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O circo como templo idolátrico em

Tertuliano (Spect., 8.4; 13.4)

The circus as idolatrous temple in Tertullian


(Spect., 8.4; 13.4)

Natan Henrique Taveira Baptista*

Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir o significado da rejeição do Palavras-chave:
espaço circense, bem como das manifestações lúdicas praticadas em seu Cartago;
interior, para a vida do neófito paleocristão, a partir dos textos de Tertuliano Paleocristianismo;
– em especial o Sobre os espetáculos (De Spectaculis). A fim de justificar Tertuliano;
seu posicionamento, o autor norte-africano associou metaforicamente Circo;
tanto recintos quanto monumentos do circo e dos templos pagãos, o que Ludi Circenses.
levou sua argumentação a identificar o comparecimento àquele local para
assistir às corridas de bigas como uma prática idolátrica. Defendemos que
o objetivo de Tertuliano com essas sanções foi controlar as sociabilidades
dos membros da comunidade proto-ortodoxa de Cartago de modo a
demarcar a identidade desse grupo em contraposição à pagã. Com intuito
de responder nossos questionamentos, analisamos a documentação
primária à luz do exame textual crítico da Análise de Conteúdo por meio
do método proposto por Laurence Bardin.

Abstract: This paper aims to debate the rejection of the circus space, as Keywords:
well as the manifestations of entertainment practiced within it, and its Carthage;
meaning for the Paleochristian neophyte’s life, based on the Tertullian’s Paleochristianism;
scriptures – in particular ‘Of public shows’ (De Spectaculis). In order to Tertullian;
justify his statements, the North African author metaphorically associated Circus;
both venues and monuments in circus and pagan temples, which led his Ludi Circenses.
argumentation to identify attending chariot races as an idolatrous practice.
We argue that Tertullian’s aims with such sanctions were to control the
sociability of Carthage’s proto-orthodox community members, as to mark
the identity of this group in contrast with the identities of pagans. In order
to answer our questions, we have analyzed our primary archives through a
critical textual examination of the Content Analysis, following the method
proposed by Laurence Bardin.

Recebido em: 14/05/2015


Aprovado em: 24/06/2015

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Mestre em História Social das Relações Políticas pela Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisador do
Laboratório de Estudos sobre o Império Romano (Leir/ES).

Romanitas – Revista de Estudos Grecolatinos, n. 5, p. 147-167, 2015. ISSN: 2318-9304.


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E
m Sobre os espetáculos (De Spectaculis), escrita por volta de 202-206, Tertuliano
argumentou quanto às objeções e rejeições aos jogos, qualificando todos os
espetáculos pagãos como antitéticos às crenças e práticas cristãs, especialmente após
o momento decisivo na vida do crente, ou seja, a renúncia da vida pregressa pelo ato do batismo
(signaculum). Para compreender os reveses da comunidade proto-ortodoxa cartaginesa no
século terceiro, assim como o esforço regulador da secta paleocristã africana, selecionamos
este texto uma vez que, nele, Tertuliano foi profícuo em argumentos contrários às corridas,
destinados a alertar os próprios paleocristãos, o que indica que estes compartilhavam as
práticas sociais pagãs e “[...] que os jogos eram apreciados indistintamente, não importando
a crença religiosa” (BUSTAMANTE, 2005, p. 227). Dessa forma, para a composição do texto
de Sobre os Espetáculos, Tertuliano baseou-se em três valores, a partir da exposição de ideias
teológicas contidas na oração de abertura da obra, na forma de exordium, que elucida na
partitio do tratado:1 “as exigências da fé, um bom sistema doutrinal e um estatuto disciplinar”
(Spect. 1.1). As três linhas argumentativas ou três valores eram a fides, a ueritas e a disciplina,
ou seja, a fé, a verdade, expressa por um bom sistema doutrinal, e o estatuto disciplinar (SIDER,
1978, p. 339-342; VAN DER NAT, 1964, p. 129-143). Segundo Sider (1978, p. 339-340), “veremos
que o De Spectaculis é uma exploração, apropriadamente fixada no contexto da experiência
batismal, da natureza e do significado do cristianismo em termos de três cruciais conceitos
de fé, verdade e disciplina”. Assim, à luz desses três valores discutiremos algumas questões
sócio-religiosas dentro do pensamento do cartaginês.
Inicialmente, defendemos que o Sobre os espetáculos parece ter sido um escrito
parenético,2 inicialmente proferido na forma de discurso, a partir de dúvidas cotidianas

1
Em termos retóricos, a acomodação do exordium e da partitio em um texto fazem parte do domínio da disposição ou
dispositio. Quintiliano (Inst. Orat., 7, 1.1-2) afirmava que por disposição entendíamos a prudente distribuição das ideias e
demais partes do discurso dentro do texto. A disposição desses conteúdos obedecia à intuição do autor e o modo como
este achava melhor conduzir a argumentação ou introduzir determinado assunto. Assim, dentro da dispositio, o exordium
tinha a função de introduzir um discurso, por meio da anunciação do objeto e da finalidade discursiva, de modo a cativar
e persuadir o ethos da audiência, a fim de estabelecer o ânimo do público (Arist., Reth., 3.14; Ad Her., 1.4-11; Cic., De Inv.,
1.15-18; Cic., De Or., 2.78-80; Quint., Inst. Orat., 4.1). Mesmo que comumente a partitio ou diuisio venha após a narratio, ou
declaração de fatos, acreditamos que Tertuliano optou por reafirmar ainda na sentença inicial quais seriam as ideias centrais
de sua discussão. De maneira geral, na partitio se anuncia o esboço e a listagem dos principais pontos argumentativos a
serem utilizados na ordem em que aparecem dispostos (Ad Her., 1.10.17; Cic., De Inv., 1.22-23; Quint., Inst. Orat., 4.5).
2
Tal como Stowers (1986, p. 92), entendemos a parênese ou parenética como um estilo textual no qual o enunciador exorta
alguém a perseguir ou evitar alguma coisa, sempre denotando que se preserve certo modo ou modelo de vida. Assim,
apresenta-se como uma orientação de maneira a influenciar a conduta de um indivíduo ou de um auditório e assegurar seu
convencimento (MALHERBE, 1987, p. 70). Insere-se então no domínio de fronteira entre os gêneros antigos, pois a parênese,
mesmo que associada ao epidítico pela rejeição e condenação de várias práticas, tem função de aconselhamento enfático
tal como pressupõe o gênero deliberativo. Acreditamos nisso uma vez que uma das características fundamentais do gênero
político ou deliberativo era dissuadir ou persuadir sobre algum assunto concernente a uma audiência (Aris., Reth., 1358b),
aspecto muito mais complexo defendido por Quintiliano (Inst. Orat., 4, 8.1-7), do que aquele que Cícero (De Or., 2, 82.334)
restringia ao afirmar todo o objetivo do deliberativo entre a dicotomia de convencimento do que era virtuoso e digno
ou prejudicial e vicioso. Finalmente, a parênese apologética também delibera sobre o futuro, convencendo no presente,
indagando sobre o passado (Quint., Inst. Orat., 4, 8.6). Os escritos parenéticos podem ainda possuir dois sentidos, ou um

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daqueles que se preparavam para o batismo, obtendo a sua forma final de tratado a posteriori.
Foi, assim, “um meio privilegiado de comunicação social a nível das massas” (MARQUES,
1979, p. 392). Se concordamos com Antony Corbeill (2007, p. 70) quando ele afirmou que a
retórica possuía, em qualquer época, a utilidade de estabelecer e afirmar os valores éticos e a
ordem social, a motivação do De Spectaculis enquanto parênese de ética social e religiosa se
notabilizou como uma manifestação da retórica com fins de doutrinação e convencimento
da comunidade ainda que sua função primeira ainda fosse apologética, ou seja, de defesa
da fé perante e no contraste com as práticas socioculturais dos inimigos da fé, os gentios
ou pagãos. É, pois por esses objetivos que deve ser vista como não necessariamente factual,
mas verossímil, organizada em si mesma e disposta à reflexão unilateral da ética social que
procedia do púlpito paleocristão (BERGER, 1998, p. 114).

Sobre o contágio idolátrico, ou a ida aos espetáculos

Perceber a dimensão de convencimento e doutrinação só foi possível, pois o Sobre


os Espetáculos, como em pouquíssimos casos, nos permite recuperar a vida cotidiana das
cidades norte-africanas. É por esse mesmo motivo que nossa compreensão acerca do
impacto desse tratado e a da sua recepção imediata dentro da comunidade é bastante
controversa. Todavia, podemos ter acesso às críticas à ida aos espetáculos formuladas por
Tertuliano em um momento anterior à escrita do texto, graças ao seu próprio texto. Isso
se dá, pois nas remissões argumentativas do cartaginês na muito organizada refutatio
desse tratado (Cic., De Inv., 1.42-51; Quint., Inst. Orat., 5.13). Nesse momento, iremos
discutir as principais críticas que, em nossa opinião, fomentaram a escrita da obra. Grosso
modo, podemos reparti-las em seis argumentos principais:

1. Não existiria perda espiritual ou sob a consciência do cristão pelo que se ouvia
ou se via no mundo comum (1.3), com a condição de que se mantivesse o temor a
deus (deum metu) e se lhes prestassem as honras devidas (1.3);

Tertuliano apenas esboçou a sua resposta, a crítica acima enunciada, deixando claras
as inconstâncias e as contrariedades do argumento, especificamente no que concernia às

texto escrito para uma exortação moral, ou um discurso tendo como base os sermões dos padres da Igreja com ênfase no
modelo comportamental o qual o auditório é, explícita ou implicitamente, incentivado a imitar (STOWERS, 1986, p. 95). De
maneira geral, podemos afirmar que se apresenta como um texto relativamente breve de claro caráter pedagógico, vestido
de uma retórica perlocutória, ou seja, que pretende exercer um efeito sobre um interlocutor, com conteúdo de manifestação
moralista que elenca regras de conduta ou advertências éticas sem perseguir necessariamente uma progressão lógica
(BERGER, 1998, p. 37-42; 51-2; 114; 130-7; 254).

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exigências da fé, ao bom sistema doutrinal e ao estatuto disciplinar (1.1), pois os fiéis e
disciplinados como mandava o bom raciocínio e juízo, seriam sábios e rejeitariam o prazer
mundano (1.6; 2.3).

2. Deus não se ofenderia com o prazer que o homem tem, nem seria crime algum
gozar dele (1.3), desde que se respeitasse a condição do primeiro argumento, ou
seja, que o temor e as honras devidas fossem obedecidas;

Continuando com a argumentação, Tertuliano explicitou a incompatibilidade da


frequência aos espetáculos com a verdadeira religião e o verdadeiro deus (verae religioni et
vero obsequio erga verum deum) (1.4). Os verdadeiros cristãos, ao rejeitarem os espetáculos,
demonstrariam que eram “servos de Deus” (Dei serui) (1.1), que renunciariam à idolatria
(6.4), sem medo de perder o prazer mundano (20.1). Afinal, eram “raça condenada à morte”
(expeditum morti genus) que se furtava dos prazeres para melhor desprezar a vida (1.5-6).

3. Tudo o que deus criara e concedera ao homem era bom, especialmente os


elementos dos espetáculos, tais como os cavalos e as forças corporais, por isso
nada disso seria desviante da divindade ou lhe seria hostil, pois não fugia de seu
domínio e nem afastaria o fiel dele (2.1 = Cult., 1, 8.4-5);

Esse argumento, segundo Tertuliano, demonstrava que o pseudocristão não conhecia


ao seu deus com profundidade, apenas o via e sentia no contato com a natureza, não o
conhecendo de perto (2.5). Apenas seria permitido ao homem o uso que Deus ordenou para
cada uma das coisas que criou. Assim, devia-se ignorar o uso perverso das coisas criadas (2.5-
6) por malícia ou até mesmo por inocência (2.11), pois até os pagãos ou gentios proibiam
que se fizessem certas coisas com a criação (2.7). Afinal, algo, “[...] quando ofende, deixa de
ser de Deus, e ao deixar de ser de Deus, ofende-o” (2.9). A essa altura do tratado, Tertuliano
esboçava uma argumentação contrária aos materiais envolvidos nos espetáculos públicos
e nas festas religiosas (2.9; 15.8), os chamados extructiones locorum, ou seja, os tablados, as
pedras, os caboucos, os mármores e as colunatas (2.2 = Vit., 5, 5.7). Porém, essa argumentação
só será longamente desenvolvida posteriormente, no seu De cultu feminarum (Sobre a moda
feminina). Podemos afirmar com certeza que o tratado Sobre a moda feminina foi escrito e
publicado posteriormente ao Sobre os espetáculos devido a uma referência cruzada entre as
obras. Dessa maneira, em De cultu feminarum (1, 8.4-5, grifo nosso) podemos ler,

todos esses ímpio prazeres dos espetáculos mundanos – como escrevemos em um


especial tratado sobre a temática – e a própria idolatria assentam nas coisas de Deus.

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O cristão não há de deixar-se arrastar pelos delírios do circo ou pelas atrocidades da


arena ou pelas torpezas do teatro, só porque Deus deu ao homem o cavalo, a pantera
e a voz. Nem o cristão cometeria impunemente a idolatria só por serem obra de Deus
o incenso, o vinho puro, o fogo devorador e os animais que servem de vítimas, a
pretexto de que a própria matéria que se adora provém de Deus. O mesmo acontece
com a laboração das matérias: o que elas são na origem provém de Deus e por isso
estão fora da causa, mas o Mundo está fora de Deus como réu da vanglória.

Assim, nesse tratado e a partir da narrativa contida no Livro deutarocanônico de Enoque


(8:1-2; 96:9-12; 105:23),3 Tertuliano entendeu como saecularia as matérias e as técnicas que
foram reveladas ao homem, não por Deus, mas pelos anjos pecadores (Cult., 1.1.2-3; 1.3;
2.10.3), e que eram inúteis para a salvação. A abstenção desses materiais, e por associação dos
espetáculos, era chamada por Tertuliano de verdadeira circuncisão (Cult., 2.9.8). Nesse contexto,
para nós, foi extremamente relevante Tertuliano associar esses materiais e, novamente, por
cooptação, a frequência aos espetáculos, a vanglória (gloriae saeculum).

4. Não existiu nenhuma restrição direta nas Escrituras proibindo a ida aos espetáculos
(3.1-2; 14.1-2; 20.1);

Esta foi a mais importante crítica aos jogos, porque foi reiterada ao longo de todo o
tratado de modo extenso e repetitivo, razão pela qual, para nós, foi difícil sintetizar todo o
pensamento do autor. A primeira e mais incisiva resposta a essa crítica se baseou na leitura
metafórica do Sl., 1.1, que condenava a ida aos espetáculos, pois estes eram vistos como
“conselho dos ímpios e pecadores” e “roda dos zombadores” (3.3-8). Sobre as sociabilidades
mantidas pelo cristão com aqueles que dizia detestar, ou seja, os pagãos, Tertuliano afirmava
que já bastava estar no mesmo lugar que os ímpios, uma vez que melhor seria que nem juntos
estivessem no mesmo planeta (15.7-8). Assim, propunha que a comunidade se separasse
dos pagãos nas coisas do mundo, porque o mundo mesmo era de Deus, mas as coisas que
estavam no mundo eram do diabo (15.8). A ida aos espetáculos seria uma atualização daquilo
tudo que foi condenado por Deus, uma vez que “condenada é, por Deus, toda a casta de
idolatria, também esta o está, a que consagra aos deuses as coisas da terra” (9.6). Tertuliano
deixou, assim, claro que o circo, bem como todos os outros espetáculos públicos, advinham

3
Tertuliano demonstra especial apreço pelo Livro de Enoque (8:1-2; 96:9-12; 105:23) (De cultu, 1.3.1-3; 2.10.3; Spect. 2.9;
15.8), mesmo tendo ciência de que a inspiração desse livro era contestada desde a constituição tradicional do texto
massorético da biblioteca canônica judaica, Tanakh (De cultu, 1.3.1-3; TOV, 1992; WÜRTHWEIN, 1995). Elizabeth Clare
Prophet (2002, p. 70) defendeu que foi o rabino Simeon ben Yohai (aprox. 120-170) que contestou a canonicidade dessa
obra. Fato que levou os judeus a não elencarem o Primeiro livro de Enoque entre as obras do Tanakh ou cânone judaico
que, de acordo com a tradição, consiste de vinte e quatro livros, que se agrupam em três conjuntos: a lei ou a instrução,
denominada Torá, também chamada de pentateuco ou Chumash; os profetas ou o conjunto chamado Neviim; e os
escritos ou o conjunto chamado Ketuvim (TOV, 1992, p. 15).

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da idolatria pura, pois eram associados a várias divindades e superstições sacras ou fúnebres
(5.2-8; 6.2-3), se apresentando assim como verdadeiros templos pagãos. Essa afirmação foi
constante por todo o texto, o que pode ser atestado com base na Análise de Conteúdo de
vários trechos da obra, o que nos levou a propor o seguinte complexo categorial (Quadro 1).

Quadro 1: Complexo categorial dos espaços de lazer a partir da leitura de Tertuliano


Características dos Origem mitológica e interpretação
Parte(s) mencionada(s)
espaços públicos de lazer cristã

Segundo Timeu de Lócrida, em Platão,


tem origem nos Lídios a partir de uma
mistura de mitos e velhas superstições
Os jogos (ludii) em sua
com práticas religiosas. Assim o termo viria
totalidade;
de Lydis, termo em latim para Lídios, e não
de ludus, -i. como Varrão (Lin. Lat. 5.154)
afirmava (5.2-8; 6.2-3).
Em 2.9; 15.8, Tertuliano ensaia um
Advém de idolatria pura, argumento contrário aos materiais, mas
pois foram associados que só irá desenvolver melhor em seu
a várias divindades e tratado posterior, Cult. Fem. Assim a partir
superstições (5.2-8; 6.2-3). Materiais de construção da narrativa enoquiana, ele entende como
(extructiones locorum): os saecularia as matérias e as técnicas que
tablados, as pedras, os foram reveladas ao homem, não por Deus,
caboucos, os mármores e as mas pelos anjos pecadores (Cult. Fem.,
colunatas (2.2 = Vit., 5, 5.7). 1.1.2-3), como descrito em Enoque (8:1-2;
96:9-12; 105:23) (Cult. Fem., 1.3; 2.10.3), e
são inúteis para a salvação. Sua abstenção
é chamada por Tertuliano de verdadeira
circuncisão (Cult. Fem., 2.9.8).
Vias de acesso, cavea
O circo foi orginalmente dedicado ao deus
e arquibancadas: “[...]
Conso, com especial importância também
sentam-se nas bancadas e
ao deus Lar (5.7). Sendo assim, é residência
ficam de plantão nas vias
de toda a corja de demônios (7.3). Além
intermediárias; pois chamam
disso, segundo Estesícoro (supostamente
caminhos e encruzilhadas
um poeta lírico grego que não chegou até
a toda a volta do recinto
nós e tem sua existência questionada), sua
às vias que separam os
origem remota a doação de cavalos por
populares no pendor da
parte de Mercúrio para os filhos de Júpiter,
As superstições sacras ou encosta; e cátedra também
os Dióscuros. E finalmente, também tem
fúnebres são as principais se chama o sítio escavado
associação com o epiteto de Netuno, o
características dos espetáculos de molde a poderem sentar-
῾´Ιππιον (9.2).
tanto teatrais como circenses se” (3.6);
(10.1; 11.1).
A pompa, tanto do circo
quanto do anfiteatro (12.6):
“[...] as púrpuras, os fachos, as fitas, as
“[...] procissão em uma
coroas e por final os discursos e editos e
desfilavam uma série de
papas rituais comidas na véspera, tudo
esculturas, uma chusma de
isso se não faz sem culto do diabo e
imagens, carros e carrões
colaboração dos demônios” (12.6).
sagrados, literias, sedes,
coroas e despojos” (7.2).

* Continua.

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O circo também é dedicado ao deus Sol,


originalmente pela sua filha a feiticeira
Circe (8.1-2). Fato esse que explica o circo
Abóbada do circo é o céu estar encharcado “[...] de artes mágicas

do Sol brilhante (8.1). [...] assistido por todos os diabos e anjos
caídos” (8.2). Toda a enorme largura do
circo acomoda a mesma quantidade de
idolatrias (8.2).

Orginalmente, dedicados aos gêmeos


Ovos (8.3); Dióscoros, filhos de Júpiter, nascidos de
um ovo de cisne (8.3);

Golfinhos (8.3); Dedicados a Netuno (8.3);

Dedicadas a Seia, deusa da semeadura, a


Colunas e colunatas (8.3); Messia, deusa da colheita e a Tutulina, a
divindade protetora dos frutos (8.3);

Dedicados a três pares de deuses:


os grandes (magnis), os poderosos
(potentibus) e os da terra e do céu (terrae
Três aras (8.4);
et caelo ou δυνατοί) que “[...] se julgam ser
oriundos da Samotrácia” (8.4 = Varrão, Lin.
Os ornamentos do euripus Lat., 5.57-8).
são templos idolátricos
(8.3), por isso é vetada a ida
em qualquer dia até mesmo
De origem egípcia, trazida pós-derrota de
aqueles que não ocorriam
Cleópatra e Marco Antônio, representa uma
as corridas (8.8). Assim,
prostituta dedicada ao Sol, provavelmente
“templos e monumentos
a própria Ptolomeu, segundo Hermáteles,
abominamos deles por
que provavelmente é um erro de soletração
igual; a ara duns e doutros,
Obelisco desmedido (8.5); para Demóteles (Plínio, Hist. Nat., 36,
fora com ela, a efígie do
12.79; 36, 13.84) ou Hermápion (Am. Marc.
deus ou de um morto não
17, 4.17) (TURCAN, 1986, 162-163). Por sua
nos leva genuflexão, nem
importância, assume o papel de “grande
sacrifícios, nem oferendas”
mãe” ao reger todos os demônios junto ao
(13.4).
euripus (8.5).

Todas as estátuas representam ídolos,


sejam eles deuses de panteão, manes ou
outros espíritos “[...] que se ocultam no
âmago das estátuas, que são os demônios,
espíritos perversos gaudiosos por
Várias estátuas, como as de
contrafazerem a divindade” (10.10; 12.5;
Conso ou das Múrcias (8.6);
13.1-4). Assim “[...] os criadores das artes
deram logo em chamar-lhes deuses [os
espíritos e representações das estátuas]”
(10.11). A Múrcia, por exemplo, é uma
deidade do amor (8.6).

* Continua.

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Dedicadas aos deuses Lua e Sol,


respectivamente (9.3 = Virg., Aen., 5.721;
6.535; 7.26). Ainda segundo Virgílio (Georg.,
3.113-114), foi Erictônio o primeiro a juntar
quatro cavalos, constituindo assim uma
quadriga e vencendo uma competição.
Esta personagem, “[...] filho de Minerva e
de Vulcano, oriundo de paixão bem terrena,
– As bigas e as quadrigas (9.3);
é um monstro diabólico, que digo eu? É
o próprio diabo, nem sequer é a cobra”
(9.3). Além disso, os carros são dedicados
também a Juno por parte de Tróquilo
Argivo, seu inventor; e, por constatação
de Tertuliano, a Quirino, o antigo deus
que representava o Estado romano, por
Rômulo (9.4).

O branco dedicado ao inverno, suas neves


e ao Zéfiro, o vento do Oeste; o vermelho,
As cores da idolatria, paixões ao verão, ao rubor solar e a Marte; o verde,
As cores das facções (9.5);
e superstição (9.5). a primavera e a Terra Mãe; e o azul, ou cor
do céu e do mar, é associado ao Outono e
a Netuno (9.5).

Coroas profanas que


acompanham sacerdotes e
ministros a fazerem sangue
escorrer (11.2); “Também
As coroas da vitória (11.2); –
não precisas de enrodilhar
coroas em torno da cabeça;
que prazer te poderá advir
dessas grinaldas?” (18.3).

“Nem sequer provamos


das vitualhas do sacrifício
do repasto oferendado
aos mortos porque não
podemos comer a ceia
Banquetes (13.4); –
do senhor e a ceia dos
demônios” (13.4) nas
assembleias de pagãos
[conventus et coetus
ethnicorum] (27.1).

O pano que é jogado para


o alto é como uma imagem
Sinal de largada
do diabo que precipita os –
[mittere mappam] (16.2-3);
berreiros enlouquecidos
(16.2)

* Conclusão.

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A pompa, tanto a do circo quanto a do anfiteatro (12.6), poderia ser definida como uma
“[...] procissão em que desfilavam uma série de esculturas, uma chusma de imagens, carros e
carrões sagrados, literias, sedes, coroas e despojos [...] as púrpuras, os fachos, as fitas, as coroas e
por final os discursos e editos e papas rituais comidas na véspera, tudo isso se não faz sem culto
do diabo e colaboração dos demônios” (7.2; 12.6) (WASZINK, 1947, p. 13-41). Sendo assim, “com
ostentação ou parcimônia, não importa: todo e qualquer cortejo do circo ofende a Deus” (7.5).
Essa pompa para o neófito recém-converso era ainda mais perigosa, uma vez que “convencidos
ficamos que por nenhum lado nos fica bem lá ir, nós que por duas [conversão e batismo] vezes
renunciámos aos ídolos” (13.1). Discutiremos mais à frente sobre a profunda relação entre a
pompa espetacular e o batismo. Finalmente, a última admoestação que poderia ser lida como
uma resposta à quarta crítica diz respeito ao engano diabólico, pois “o diabo, o veneno mortal
que cozinha mistura-lhe aparência de coisas agradáveis e aceites a Deus” (27.4).

5. “[...] O próprio Deus vê tudo do alto do céu e não se contamina” (20.2);

Esta pode ser interpretada como uma crítica menos enfática, pois Tertuliano
desaprovava radicalmente a comparação entre a divindade e a humanidade, opostas e
incomparáveis por suas características inerentes. Utilizando então do mesmo argumento
da onisciência da divindade, o africano alegou que “[...] por isso mesmo é que é bom que
lá não vamos, para não sermos vistos por Quem vê tudo” (20.3). Assim, mesmo que Deus
visse tudo, do mesmo jeito que ele não se sujaria ao ver a cloaca maxima, ou seja, o sistema
de encanamento romano, também assim seria com toda a sorte de idolatria, adultério,
fraudes, assassinatos e espetáculos (20.2-3). No entanto, Tertuliano não dispensou maior
atenção a esse assunto, mesmo que os comparativos que empregasse sejam elucidativos
para nós, pois a simples ida aos espetáculos se equiparava na retórica desse paleocristão
ao homicídio ou à infidelidade. Os espectadores assim foram qualificados como criminosos
(7.5) que se afastavam de Deus, pois eram iguais aos que ofereciam sacrifícios ou prestavam
adoração no Capitólio, em Roma, ou no templo de Serápis, em Alexandria (8.9). Eram, além
disso, vaidosos e fúteis, pois “[...] todos pensam na mesma coisa ao dirigirem-se para os
espetáculos públicos, verem e serem vistos” (25.3).

6. “Não podemos viver sem distrações, nós que até devemos sentir prazer na
morte?” (28.5).

Outra crítica menos enfática pela pouca importância e espaço dedicado a sua
resposta no texto de Tertuliano. Claramente, foi um questionamento de origem interna pelo

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156 O circo como templo idolátrico em Tertuliano (Spect., 8.4; 13.4)
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uso da primeira pessoa do plural do verbo possum, no indicativo presente, o enunciador


do questionamento se sentiria assim de alguma forma pertencente a secta paleocristã.
Tertuliano respondeu à questão de maneira peremptória, o único desejo digno ao qual se
deveria aspirar, e somente esse, seria se unir a Deus pela morte no martírio, sem desviar-
se da verdadeira meta (28.5).
Por meio das respostas a todas essas críticas, Tertuliano deixava claro que não
existiam argumentos ou desculpas para aquilo que Deus condenava (20.5). Além disso,
ele aproveitou esta temática oportuna para discutir aspectos da cosmologia pagã dentro
dos espaços que compunham o monumento do circo. Nessa máxima reside o cerne de
nossa discussão neste artigo, pois, de maneira geral, o circo foi visto como um templo
de tudo que era perverso e mau, de maneira geral, seus espaços e objetos eram templos
idólatras (8.3), especialmente os artigos decorativos presentes no euripus como fica claro
no quadro discutido acima (Quadro 1). Por isso, era vedada a ida ao circo em qualquer dia,
até mesmo naqueles em que não haveria corridas (8.8). Em síntese, sobre toda a idolatria
associada aos recintos físicos dentro do circo, Tertuliano (13.4) declarou: os “templos e
monumentos abominamos deles por igual; a ara duns e doutros, fora com ela, a efígie do
deus ou de um morto não nos leva genuflexão, nem sacrifícios, nem oferendas”.
É com base nesses argumentos que Tertuliano realizou uma associação direta
entre o contágio do espaço pagão e a idolatria sobre a vida do neófito cristão,
recomendando-lhe rejeitar as práticas de entretenimento típicas da cidade. Discutir
a rejeição do espaço urbano, juntamente com a crítica aos espetáculos, algo que
começa com Tertuliano, é fundamental para compreender a cristianização do Império
Romano, pois, no quarto século, isso se tornou um marco do monacato, experiência
cristã que trocou a cidade pelo deserto. Tal substituição manifestou-se não apenas
na retirada física para o deserto, mas também em numerosas imagens negativas da
cidade presentes na literatura patrística (GAGER, 1982, p. 357). Além da urbanização, o
paleocristianismo foi outro importante fator que deve ser considerado a fim de se obter
uma melhor compreensão da sociedade norte-africana nos terceiro e quarto séculos
(LEONE, 2007, p. 37; MACKENDRICK, 1980, p. 81). A cristianização que se processou,
durante o final do quarto e início do quinto século, em território africano, exprimiu,
pois, uma transformação da elite urbana aristocrática e do poder romano ali exercido.
Também houve mudanças gradativas na dinâmica das relações e das necessidades da
comunidade urbana, como, por exemplo, a arquitetura das cidades. Isso ocorreu pois
as mudanças no uso do espaço invariavelmente exprimem o teor das novas relações
sociais que então se estabeleceram.

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Sobre a purificação e a salvação da alma, ou da importância do batismo

Foi no De spectaculis que Tertuliano discutiu os entretenimentos locais que


congregavam paleocristãos, pagãos e judeus. É por meio desse tratado que podemos traçar
uma imagem de como e quando os jogos se realizavam e como suas origens foram explicadas
pela sociedade contemporânea ao autor. O tratado não é meramente uma inventiva contra os
costumes pagãos, mas um tratado de conduta pós-batismo, momento decisivo da experiência
paleocristã (SIDER, 1978, p. 339). Segundo Peter Brown (1991, p. 230),

a iniciação ao grupo, um simples banho purificador, consiste, segundo Paulo, em


despojar-se das “vestes” de todas as categorias religiosas e sociais anteriores e
“revestir-se” de Cristo; com isso Paulo entende a aquisição de uma identidade
única e não estanque, comum a todos os membros da comunidade, como
convém aos “filhos de Deus” recém-adotados “em Cristo”.

Tendo em vista o caráter de instrução para os neófitos que se preparavam para


o batismo do Sobre os espetáculos, podemos fazer um paralelo sobre a simbologia da
água nos demais tratados de Tertuliano, o De baptismo, especialmente, e os demais
textos sagrados paleocristãos e judaicos. De fato, a simbologia da água está intimamente
ligada ao Cristianismo, desde sua origem judaica, utilizando o batismo como um rito de
iniciação e fonte de regeneração e de renovação do Espírito Santo, pois aqueles que se
submetessem ao batismo seriam purificados dos seus pecados e receberiam o Espírito
Santo. Assim, foi somente em seu tratado específico Sobre o Batismo que Tertuliano
tratou diretamente sobre os vários significados da água enquanto veículo de operação e
transformação da divindade (Bapt., 1.1-3; 2.1-3). O motivo principal para esse poder divino
das águas de deu, pois, na criação, o Espírito pairava sobre as águas (Gn., 1.2), o que fez
dela um sinal e canal de santificação do homem (Bapt., 3.2). Utilizando outros exemplos
do velho testamento, fez ainda menção da importância do líquido como veículo de unção,
desde Moisés e Aarão (Lv., 8.1-13) (Bapt., 7.1-2), e da libertação e força das águas do Mar
Vermelho no contexto de libertação do povo hebreu do domínio egípcio atestado no
Êxodo (14.15-31; 15.1-5) (Bapt., 9.1). Assim, concordamos com José Saraiva Martins (2002,
p. 33) quando afirmou que a função batismal pode ser análoga a metáfora de liberdade
e pureza, pois “como os opressores do Egipto foram submersos pelas águas, permitindo
assim aos hebreus prosseguirem o seu caminho através do deserto, em direcção à terra
prometida, assim também mediante o baptismo o homem seria liberto da opressão do
diabo e introduzido na Igreja que era a via segura para a salvação”.
Podemos perceber que, como em grande parte dos textos paulinos e evangélicos,
em Tertuliano, a água geralmente foi representada como fonte de vida e salvação e por

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isso o Espírito de Deus pairava sobre elas. Isso nos parece bastante crível, uma vez que
existem várias referências e alusões evangélicas a poços, nascentes, rios ou cisterna (Gn.,
12.10; 42.5; Rt., 1.1; 2 Sm., 21.1), especialmente para um povo que, inicialmente, na Palestina,
sentia ainda mais a necessidade da água para a sobrevivência, uma vez que não havia
grande disponibilidade de água em terreno desértico. Os evangelhos atestam, assim, que
a própria analogia da água viva e transformadora teria advindo de Jesus, em sua conversa
com a Samaritana à beira de um poço (Jo., 4.10). Nessa passagem, a água seria análoga
ao próprio Jesus, que poderia curar males, angústias e salvar a alma (Jo., 4.28). A água
também desempenhava um papel vital nas tradições religiosas de Israel. Vários rituais
judaicos de purificação viam-na como um ingrediente essencial para lidar com a lepra ou
outras enfermidades, seja para a lavagem de utensílios ou do corpo, após a manipulação
de um morto ou após a impureza menstrual feminina, por exemplo (Lv., 15.1-9; Nm., 5.2).4
Finalmente, a água era um bem tão precioso que era usada até como oferta perante e
associada a Jeová (1 Sm., 7.5-6) (BRITO, 2012, p. 1-8). Na Antiguidade, esse tipo de associação
não era uma exceção, uma vez que muitos deuses eram representados como senhores das
águas ou das fontes, por exemplo, “[...] entre os Gregos, as fontes são divindades femininas,
que se veneravam como doadoras da fertilidade, como deusas da salvação, amas divinas e
divindades protetoras do casamento” (HEINZ-MOHR, 1994, p. 167).
Finalmente, Tertuliano afirmou também a essencial necessidade do batismo para a
salvação (Bapt., 20.1-5), tal como o texto sagrado, criando uma patente correspondência
simbólica entre a água e o espírito divino, pois “quem não nascer da água e do Espírito
não pode entrar no Reino de Deus” (Jo., 3.5). No ato da imersão, o fiel professava um
juramento batismal, ato público de profissão de fé e conversão pela rejeição dupla
de toda a pompa circense, ou seja, do templo idolátrico dos espetáuclos (Tert., Spect.,
13.1). Waszink (1947, p. 13-41) e Turcan (p. 117) demonstraram convincentemente que a
pompa expressa no juramento do batismo teve sua origem na pompa circense, de modo
que ela não expressou jamais um sentido direto de cortejo de demônios, significado
esse não foi documentado em nenhum texto antes ou depois de Tertuliano (JIMÉNEZ
SÁNCHEZ, 2001, p. 471).

4
A forma escrita da tradição oral do judaísmo primitivo, o Mishná, devotou uma seção inteira (Miqvaʾoth) da sexta ordem
Tohorot à classificação do diversos tipos de água de acordo com seus usos especiais e as leis de construção e manutenção
de uma mikvá, ou seja, um tanque de imersão ritual. Assim, especialmente a água viva não é uma referência à água em
movimento ou fresca, mas àquela que vem diretamente de Deus, por meio da chuva, de uma nascente ou de um rio. Esta
água não poderia ser transportada, nem erguida por mãos humanas, pois carregaria uma espécie de autoridade divina
(Mishná, Miqvaʾoth, 3-4). Muitos rituais de purificação judaicos, e posteriormente cristãos, deveriam acontecer por meio
dessas águas vivas. Na verdade, esta água era considerada tão potente que apenas uma gota bastava para transformar um
tanque inteiro de água comum em algo que pudesse purificar ritualmente, pois esta água viva tinha o poder de limpar e
purificar (GONDIM; GONDIM, 2012, p. 71-84; LOURENÇO; BERNARDINO, 2013, p. 412-3).

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Baptista, Natan Henrique Taveira 159
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Pela potência espiritual demandada nesse ritual, ele não poderia ser efetuado
por qualquer membro da secta. Sobre essa temática, Tertuliano (Bapt., 17.1) foi bastante
explícito, afirmando que o sumo poder dos batismo caberia ao bispo (episcopus) e que,
depois deles, teriam o direito a administrar o batismo, “[...] os presbíteros ou sacerdotes
e os diáconos, contudo, nunca sem autorização do bispo, em virtude do justo respeito
devido à Igreja, fazendo isso a paz é garantida”. Entendemos que a verdadeira importância
desse sacramento, na teologia de Tertuliano (Bapt., 20.1-5), se afirmou pelo valor intenso
agregado ao batismo, uma vez que o apologista chegou a afirmar que os pecados
cometidos depois da imersão batismal deveriam ser considerados pecados mortais
e imperdoáveis. Em grande medida essa posição se afirma no livro de Ageu 2.10-14,
onde o profeta menor afirma que a impureza é mais contagiosa do que a santidade,
especialmente, mas não tão somente, em perspectiva ritual.
Essa posição rigorista e radical nos explicou a importância do signaculum, ou
seja, do batismo pelas águas. Importância essa que, por associação, podemos transferir
aos tratados que versavam sobre essa temática. O que confirmou essa visão foi quando
percebermos que Tertuliano, além de atuar como instrutor de catecúmenos, também
se dirigiu, em partes do texto, aos demais cristãos, ou seja, àqueles que já tinham sido
batizados e assentavam-se juntos na comunidade. Essa posição de importância e as
circunstâncias contextuais, como as perseguições, ofereceram a Tertuliano a oportunidade
de elaborar uma teologia e uma disciplina adequadas para a experiência batismal, mas
também diretamente associadas à necessidade da afirmação e delimitação de uma norma
identitária cristã que, acreditamos, em um primeiro momento, era bem mais retórica
do que prática (SIDER, 1978, p. 339). Acreditamos que essa identidade foi baseada na
rejeição aos elementos relacionados à cidade e ao paganismo, incluindo as relações e as
redes de sociabilidade entre cristãos, pagãos e judeus (JONES, 1973, p. 356; EHRMAN;
JACOBS, 2003, p. 56 e ss.; De cultu, 1, 2.4). Essas regras eram prescritas por Tertuliano
para toda a comunidade de crentes, porém, foram impostas mais duramente após o selo
do batismo e fortemente reiteradas aos neófitos, de modo a aumentar o sentimento de
coesão identitária desses indivíduos e o senso de sua igualdade aos demais dentro da
proto-ortodoxia (MEALEY, 2009, p. 154; SCHREMER, 2010, p. 15; REBILLARD, 2012, p. 352;
LEONE, 2013, p. 25 e ss.).
No norte da África, assim como em outros lugares, as pessoas, mesmo se convertendo,
ainda frequentavam os jogos e os espetáculos – do circo, anfiteatro e teatro. Tertuliano
fixou então as regras da vida cristã no De Spectaculis para conservar a pureza dos neófitos.
Mostrou também as origens dos jogos e a que divindades eles eram dedicados. Tratou
da arquitetura, dos rituais e práticas lúdicas, nos fornecendo uma visão do cotidiano da

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160 O circo como templo idolátrico em Tertuliano (Spect., 8.4; 13.4)
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cidade antiga e das suas interações sociais, bem como da sua multiplicidade, afinal, no
circo, deuses romanos e gregos se situavam ao lado de obeliscos egípcios e de imagens
de divindades autóctones protetoras das colheitas. Tertuliano, por meio desse tratado,
nos permite alcançar a representação cristã dos jogos, suas origens, sua liturgia e seus
instrumentos. Esses elementos clarificam a imagem do cotidiano cartaginês no século III,
inclusive quanto aos conflitos religiosos anteriormente citados. Pela importância associada
entre essas manifestações cotidianas sobre a vida dos cristãos, com ênfase nos espetáculos,
e a partir do que já discutimos, um diagrama pode ser proposto por nós:

Imagem 1: Diagrama das fases de desenvolvimento da pureza do neófito com ênfase


na contaminatio, segundo o De Spectaculis, de Tertuliano

Afastando-nos das deliberações paleocristãs sobre o batismo,5 devemos ter


em mente, entretanto, que para Tertuliano outro ponto fulcral sobre o problema da
contaminação seria menos o espaço em si mesmo e mais a sociabilidade dos cristãos
com os pagãos,6 mesmo argumento defendido com o uso de Sl., 1.1, e a idolatria que os
objetos e os adornos do circo estimulavam, como depreendemos da seguinte passagem:

5
Não podemos deixar de reiterar que, Tertuliano era definitivamente contrário a qualquer prática de reintegração dos
paleocristãos que apostataram da fé frente às perseguições (lapsi). Em grande parte, porque era contrário ao perdão
posteriormente ao batismo e, muito mais, à prática de um segundo batismo. Essa posição rigorista e radical ficou explícita
em De pudicitia (1.6-9), no qual negou terminantemente o direito de qualquer um perdoar os pecados pós-batismo,
reservando-o apenas aos homens espirituais, como apóstolos ou profetas, e reiterando que alguns pecados gravíssimos,
como a idolatria, apostasia, fornicação ou homicídio, não teriam perdão de ninguém por mais que o bispado da capital
dissesse o contrário. Assim, é bastante possível que tenha rompido com a comunidade cristã, após Calisto, bispo de Roma,
ter concedido a remissão de pecados após o batismo e ordenado a reintegração dos lapsi na proto-ortodoxia (JOHNSON,
2001, p. 100). Sua aproximação com a Nova Profecia, inevitavelmente, não o obrigava mais a ser inquestionável às ordens
bispais, fato este que levou ao aumento das críticas em muitas obras do seu período montanista (ROBERTS, 1924, p. 43).
6
Para perceber os aspectos de produção e conformação do espaço físico em Tertuliano, utilizamos em grande medida
os argumentos teóricos propostos por Henri Lefebvre (2000). Assim, emergiu uma questão, tal como esse teórico
questionou, será que “podemos dizer que o corpo, pela sua capacidade de ação e as suas várias energias, cria o espaço?
Certamente, mas não no sentido de ocupação, tal como uma ‘fabricação’ da espacialidade; em vez disso, há uma
relação imediata entre o corpo e o espaço. Antes da produção de efeitos no reino dos materiais (ferramentas e objetos),
antes de se produzir um contorno deste reino, e antes de se reproduzir gerando outros corpos, cada corpo é um espaço
vivo e tem seu espaço: produz-se no espaço e também isso produz espaço. Esta é uma relação verdadeiramente
notável: o corpo com as energias ao seu dispor, o corpo vivo, ou produz e cria seu próprio espaço; por outro lado, as leis
do espaço, ou seja, as leis de discriminação no espaço, também governam o corpo vivo e a implantam suas energias.
Este caminho leva também do social para o espírito, um fato que empresta força adicional ao conceito de produção
do espaço. Esta tese é tão persuasiva que parece haver pouca razão para não alargar a sua aplicação – com todas as
precauções devidas, naturalmente – para o espaço social” (LEFEBVRE, 2000, p. 170-171).

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Baptista, Natan Henrique Taveira 161
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Estou mesmo a ouvir-vos dizer: “que perigo se corre se noutros dias que não nos
jogos formos ao circo, que perigo se corre de nos conspurcar qualquer culpa?”
Não há aí determinação nenhuma que proíba ir aqui ou ali. Com efeito não só
podemos ir a estes ajuntamentos no tempo da festança, mas ainda os templos
pode-os um servo de deus trilhar por motivo honesto, está visto, que não tenha
que ver com as funçanatas e destinação de tal logradouro. De resto as praças,
o foro e os balneários e as hospedarias e até nossas casas não estão de forma
alguma isentas de ídolos: satanás e os seis ambos atravancaram o mundo de lés
a lés. Mas, não é pelo facto de estarmos no mundo que nos afastamos de deus,
mas se cairmos em alguma das suas abominações. Por isso, se a fazer sacrifícios
ou a prestar adoração entrar no Capitólio ou no templo de Serápis, afastar-me-ei
de deus, e da mesma forma se me fizer espectador do circo ou do teatro. O lugar
por si não nos contamina, mas é o que lá se faz e quem faz é que contamina os
lugares como temos ditos: a nódoa do que está contaminado é que nos suja (Tert.,
Spect. 8.8-10, grifo nosso).

A representação dos espaços urbanos no De Spectaculis atende assim a uma


lógica muito própria da cidade romana e, mais especificamente, de Cartago. Os espaços
citados nessa obra, mas que não integram a cidade de Cartago, se localizando em
outras realidades urbanas, foram a sinagoga ou assembleia judaica, de Jerusalém (3.5); o
templo de Júpiter (Iupiter Optimus Maximus), também conhecido como Capitólio, por sua
localização, o maior templo de Roma (8.10; 12.7); e o Templo de Serápis, provavelmente
uma referência ao maior, de Alexandria (destruído em 391) (8.10). Já os espaços urbanos
internos à cidade cartaginesa citados, além do circo, do anfiteatro, do ginásio e do teatro,
foram as praças, termas, hospedarias, fórum e casas (19.3; 22.2). Todos esses espaços
compartilhavam do mal, da idolatria, da corrupção, da pompa diabólica do mundo e dos
demônios, que tornam o espírito imundo e pérfido por associação (4.1-2). Isso se dava,
pois, para Tertuliano, tudo que estava no mundo, os espaços citadinos, em especial, eram
invenções do diabo, construídos com materiais dele. Uma vez que tudo que não agradava
a Deus e não provinha dele pertencia ao diabo, esta era também a pompa circense que
deveria ser abjurada com o sinal da cruz na fronte do paleocristão.

Considerações finais

Não podemos encerrar esse texto sem discutir uma das categorias mais importantes
na argumentação de Tertuliano, e demais discursos paleocristãos, ou seja, um grupo
retoricamente mais ou menos homogêneo discriminado sob a alcunha de pagãos. Esse
coletivo comportaria a massiva, quando não a totalidade, da audiência participativa
dos diversos cultos que os amplos territórios imperiais abarcavam. Sendo assim, essa
categoria emergiu na oposição discursiva de Tertuliano, que procurava defender toda a
curia Christianorum, ou seja, a nova comunidade de crentes, dos ataques desferidos pelos

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162 O circo como templo idolátrico em Tertuliano (Spect., 8.4; 13.4)
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pagãos. A sociabilidade com esse grupo era terminantemente proibida, como podemos
perceber pela admoestação da passagem a seguir:

e o que dizer ao facto de se estar a condenar a si mesmo o que se senta


entre aqueles que diz detestar? E não basta que não incorramos em tal delito,
importa não andar com os que tal fazem a cada passo. Se vias um ladrão, diz a
palavra, deixavas te logo arrastar por ele [Sl., 49.18]. Prouvesse a deus que nem
habitássemos no mesmo mundo que eles! Separamo-nos nas coisas do mundo,
porque o mundo é de deus, mas as coisas do mundo são do diabo (Spect. 15.7-8).

Acreditamos, assim, que dentro do complexo cotidiano das cidades da bacia do


Mediterrâneo na Antiguidade, vários discursos identitários concorriam por legitimidade e
por autoridade, uma vez que vários grupos tentaram propor um discurso de indissolúvel
coletividade, por meio da rejeição de práticas de seus adversários, além dos espaços
preferidos dos mesmos. Nesse contexto, os cristãos manipulavam os gêneros literários
antigos a seu favor, utilizando de explicações mitológicas para detratar seus oponentes
por meio da apologética e da parênese. Nessa perspectiva, a narrativa mitológica e o
conhecimento presentes nos textos clássicos foram, segundo Ames (2008, p. 45), sem
dúvidas, desde a Antiguidade

[...] um elemento muito importante na construção do discurso cristão, pois, como


portadores de significado, afetaram a evolução de parâmetros políticos e culturais
que intervirão na construção de um edifício ideológico da teologia cristã e, deste
modo, contribuíram à transferência de uma corrente conceitual e ética desde a
Antiguidade clássica até o cristianismo dos primeiros Padres da igreja.

Foi dessa maneira que os cultos pagãos, em oposição ao culto paleocristão,


tidos como os portadores da verdade revelada, foram tratados de modo intransigente,
principalmente no que concernia aos seus ritos e suas práticas culturais. Eram, assim,
tratados com ampla desconfiança ou desprezo, vistos como uma superstição ou uma
ignorância estrangeira. Por sua vez, os cristãos foram rotulados pelos pagãos como ímpios,
já que se mantinham afastados das práticas rituais públicas, sendo por isso acusados​​
de rebeldia perante o Estado romano. O costume cristão de reunião em assembleias
secretas ou comunidades fechadas parecia adicionar força a esse pensamento e alimentar
o temor de rituais abomináveis, incluindo os sacrifícios de crianças e encontros lascivos
ou orgiásticos (AMES, 2008, p. 47; TILLEY, 2006, p. 384). O resultado dessas acusações
foi a necessidade de os cristãos escreverem visando a defender as suas causas contra os
ataques dos pagãos, o que motivou o surgimento das apologias paleocristãs, tais como a
Apologia Prima de Justino Mártir (c. 155); a Legatio pro Cristianis, de Atenágoras (c. 177);
e o Apologeticus, de Tertuliano.

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Baptista, Natan Henrique Taveira 163
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Assim, a necessidade e o principal objetivo da literatura apologética era enfatizar a


natureza transcendente do cristianismo. Enquanto, o cristianismo seria a luz, o paganismo
seria a escuridão; ao passo que se o fiel do cristianismo tivesse o poder, o do paganismo
residiria na fraqueza. Embora nem sempre claramente discernível essa construção
retórica dualista de raciocínio atravessaria um argumento na forma de uma admonição
protréptica metafórica e pós-conversional, ou seja, uma metáfora propagandística de
maneira a expor as regras fundamentais e, dessa forma, conseguir adeptos através de
uma parenética de vigilância (BERGER, 1998, p. 38; 199). Ampliando a percepção dessas
ideias, o contraste apologético se basearia na coerência lógica dos princípios religiosos
do cristianismo, bem como na ética e moral superiores em clara oposição às insanidades
e incoerências do paganismo, cujos princípios éticos deformados eram difundidos por
seus filósofos e membros, em particular, a imoralidade e a corrupção da mitologia e
dos ritos, em grande parte, associados aos espetáculos (Spect., 5.2-8; 6.2-3; 10.1; 11.1).
Assim segundo Ames (2008, p. 47), “com respeito às condutas e práticas, os apologistas
chamam a atenção sobre a virtuosa maneira de viver dos cristãos e insistem que a fé no
deus único era necessária para a manutenção e bem-estar do mundo, do imperador e
do Estado”. Finalmente, os apologistas, e com Tertuliano (Spect., 28.5) não poderia ser
diferente, traçavam um contraste entre a imoralidade da sociedade pagã e a dignidade
dos paleocristãos, cuja devoção aos princípios religiosos seria mais forte que a própria
morte, em uma clara alusão à experiência do martírio, ou seja, a verdadeira meta da vida
do paleocristão (SENNET, 2003, p. 110; BROWN, 1991, p. 238).
A intenção dos apologistas era não apenas a defesa da pureza comunitária, mas
também a doutrinação de sua própria comunidade de fiéis, pois, dialogando com suas
identidades, buscavam demonstrar quais recintos seriam adequados para os paleocristãos
frequentar e por que o circo, em especial, não seria o ambiente para um cristão. O que nos
levou a localizar o circo cartaginês como importante espaço de interação social dentro do
cotidiano africano na virada do terceiro século, pois cremos que ele foi parte integrante e
definidor de um sistema de coordenadas, de identidades e de capitais simbólicos durante
o terceiro século. Portanto, de modo a elucidar a natureza contaminadora (contaminatio)
desse espaço público, o ataque de Tertuliano se voltou diretamente para o corpo, que,
mesmo sendo considerado pelos paleocristãos como divino, ou seja, feito à imagem e
semelhança da deidade judaico-cristã, poderia ser deformado, contaminado ou adulterado
em função do local no qual se inseria e do uso que dele se fazia. Assim, no circo, o corpo
se tornava indigno e infame, um atributo do pecador e do idolatra. Ficou claro aqui,
para nós, a tentativa paleocristã de cristianização do corpo, que, no século III ainda se
encontrava vinculado à cidade e aos ideais ainda clássicos.

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164 O circo como templo idolátrico em Tertuliano (Spect., 8.4; 13.4)
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Referências

Documentação textual

ARISTÓTELES. Retórica. Tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior, Paulo Famrhouse


Alberto e Abel do Nascimento Pena. Lisboa: Imprensa Nacional da Casa da Moeda,
1998.
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