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Análise de Fonte
São Paulo
2020
Fonte: Excerto da edição 00206 do Jornal do Commercio (RJ) publicado na terça-feira dia 23
de Julho de 1916.
Crítica da Fonte: Para a utilização desta crítica como fonte histórica é necessário ter
em mente o posicionamento do periódico em que foi publicada. Bem como sua natureza de
crítica musical.
O Jornal do Commercio foi fundado por um tipógrafo francês em 1827. Contando
assim com quase 100 anos quando da publicação do documento em questão. É um jornal
conservador e voltado para a elite comercial, por abordar assuntos principalmente
econômicos.2
Isto se mostra extremamente relevante visto que a crítica artística é um gênero
fortemente subjetivo. Portanto deste texto pouco se extrai sobre o concerto feito por Agustín
de Barrios ou sobre os usos do violão em si. A fonte pode ser melhor interpretada ao
voltarmos nosso olhar para a rica adjetivação mobilizada para descrever o artista e sua forma
de tocar. O modo como o autor separa o uso popular do violão do seu nascente uso erudito -
processo no qual localiza Barrios - nos revela sua valoração sobre a própria música popular e
a erudita.3
Desta forma ao nos perguntarmos, “o que nos diz o fato de um crítico musical
conservador estar escrevendo sobre um violonista paraguaio no início do século XX?”
1
Das quais serão analisadas as duas primeiras, no fragmento que compreende os 10 primeiros parágrafos.
2
BRASIL, Bruno. JORNAL DO COMMERCIO (RIO DE JANEIRO). Biblioteca Nacional Digital. 2015.
Disponível em <http://bndigital.bn.gov.br/artigos/jornal-do-commercio-rio-de-janeiro/> Acesso em 12/12/2020.
3
Apesar de toda a problematização extremamente valorosa da dualidade entre música erudita e popular,
trabalharei aqui com estes conceitos como reflexo da separação que o autor da fonte faz.
esbarramos em algumas questões como: qual a visão que os intelectuais da elite tinham sobre
o violão no período? E sobre os músicos que o utilizavam? Que tipo de música era valorizada
pela elite nos anos 10? Como o autor justifica a maior valorização de um estilo em detrimento
de outros?
Em resumo podemos nos perguntar como a escuta do autor recebia os diferentes usos
que faziam do violão e por extensão demarcar a hierarquia em que dispunha as expressões
musicais brasileiras.
Foi esta a isncripção que lemos num cartão cru que se apregoava a estréa
no Rio de Janeiro, do Sr. Barrios um Paraguayo dedicado ao violão. A impressão
que recebemos do concertista pelo cartão não podia ser mais desagradável, porque
ella denunciava um Barnum vulgar a rufar estridentemente e incommodo tambor
em porta de feira, no afan de maravilhar os basbaques com phenomeno pulha.
Conversamos, porém, alguns momentos com o Sr. Barrios , e , não
obstante a prevenção natural, consequente daquelle cartão, não obstante também a
suspeita antecipada de uma jactancia pretenciosa, adquirimos a certeza de que
tínhamos em nossa presença um verdadeiro artista, talvez ainda não celebrisado por
se ter consagrado a um instrumento que poucos conhecem e raros manejam
musicalmente.4
4
Todos os grifos na fonte são meus.
Aos poucos esta música verdadeira vai sendo revelada nos momentos em que o crítico
elogia determinados tipos de uso do violão. Comentário bem presente na segunda parte que
apresentei como “crítica ao meio artístico do violão” (3º ao 10º parágrafo).
A sessão inicia comparando o violão com outros instrumentos para delimitar seu
prestígio devido: “Sem querer dar ao violão a hierarchia aristocratica do violino, do
violoncello e de outros instrumentos [...] em todo caso acreditamos que não se faz ainda ao
violão a justiça que lhe é devida”. Mais adiante para atenuar o problema da falta de
repertório5 para o instrumento o autor diz: “Que o violão tenha um repertorio limitadissimo
não admira, porque, com excepção do piano e do orgão, isso acontece a todos os
instrumentos, até mesmo ao violino cujos foros de nobreza ninguém contesta.”
Começa a ficar claro que ele se refere à música erudita europeia pela aproximação que
ele faz do violão com os instrumentos tipicamente de orquestra como o violino, o violoncelo
e o piano. E as caracterizações como “hierarchia aristocrática” e “foros de nobreza”
demarcam claramente a posição de superioridade que se atribui no texto a este tipo de
música.
Isso se confirma adiante quando ele se refere aos violonistas mais notáveis na sua
opinião:
Caralli, por exemplo, era um concertista napolitano do violoncello e
abandonou esse instrumento pelo violão. [...] indo a Pariz em 1808 e dando alli
innumeros concertos, provocou enthusiasmo indescriptível. [...] escreveu mais de
300 composições: solos, duetos, trios, quartetos, variações, caprichos, etc.
Não é coincidência que Caralli é um europeu, vindo da tradição erudita como cellista
e que faz sucesso tocando em Paris. O crítico vincula claramente a ideia de música verdadeira
à música erudita.
Em oposição ao erudito em diversos trechos o autor condena o uso popular feito do
violão, sendo ele inclusive responsável pelo pouco prestígio que o instrumento possuía no
meio artístico “culto”. Para isso ele diz: “os cultores do violão limitam-se a fazer delle um
instrumento de acompanhamento de modinhas chorosas ou monótono repetidor de desenhos
rythimicos de dansa, ou o interprete dos rasgados sonorosos que convidam ao sapateado” .
Aqui vemos características depreciativas como a limitação e a sonoridade monótona serem
vinculadas a expressões populares do violão como nas modinhas e em ritmos dançantes, estes
que gozavam de forte consumo popular.
5
ou melhor, de repertório “verdadeiro”.
A justificativa do autor para o menor prestígio merecido por estas expressões é
fundamentada por argumentos técnicos: “Essa mediocridade a que condemnaram o violão
tem a sua explicação na ignorancia dos que lhe ponteiam as cordas sem o conhecimento da
riqueza de effeitos que se pode obter do precioso instrumento”
Dito isso, fica notável que tanto a condenação quanto o elogio recaem sempre sobre a
forma de se tocar o instrumento e não sobre o instrumento em si. Mais do que uma avaliação
sobre a prática violonística ou sobre Agustín Barrios, o autor nos fornece uma valoração
sobre as expressões musicais do período. Lembrando então o local de fala conservador do
crítico podemos inferir algumas opiniões sobre a escuta da “elite culta” em meados da década
de 10.
Lembrando que a semana de arte moderna ainda não havia acontecido, tratamos aqui
de uma elite que utiliza da arte européia como orientação fundamental para a produção e a
avaliação artísticas. Neste contexto ficam compreensíveis as aproximações que o autor faz
com a cultura européia em seus elogios ao violão. Isso sugere o quanto a escuta desta elite
estava voltada para a música estrangeira antes de 22 e nos dá uma dimensão mais clara do
choque que esta elite pode ter sentido com os manifestos de valorização da cultura popular
nacional com os modernistas.
BIBLIOGRAFIA:
TABORDA, Márcia. Violão e Identidade Nacional: Rio de Janeiro 1830 - 1930. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
FONTE:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=364568_10&pagfis=39852>
Acessado em : 12/12/2020. Abaixo presente na íntegra.