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Trabalho final História da Música V

Leonardo Mueller

2022.1

Tradições paralelas

Enquanto conhecemos com muita profundidade e ouvimos falar com muita frequência
sobre as inovações e os Grandes do século XX, não temos tanto em mente a história das
músicas menos atingidas pelo grande fluxo da mudança, ou daquilo que chamamos “tradições
paralelas”. Quando se fala de século XX na música, já imaginamos dodecafonia, serialismo,
indeterminismo, etc. mas esse também foi um tempo em que novos elementos surgiram em
velhas estruturas, mesmo quando o maior objetivo de parte dos representantes do século era
justamente destruir as velhas estruturas para encontrar ou construir novas que fariam sentido
em seu novo contexto tão devastador.

Com isso em mente, esse trabalho pretende analisar brevemente o histórico do violão
como instrumento que havia sendo deixado de lado desde 1850 e que voltou a se tornar presente
no início do século XX, se relacionando ou não com o novo contexto de época.

Depois de um período quase glorioso de presença em diferentes palcos em diferentes


lugares, o violão foi gradativamente desaparecendo das salas de concerto e do mainstream do
mundo musical a partir de 1850. É um período chamado de “downfall of the guitar”, e está
diretamente relacionado com o volume do instrumento, que não chegava perto do desejo dos
compositores da época, ainda mais com o piano em rápido desenvolvimento.

Além disso, alguns autores destacam o desaparecimento das ofertas de cursos em


conservatórios para o instrumento, já que este não tocaria em orquestras e grupos sinfônicos.
Isso fez com que o violão acabasse indo totalmente em direção aos amadores, saindo do seu
lugar de virtuosismo e academicismo, que ainda era crescente.

Existiram alguns representantes muito fortes do instrumento antes desse declínio, como
Mertz e Napoleon Coste, que juntos foram premiados em um concurso produzido por um
aristocrata russo e entusiasta do violão: Nikolai Makaroff, em 1856. No mesmo ano, mais tarde,
Mertz faleceu e Makaroff deu a seguinte constatação em um documento falando sobre o
concurso:
My contest for which I had built up so much hope ended in this manner. Alas! The
contest did not achieve what I had had in mind; it did not uncover any new or wonderful
composer for the guitar who could fittingly occupy the place left vacant by Mertz. I hope that
perhaps someone in the future will be more fortunate than I ... For all of eighteen years, I fought
against old-fashioned conservatives, who did not want to recognize the guitar as a dignified
musical instrument. I fought against the indifference of the guitarists themselves, against insults
and the mockery of fellow musicians and against a thousand and one other hindrances on my
course to place the guitar and its music on the plane it so well deserves in the musical world.
(Nikolai P. Makaroff, “The Memoirs of Makaroff” The Guitar Review 1, no. 5 (1948): 113.)

Esse concurso pareceu ter sido uma tentativa de reencontrar novos talentos e recolocar
o violão em um ambiente onde antes já esteve, nas salas de concerto. Mas esse depoimento
revela a situação do momento em relação ao instrumento.

Apesar de ser assim excluído do círculo musical, o violão certamente não desapareceu
da população e foi fortemente mantido por tradições populares, até que eventualmente os
amadores sentiram a necessidade de juntarem-se e formarem clubes de violão. Esses clubes
eram muito comuns no século XIX em várias temáticas: esportes, hobbies, etc. E foram se
tornando comuns também no círculo musical. Em 1877 um clube foi formado na Alemanha e
este foi precursor para muitos outros ao longo do tempo que se estenderam a grande parte do
século XX.

Esses clubes tinham por característica muita música de câmara, mas que tinham
apresentações em que os destaques solo também faziam performances. O IGV (international
association os guitarists) acabou se tornando destaque como clube internacional, sendo que em
1901 já continha 544 membros.

The IGV promoted activities such as meetings and performances (solo and ensemble)
in local branches; organized an annual Gitarristentage (guitar festival); published and distributed
among its membership Der Guitarrefreund, a journal that existed from 1900 to 1931 and later
from 1950 to 1965; 37 found good sources for instruments and strings as well as negotiated
purchase privileges for members; and built up an extensive shared collection which included
documents and music by professionals and amateurs, ranging from solo to sextets, lieder to
chamber music, manuscripts to published works. (Mantovani, 2019)

Vemos assim que a presença do violão agora não mais dependia das salas de concerto,
mas que começou um novo caminho de uma nova forma. A luta pela volta às salas e ao
mainstream se daria alguns anos mais tarde, principalmente com a figura de Andres Segovia.
Esse foi o grande desejo do século XX para o violão e hoje, muitos anos depois,
podemos dizer que é um desejo realizado. Para além da falta de volume do instrumento, a falta
de repertório “à altura” do repertório de piano, violino e violoncello, por exemplo, também era
um fator que afastava o interesse e impedia o violão de estar nos mesmos ambientes.

A partir disso, a tentativa de Segovia foi a de reunir repertório e fazer transcrições.


Chamar compositores não-violonistas para comporem em parceria com ele e assim expandir
todas as possibilidades. Um momento memorável dessa história é a performance que Segovia
fez da sua transcrição da famosa Chacona de Bach, BWV 1004. Neste momento foi que ficou
perceptível que o violão tinha potencial para ser novamente um instrumento de palco que se
envolve com outros, e não apenas em clubes e lugares unicamente violonísticos.

Segovia foi bem sucedido em sua missão, mas isso não significa que foi o único
representante do instrumento. Atualmente é conhecida a história de que paralelamente ao seu
legado, os clubes de violão continuaram sua existência fortíssima e que no mundo amador o
instrumento não parou de crescer em popularidade e importância.

É interessante analisar como essas duas “escolas” tiveram o seu lugar de crescimento e
estabilidade. Enquanto Segovia foi responsável por começar os primeiros cursos de violão em
conservatórios e universidades, o violão de choro, por exemplo, no Brasil, teve sua própria
escola que foram as rodas e a prática popular por tradição oral e afetiva. E é também uma escola
que não se pode chamar amadora pois atinge um nível de sofisticação surpreendente.

Referências:

MANTOVANI, Luiz Carlos; 2019 “Ferdinand Rebay and the reinvention of Guitar
Chamber Music”

BRITTON, “The Guitar in the Romantic Period”

BERLIOZ, Berlioz’s Orchestration Treatise. A Translation and Commentary

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