeu propagandeiam essa polí ca não tem nada a ver, por
R$ 50 mil; Roseli Faria (PSOL) que recebeu R$ 50 mil; exemplo, com a população negra, são financiados
José Carlos Guerreiro Galiza (PSOL), que recebeu R$ 25 pela burguesia para apresentar pautas ideais e, no
mil; e, por úl mo, e nem por isso menos importante, final das contas, não levam nenhuma polí ca a favor
Carmen da Silva Ferreira (PSB), que recebeu R$ 25 mil. do povo para frente.
Um programa do Cole vo João Cândido

Propostas do Coletivo João


Cândido para as eleições
Fim das Polícias a defesa cole va dos direitos é em si mesmo a luta pela
cidadania plena.
O aparato repressivo estatal é um instrumento
da burguesia para oprimir e manter o status quo Ensino público e fim dos vestibular
social que mantém o negro como cidadão se se-
gunda classe. Ademais, são aparatos criminosos e Ensino público, gratuito e em todos os níveis. O
fora da lei, que praticam todo tipo de barbaridade; grande con ngente de estudantes do ensino básico
é preciso destruí-los completamente, em especial público no Brasil é composto pela filhos da classe tra-
a polícia militar, verdadeiros assassinos do povo balhadora, em par cular dos negros. A existência de
pobre e negro. O aparato repressivo deve ser subs- dois sistemas de ensino, público e privado, somente
tituído por órgão democrático eleito e controlado existe para perpetuar a desigualdade de condições
pela população. educacionais, criando um sistema de ensino para os
pobres, em sua maioria negros e outro para os que
Fim dos presídios e de todo podem pagar. O resultado é que o sistema público
aparato repressivo é deliberadamente sabotado no interesse dos tuba-
rões do ensino pago. Unificar o sistema educacional.
Igualmente as prisões brasileiras, verdadeiros Por uma educação pública, gratuita e de excelência
campos de concentração, tortura e assassinato, para todos! Fim do ves bular, garan r o direito ao
totalmente foras da lei, atuam sistematicamen- ensino superior para todos!
te contra a população pobre e negra. O judiciário
brasileiro, que constitui um dos poderes mais re- Saúde pública e gratuita
acionários, um verdadeiro poder medieval, atua
sem qualquer legitimidade ou controle popular. Saúde não é mercadoria! Assim como a educa-
Considerando os indicadores socioeconômicos e ção, não é possivel a criação de dois sistemas de
raciais dos presos, torna-se evidente o caráter per- saúde, um público, mas precario, para os pobres,
secutório do judiciário contra a população pobre na sua maioria negros, e outro para quem pode
e negra. É preciso lutar pela imediata destruição pagar, inclusive com preços abusivos e baixa qua-
do sistema prisional brasileiro e pela substituição lidade. Unificar o sistema de saúde, com amplo
por um sistema humano e legal. Do mesmo modo investimento, saúde de excelência, pública e gra-
é necessário colocar o judiciário sob o controle po- tuita para todos!
pular com eleições e juízes e mandatos revogáveis
pela população. Redução da jornada do trabalho
Direito ao armamento Contra o flagelo do desemprego, defendemos
a redução da jornada de trabalho para 35 horas
A cidadania só se realiza efe vamente quando a mas- semanais sem redução de salário e de produção,
sa popular adquire a capacidade de defender-se contra para ampliar a oferta de emprego no país, que be-
a ameaça permanente de rania que o Estado, numa neficiará a população negra, maioria da população
sociedade de classes, representa. Por isso, a reivindica- na informalidade e no desemprego. Trabalhar me-
ção do direito ao armamento geral da nação, em que nos para trabalhar todos!
cada cidadão é um soldado em defesa dos direitos e da
legalidade, está na origem da própria ideia e prá ca da Salário mínimo vital
democracia. Para as massas negras no Brasil, oprimidas
selvagemente pelo Estado e, muitas vezes, por grupos Salário mínimo vital que realmente atenda
criminosos armados, a luta pelo armamento geral para as necessidades do trabalhador, tal como ex-
presso no Inciso IV do Art. 7 da Constituição Direito à moradia e fim dos despejos
Federal de 1988. Um salário que atenda as
necessidades básicas de uma família operária Por moradia digna para toda a população! A mo-
com moradia, alimentação, educação, saúde, radia deve ser considerada um direito social e o Es-
lazer, vestuário, higiene, transporte e previ- tado deve prover esse direito a toda a população.
dência social, não pode ser inferior a R $7 mil Defendemos uma política de criação de moradias
reais. Esta medida atende a população negra, dignas, com programas habitacionais e de refor-
maioria dos que recebem até dois salários mí- mas para habitações já construídas para atender
nimos hoje, que não chega a um terço do mí- a população e com financiamento estatal como di-
nimo necessário. reito de todos. Fim de todos os despejos, regulari-
zação das propriedades ou realocação para outra
Auxílio desemprego melhor.

Auxílio desemprego para todos os necessi- Expropriação do latifúndio


tados de pelo menos um salário mínimo. O de-
semprego é um expediente que os patrões usam A concentração fundiária no país é uma das
para baixar o preço da mão de obra e controlar grandes causas do atraso nacional. A população
o mercado de trabalho, colocando os trabalha- pobre e negra foi alijada do acesso à terra. Uma
dores contra a parede entre salário baixo e mi- minoria de grandes latifundiários controlam a
séria. Para acabar com o poder dos patrões de maior parte da terra, impondo um sistema retró-
jogar a população na miséria para aumentar seu grado e improdutivo. Defendemos a nacionaliza-
lucro, o Estado deve garantir a subsistência de ção de toda a terra, a expropriação do latifúndio e
todos enquanto não conseguem trabalho, tiran- a entrega do usufruto para a população, sob con-
do o dinheiro dos capitalistas. trole de comitês locais.
Financiamento

A tara do Itaú por um negão


Walther Moreira Salles Júnior, ligado ao Itaú, é responsável por milhares
de reais em doações para candidatos negros nestas eleições
De acordo com o sí o do Tribunal Superior Elei- nizações e de promoção de causas por muitas vezes
toral, Walther Moreira Salles, ex-acionista do Itaú, é completamente inócuas.
o 8° maior doador de verbas para os candidatos das Para complementar todas essas denúncias, mais
eleições de 2022 — em especial para os negros. uma prova desse financiamento curioso aparece:
Não é mistério para ninguém que o iden tarismo Walther Moreira Salles Junior, cineasta e, mais im-
é uma polí ca direi sta, financiada pelo imperialis- portante, ex-acionista do Itaú, banco gerenciado por
mo para mascarar os verdadeiros interesse da po- parte de sua família, é um dos principais financiado-
pulação, criando falsas polêmicas com problemas res de candidatos negros nessas eleições de 2022.
menores e escondendo os reais problemas do povo O pai de Walther Jr., Walther Moreira Salles, foi
e suas causas — no caso, o próprio capitalismo e a um conhecido banqueiro e embaixador do Brasil na
burguesia. época de Getúlio Vargas em Washington, nos Esta-
Anteriormente, este Diário já expôs os casos de dos Unidos. Ele também foi Ministro da Fazenda no
Guilherme Boulos e Walfrido Warde, assim como a governo de João Goulart e fundador da Unibanco,
ligações de diversas ONGs que se dizem progressis- União de Bancos Brasileiros S.A., que, na época do
tas e contra polí cas direi stas com o imperialismo, governo de Costa e Silva, em meados da ditadura mi-
com seus esquemas de financiamento dessas orga- litar, era o quinto maior grupo financeiro do Brasil. Já

Os candidatos financiados por Walther Moreira Salles júnior – Foto: Reprodução


o irmão de Walther Jr., Pedro Moreira Salles, é nada recebeu R$ 25 mil; e, por úl mo, e nem por isso me-
mais, nada menos, que o próprio presidente do con- nos importante, Carmen da Silva Ferreira (PSB), que
selho do Itaú Unibanco. recebeu R$ 25 mil.
De acordo com o sí o do TSE, Walther Moreira É importante lembrar que Carmen da Silva foi a
Salles é o 8° maior doador de verbas para os candi- responsável pelas diversas calúnias feitas ao Par do
datos das eleições de 2022 — todos eles, diga-se de da Causa Operária (PCO) em julho de 2021, uma vez
passagem, são negros. Qual seria o interesse do Itaú que a candidata a Deputada federal pelo PSB acusou
e de seus afiliados de financiar tantas candidaturas o par do de agredi-la e de roubar celulares, acusa-
progressistas, considerando que os bancos são gran- ções toscas e sem provas, feitas após o episódio em
des carniceiros do povo? Estaria o Itaú se tornando que os direi stas do PSDB foram expulsos de um ato
um jovem de 40 anos iden tário, interessado em de- da esquerda.
fender os ideais das minorias? Vejamos. Poderíamos nos estender mais e falar sobre todas
O fortunato que recebeu a maior quan a de Wal- as polêmicas e os “direi smos” dessas pessoas que
ther foi Douglas Belchior. O candidato a Deputado recebem o financiamento dos grandes capitalistas,
Federal pelo PT, na realidade, tem seu coração e mas os fatos apresentados já são suficientemente es-
alma ligados ao PSOL, não à toa sendo um dos fun- clarecedores. Todos os candidatos listados têm for-
dadores da reacionária Coalizão Negra por Direitos, tes ligações com a luta farsesca do negro que, assim
que reúne centenas de grupos menores ligados a como a da mulher, é uma das principais bandeiras do
essa causa, caracterizando um dos maiores expoen- iden tarismo. Isso só comprova a verdadeira nature-
tes do iden tarismo no País. Além de que, como já za dessa polí ca, adotada por todos os par dos da
denunciado várias vezes por este Diário, os grupos esquerda-pequeno burguesa atualmente, sobretudo
são financiados por organizações imperialistas. o PSOL.
Após Douglas Belchior, que recebeu R$ 150 mil, O iden tarismo é financiado pelos bancos, tem
temos Vilma Maria Dos Santos Reis, também do PT, como principal espalhador de suas ideias as cen-
que não só se diz atuar na frente da luta dos negros, tenas, se não milhares, de ONGs espalhadas pelo
mas também das mulheres e da comunidade LGBT Brasil, que são financiadas não só por um ou outro
— a candidata a Deputada Federal na Bahia recebeu empresário, mas sim por diversas organizações im-
uma generosa doação de R$ 100 mil para sua cam- perialistas como a Fundação Ford, o NED, a Open So-
panha. ciety e tantas outras.
Em terceira posição, temos Orlando Silva de Je- O mo vo para isso é simples: por não ter nada a
sus Júnior, do PCdoB — com seu nome ironicamen- ver com os reais interesses da população, uma série
te registrado como “Orlando Silve”, talvez numa de histéricos iden tários, esbravejando polí cas sem
tentativa do TSE de implantar o gênero neutro —, lastro na realidade, não incomodam a burguesia.
que recebeu R$ 75 mil de Walther Salles. O can- Pelo contrário, contribuem para manter o movimen-
didato a Deputado Federal é um notório realiza- to operária arrefecido.
dor de ataques ao PT e já protagonizou diversas Mesmo assim, por estarem sempre chamando
cenas de aliança de seu partido com o “centrão” e atenção a supostos grandes problemas sociais, suas
o apoio a propostas direitistas. ações e falas são propagandeadas como grandes a -
O próximo beneficiado é uma figura polêmica: tudes de luta pela população que, por algum mo vo,
Wesley Teixeira Silva, ex-integrante do PSOL, atual- incomodariam “os poderosos” — isso faz com que
mente filiado ao PSB. Foi a pessoa que recebeu o se crie uma falsa sensação de luta polí ca, mas que,
financiamento de grandes empresários, em especial na prá ca, é apenas uma estratégia da burguesia
do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, para que se mantenha o controle sob a esquerda pe-
durante as eleições de 2020, polêmica que resultou queno-burguesa, levando em frente as polí cas dos
numa crise dentro do par do, que quis impugnar sua grandes capitalistas e do imperialismo.
candidatura, e foi um dos mo vos que culminou na É por isso que vemos empresários, banqueiros e
saída de Marcelo Freixo da legenda. Mais uma vez fi- grandes empresas apoiando as supostas causas das
nanciado, Wesley recebeu R$ 70 mil de Walther para minorias — a verdade é que o iden tarismo de nada
sua campanha. serve para a luta da população. Os candidatos que
A lista de financiamento contém mais alguns no- propagandeiam essa polí ca não tem nada a ver, por
mes como Ta ana Marins Roque (PSB), que recebeu exemplo, com a população negra, são financiados
R$ 68 mil; Marivaldo de Castro Pereira (PSOL), que pela burguesia para apresentar pautas ideais e, no
recebeu R$ 50 mil; Roseli Faria (PSOL) que recebeu final das contas, não levam nenhuma polí ca à favor
R$ 50 mil; José Carlos Guerreiro Galiza (PSOL), que do povo para frente.
Rebelião

Haitianos saem às ruas


contra governo imperialista
Cidadãos haitianos vão às ruas contra governo imperialista
Em persistentes protes-
tos, milhares de hai anos
voltaram às ruas hoje, 04,
para exigir a renúncia do
primeiro-ministro Ariel Hen-
ry, em todo os país, a gran-
de reivindicação é a cares a
que a nge a população, au-
mento da gasolina e aumen-
to da violência.
As escolas hai anas adia-
ram o começo do ano le vo
de ontem, 03, devido às ma-
nifestações massivas contra
o governo.
Grupos liderados por Wil-
fort Ferdinand, ex-líder re-
belde dos movimentos an-
governamentais de 2004,
montaram barricadas desde
a manhã e acenderam fo-
gueiras em vários pontos de
acesso ao centro da cidade.
As manifestações paralisa-
ram as a vidades comerciais
pela quarta semana em Por-
to Príncipe, capital do país.
Os hai anos exigem a re-
núncia imediata do primei-
ro-ministro Ariel Henry, e
eleições presidenciais que
já foram adiadas 3 vezes e
estão “prome das” para o
final de 2022.

Com integrantes do Cole vo de Negros João Cândido


TODAS QUINTAS ÀS 19h na COTV no youtube
h p://www.youtube.com/user/CausaOperariaTV
Direitos humanos

EUA torturam imigrantes


haitianos, denuncia relatório
Governo dos EUA é o maior violador dos direitos humanos,
principalmente contra cidadãos dos países pobres

Ano passado, agentes da fronteiras organizaram uma verdadeira “caça aos imigrantes”,
igual faziam os escravocratas contra os negros – Foto: AFP

Um relatório apresentado pela ONG Anis a Inter- Anis a Internacional para as Américas, Erika Guevara.
nacional ─ completamente insuspeita, uma vez que é Segundo ela, os imigrantes veram negado o acesso
financiada por órgãos ligados ao próprio Estado norte- a alimentação, atenção sanitária ou informação jurídica
-americano ─ aponta que os imigrantes hai anos que durante sua prisão nos centros de detenção erguidos
chegam nos EUA são subme dos a “torturas baseadas por Joe Biden na fronteira dos Estados Unidos com o
na raça”. México. Lá, eles sofreram todos os pos de abusos, ten-
Para chegar a essa conclusão, o estudo realizou di- do os seus pés e suas mãos atados pelos agentes.
versas entrevistas com 24 cidadãos do Hai emigra- “Os testemunhos colhidos destacam a grande dor
dos para os Estados Unidos. A culpa pelas violações psicológica e o sofrimento que isso causou em mui-
dos direitos humanos, diz o relatório, é das autorida- tos hai anos devido à associação com a escravidão
des norte-americanas. e a criminalidade”, apontou o texto da organização.
“Nossa inves gação oferece indícios abundantes Nada, porém, será feito. Tampouco pela própria
de que o racismo sistemá co está incorporado no sis- Anis a, que adora realizar grandes campanhas quan-
tema de migração norte-americano”, disse a diretora da do não são os países imperialistas os acusados.
Fim das polícias

A “democracia” e as polícias
Sob o nome democracia, se esconde das mais selvagens ditaduras e a existencia polícias bem o comprovam

Há opressão contra o corpo social quando um único de seus membros é oprimido, há opressão
contra cada um de seus membros, quando o corpo social é oprimido
A democracia, desde seu nascimento na an ga assentado no princípio fundamental da democracia
Grécia, notadamente em Atenas, por volta do sécu- moderna.
lo VI a. C., foi entendida como um regime em que Existe, para além da garan a dos direitos e da
a preponderância social no Estado cabia aos pobres, igualdade, um destaque para a resistência à opres-
contra os aristocratas (* os melhores, no significado) são, sendo temas dos ar gos da Declaração. Pode-se
ou os ricos. Aristóteles, mais profundo pensador po- ler no “Art. 34 – Há opressão contra o corpo social
lí co, dentre outros campos, da An guidade, classifi- quando um único de seus membros é oprimido. Há
cava o regime democrá co, ele que não era propria- opressão contra cada um de seus membros, quando
mente um par dário do mesmo, como um regime o corpo social é oprimido”;
em que o povo (os pobres) deveria ter supremacia E no “Art. 35 – Quanto o governo viola os direi-
de preferência aos melhores. O desenvolvimento tos do povo, a insurreição é para o povo e para cada
econômico europeu fez essa concepção renascer no porção do povo, o mais sagrado dos direitos e o mais
século XVIII, acabada no robespierrismo, na ditadura indispensável dos deveres.” Na Cons tuição de 1793,
do par do montanhês. os revolucionários preocuparam-se fundamental-
A aparente contradição se desfaz se considerar- mente com a questão, ao invés de uma força policial
mos o sen do originário do regime democrá co, ou militar destacada do povo, tornaram todo o povo
hoje totalmente encoberto pela classe dominante. membro das forças de defesa da República;
Tratava-se de garan r os direitos do povo contra No Art. 109 da Cons tuição, pode-se ler: “ Todos
os privilégios da aristocracia decadente e contra os os franceses são soldados, todos se exercitam com o
banqueiros. Com esse obje vo, os revolucionários manejo das armas”. Embora houvesse uma força pú-
jacobinos fundaram a república francesa em 1793 e blica paga, essa estava subordinada às autoridades
escreveram uma Declaração dos Direitos do Homem cons tuídas. Os revolucionários sabiam muito bem
e uma nova Cons tuição na mesma data. Aí está que o Estado é por natureza uma instrumento de
opressão poderoso e uma ameaça permanente aos lam constantemente todos os direitos de cidadania,
direitos do povo, a única maneira era dotar a massa são mesmos instrumentos de opressão contra a po-
popular dos instrumentos para defender os direitos pulação pobre e no Brasil a negra.
da rania e da opressão, esse é o verdadeiro signifi- São tropas completamente fora do controle po-
cado da cidadania. pular, se assemelhando aos exércitos da an ga no-
Após a derrota dos revolucionários, a burguesia breza e em nada ao ideal democrá co de cidadania
francesa e mundial, depois de um périplo de ten- em armas. A reivindicação de fim das polícias não é
ta vas, modificou completamente o sen do de de- nada mais que a exigência de cumprimento da de-
mocracia, tornando-a uma mera formalidade, um mocracia, o fato de o Estado manter um corpo arma-
conjunto de ritos. O elemento central foi, porém, do apartado da vontade do povo e que é u lizado,
completamente eliminado, isto é, a preponderância não contra um inimigo externo, mas contra a própria
dos pobres em relação aos ricos. Os ricos, a burgue- cidadania, que por sua vez é impedida de defender
sia, se apoderaram completamente desta democra- seus direitos ante essa tropa armada, só mostra o
cia formal e por meio dela oprime o pobre. O ideal grau de demagogia que se tornou a democracia para
de cidadania, isto é, de que o cidadão possa vigiar o a burguesia.
Estado e impedi-lo de usurpar o poder foi comple- Trata-se de uma verdadeira tirania contra as
tamente desmontado; a ideia de cidadão em armas massas populares, contra os negros, os pobres e
paula namente desbaratada. os trabalhadores exercida pelo Estado brasileiro,
Em seu lugar, surgiram destacamentos militares cujo braço armado desta ditadura são as polícias
completamente alheios ao povo e que o oprimem que atuam, não para garantir direitos, mas para
sistema camente, eliminando seus direitos. Vejamos eliminá-los e, em muitos casos, aos próprios cida-
o caso brasileiro, as polícias, notadamente a militar, dãos. A exigência de fim da polícia tem, portanto,
não tem nenhuma relação com o povo, que aliás foi a função de denunciar a ditadura que existe sob o
alijado completamente das armas, essa polícias vio- nome democracia.

As polícias, notadamente a militar, não tem nenhuma relação com o povo, que aliás foi alijado
completamente das armas, essa polícias violam constantemente todos os direitos de cidadania, são
mesmos instrumentos de opressão contra a população pobre e no Brasil a negra
Fim da PM já!

O que substituirá a polícia?


A polícia é uma organização criada e mantida para atender os interesses da burguesia,
os trabalhadores precisam ter a sua própria organização de defesa

Em seu programa o Partido da Causa Operá- Segundo, como é uma organização criada, for-
ria (PCO) tem como um dos pontos a proposta mada e mantida pelos capitalistas que controlam
para a questão da violência que se abate sobre o Estado, inclusive através de seus funcionários
os trabalhadores: a dissolução da polícia e de (parlamentares, juízes, burocratas), ela nunca agi-
todo o aparato de repressão do qual faz parte. rá em favor dos trabalhadores, não de forma con-
Uma proposta que costuma criar polêmica com tundente, que realmente resolva os problemas de
a imprensa burguesa e com a esquerda peque- segurança, serão sempre ações de “maquiagem”,
no-burguesa. E, para estes, um dos pontos que superficiais que tanto não resolvem como, geram
gera confusão se traduz em perguntas do tipo mais violência – a qual a polícia é a maior geradora
“acabar a polícia não vai aumentar a violência?” – para justificar mais e mais repressão, leis antide-
ou “mas, se acabar a polícia não vai ter nada?” e mocráticas, prisões em massa etc.
outras na mesma linha. O PCO coloca como proposta de luta, que sejam
criados imediatamente comitês de autodefesa dos
Explicando a crítica trabalhadores, organizações que podem ter qual-
quer nome aliás, imediatamente organizações que
Começamos explicando a crí ca à concepção rea- visariam dar segurança aos bairros operários en-
cionária dos setores citados acima. Sim, reacionária frentando a violência da polícia e evitando a ocor-
porque expressa uma posição no sen do da manu- rência dos demais crimes. Devem ser organizações
tenção e da defesa das ações de uma organização populares de defesa dos trabalhadores, criadas,
que é uma verdadeira máquina de guerra que atua formadas e mantidas por trabalhadores que atuem
diariamente massacrando a classe trabalhadora, em todos os setores, nos bairros, nas unidades de
agindo com especial intensidade sobre os setores trabalho, nas escolas, nos hospitais, aonde houver
mais pobres e mais explorados. a necessidade de defender fisicamente os traba-
Ques onar que “não podemos” viver em socieda-
lhadores, deve ser formado um comitê de autode-
de sem essa corporação, que suas ações são necessá-
fesa. E isto não é “para depois da revolução” isso
rias, não é só confusão, mas sim é uma defesa da po-
é para já, para agora, pois a violência diária que os
lícia e de suas ações, ou seja, uma defesa que atende
trabalhadores sofrem não terá fim sem que essas
aos interesses do Estado burguês, do Estado que ser-
organizações existam.
ve aos interesses da burguesia. Por isso, é esperado
Para que isto se materialize há exemplos na
que setores direi stas reajam de todas as formas à
proposta revolucionária do Par do, mas é inaceitável história a serem seguidos os quais utilizaram fer-
que a esquerda se ampare nestas posições alinhadas ramentas e formas de organização com a parti-
com os interesses da classe dominante, o patrão da cipação popular direta, criaram seus comitês de
polícia. defesa, suas milícias populares, usando para isso
conselhos populares onde há a participação maci-
O que viria depois ça e com a eleição dos integrantes dos comitês, os
quais também terão poder de decisão e fiscaliza-
Mas, voltamos à questão, pois trata-se de um pon- ção. São ferramentas democráticas, mas que po-
to importante a esclarecer para a classe trabalhadora. dem ser aperfeiçoadas ou adaptadas à realidade
Para isso, em primeiro lugar é preciso dizer que a polícia de cada comunidade.
não protege ninguém, ela não impede que os crimes Os comitês de autodefesa podem atuar em
aconteçam nem na classe trabalhadora, nem na bur- cada rua, pois naquela rua estará um morador
guesia, isso porque na verdade sua função não é prote- defendendo sua casa, sua família, seus parentes
ger ninguém, mas sim reprimir os trabalhadores e, com e vizinhos. Nos locais de trabalho, numa empre-
isso, evitar que estes se levantem, se insurjam contra a sa pública por exemplo, os próprios trabalhadores
opressão da burguesia (veja mais aqui). escolhem quais trabalhadores formarão o comitê
de defesa da instituição. A quantidade de agentes, sia, e por conseguinte as instituições do Estado
o treinamento e armamento utilizado são aspec- burguês como a polícia e o judiciário, nunca irão
tos que devem ser decididos pelo conselho dos fazer, pois esta é uma classe inimiga dos traba-
moradores ou conselho profissional. Decidir, por lhadores, exploradora, que vive e se mantém
exemplo, se um comitê de autodefesa de uma es- poderosa graças à exploração, ao esmagamento
cola infantil, de uma creche, deve estar armada ou que faz sobre os trabalhadores.
não, se deve ser feita por homens ou mulheres etc. Finalmente, é preciso superar a política pacifista
Detalhes que só os moradores e usuários destes que setores da esquerda praticam desorientando
espaços sabem avaliar e decidir. e gerando confusão entre os trabalhadores. Do
O direito à autodefesa, ao armamento do povo mesmo jeito que para acabar com a fome, com o
e sua organização são necessidades urgentes, desemprego, é preciso uma luta contra as políticas
não são “planos” para uma sociedade futura. O de destruição econômica da direita, para acabar
genocídio dos jovens negros, dos trabalhadores com a violência (a qual é fruto da exploração da
rurais, dos índios, as chacinas nas periferias so- burguesia) é preciso lutar pelo fim polícia, pelo fim
bre a parte mais pobre da população somente do aparato de repressão do Estado (leis antidemo-
terá fim com essas organizações. Com comitês cráticas, decisões judiciais ilegais e impopulares)
de autodefesa que começarão a suprir a neces- lutando já pelo armamento, organização e autode-
sidade de segurança, de proteção que a burgue- fesa dos trabalhadores.
Ar gos do New-York Daily Tribune, Die Presse e outros (1861-1865)

Escritos sobre a Guerra Civil Americana


Seção I. Grandes Panoramas - A Guerra Civil Norte-Americana (Marx, Die Presse, número 293, 25 de outubro de 1861)

Karl Marx e Friedrich Engels

Londres, 20 de outubro de 1861 ao jugo da violência! Afinal, a separação entre Sul


Há meses que a imprensa londrina — os semaná- e Norte não livraria o úl mo de toda a relação com
rios e diários —, a mesma que determina o tom da a escravidão negra, assegurando assim seu espera-
mídia restante, repete a mesma litania sobre a Guer- do desenvolvimento, levando-se em conta seus 20
ra Civil Americana. Enquanto insulta os estados livres milhões de habitantes e enorme território? Desse
do Norte, defende-se com inquietação da suspeita modo, o Norte não deveria estar saudando a possi-
de simpa zar com os estados escravistas do Sul. De bilidade da secessão como um evento venturoso, ao
fato, ela está a todo momento escrevendo os dois invés de querer contê-lo por meio de uma guerra ci-
mesmos ar gos: um ar go atacando o Norte, e outro vil sangrenta e vã?’
ar go se desculpando de seus ataques ao Norte. Qui Examinemos o discurso da imprensa inglesa ponto
s’excuse s’accuse.(1) por ponto. A guerra entre Norte e Sul, assim diz a
Seus palia vos soam, em essência, da seguinte primeira desculpa, é uma mera guerra tarifária, uma
forma: ‘A guerra entre o Norte e o Sul é uma guerra guerra entre um sistema protecionista e um sistema
fiscal. É uma guerra sem quaisquer princípios, que de livre-comércio, e a Inglaterra naturalmente está
não trata da questão escravista mas, na verdade, do lado do livre-comércio. Será que o escravocrata
serve à sede de poder dos nor stas. Por fim, mesmo deveria gozar dos frutos do trabalho escravo ou ser
se a razão es vesse com o Norte, con nuaria sendo parcialmente dele despojado pelos protecionistas
vã a tenta va de lançar 8 milhões de anglo-saxões do Norte? Esta é a questão com que lida a presente
guerra. Ficou reservado ao Times fazer tal descober- vam de fortes, arsenais bélicos, instalações portuá-
ta brilhante. rias, edi cios aduaneiros, tesourarias, navios e depó-
O Economist, o Examiner, o Saturday Review e tu sitos de armas da União, insultando suas bandeiras e
quan levaram o tema mais longe. É caracterís co de tomando regimentos inteiros seus como prisioneiros.
tal descoberta o fato de ela não ter sido feita em Char- Os secessionistas por fim decidiram forçar o governo
leston/Carolina do Sul, mas em Londres. Nos Estados da União a sair de sua passividade via um ruidoso ato
Unidos da América, é claro, todo mundo já sabia que a de guerra e, unicamente por esse mo vo, tocaram
tarifa de livre-comércio imperou de 1846 a 1861, e que, a bombardear o Forte Sumter em Charleston.(2) Em
só depois de a rebelião ter se instalado, o representan- 11 de abril de 1861, o general [confederado] Beaure-
te Morrill passou no congresso sua tarifa de proteção gard descobriu em uma entrevista com o major An-
aduaneira. Portanto, a secessão não ocorreu porque derson — então comandante do Forte Sumter — que
a Tarifa Morrill passou no congresso, mas no melhor o lugar só dispunha de víveres para os próximos três
dos casos a Tarifa Morrill passou no congresso porque dias, e que, passado esse prazo, deveria se render
a secessão ocorreu. Quando a Carolina do Sul sucum- pacificamente. A fim de desacelerar a tal rendição
biu a sua primeira crise pacífica, os secessio-
secessionista, contudo, nistas começaram
as tarifas protecionistas
de 1828 lhe serviram de “Há meses que a imprensa a bombardear logo
cedo na manhã se-
pretexto (mas só de pre-
texto), como a explicação londrina — os semanários guinte (12 de abril), o
que, supostamente,
do general Jackson reve-
la. Porém, na presente e diários —, a mesma que levaria aquela praça
à derrocada dentro
ocasião, o velho pretexto
não foi reinstaurado de determina o tom da mídia de poucas horas. Essa
no cia havia sido te-
verdade. No Congresso
de Secessão em Montgo- restante, repete a mesma legrafada até Mon-
tgomery, a sede do
mery, evitou-se qualquer
alusão à questão das ta- litania sobre a Guerra Civil Congresso da Seces-
são, quando o Minis-
rifas, já que o cul vo açu-
careiro da Louisiana, um Americana. Enquanto tro da Guerra Walker
declarou publica-
dos mais influentes nos mente, em nome da
Estados Unidos, depende insulta os estados livres nova Confederação:
por completo da proteção “Ninguém é capaz de
aduaneira. do Norte, defende-se com dizer quando a guer-
‘Contudo’ — assim ra que inicia hoje aca-
con nua a defender a inquietação da suspeita bará”.
imprensa londrina — ‘a Ao mesmo tempo
guerra dos Estados Uni- de simpa zar com os ele profe zou “que,
dos não é nada além ainda antes do dia
de uma guerra de ma- estados escravistas do Sul” primeiro de maio, a
nutenção da União. Os bandeira da Confe-
ianques não são capazes deração estará içada
de abrir mão de 15 estrelas em sua bandeira. Eles no topo do velho Capitólio em Washington e, sem
querem figurar na cena internacional como uma per- dúvida, logo estará no Faneuil Hall de Boston”.(3) Só
sonagem colossal.’ Ah sim, seria bem diferente se a então seguiu-se a proclamação em que Lincoln con-
guerra fosse conduzida em prol da abolição da escra- voca 75.000 homens para proteger a União. O bom-
vatura! ‘A questão da escravatura, contudo’, como o bardeio ao Forte Sumter gorou a única saída cons-
Saturday Review (entre outros) esclarece categorica- tucional possível para a crise: a saber, a de uma
mente, ‘não tem absolutamente nada a ver com essa convocatória para uma convenção geral de todo o
guerra.’ povo americano, como Lincoln propôs em seu dis-
Antes de tudo, há de se lembrar que a guerra não curso inaugural. A Lincoln só restava a opção de fugir
teve sua origem no Norte, mas no Sul. O Norte se en- de Washington, evacuando Maryland e Delaware, e
contra em posição defensiva. Por meses ele observou abandonando Kentucky, Missouri e Virgínia, ou en-
tranquilamente como os secessionistas se apodera- tão rebater guerra com guerra.
Temos nossa resposta acerca do princípio da Guer- mente prescrito para a formação de estados autôno-
ra Civil Americana no slogan de batalha com que o mos). O Compromisso do Missouri (1820), a par r do
Sul rompeu a paz. Stephens, o vice-presidente da qual o Missouri juntou-se às filas de estados escravis-
Confederação sulista, declarou no Congresso de tas da Federação, excluiu a escravidão dos territórios
Secessão que o que diferenciava essencialmente a ao norte do paralelo 36°30' e a oeste do Missouri.
recém-lavrada cons tuição de Montgomery daquela Este acordo fez com que o território escravista au-
cons tuição de Washington e Jefferson era: na pri- mentasse consideravelmente, em muitos graus de
meira delas, a escravidão, antes de tudo, foi reconhe- longitude, ao passo que pareceu estabelecer uma li-
cida como uma boa ins tuição, como fundamento mitação geográfica bem definida para uma propaga-
de todo edi cio estatal, enquanto os Pais da Revolu- ção futura. Tal barreira geográfica foi derrubada em
ção — ví mas dos preconceitos do século XVIII como 1854 pelo chamado Ato de Kansas-Nebraska, cujo
eram — teriam tratado a escravidão como um mal autor foi Stephen A. Douglas, então líder dos demo-
herdado da Inglaterra, o qual deveriam eliminar com cratas do Norte. O Ato, adotado por ambas as câma-
o passar do tempo. Um outro matador do Sul, o Sr. ras do Congresso, cancelou [hob auf](4) o Compro-
Spra , vociferou: “Trata-se para nós da fundação de misso do Missouri, colocou escravidão e liberdade
uma grande República Escravista (a great slave repu- em pé de igualdade, ordenou o governo da União a
blic)”. — E não foi o mesmo caso quando, assim que tratá-los com indiferença, e passou para a soberania
o Norte sacou a espada em prol da defesa da União, popular (isto é, a maioria dos colonos) a tarefa de
o Sul imediatamente declarou que a manutenção da decidir se a escravidão deveria ou não ser introduzi-
escravidão não era compa vel com a existência da da a suas terras. Assim, pela primeira vez na história
União? dos Estados Unidos da América, toda limitação geo-
Da mesma forma que o bombardeio do Forte Su- gráfica e legisla va foi abolida em prol da expansão
mter foi o sinal de largada para a guerra, a vitória da escravidão adentro dos territórios. Sob essa nova
do Par do Republicano no Norte, com a eleição do legislação, o então território livre do Novo México —
presidente Lincoln, serviu como sinal de largada para cinco vezes maior do que o estado de Nova Iorque —
a secessão. Lincoln foi eleito em 6 de novembro de transformou-se em um território escravista, e a zona
1860. No dia 8 de novembro de 1860 recebeu um escravista se expandiu da fronteira com o México até
telegrama da Carolina do Sul: “A secessão passa a a la tude de 38° ao Norte. No ano de 1859, o Novo
ser, a par r de agora, um fato consumado”; em 10 México criou um Código legisla vo escravista rivali-
de novembro, a Assembleia Legisla va da Geórgia zando em termos de barbarismo com os livros da lei
se ocupava com os planos separa stas, e em 13 de do Texas e do Alabama. Apesar disso, como o censo
novembro convocava uma assembleia extraordiná- de 1860 mostra, o Novo México conta com não mais
ria do Legisla vo do Mississippi para debater a se- de meia centena de escravos para uma população de
cessão. A eleição de Lincoln, porém, foi ela própria 100.000 habitantes. Assim, bastou que o Sul enviasse
resultado de uma cisão na ala democrata. Durante ao outro lado da fronteira um punhado de aventurei-
a batalha eleitoral, os democratas do Norte concen- ros com uns tantos escravos para que ob vesse uma
traram seus votos em [Stephen A.] Douglas, enquan- aparência de representação popular(5) — e isso com
to os democratas do Sul, em [John C.] Breckinridge; ajuda do governo central de Washington, seus fun-
graças à tamanha dispersão de votos deu-se a vitória cionários públicos e mercadores do Novo México —;
do Par do Republicano. De onde vem, então, a supe- assim foi imposta a escravidão no território, e com
rioridade do Par do Republicano no Norte? De onde ela, a hegemonia dos escravistas.
vem, por outro lado, a desavença dentro do Par do Não obstante, esse método tão cômodo não sur-
Democrata, cujos membros, no Norte e no Sul, ope- u efeito em demais territórios. O Sul então deu um
raram em conjunto há meio século? passo à frente e apelou via Congresso ao Supremo
Sob a presidência de [James] Buchanan, o coman- Tribunal dos Estados Unidos. O tribunal, que contava
do do Estado a ngiu seu ponto mais alto; mesmo com nove juízes — cinco deles pertencentes ao Sul
comando que o Sul nha acabado de usurpar graças — era havia muito tempo o instrumento cabal dos
à aliança com os democratas do Norte. O úl mo Con- escravistas. Foi ele que sentenciou em 1857, na oca-
gresso Con nental de 1787 e o primeiro Congresso sião do notável Caso Dred Sco , que cada um dos
Cons tucional de 1789/90 proibiram por lei a escra- cidadãos americanos nha direito de levar consigo,
vidão de todos os territórios da República desde o não importasse aonde, toda peça de propriedade
noroeste do Ohio. (“Territórios” aqui significa as co- reconhecida pela Cons tuição. A Cons tuição reco-
lônias situadas no interior dos Estados Unidos que nheceu escravos como propriedade e ordenou ao
não alcançaram o nível populacional cons tucional- governo da União que protegesse essa propriedade.
Consequentemente, com base na cons tuição, es- Ao mesmo tempo, em 1850, sob o governo de
cravos poderiam ser coagidos por seus donos a tra- Buchanan, endureceram-se as leis de extradição de
balhar em todos os territórios; assim ficou reservada escravos fugidos, as quais passaram a ser aplicadas
a todos os escravistas a permissão de introduzir a arbitrariamente nos estados do Norte. Como se a
escravidão em todos os territórios (até então) livres, vocação cons tucional do Norte consis sse em cap-
contra a vontade da maioria de seus colonos. Dessa turar escravos para os proprietários do Sul. De outra
forma, negava-se às assembleias legisla vas locais os parte, a fim de frear a colonização dos territórios por
direito de proibir a escravidão, e se impunha ao Con- colonos livres o máximo que pudesse, o par do dos
gresso e ao governo da União o dever de favorecer escravistas pôs em xeque toda a legislação acerca da
os desbravadores do sistema escravista. Se o Com- liberdade do solo, isto é, as disposições que assegu-
promisso do Missouri de 1820 empurrou a fronteira ravam aos colonos uma certa quan dade de terras
geográfica da escravidão para dentro dos territórios do estado, livres de taxas.
— e o Ato Kansas-Nebraska de 1854 apagou todas as Assim como ocorria na polí ca interna, na polí -
fronteiras geográficas, colocando no lugar da vonta- ca externa os Estados Unidos nham o interesse de
de majoritária dos colonos certas barreiras polí cas proprietários de escravos como sua estrela-guia. Bu-
—, da mesma forma, a Suprema Corte dos Estados chanan, de fato, alcançou a dignidade do cargo de
Unidos, por decisão de 1857, também demoliu essa presidente graças ao Manifesto de Ostend: neste a
barreira polí ca e transformou todos os territórios aquisição de Cuba, por compra ou violência armada,
da república, presentes e futuros, de lavouras de es- foi proclamada como a grande tarefa da polí ca na-
tados livres em lavouras da escravidão. cional. Sob seu governo, o norte do México foi par-
lhado entre os especuladores de terra americanos, apoiadas pelo governo central de Washington. Daí
os quais apenas esperavam impacientemente por desencadeou-se uma reação monstruosa. Em todo
um sinal para poderem invadir Chihuahua, Coahui- o Norte, e especialmente no Noroeste, formou-se
la e Sonora. As incansáveis expedições piratas des- uma organização de auxílio que proveu ao Kansas
ses criminosos contra as nações da América Central homens, armas e dinheiro. Dessa organização de au-
foram, na mesma medida, coordenadas pela Casa xílio saiu o Par do Republicano, cuja origem se deve,
Branca em Washington. Em ligação ín ma com tal portanto, à batalha pelo Kansas. Após a tenta va de
polí ca exterior, que explicitamente se propunha a transformar o Kansas em território escravocrata me-
conquistar territórios diante violência arma-
novos a fim de intro- da, o Sul tentou obter
duzir ali a escravidão
e o domínio escravis- “Em 1856 o Par do o mesmíssimo resulta-
do mediante intrigas
ta, estava a reabertura
do comércio escravista Republicano ins tuiu seu polí cas. Refiro-me à
tenta va do governo
[ultramarino], apoia-
da em segredo pelo primeiro programa de Buchanan, em par -
cular, de fazer todo o
governo da União. O
próprio [Stephen] A. governo, na ocasião das possível para elencar o
Kansas no rol de esta-
Douglas declarou em
20 de agosto de 1859 eleições presidenciais. dos escravistas, impon-
do-lhe uma cons tui-
no Senado americano:
“No úl mo ano impor- Embora seu candidato ção escravista. Daí veio
uma nova luta, dessa
tamos mais negros da vez desencadeada,
África do que jamais John Frémont não tenha sobretudo, dentro do
se fez em um único Congresso Americano.
ano, mesmo na épo- vencido, o enorme número O próprio [Stephen]
ca em que o comércio A. Douglas, líder dos
escravocrata ainda vi- de votos que obteve democratas no Nor-
gorava.” O número de te, interviu (em 1857-
escravizados importa- provava o crescimento 1858) contra o gover-
dos no úl mo ano su- no e seus aliados do
postamente subiu para desenfreado de seu Sul, uma vez que ou-
15.000. torgar uma cons tui-
A propagação ar- par do, sobretudo na ção escravista era uma
mada da escravidão afronta ao princípio de
para o exterior foi uma região Noroeste” soberania dos colonos,
meta confessa da polí- garan da pelo Ato de
ca nacional. De fato, a Kansas-Nebraska de
União tornara-se ca va de 300.000 escravagistas que 1854. Douglas, como senador de Illinois, um estado
governavam no Sul. Daí se desencadeou uma série do Norte, teria claramente perdido toda a sua influ-
de compromissos que o Sul devia à ala democrata do ência caso houvesse tentado conceder ao Sul o direi-
Norte. Todas as tenta vas de resistência às crescen- to de despojar, mediante uso de armas e atos de con-
tes usurpações dos escravistas, renovadas periodi- gresso, os territórios colonizados pelo Norte. Assim
camente desde 1817, terminaram por fracassar. Por como a luta pelo Kansas levou à criação do Par do
fim, chegou um momento de virada. Republicano, ela agora provocava a primeira divisão
Mal foi aprovado o Ato de Kansas-Nebraska — que dentro do próprio Par do Democrata.
apagava a fronteira geográfica da escravidão e dava Em 1856 o Par do Republicano ins tuiu seu pri-
aval à maioria dos colonos para aplicá-la conforme o meiro programa de governo, na ocasião das eleições
bel-prazer —, os emissários armados dos escravistas presidenciais. Embora seu candidato John Frémont
(habitantes da zona limítrofe do Missouri e Arkansas) não tenha vencido, o enorme número de votos que
foram para cima do Kansas com a faca de caça em obteve provava o crescimento desenfreado de seu
uma mão e o revólver na outra, perpetuando atos par do, sobretudo na região Noroeste. Em sua se-
da mais indizível crueldade a fim de expulsar os co- gunda Convenção Nacional para as eleições pre-
lonos. Essas incursões dignas de bandoleiros foram sidenciais (17 de maio de 1860), os republicanos
voltaram a usar o programa de 1856, desta vez enri- se chegou a tal ponto, tornou-se necessário adquirir
quecendo-o com certos adendos. Seu conteúdo era, novos territórios para que parte dos proprietários
em resumo, o seguinte: ‘Não cederemos à Escravi- de escravos pudessem se ocupar de novos lotes de
dão um único cen metro de terra dos novos territó- terreno fér l, transformando as áreas abandonadas
rios. A polí ca internacional criminosa deve acabar. em territórios de procriação de escravos des nados
A reabertura do comércio escravo [exterior] será es- à venda nos leilões. Não resta dúvida, portanto, que,
gma zada. Por fim, serão estabelecidas as leis de sem o advento da anexação da Louisiana, Missouri e
livre-território com o obje vo de promover a coloni- Arkansas aos Estados Unidos, a escravidão na Virgí-
zação livre.’ nia e Maryland já teria sido ex nguida. No Congresso
O aspecto de importância decisiva no programa Secessionista em Montgomery, um dos porta-vozes
foi o de não ceder nenhum cen metro de terra à do Sul, o senador Toombs, formulou claramente a lei
Escravidão; pelo contrário, ela haveria de ser banida econômica que rege a expansão con nua dos terri-
para dentro dos estados onde já exis a legalmente. tórios escravistas.
Assim, a escravidão seria formalmente confinada. A Ele disse: “se não houver um crescimento signifi-
ampliação con nua do território e expansão con - ca vo do território escravista nos próximos quinze
nua para além de seus an gos limites, porém, era anos, teremos que permi r que os escravos fujam
uma lei vital para os estados escravocratas da União. dos brancos. Isso se os brancos não verem de fugir
O cul vo de ar gos de exportação do Sul (algo- antes dos escravos”.
dão, tabaco, açúcar etc.) só pode ser levado a cabo Como é sabido, a representação dos estados na
por um grande número de escravos; ele é rentável Câmara de Representantes do Congresso depende
somente na medida em do número de ha-
que se efetuarem uma bitantes de sua res-
sucessão em massa de
escravos rumo a imensas “O aspecto de importância pec va população.
Como a população
extensões de terras na-
turalmente férteis, que decisiva no programa foi dos estados livres
cresce muito mais
não exijam nada além
de um trabalho primi - o de não ceder nenhum depressa que a dos
estados escravistas, o
vo. O cul vo intensivo,
que não depende tanto cen metro de terra à número de represen-
tantes do Norte logo
da fer lidade do solo e ultrapassaria o de re-
mais de inves mentos Escravidão; pelo contrário, presentantes do Sul.
de capital [Kapitalanla- A verdadeira sede
gen], da inteligência e da ela haveria de ser banida de poder polí co do
energia do trabalhador, Sul, assim, vem sen-
contradiz a essência da para dentro dos estados do progressivamente
escravidão. Daí a rápida retraída para o Sena-
transformação de esta- onde já exis a legalmente. do americano, onde
dos como Maryland e cada um dos estados,
Virgínia — que an ga- Assim, a escravidão seria seja sua população
mente u lizavam escra- grande ou pequena,
vos para a manufatura formalmente confinada” é representado por
de bens de exportação dois senadores. A fim
— em estados que pro- de manter a influên-
criam escravos para exportá-los para terras longín- cia no Senado e por meio deste afirmar sua sobera-
quas, situadas mais ao Sul. Mesmo na Carolina do nia, o Sul precisou que surgisse, um após o outro, um
Sul, onde escravos cons tuem 4/7 da população, a novo estado escravista. Isso, porém, só seria possível
produção algodoeira se encontra inteiramente esta- por meio da conquista de terras estrangeiras (como
cionária há anos em decorrência do esgotamento do foi o caso do Texas) ou da transformação de territó-
solo. Sim, a Carolina do Sul, por força das circunstân- rios pertencentes aos Estados Unidos em territórios
cias, já se tornou em partes um estado de procriação de escravos, e mais tarde em estados escravistas pro-
de escravos; a cada ano vende-se ali quatro milhões priamente ditos (como no caso do Missouri, Arkan-
de dólares em escravos para os estados do Sul Pro- sas etc). John Calhoun — paparicado pelos escravis-
fundo — o Deep South — e do Sudoeste. Assim que tas como seu estadista par excellence — declarou no
Senado em 19 de fevereiro de 1847 que somente ele,
o Senado, dava chance ao Sul de gozar de um equilí-
brio de poder; que a expansão do território escravis-
ta era indispensável para a preservação do dito equi-
líbrio entre Sul e Norte, e que as tenta vas de criação
de novos estados escravistas se jus ficava por isso.
Por fim, o número de escravocratas de verdade
no Sul não ultrapassa 300.000; eles formam uma
oligarquia exígua, à qual se opõem quatro milhões
dos chamados “brancos pobres”, massa que cres-
ce sem parar em virtude da concentração de pro-
priedade de terra, e cujas condições só podem ser
comparadas à dos plebeus romanos na época do
declínio iminente de Roma. Somente mediante a
aquisição e a perspectiva de aquisição de novos
territórios, assim como por meio de expedições
criminosas, é possível balancear os interesses des-
ses “brancos pobres” com os dos escravistas, dan-
do à sanha turbulenta dos primeiros um direciona-
mento inofensivo para os últimos: a de que todos
eles, quiçá, poderão um dia se tornar proprietários
de escravos.
Portanto, um confinamento da escravidão den-
tro de seus antigos domínios poderia — em fun-
ção das próprias leis econômicas do escravismo
— levar à sua extinção progressiva e, politicamen-
te, dizimar a hegemonia exercida por estados do
Sul, expondo, por fim, a oligarquia escravista no
próprio interior de seus estados como um perigo
cada vez mais ameaçador para o lado dos “bran-
cos pobres”. Sob o princípio de que a expansão dos
territórios escravistas deve ser proibida por lei, os
republicanos atacam a raiz mesma da hegemonia
escravocrata. Assim, a vitória eleitoral republicana
tinha que acabar em uma luta aberta entre Norte
e Sul. Não obstante, a mesma vitória eleitoral foi
condicionada pela divisão dentro da ala democra-
ta, como mencionado.
A batalha pelo Kansas já havia evocado uma
divisão entre o partido escravista e seus aliados
nortistas. A mesma luta foi retomada, então, com
a eleição presidencial de 1860. Os democratas do
Norte, com [Stephen A.] Douglas como candida-
to, introduziriam a escravidão nos territórios com
base no desejo da maioria de seus colonizadores.
O partido escravocrata, com Breckinridge como
seu candidato, afirmou em declaração no Supremo
Tribunal que a Constituição dos Estados Unidos
dava aval à escravidão; a escravidão em si e por
si era legal em todo o território, e não exigia qual-
quer naturalização particular. Enquanto, portanto,
os republicanos proibiam qualquer crescimento
de territórios escravos, o partido do Sul preten-
dia transformar todos os territórios da República
em seus domínios privados. O que, por exemplo, anos de desenvolvimento do Partido Republica-
tentaram no Kansas — impor a escravidão à força no e o apogeu do Noroeste, o que levaria a uma
— seria imposto agora por lei a todos os territó- luta sob condições desfavoráveis. O partido escra-
rios da União contra a vocrata, portanto,
vontade de seus colo- estava dizendo: va
nos. Tal concessão es-
tava além do poder dos
“Todo o movimento residia banque!(6) Quando
os democratas do
líderes dos democratas,
e só ajudou a ocasionar
e reside, como vimos, Norte se negaram a
continuar fazendo
a deserção de seu exér-
cito para o campo repu-
na questão escravista. o papel de “pobres
brancos” do Sul, este
blicano. Por outro lado,
a “soberania dos colo-
A questão não é se vão dispersou seus vo-
tos e deu a vitória a
nos” de Douglas não
foi capaz de satisfazer emancipar diretamente Lincoln. Isso, então,
serviu de pretexto
o partido dos escravis-
tas. O que eles queriam ou não os escravos nos para desembainha-
rem suas espadas.
fazer deveria se realizar
dentro dos quatro anos estados atualmente Todo o movimento
residia e reside, como
seguintes por um novo
presidente e por inter- escravistas, mas sim, vimos, na questão es-
cravista. A questão
médio do governo cen-
tral: não era possível se vinte milhões de não é se vão eman-
cipar diretamente ou
esperar mais. Os escra-
vistas não ignoravam homens livres do Norte não os escravos nos
estados atualmen-
que uma nova potência
então surgia: a do No- vão se deixar dominar te escravistas, mas
sim, se vinte milhões
roeste, cuja população de homens livres do
praticamente dobrou por mais tempo por uma Norte vão se deixar
de 1850 a 1860 e então dominar por mais
se equiparava à popu- oligarquia de trezentos tempo por uma oli-
lação branca dos esta- garquia de trezentos
dos sulistas. Aquela era mil escravocratas” mil escravocratas; se
uma potência que não os vastos territórios
estava inclinada, por da República servirão
força de suas tradições, temperamento e modo de de estufa para estados livres ou para a Escravidão; e
vida, a se deixar enrolar por compromissos e mais se, por fim, a polí ca nacional da União tomará por
compromissos, como ocorrera com os velhos es- slogan a proliferação armada da escravidão pelo Mé-
tados do Nordeste. A União era de interesse para xico, América Central e América do Sul.
o Sul só enquanto lhe entregasse o poder federal Em um artigo posterior examinaremos a afirma-
para a realização de sua política escravista. Não ção da imprensa londrina de que o Norte deveria
fosse este o caso, melhor seria romper naquele aprovar a secessão como a solução mais favorável
momento do que esperar para ver mais quatro e única solução possível dessa luta.

1. “Quem se desculpa, se acusa”. Em francês no 4. Termo técnico na filosofia de extração hegeliana, conjugado a
Notas original. par r do verbo au eben.

2. Palco da primeira batalha da Guerra Civil Americana. Resultou na 5. De fato, escravistas de estados vizinhos viajavam em massa para
vitória dos Estados Confederados. territórios recém-adquiridos como o Kansas e, fingindo ser habitantes
locais, votavam em prol da causa escravista. Essa medida foi um dos es-
3. Ambos são locais simbólicos da causa da liberdade da topins para a organização de uma resistência violenta por parte de John
opressão britânica. O Faneuil Hall, um prédio localizado na Brown contra os escravistas, iniciando a chamada Guerra do Kansas.
praça do mercado central de Boston, foi utilizado pela ala
mais radical dos revolucionários americanos, encabeçada por 6. Interjeição u lizada em um jogo de cartas famoso na época, que
Samuel Adams e James Otis, como ponto de encontro e dis- precedeu nosso truco. O que Marx está dizendo: o par do escravocrata
cussão de estratégias anticoloniais. estava jogando todas as suas cartas, pondo tudo a perder.
Cultura

No ajuste de contas…
ou Manifesto maximalista
11 de maio de 1918

Lima Barreto
A nossa burguesa finança governamental só sabem, melhor que o imperador Vespasiano, que o
conhece dois remédios para equilibrar os orça- dinheiro não tem cheiro. Partem desse postulado
mentos: aumentar os impostos e cortar lugares de que lhes remove muito obstáculo e muitas dificul-
amanuenses e serventes. Fora desses dois palia- dades e chegam até às latrinas, como aconteceu o
tivos, ela não tem mais beberagem de feiticeiro ano passado.
para curar a crônica moléstia do déficit. Essa pesada massa de impostos, geralmente
Quanto ao cortar lugares, é engraçado o que se sobre gêneros de primeira necessidade, devendo
passa na nossa administração. Cada ministro, e ser democraticamente igual para todos, vem ver-
quase anualmente, arranja uma autorização para dadeiramente recair sobre os pobres, isto é, sobre
reformar o seu ministério. De posse dela, um, por a quase totalidade da população brasileira, que é
exemplo, o da Guerra, realiza a sua portentosa de necessitados e pobríssimos, de forma que as
obra e vem cá para fora taxas dos Colberts
blasonar que fez uma da nossa represen-
economia de sessenta tação parlamentar
e nove contos, enquan- “Desde que o governo da conseguem esta coi-
to o do Exterior, por sa maravilhosa, com
exemplo, com a sua au- República ficou entregue as suas medidas fi-
mentou as despesas de nanceiras: arranham
sua pasta em mais de à voracidade insaciável superficialmente os
cem contos. ricos e apunhalam
Cada secretário do
presidente concebe
dos polí cos de São mortalmente os po-
bres. Pais da pátria!
que governo é só e uni-
camente o seu respec-
Paulo, observo que o Desde que o go-
verno da República
tivo ministério e cada
qual puxa a brasa para
seu desenvolvimento ficou entregue à vo-
racidade insaciável
a sua sardinha.
Cabia ao presidente
econômico é guiado pela dos políticos de São
Paulo, observo que
coordenar estes mo-
vimentos desconexos,
seguinte lei: tornar mais o seu desenvolvi-
mento econômico é
ajustá-los, conjugá-los;
mas ele nada faz, não
ricos os ricos; e fazer guiado pela seguinte
lei: tornar mais ricos
intervém nas reformas
e deixa correr o mar-
mais pobres os pobres” os ricos; e fazer mais
pobres os pobres.
fim, para não perder São Paulo tem
o precioso tempo que muita razão e pro-
tem de empregar em satisfazer os hipócritas ma- cede coerentemente com as suas pretensões; mas
nejos dos caixeiros da fradalhada obsoleta ou em devia ficar com os seus propósitos por lá e deixar-
pensar nas coisas de sua politiquinha de aldeola. -nos em paz. Eu me explico. Os políticos, os jorna-
Enquanto as reformas com as hipotéticas eco- listas e mais engrossadores das vaidades paulistas
nomias são em geral obra dos ministros, o aumen- não cessam de berrar que a capital de São Paulo
to de imposto parte, em geral, dos nossos finan- é uma cidade europeia; e é bem de ver que uma
ceiros parlamentares. Eles torram os miolos para cidade europeia que se preza não pode deixar de
encontrar meios e modos de inventar novos; e, oferecer aos forasteiros o espetáculo de miséria
como bons burgueses que são, ou seus prepostos, mais profunda em uma parte de sua população.
São Paulo trabalha para
isso, a fim de acabar a sua
flagrante semelhança com
Londres e com Paris; e po-
dem os seus eupátridas
estar certos que ficaremos
muito contentes quando
for completa, mas não
se incomodem conosco,
mesmo porque, além de
tudo, nós sabemos com
Lord Macaulay que, em
toda a parte, onde exis u
oligarquia, ela abafou o
desenvolvimento do gê-
nio.
Entretanto, não atribui-
rei a todos os financeiros
parlamentares que têm
proposto novos impostos
e aumento dos existentes;
não atribuirei a todos eles,
dizia, tenções malévolas
ou desonestas. Longe de
mim tal coisa. Sei bem que
muitos deles são levados a
empregar semelhante pa-
naceia, por mero vício de
educação, por fatalidade
mental que não lhes per-
mite encontrar os remé-
dios radicais e infalíveis
para o mal de que sofre a
economia da nação.
Quando se tratou aqui
da abolição da escrava-
tura negra, deu-se fenô-
meno semelhante. Houve
homens que por sua gene-
rosidade pessoal, pelo seu
procedimento liberal, pelo
conjunto de suas virtudes
privadas e públicas e al-
guns mesmo pelo seu san-
gue, deviam ser abolicio-
nistas; entretanto, eram
escravocratas ou queriam
a abolição com indeniza-
ção, sendo eles mais res-
peitáveis e temíveis inimi-
gos da emancipação, por
não se poder suspeitar
da sua sinceridade e do
seu desinteresse.
É que eles se haviam convencido desde meni- têm um palmo de terra para fincar quatro paus e
nos, tinham como artigo de fé que a propriedade erguer um rancho de sapê, cultivando nos fundos
é inviolável e sagrada; e, desde que o escravo era uma quadra de aipim e batata-doce.
uma propriedade, logo… As fazendas, naturalmente, estarão abandona-
Ora, os fundamentos da propriedade têm sido das; por muito favor, ele ou seus caixeiros permi-
revistos modernamente por toda a espécie de tirão que os desgraçados locais lá se aboletem,
pensadores e nenhum lhe dá esse caráter no in- mas estes pobres roceiros que nelas vegetam, não
divíduo que a detém. Nenhum deles admite que se animam a desenvolver plantações, a limpá-las
ela assim seja nas mãos do indivíduo, a ponto de do mato, do sapê, da vassourinha, do carrapicho,
lesar a comunhão social, permitindo até que meia porque, logo que o fizerem, o dono vendê-las-á a
dúzia de sujeitos espertos e sem escrúpulos, em bom preço e com bom lucro sobre a hipoteca com
geral fervorosos católicos, monopolizem as terras que a obteve, sendo certo que o novo proprietário
de uma província inteira, títulos de dívida de um expulsá-los-á das terras por eles beneficiadas.
país, enquanto o Estado esmaga os que nada têm Na Idade Média e, mesmo no começo da Idade
com os mais atrozes impostos. Moderna, os camponeses de França tinham contra
A propriedade é social e o indivíduo só pode e semelhantes proprietários perversos que deixa-
deve conservar, para ele, de terras e outros bens, vam as suas terras en friche, o recurso do haro, e
tão-somente aquilo que precisar para manter a mesmo se apossavam delas para cultivá-las; mas a
sua vida e de sua família, devendo todos trabalhar nossa doce e resignada gente da roça não possui
da forma que lhes for mais agradável e o menos essa energia, não tem mesmo um acendrado amor
possível, em benefício comum. à terra e aos trabalhos agrícolas e procedem como
Não é possível compreender que um tipo bron- se tivessem lido o artigo XVII da Declaração dos
co, egoísta e mau, residente no Flamengo ou em Direitos do Homem.
São Clemente, num casarão monstruoso e que não O que se diz com relação à propriedade imóvel,
sabe plantar um pé de couve, tenha a proprieda- pode-se dizer para a móvel. Creio que é assim que
de de quarenta ou sessenta fazendas nos estados os financistas denominam as apólices, moedas, tí-
próximos, muitas das quais ele nem conhece nem tulos, etc.
as visitou, enquanto, nos lugares em que estão O povo, em geral, não conhece esta engrenagem
tais latifúndios, há centenas de pessoas que não de finanças e ladroeiras correlativas de bancos,
companhias, hipotecas, cauções, etc.; e quando, e ir ainda uma vez levá-lo em pessoa ao Senhor
como atualmente, se sente esmagado pelo preço Venceslau Brás.
dos gêneros de primeira necessidade, atribui todo O caso das apólices é muito semelhante ao da
o mal ao taverneiro da esquina. escravatura na geração anterior à nossa. É um
Ele, o povo, não se pode capacitar de que a atu- ônus que, em geral, herdamos das gerações passa-
al alta estrondosa do açúcar é obra pura e simples das. Não garanto; mas, parece-me que ainda paga-
do Zé Bezerra e desse Pereira Lima que parece ter mos juros de apólices emitidas em 1867; e mesmo
sido discípulo dos jesuítas, com a agravante de que que isto não seja inteiramente verdade, deve ser
o primeiro foi e o segundo é ainda ministro de Es- aproximadamente, porquanto, de onde em onde,
tado, cargo cuja natureza exige de quem o exer- o governo, por isso ou aquilo, as substitui por ou-
ce o dever de velar, na tras, continuando,
sua esfera de ação, pelo as novas, a serem
bem público e para a fe-
licidade da comunhão. “Não é possível virtualmente as ve-
lhas que aquelas
Não estará tal coisa
nas leis ou nos regula- compreender que um po substituíram.
Mirabeau, res-
mentos; mas, eviden-
temente, se contém na bronco, egoísta e mau, pondendo às obje-
ções feitas a refor-
essência de tal função mas radicais que
administrativa. residente no Flamengo ou rompiam totalmen-
Bastiat, nas suas te com o passado,
Mélanges d’Économie em São Clemente, num teve na Assembleia
Politique, tem um inte- Constituinte de 89,
ressante capítulo, inti- casarão monstruoso e que uma comparação
tulado – “O que se vê e eloquentíssima. Se
o que não se vê”. Pouco não sabe plantar um pé de todos os nossos an-
ou nada se relaciona tepassados, dizia
com o nosso assunto; couve, tenha a propriedade ele, ocupassem com
mas citei-o, porque foi os seus túmulos a
a sua leitura que me fez de quarenta ou sessenta superfície total da
considerar e analisar Terra, nós, os atuais
melhor certos fatos e fazendas nos estados habitantes, teríamos
não ficar como o grosso todo o direito de de-
do povo preso “ao que próximos, (...), enquanto, senterrar os seus os-
se vê”, sem procurar a sos, para cultivar os
verdadeira explicação nos lugares em que campos, criar gado,
no “que não se vê”. tirar da terra, enfim,
É difícil imaginar, estão tais la fúndios, há a nossa subsistên-
para quem se atém cia.
unicamente “ao que se centenas de pessoas que Cito de memória;
vê”, como esse negócio mas, julgo não ter
de apólices é o cancro não têm um palmo de terra deturpado o pen-
do orçamento e a fon- samento do grande
te de todos os nossos
males, provocados pelo
para fincar quatro paus e conde de Mirabeau,
o qual vem esclare-
critério supersticioso
que têm os nossos fi-
erguer um rancho de sapê” cer o meu, quando
não quero aceitar
nancistas sobre a pro- uma carga injusta
priedade privada. dos nossos pais e lembro que essa obrigação her-
Poderia encher isto aqui de algarismos, obtidos dada por nós de pagar prêmios de apólices de
nos relatórios pantafaçudos ou nas tabelas do or- empréstimos de que as gerações passadas abu-
çamento, para provar o que digo; mas deixo essa saram, deve cessar inteiramente, pois é tal verba
difícil exibição sabichona para o Senhor Oto Pra- orçamentária que nos esmaga de impostos e faz a
zeres, a fim de que ele possa fazer mais um livro nossa atual vida dificílima, mais ainda do que os
estancos de Limas Pereiras, Bezerras e caterva. valor dessas apólices, pediria fossem elas cance-
No próprio ponto de vista dos usurários e trucu- ladas e não continuassem a vencer prêmios e a
lentos capitalistas, a apólice é um mal, é um capital vultosa quantia empregada no pagamento deles,
imobilizado que não concorre para o desenvolvi- cerca de sessenta mil contos, sendo suprimida do
mento do país; pois quem tem poucas, guarda-as, orçamento, serviria para aligeirar os impostos que
para receber juros como achego; e quem tem mui- oneram a carne-seca e outras utilidades indispen-
tas, guarda-as também, para não fazer nada e vi- sáveis à vida de quase a totalidade dos habitantes
ver do rendimento. do país.
Contaram-me que há uma senhora que é pos- Outra medida que se impõe, é o confisco dos
suidora de duas mil apólices de conto de réis; tem bens de certas ordens religiosas, bens que repre-
ela, portanto, a cinco por cento, o rendimento sentam dádivas e ofertas da piedade, ou quer que
anual de cem contos de réis. Vive na Europa e não seja, de várias gerações de brasileiros e agora es-
vem ao Brasil, há perto de trinta anos. Não gas- tão em mãos de estranhos, porque os nacionais
ta aqui um tostão, não dá aqui uma esmola, não não querem ser mais frades. Voltem à comunhão
paga um criado aqui e recebe quase tanto quanto os bens.
o presidente da República, sem contar com a verba Pode-se admitir que os conventos sejam asilos
“representação”, aliás, sempre aumentada. de crentes de ambos os sexos que se desgostaram
Se o povo “visse”, se o povo soubesse, como no com o mundo. Admito, na minha tolerância que
caso da senhora, que nós já pagamos em juros o quisera bem ser renaniana; mas os estatutos des-
sas ordens não deixam perceber isso. Para os
conventos de freiras, para as próprias irmãs de
São Vicente de Paula (sei que não são freiras),
não se entra sem um dote em dinheiro, sem
um caríssimo enxoval, e, afora exigências de
raça, de sangue e família.
Só se desgosta com o mundo, só tem ânsia
de ser esposa de Jesus ou praticar a profunda
caridade vicentina, as damas ricas e brancas,
como a Nossa Senhora da Aparecida, de São
Paulo. É mesmo católica essa religião?
Nos mosteiros de frades, é a mesma coisa e,
sabido como todos eles são ricos, não se apre-
ende para que exigem tanta despesa dos novi-
ços, criando dificuldades para iniciação monás-
tica, quando o interesse da religião estava em
facilitá-la. Há quem suspeite que esse dinheiro
todo, os santos monges pretendem empregá-
-lo para a nossa desunião… O tempo nos dirá o
que for verdade…
Um governo enérgico e oriundo do povo que
surgir tem o dever de confiscar esses bens, de
retalhar as suas imensas fazendas, de aprovei-
tar os seus grandes edifícios para estabeleci-
mentos públicos e vender, assim como as ter-
ras divididas, os prédios de aluguel que essas
ordens possuem, em hasta pública.
A confiscação desses bens obriga, para ser a
medida completa, o governo a suprimir intei-
ramente todos os colégios de religiosos de am-
bos os sexos, sobretudo os destinados a moças
ricas, por intermédio dos quais o clero acaba
dominando os seus futuros maridos ou aman-
tes; e, sabendo-se que estes são, em geral, pes-
soas poderosas e em altos cargos, a gente de
sotaina pretende, desse modo, influir decisiva-
mente nos atos dos poderes políticos do país e
obter a nossa completa regressão aos áureos
tempos das fogueiras e do beatício hipócrita.
Há mais.
Uma das mais urgentes medidas do nosso
tempo é fazer cessar essa fome de enriquecer
característica da burguesia que, além de todas
as infâmias que, para tal, emprega, corrom-
pe, pelo exemplo, a totalidade da nação. Para
amontoar milhões, a burguesia não vê óbices
morais, sentimentais nem mesmo legais. Toca
para adiante, passa por cima de cadáveres, tro-
peça em moribundos, derruba aleijados, enga- Facebook: Cole vo de Negros João Cândido
na mentecaptos; e desculpa-se de todas essas h ps://www.facebook.com/cole vojoao
baixezas, com a segurança da vida futura dos E-mail: joaocandidopco@gmail.com
filhos. Não encontraria mais motivo para pro- Telefone para contato: (11) 95208-8335
ceder dessa maneira, mais infame do que o dos Instagram: @joaocandido.pco
antigos salteadores dos grandes caminhos, se
riscássemos do Código Civil o direito de testar, e Condorcet, nas suas Réflexions sur l’Esclavage des
as fortunas, por morte dos seus detentores, vol- Nègres; quanto a tais chacais e hienas a serviço
tassem para o Estado; e nisto, imitaríamos os seus dos burgueses, eu tomo a liberdade de dizer-lhes
maiores, os burgueses da Revolução Francesa, que, tarde ou cedo, sem eles ou com eles, há de
que golpearam pro- se fazer uma reforma
fundamente a nobre- social contra “o Direi-
za, estabelecendo a to” de que são sacer-
igualdade de herança “Terminando este dotes, pois o seu deus
entre os filhos. O feu- já está morto no cora-
do, o castelo desapa- ar go que já vai ficando ção da massa humana
receram, pois a fortu- e só falta enterrá-lo,
na deixou de passar longo, confesso que foi com o seu cortejo de
intacta ou quase in- apostilas e sebentas,
tacta, do marquês a Revolução Russa que de consolidações e
para o seu filho mais manuais, não levando
velho. me inspirou tudo isso” tal enterro senão as
Todas estas me- grinaldas dos arqueó-
didas têm caráter fi- logos, antiquários, ge-
nanceiro, sem deixar de ter social; mas, a que me ólogos e paleontólogos. Requiescat in pace!
parece, mais urgente, é uma reforma radical do Muitas outras medidas radicais me ocorrem,
casamento, medida puramente social. como sejam: uma revisão draconiana nas pensões
Eu sou por todas as formas de casamento; não graciosas, uma reforma cataclismática no ensino
me repugna admitir a poligamia ou a poliandria; público, suprimindo o “doutor” ou tirando deste
mas transigiria se fosse governo. Continuaria a a feição de brâmane do código de Manu, cheio de
monogamia a ser a forma legal do matrimônio, privilégios e isenções; a confiscação de certas for-
mas suprimiria toda essa palhaçada de pretoria ou tunas, etc., etc.
juizado de paz. O Estado só interviria para proces- Iremos, porém, devagar e por partes; e, logo
sar e condenar o bígamo; tudo o mais correria por acabada esta guerra que é o maior crime da huma-
conta das famílias dos nubentes. Os pais é que se nidade, quando os filhos e os outros parentes dos
encarregariam do processo, hoje chamado – “pa- pobres-diabos que lá estão morrendo às centenas
péis de casamento” –, e das cerimônias que fos- de milhares, ou se estropiando, tiverem de ajus-
sem do seu gosto realizar; e o Estado só saberia do tar contas com esta burguesia cruel, sem caridade,
“caso”, como atualmente, com o nascimento, por piedade e cavalheirismo, que enriqueceu e está se
comunicação escrita das partes, para o competen- enriquecendo de apodrecer, com esse horroroso
te registro. Não haveria nunca comunhão de bens; crime, nós, os brasileiros, devemos iniciar a nossa
a mulher poderia soberanamente dispor dos seus. Revolução Social, com essas quatro medidas que
O divórcio seria completo e podia ser requerido expus. Será a primeira parte; as outras, depois.
por um dos cônjuges e sempre decretado, mesmo Terminando este artigo que já vai ficando longo,
que o motivo alegado fosse o amor de um deles confesso que foi a Revolução Russa que me inspi-
por terceiro ou terceira. rou tudo isso.
A muitos leitores parecerão absurdas essas Se Kant, conforme a legenda, no mesmo dia em
ideias; não pretendo convencer desde já todos, que a Bastilha, em Paris, foi tomada; se Kant, nesse
espero que o tempo e o raciocínio irão despertar dia, com estuporado assombro de toda a cidade de
neles simpatia por elas e a convicção da sua utili- Koenigsberg, mudou o itinerário da excursão que,
dade social. há muitos anos, fazia todas as manhãs, sempre e
Apelo para todos aqueles que não têm a su- religiosamente pelo mesmo caminho – a comoção
perstição da lei, dos códigos, dos praxistas, dos social maximalista tê-lo-ia hoje provocado a fazer
acórdãos, dos arestos, do Pegas, do Lobão, das Or- o mesmo desvio imprevisto e surpreendente; e
denações e outros alfarrábios caducos; e quanto também a Goethe dizer, como quando, em Valmy,
aos doutores do Direito que estão envenenados, viu os soldados da Revolução, mal-ajambrados e
intoxicados até à medula, com tudo o que decor- armados, de tamancos muitos, descalços alguns,
re do sinistro e cruel direito romano, codificado, destroçarem os brilhantes regimentos prussianos
em grande parte, por um tirano das margens do – dizer, diante disto, como disse: “A face do mundo
Propôntida e pela prostituta sua mulher, como diz mudou.”. Ave Rússia!
A imprensa revolucionária cumpre um
papel essencial na luta polí ca, por meio
dela se difunde o programa revolucio-
nário e as massas se agrupam para lutar
por ele, além de promover a elevação
cultural das massas e combater as
men ras e per dias dos monopólios da
imprensa capitalista. Com esse espírito
que o Cole vo de negros João Cândido,
do Par do da Causa Operária (PCO),
concebeu sua revista mensal,
a Revista João Cândido.

ENTRE EM CONTATO CONOSCO:


* 13 de maio de 1881
† 1 de novembro de 1922 crédito: Quinho

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