Você está na página 1de 3

EXTERNATO MARISTA DE LISBOA

PORTUGUÊS 10º ANO


2020/2021
Departamento de Português
FICHA DE DOMÍNIO – EDUCAÇÃO LITERÁRIA

Lê atentamente a cantiga seguinte.

Do que sabia nulha rem1 nom sei,


polo mundo, que vej’ assi andar;
e quand’ i cuido2, hei log’ a cuidar,
per boa fé3, o que nunca cuidei:
5
ca4 vej’ agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí5.

Aquesto6 mundo, par Deus, nom é tal


qual eu vi outro, nom há gram sazom7;
e por aquesto, no meu coraçom,
10 aquel desej’ e este quero mal:
ca vej’ agora o que nunca vi
E se me a mim Deus quisess’ atender,
e ouço cousas que nunca oí. 20
per boa fé, ũa pouca razom9,
eu post’ havia10 no meu coraçom
E nom receo mia morte por en
de nunca jamais nem um bem fazer:
e, Deus lo sabe, queria morrer;
ca vej’ agora o que nunca vi
ca nom vejo de que haja prazer
15
e ouço cousas que nunca oí.
nem sei8 amigo de que diga bem:
ca vej’ agora o que nunca vi 25
E nom daria rem11 por viver i12
e ouço cousas que nunca oí.
en’ este mundo mais do que vivi.

Pero Gomes Barroso (CBN 1366, CV 974), in LOPES, Graça Videira (Ed.), 2002.
Cantigas de Escárnio e Maldizer dos Trovadores e Jograis Galego-Portugueses. Lisboa: Estampa (p. 420)

1. nulha rem: nada, coisa nenhuma; 2. i cuido: penso nisso; 3. realmente, por Deus; 4. porque; 5. ouvi; 6. Este; 7. há gram sazom: há muito
tempo; 8. conheço; 9. E se me a mim Deus quisess’ atender, / per boa fé, ũa pouca razom: E se Deus quisesse atender o meu pedido e me
desse um pouco de razão; 10. post’ havia: tinha decidido; 11. nada, coisa alguma; 12. aí.

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas ao questionário.


1. Explicita a crítica desenvolvida ao longo da cantiga.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
1.1. Relaciona-a com o estado de espírito do sujeito poético.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

2. É possível dividir o poema em três partes, correspondendo a última ao dístico final.


2.1. Delimita, fundamentando, os dois outros momentos da cantiga.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

2.2. Analisa a importância da última estrofe na construção do sentido global do texto.


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

3. Indica duas características temáticas do poema que contribuem para a sua inclusão
no género das cantigas de escárnio e maldizer.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
1. e 1.1. Ao longo da cantiga, o sujeito poético salienta a dificuldade em perceber o mundo e
critica as constantes mudanças na sociedade, que o fazem duvidar dos seus próprios sentidos, por
ver e ouvir coisas que nunca antes experienciara. [Esta constatação contribui para o valor
documental da cantiga, que reflete as transformações sociais e morais da época medieval.] A
reflexão desenvolvida pelo sujeito poético leva-o a sentir estranheza e até uma certa incredulidade
(manifestada no recurso às interjeições “per boa fé”, v. 4, e “par Deus”, v. 7) face ao mundo em que
vive, levando-o a querer-lhe mal e a desejar os tempos passados (vv. 6-10). Mostra-se
desencantado (v. 15) e desiludido inclusivamente com as pessoas, pois não reconhece
bondade nem nos amigos (v. 16). Por isso, deseja a morte (vv. 13-14) ou a capacidade de
“nunca jamais nem um bem fazer” (v. 22).

2.1. O primeiro momento coincide com as duas primeiras estrofes, nas quais o sujeito poético
medita sobre as alterações que vislumbra no mundo. O segundo é constituído pelas estrofes três e
quatro e dedicado à situação mais particular do “eu” face à mudança. Nele o sujeito poético assume
preferir a morte a viver nas condições que descreve.

2.2. A última estrofe serve de conclusão ao poema, apresentando a resolução pessoal


do sujeito poético face às constatações anteriores. Assim, no contexto social que descreve, o
enunciador assume que não quereria viver mais tempo, ainda que tal fosse possível, o que
releva o seu desagrado perante as condições sociais do seu tempo.

3. O poema configura uma cantiga de escárnio, pela sua temática crítica e satírica,
denunciadora de situações da vida social e moral que, aos olhos do trovador, merecem repreensão.
Esta crítica dirige-se a uma coletividade e não a um alvo individual identificado. [Estas
características temáticas aproximam a composição do serventês.

Você também pode gostar