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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas

Gabriel Hernandes dos Santos - 10764770

Análise de Fonte

São Paulo
2020
Fonte: Excerto da edição 00206 do Jornal do Commercio (RJ) publicado na terça-feira dia 23
de Julho de 1916.

Descrição​: Trata-se de um fragmento de crítica musical jornalística do concerto


realizado no Rio de Janeiro pelo violonista paraguaio Agustin Barrios. Intitulada como “O
primeiro Violonista do Mundo” a crítica faz parte da coluna “THEATROS E MUSICA” do
Jornal do Commercio. No qual foi publicada em julho de 1916. Sua autoria é desconhecida
pois o texto não é assinado.
O texto completo está estruturado em 5 partes fundamentais​1 que são: a introdução do
assunto; uma crítica ao meio artístico em que se encontra o violão no contexto, fazendo uma
distinção clara entre violão erudito e violão popular; a apresentação de Barrios como um
violonista erudito; uma descrição minuciosa da técnica do violonista que fundamenta a
argumentação anterior; e a apresentação do repertório executado no concerto.

Crítica da Fonte​: Para a utilização desta crítica como fonte histórica é necessário ter
em mente o posicionamento do periódico em que foi publicada. Bem como sua natureza de
crítica musical.
O Jornal do Commercio foi fundado por um tipógrafo francês em 1827. Contando
assim com quase 100 anos quando da publicação do documento em questão. É um jornal
conservador e voltado para a elite comercial, por abordar assuntos principalmente
econômicos.​2
Isto se mostra extremamente relevante visto que a crítica artística é um gênero
fortemente subjetivo. Portanto deste texto pouco se extrai sobre o concerto feito por Agustín
de Barrios ou sobre os usos do violão em si. A fonte pode ser melhor interpretada ao
voltarmos nosso olhar para a rica adjetivação mobilizada para descrever o artista e sua forma
de tocar. O modo como o autor separa o uso popular do violão do seu nascente uso erudito -
processo no qual localiza Barrios - nos revela sua valoração sobre a própria música popular e
a erudita.​3
Desta forma ao nos perguntarmos, “o que nos diz o fato de um crítico musical
conservador estar escrevendo sobre um violonista paraguaio no início do século XX?”

1
​Das quais serão analisadas as duas primeiras, no fragmento que compreende os 10 primeiros parágrafos.
2
BRASIL, Bruno. JORNAL DO COMMERCIO (RIO DE JANEIRO).​ Biblioteca Nacional Digital. ​2015.
Disponível em <​http://bndigital.bn.gov.br/artigos/jornal-do-commercio-rio-de-janeiro/​> Acesso em 12/12/2020.
3
​Apesar de toda a problematização extremamente valorosa da dualidade entre música erudita e popular,
trabalharei aqui com estes conceitos como reflexo da separação que o autor da fonte faz.
esbarramos em algumas questões como: qual a visão que os intelectuais da elite tinham sobre
o violão no período? E sobre os músicos que o utilizavam? Que tipo de música era valorizada
pela elite nos anos 10? Como o autor justifica a maior valorização de um estilo em detrimento
de outros?
Em resumo podemos nos perguntar como a escuta do autor recebia os diferentes usos
que faziam do violão e por extensão demarcar a hierarquia em que dispunha as expressões
musicais brasileiras.

Análise: Já de início no trecho que apresentei como introdução, compreendendo os


dois primeiros parágrafos, o autor apresenta uma síntese da impressão que o artista paraguaio
lhe causou:

Foi esta a isncripção que lemos num cartão cru que se apregoava a estréa
no Rio de Janeiro, do Sr. Barrios um Paraguayo dedicado ao violão. A impressão
que recebemos do concertista pelo cartão ​não podia ser mais desagradável​, porque
ella denunciava um ​Barnum vulgar a rufar estridentemente e incommodo tambor
em porta de feira,​ no afan de maravilhar os basbaques com phenomeno pulha.
Conversamos, porém, alguns momentos com o Sr. Barrios , e , não
obstante a prevenção natural, consequente daquelle cartão, não obstante também a
suspeita antecipada de uma jactancia pretenciosa, adquirimos a certeza de que
tínhamos em nossa presença ​um verdadeiro artista,​ talvez ainda não celebrisado por
se ter consagrado a um instrumento que poucos conhecem e raros manejam
musicalmente​.4​

A nítida quebra de expectativa entre um parágrafo e outro revela o receio inicial do


crítico que se esvai após conhecer o artista. É interessante então observar os elementos
mobilizados para descrever estas impressões. Vemos que no primeiro momento a imagem do
Barnum vulgar, a sonoridade estridente e incomoda e também o contexto de “porta de feira”
presentes no cartão são utilizados para justificar a imagem negativa que se criou do
violonista. Em oposição a isto, temos a segunda impressão quando o autor, após conhecê-lo,
o apresenta como um “verdadeiro” artista com manejo musical.
Esta oposição de imagens já revela algumas coisas, primeiro que a fonte para a crítica
inicial é a proximidade com elementos populares - o vulgar. E mais importante, revela que o
autor concebe um outro estilo de música, verdadeiro, como real merecedor de admiração. Ele
ainda não apresenta como é este estilo, mas já fica clara a presença em seu olhar de uma
análise discriminante entre aquilo que seria verdadeiramente musical e o vulgar a que isso se
opõe.

4
​Todos os grifos na fonte são meus.
Aos poucos esta música verdadeira vai sendo revelada nos momentos em que o crítico
elogia determinados tipos de uso do violão. Comentário bem presente na segunda parte que
apresentei como “crítica ao meio artístico do violão” (3º ao 10º parágrafo).
A sessão inicia comparando o violão com outros instrumentos para delimitar seu
prestígio devido: “Sem querer dar ao violão a ​hierarchia aristocratica do violino, do
violoncello e de outros instrumentos [...] em todo caso acreditamos que não se faz ainda ao
violão a justiça que lhe é devida”. Mais adiante para atenuar o problema da falta de
repertório​5 para o instrumento o autor diz: “Que o violão tenha um repertorio limitadissimo
não admira, porque, com excepção do piano e do orgão, isso acontece a todos os
instrumentos, até mesmo ao violino cujos​ foros de nobreza​ ninguém contesta.”
Começa a ficar claro que ele se refere à música erudita europeia pela aproximação que
ele faz do violão com os instrumentos tipicamente de orquestra como o violino, o violoncelo
e o piano. E as caracterizações como “hierarchia aristocrática” e “foros de nobreza”
demarcam claramente a posição de superioridade que se atribui no texto a este tipo de
música.
Isso se confirma adiante quando ele se refere aos violonistas mais notáveis na sua
opinião:
Caralli, por exemplo, era um ​concertista napolitano do violoncello e
abandonou esse instrumento pelo violão. [...] ​indo a Pariz em 1808 e dando alli
innumeros ​concertos​, provocou enthusiasmo indescriptível. [...] escreveu mais de
300 composições: ​solos, duetos, trios, quartetos, variações, caprichos, etc.

Não é coincidência que Caralli é um europeu, vindo da tradição erudita como cellista
e que faz sucesso tocando em Paris. O crítico vincula claramente a ideia de música verdadeira
à música erudita.
Em oposição ao erudito em diversos trechos o autor condena o uso popular feito do
violão, sendo ele inclusive responsável pelo pouco prestígio que o instrumento possuía no
meio artístico “culto”. Para isso ele diz: “os cultores do violão ​limitam-se a fazer delle um
instrumento de ​acompanhamento de modinhas chorosas ou ​monótono ​repetidor de desenhos
rythimicos ​de dansa,​ ou o interprete dos rasgados sonorosos ​que convidam ao sapateado”​ .
Aqui vemos características depreciativas como a limitação e a sonoridade monótona serem
vinculadas a expressões populares do violão como nas modinhas e em ritmos dançantes, estes
que gozavam de forte consumo popular.

5
​ou melhor, de repertório “verdadeiro”.
A justificativa do autor para o menor prestígio merecido por estas expressões é
fundamentada por argumentos técnicos: “Essa ​mediocridade a que condemnaram o violão
tem a sua explicação na ​ignorancia ​dos que lhe ponteiam as cordas ​sem o conhecimento da
riqueza de effeitos que se pode obter do ​precioso​ instrumento”
Dito isso, fica notável que tanto a condenação quanto o elogio recaem sempre sobre a
forma de se tocar o instrumento e não sobre o instrumento em si. Mais do que uma avaliação
sobre a prática violonística ou sobre Agustín Barrios, o autor nos fornece uma valoração
sobre as expressões musicais do período. Lembrando então o local de fala conservador do
crítico podemos inferir algumas opiniões sobre a escuta da “elite culta” em meados da década
de 10.
Lembrando que a semana de arte moderna ainda não havia acontecido, tratamos aqui
de uma elite que utiliza da arte européia como orientação fundamental para a produção e a
avaliação artísticas. Neste contexto ficam compreensíveis as aproximações que o autor faz
com a cultura européia em seus elogios ao violão. Isso sugere o quanto a escuta desta elite
estava voltada para a música estrangeira antes de 22 e nos dá uma dimensão mais clara do
choque que esta elite pode ter sentido com os manifestos de valorização da cultura popular
nacional com os modernistas.

BIBLIOGRAFIA:

BRASIL, Bruno. JORNAL DO COMMERCIO (RIO DE JANEIRO).​ Biblioteca Nacional


Digital. ​2015. Disponível em
<​http://bndigital.bn.gov.br/artigos/jornal-do-commercio-rio-de-janeiro/​> Acesso em
12/12/2020.

TABORDA, Márcia. ​Violão e Identidade Nacional: Rio de Janeiro 1830 - 1930. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

FONTE:
<​http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=364568_10&pagfis=39852​>
Acessado em : 12/12/2020. Abaixo presente na íntegra.

Foram analisados os 10 primeiros parágrafos.

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