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“O retorno

dO Triunfo da medicina espirituali, milagrera e naturali da Sinhá Chica do Mané Pedro


Maré Seca contra os poderes avermelhados do anjo Luciféri.”

Teatro em Trâmite
Nossa Senhora do Desterro
Inverno de 2007

ROTEIRO DRAMATÚRGICO:

PRELÚDIO

1. PARTO.
1.1 Nascimento das gêmeas (choro)
1.2 A duvida da parteira e o desespero de Diolindo
1.3 Alguém lembra da Sinhá Chica

2. ESCOLHA DO ZENÓBIO.
2.1. Diolindo chama Zenóbio
2.2. Dedela convoca as bruxas
2.3. Zenóbio parte para a Barra da Lagoa

3. JORNADA.
3.1 Caminhada no mato
3.2 Balé Bruxólico
3.3 Bruxa Casamenteira

4. SINHA CHICA.
4.1. Zenóbio encontra Sinhá Chica e explica a situação
4.2. Sinhá Chica acompanha Zenóbio de volta para Santo Antônio

5. CHEGADA NA CASA DE DIOLINDO.


5.1. Sinhá Chica toma conhecimento da causa
5.2. Enfrentamento
5.3. Sinhá Chica acusa a bruxa Dedela e resolve o problema
5.4. Dedela foge e Sinhá Chica fala da falsidade da bruxa

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“O triunfo da medicina espirituali e milagrera da Sinhá Chica do Pedro Maré
Seca contra os poder avermelhado do anjo Luciféri”

livre adaptação da obra “O fantástico na Ilha de Santa Catarina”, de Franklin Cascaes

1. Parto
1.1. Nascimento das gêmeas.
Compadre Diolindo caminha de um lado para o outro nervoso.Ouve-se choro de bebê.
Diolindo continua nervoso. Surge a parteira.

Diolindo
Por favor , Sinhá Conceição me diga que não é uma raparigazinha. Não é uma menina...

Sinhá Conceição
Olhe, compadre Diolindo que não é uma menina mesmo...

Diolindo
Áh! Obrigado meu Deus por não ter me dado outra menina.

Sinhá Conceição
São duas homem!

Diolindo
Duas? Mas a senhora não sabe, que eu tenho cinco filhas e que a sétima está fadada a ser
servidora de Lúcifer? A senhora, já deve ta cansada de saber que a sétima menina de uma
casa é bruxa. E a coitadinha que se atrasou e nasceu depois que a outra, mal sabe a
armadilha que o destino está guardando pra ela. Nós temos é que levar essa menina pra
benzer agorinha, agorinha. Traga lá, Sinhá Conceição, àquela que nasceu depois.

Sinhá Conceição
Olhe, compadre Diolindo que parto de gêmea é parto difícil. O que era pra ser de um é pra
dois. E como a menina Felícia não pode vir comigo hoje, eu tive que me dividir... Nasce
uma, nasce a outra, acode a mãe... Se o senhor me perguntasse agora quem nasceu
primeiro eu não ia saber lhe responder não.

Diolindo
Ai, querida, que querida. Mas isso é uma desgraça daquelas bem desgraceira mesmo. Como
é que pode que a comadre não marcou qual nasceu primeiro!

Sinhá Conceição
Mas ora, que o senhor devia de ter me avisado!

Diolindo
E eu lá sabia que tinha duas dentro da barriga de Cotinha! E agora essa desgraceira, quem
é que vai poder saber qual das duas que é a mais velha pra modo de salvar a pobre alminha.

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Sinhá Conceição
Compadre Diolindo o senhor precisa de um olhar clínico nesse tipo de assunto. E a única
pessoa que eu conheço, em toda a Ilha de Nossa Senhora do Desterro que é capaz de saber
qual das duas meninas nasceu fadada a ser bruxa, é a Sinhá Chica do mane Pedro Maré
Seca, lá da Barra da Lagoa.

Diolindo
Mas como é que eu vou levar as duas menininhas lá na Barra da Lagoa?

Sinhá Conceição
Pois mande chamar a Sinhá Chica!

Diolindo
E ela vem?

Sinhá Conceição
Sem demora. Sinhá Chica é a primeira a querer desengranhar das mãos de Lúcifer a alminha
de uma criança. É só o tempo da viagem.

Diolindo
Pois então que eu vou mandar lá pra Barra da Lagoa o menino meu sobrinho Zenóbio. Pra
ele encontrar a Sinhá Chica, contar do ocorrido e trazer ela pra cá. Zenóbio, ô Zenóbio,
corre aqui moleque! (saem os dois em busca de Zenóbio.)

2. Zenóbio parte para a Barra da Lagoa.


Entram cumpadre Diolindo e Zenóbio

Diolindo
Então tu entendeste tudo direito o que é pra fazer?

Zenóbio
O senhor me falou tio que...

Diolindo
Que é pra ir até a Barra da Lagoa, sem parar em lugar nenhum, chegando lá perguntar pela
casa do Seu Pedro Maré Seca, que lá tu vai encontrar a Sinhá Chica.

Zenóbio
Aí, eu falo pra Sinhá Chica...

Diolindo
Que nasceu duas gêmeas aqui em Santo Antônio de Lisboa e que elas são sexta e sétima
filha do Senhor Diolindo, e da Cotinha, e que a Sinhá Conceição, que fez os partos das
meninas, não se atentou e não sabe dizer qual das duas é a sétima.

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Zenóbio
E que é o caso dela me acompanhar...

Diolindo
Até aqui em Santo Antônio, porque a comadre Conceição indicou que só ela é capaz de
fazer tal distinção.

Zenóbio
Tá tudo entendido meu tio. Pode ficar sossegado que eu estou saindo agora direto pra Barra
da Lagoa e só volto acompanhado de Sinhá Chica.

Diolindo
Sossegado eu não fico, meu filho. E vou te dizer por que. Olhe, você tome cuidado que não
há dúvida que vai aparecer muito percalço pelo caminho. Que o anjo Lúcifer, que é caído
do céu lá pros quintos dos infernos, não há de querer perder assim uma prometida. (entra
Dedela, varrendo o chão.) As bruxas, tudo enviada dele, hão de tentar evitar que você
cumpra tua missão. Tu leva teu terço, passa na igreja e se benze e não para pra dar
conversa pra ninguém, principalmente pra moça. Porque se tu caíres nos feitiço de uma
bruxa, a alminha da menina vai ta perdida.

Zenóbio
(que durante o monólogo de Diolindo se encantou com uma moça da platéia)
Tá entendido, tio, tá entendido.

Diolindo
Então vai menino, vai que eu não sei o que tu ainda ta fazendo aqui!

Zenóbio
Já fui meu tio. Já fui. (sai. Diolindo também vai sair mas se assusta com Dedela que ouvia
furtivamente a conversa dos dois.)

Diolindo
Oh, Dedela, fica pelos cantos, quando a gente vê assusta, Não sei porque eu assusto tanto
com você assim....

Dedela
Acho que é esse meu jeitinho manso, tio.

Diolindo
Deve ser, deve ser... Bom, deixa eu ir cuidar das coisa que com esse problema todo, eu
nem saí para o mar e tem que arruma um peixe com alguém que é para modo de poder
alimentar o pessoal. Deus te crie e guarde. (Dedela, faz uma careta e Diolindo sai.)

Dedela
Então o tio Diolindo vai mandar chamar a Sinhá Chica, aquela benzedeira de uma figa! É
necessário chamar as outras e avisar. Que só eu não sou capaz de segurar os contra feitiço

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que ela vai mandar. É preciso todas as bruxas virem pra cá, pra gente junta impedir esse
menino de chegar lá na Barra da Lagoa. (risada bruxólica).
4.1. Caminhada no mato
Zenóbio inicia a sua jornada de Santo Antônio para a Barra da Lagoa. Andando no meio do
mato, ele mostra muita confiança e parece destemido. Aos poucos, com os barulhos do
mato ele vai ficando ressabiado, depois com um pouco de medo, depois completamente
apavorado. Zenóbio vai caminhando e ouvindo sons estranhos por dentro do mato.
Assustado reza)

Zenóbio
“Pai nosso João Canteiro, Nem daquela mais pesada,
Bem me disse São Matheus: que tem as palma da mão furada
Que eu andasse onde quisesse, e as unha entrava.
Que medo eu não tivesse, Amém.”
Nem da sombra, nem da lomba,

(repete a reza até que adormece.)

4.2. Balé Bruxólico


Enquanto Zenóbio dorme, bruxas aparecem e enfeitiçam o menino. O feitiço envolve um
ritual bruxólico com danças e cantos.

Dedela
“O poder da bruxaria
é muito bem controlado,
Pelas leis de Satanás,
que o conserva bem vigiado.”

Isidora Fumadeira
“As megeras bruxas chefes
se entendem com o diabo,
que as dirige para o mal,
no cumprimento do fado.”

Bezuga Zorela da Ponte


“”O mal veio morar na Terra,
em termos de maldição,
semeado pela mamãe Eva
e aceito pelo papai Adão.”

Micaça das Cinco Luas


“ Quem enganou nossa Mãe Eva,
Foi uma bruxa sacana,
Que tava de olho no Adão,
Porque o achava muito bacana.”

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Dedela (chamando as bruxas uma por uma para uma apresentação.)
Isidora, Fumadeira!
“Esta velha bruxa chefe,
assiste televisão,
pois ela é dona do túnel,
que ta lá naquele chão.”
Bezuga Zorela da Ponte!
“Ora veja esta bruxinha,
Em urubu fantasiada,
Parece a mais linda misse,
Que a Nova Iorque foi levada”

Micaça das Cinco Luas!


“Ilha das velhas faceiras,
e também, das moças prosas,
as bruxas dos teus recantos,
são lindas que nem as rosas.”

Olara Miliana! Olara? Olara não ta?

(As bruxas encerram o feitiço.depois, se atocaiam e esperam Zenóbio acordar. )

4.3. Bruxa Casamenteira


Zenóbio acorda ressabiado, levanta e começa a andar timidamente. Uma mulher aparece.
É Micaça das Cinco Luas, bruxa.)

Micaça
Boa noite, viajante, para onde vai?

Zenóbio
Eu estou vindo de Santo Antônio, para modo de chegar aqui no cemitério do Itacorubi, para
daí, me apressar até a subida do morro da Lagoa. Aí, é que eu vou subir e descer o morro,
para mó de chegar lá na Lagoa e ir direto lá para as bandas da Barra da Lagoa.

Micaça
Vai tão longe assim, vai subi o morro a essa hora, que coragem...
Zenóbio
E que nós tudo lá em Santo Antônio estamos preocupado demais com um acontecido.
Nasceu duas menina, e uma delas ta para virá bruxa, e eu fui mandado para chamar a Sinhá
Chica do mane Pedro Mané Seca.

Micaça
(mudando de assunto)

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Sei, sei... mas, você é tão valente... Coisa que gosto é de homem valente. (Zenóbio se
orgulha) E você é tão forte. Grande, parece um boi. (Zenóbio muge, sem querer)

Zenóbio
Que é isso meu Deus? (muge de novo) Dona, a senhora ouviu?
( Micaça segura o riso) Meu Deus, parece que eu tava mugindo.

Micaça
Escute rapaz, Rapaz, não, rapagão. Seu nome qual é?

Zenóbio
Eu sou o Zenóbio do Santo Antônio, sobrinho do tio Diolindo e da Dona Cotinha. E a senhora,
qual é sua graça?

Micaça
Todo mundo me chama de Mimi ou Micacinhazinha, repete, Micacinhazinha

Zenóbio
(repete hipnotizado por Micaça)
Micacinhazinnha, Micacinhazinha.

Micaça
Todo mundo me conhece.

Zenóbio
(para o público)
Vocês conhecem essa Dona? Alguém conhece essa dona?

Micaça
Escuta mocinho, mocinho não, moção... Você está mesmo com pressa de chegar lá na
Barra? (insinuante) Muita pressinha, está?

Zenóbio
Olha, Dona, com pressa eu estou, quer dizer eu estava, porque está me dando uma vontade
de ficar aqui com a senhora, de ficar aqui mais um pouco.

Micaça
Você não está sentindo uma vontade de ficar?

Zenóbio
(hipnotizado por Micaça)
É, uma vontade de ficar...

Micaça
E, não está com vontade de deitar?

Zenóbio

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(deitando enfeitiçado pela bruxa)
Estou, estou com vontade de deitar

Micaça
E de rolar?

Zenóbio
(rolando por feitiço da Bruxa)
Estou, estou com vontade de rolar

Micaça
E de beijar o meu pezinho?

Zenóbio
Ai meu Deus, que eu quero beijar o pé da moça!

Micaça
Isso, beijinho no pezinho da Mimi, beija.

Zenóbio
Escuta, moça, eu tava aqui beijando o seu pé e comecei a me perguntar: o que que a
senhora está fazendo aqui, na porta do cemitério, nessas quase meia noite, com essas roupa
estranha...

Micaça
O que que você acha, estás com o juízo da cabeça atarocado?

Zenóbio
Ai meu Deus! (a bruxa se abre e Zenóbio, assustado vai para longe mexendo na suas coisas.
Acha a oração) “Pai nosso João Canteiro, bem me disse são Mateus que eu andasse onde
quisesse que medo eu não tivesse, nem da sombra, nem da lomba, nem daquela mais
pesada, que tem as palmas da mão furada, e as unhas encravadas. Amém.” (repete a
oração. A bruxa no começo enfrenta, aos poucos perde força e se vai. Zenóbio que tinha se
encolhido em um canto, levanta e resolve prosseguir viagem.)

5. Sinhá Chica
Zenóbio correndo e fugindo da bruxa esbarra em Sinhá Chica, que vem cantando pelo
caminho.

Sinhá Chica
Que é isso menino? Nessas horas da manhã correndo desse jeito.

Zenóbio (apavorado)
É que... Vem vindo e eu fugi... e acho que era... uma ...
Sinhá Chica

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Calma menino, se acalme e fale direito.

Zenóbio (apavorado)
Eu vinha vindo de Santo Antônio e precisava chegar urgente... e aí... apareceu uma... (se
benze) aí meu Deus do céu... por isso eu fugi...uma...

Sinhá Chica
Se acalme menino que eu já estou ficando enfezada....

Zenóbio
(ainda apavorado)
E ela queria que eu ficasse, eu fiquei, aí me deu o pezinho para beijar, e eu beijei, beijei
e gostei do pé da moça... (procurando o pé de Sinhá Chica para beijar)

Sinhá Chica
(irritada)
Pois vamos parar que agora já se passou do limite. Menino, se acalme e conte como foi a
história.

Zenóbio
Desculpe, dona, acho que eu estou nervoso, Meu nome é Zenóbio, e sou lá da freguesia de
Santo Antônio de Lisboa. Saí de casa ontem no fim da tarde para vir chegar aqui na Barra
da Lagoa.

Sinhá Chica
Quem viaja de noite, não conhece a companhia que pode ter...

Zenóbio
Não conhece mesmo, dona. Primeiro eu vinha no mato e fui ouvindo tudo que é barulho,
mas pensei: de noite os bichos são barulhento mesmo. Aí, fui parar para uma reza, e acabei
cochilando. No que eu acordei, eu tava no meio de uma festa de bruxa, acho que umas
cem bruxas, e elas queriam me pegar, e eu fui embora ligeiro, não que eu estivesse com
medo, mas é que eu tinha pressa de chegar aqui na Barra.

Sinhá Chica
(achando graça)
Pois é menino, isso é para você aprender que viajar a noite é muito perigoso, e só se deve
fazer em caso de urgência. Mas diga, qual é seu problema, o que apressou tanto você? O
que te fez enfrentar essa noite de Lua?
Zenóbio
É que eu estou procurando a Sinhá Chica do mané Pedro Maré Seca. A senhora sabe onde
posso encontrar?

Sinhá Chica
Menino, se você não teve sorte até agora, em alguma coisa acabou de ter. Se é com a
Sinhá Chica que você queria falar, já está falando com ela desde que jogou ela no chão com
a sua carreira.

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Zenóbio
A senhora é a Sinhá Chica? A rezadeira?

Sinhá Chica
Eu mesmo, menino, mas agora é que eu fiquei curiosa, o que te trouxe com pressa não
pode de ser boa coisa...

Zenóbio
A senhora me desculpe, Sinhá Chica, eu nem sabia que era a senhora, que bom que eu
achei a senhora, que bom!

Sinhá Chica
Vamos menino fala logo o que que você quer?

Zenóbio
Com eu disse, meu nome é Zenóbio, lá do Santo Antônio. Sou sobrinho do meu tio Diolindo
e moro com ele mais minha tia Cotinha. Não sabe a senhora que nos últimos meses, a nossa
casa estava cheia de alegria, porque tia Cotinha estava esperando um bebê. Meu tio Diolindo
já tinha cinco filhas e queria porque queria um menino. E ele falava que ia ser um
bacurizinho dos grandes, porque tia Cotinha engordava que não tinha mais por onde. E
nessa história foi-se até ontem, dia do nascimento, porque, na verdade, tia Cotinha tinha
na barriga um presente dobrado. Ao invés de nascer um guri como meu tio sonhava,
nasceram duas meninas em um parto muito difícil, feito pela comadre Conceição.

Sinhá Chica
(profética)
Então seu tio agora é pai de sete filhas.

Zenóbio
Pois é, e a senhora sabe o que o povo diz: que a sétima filha já está arranjada para Lúcifer.

Sinhá Chica
O povo sabe o que diz, menino.

Zenóbio
Mas, não é isso tudo, a senhora sabe que a comadre Conceição, é uma parteira antiga, fez
parto de gente que até já morreu de velhice. Na hora do parto das minhas priminhas, ela
não se ocupou de marcar a ordem de nascimento das guriazinhas. De modo que não se
sabe quem é a sexta e quem é a sétima. E foi nisso que a própria comadre Conceição
lembrou que só a senhora para saber quem era quem, no que meu tio me mandou avoado
para cá, para modo de achar a senhora e pedi para senhora me acompanhar até Santo
Antônio.

Sinhá Chica
Menino, o anjo Lúcifer tem várias artimanhas para arrumar novas protegidas dele aqui na
Terra. E esse negócio de gêmeas só pode ser truque do belzebu para enganar todo mundo.
Você ainda foi perseguido de Santo Antônio até aqui, o que mostra que as bruxas já estão

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tudo avisadas, e não querem abrir mão da nova irmãzinha. Vamos embora, menino, vamos
embora lá para Santo Antônio, porque o tempo urge, e a alminha de sua priminha corre
grande perigo. E seus tios devem de ta morrendo de aflição.

Zenóbio
Mas a senhora não vai precisar de nada?

Sinhá Chica
Tudo que eu preciso está nessa maleta. Eu já vim de outro serviço, que você sabe que é
mês de agosto, e a Lua está redonda no céu, é a época predileta das bruxas da Ilha. Eu
tenho só que avisar o Pedro... (grita) Pedro, ô Pedro!

Voz
Oi, o que é Chica?

Sinhá Chica
Pedro, eu estou indo para Santo Antônio, que tive um chamado de lá. Acho que só vou
poder voltar amanhã.

Voz
Tudo bem, Chica, mas aproveita que você vai para Santo Antônio e me traz uma cachaça
daquelas que eles fazem por lá.

Sinhá Chica
Tá bom, Pedro, tá bom... (para Zenóbio) Vamos menino, vamos embora, e pode vir sem
medo, que eu tenho esse amuleto que minha mãe já guardava da minha avó. Com ele nós
estamos protegidos.

Zenóbio
Graças a Deus... (se abaixa para rezar)

Sinhá Chica
Se apresse que nós ainda vamos ter que parar ali na Lagoa para colher umas ervas que eu
vou precisar. Vamos menino, vamos... (saem para Santo Antônio)

6. Chegada na casa de Diolindo.


Diolindo e Sinhá Conceição conversam aflitos.

Diolindo
Não devia, não devia, de ter mandado o Zenóbio, devia ter ido eu. Esse é assunto sério. Um
menino desses, já viu né? Se perde por qualquer coisa. Não, não, devia ter ido eu.

Conceição
Mas o senhor acha que agüentaria a viagem, compadre? Com esses reumatismos, não sei
não...
Diolindo

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Mas, e se a Sinhá Chica não acredita no Zenóbio? E se ela achar que é brincadeira, ele é
capaz de exagera tudo, ele sempre exagera tudo... Devia ter ido eu

Conceição
Compadre, que a coisa que Sinhá Chica mais sabe fazer, é ver verdade e mentira nos olhos
das pessoas. Eu, o que eu tenho medo é que. As forças ruim achem um jeito de parar o
Zenóbio pelo caminho.

Diolindo
Está vendo, não falei que é coisa séria, que devia ter ido eu! Ai meu Deus. Comadre, vá lá
dentro e traga aqui as duas crianças que não é possível da gente não percebe qual é qual!

Conceição
Eu vou, porque as filhas são suas, mas o senhor já olhou para elas várias vezes e não
concluiu nada. Nós temos mesmo precisados de um olhar clínico. (sai, vai pegar os bebês.
Diolindo olha, analisa as duas crianças. Desiste. Ouve-se a Sinhá Chica cantando de longe)
Ouça, compadre, que é ela, é a Sinhá Chica chegando...

Diolindo
Ô querido! Bem na horinha!

Conceição
É ela, olhe lá é ela mais o menino Zenóbio.

Diolindo
Eu sabia que o menino ia consegui trazer a Sinhá Chica. Não falei Comadre que o menino
era de confiança?

Conceição
Falou, compadre, falou... (entram Sinhá Chica e Zenóbio)

Sinhá Chica
Conceição, a quanto tempo que a gente não se vê?

Conceição
Acho que a última foi quando eu tive na Barra da Lagoa fazendo o nascimento do bisneto
da Chica do Zé Jacá. Num foi?

Sinhá Chica
Acho que foi, e faz tempo, que o guri já leva uns dez anos nas costas. Mas, o menino me
contou a historia.

Conceição
Pois é, deixe-me apresentar aqui o Compadre Diolindo, compadre?

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Diolindo
Boas Tardes, Sinhá Chica, a comadre Conceição me contou dos poder da senhora, eu fico é
muito lisonjeado com a presença da senhora aqui na nossa freguesia (para Zenóbio)
Zenóbio, vai preparar um café para a nossa visita pode descansar um pouco... (sai Zenóbio)

Sinhá Chica
Não, compadre, não vou descansar, não!

Diolindo
Mas o cafezinho a senhora aceita!

Sinhá Chica
Ta, o cafezinho eu vou aceitar. Mas vamos logo com as coisas que pelo o que o menino me
contou, o assunto exigi pressa. Então nasceram as meninas e não se marcou quem veio
primeiro?

Conceição
Pois te conto que eu tinha posto uma toalha limpa branca em cima do primeiro bebezinho,
porque eu precisava ver a mãe, que estava exausta do trabalho dobrado que teve que fazer.
No que voltei, não tinha mais toalha e as meninas estavam as duas nuinhas, e igualzinhas.
Sinhá Chica
Já é um caso estranho, que toalha não tem pé para sair andando.

(volta Zenóbio)

Zenóbio
A Dedela ficou de trazer o café.

Sinhá Chica
E o menino veio me contando que foi perseguido por um batalhão de bruxas que ao que
parecem não queriam que ele chegasse ao meu encontro. Não sei, parece que esta presença
está mais perto que se imagina.
(entra Dedela com uma bandeja de café. Todos pegam o café sem nenhum estranhamento.
Sinhá Chica observa atentamente a desenvoltura de Dedela. Quando trocam olhares, Sinhá
Chica e Dedela já demonstram enfrentamento.)

Dedela
(depois que todos se serviram.)
Vou buscar uma cuca de banana feita ainda agora.
(Dedela sai.)

Sinhá Chica
E essa menina, quem é?

Diolindo

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É uma prima nossa, que veio morar aqui mais ou menos quando Cotinha engravidou. É
Dedela, morava num sítio bem longe, parece que para lá da Sertão do Peri.

Sinhá Chica
Pois não bebam o café que eu vou fazer um teste na volta dela. (todos ficam em suspense
até que volta Dedela)

Dedela
Trouxe esses pedacinhos.
(Dedela começa a servir as pessoas e Sinhá Chica começa a rezar. A reza vai transformando
a bruxa.)

Sinhá Chica
“Treze raio tem o Sóli
treze raio tem a Lua
sarta diabo pro inferno questa alma não é tua.
Tosca marosca,
rabo de rosca,
vassora na tua mão
reio na tua bunda
e agiião nos teus pé.
Por riba do silvado
e por baixo do teiado!
São Pedro, São paulo e São Fontista
por riba da casa, São João Batista.
Bruxa tatarabruxa,
tu não me entres nesta casa
nem nesta comarca toda
por todos dos os santos dos santos.
Amém!”

(durante a reza, Dedela se revelou e se prostrou em fronte de Sinhá Chica, que rapidamente
já recolheu algumas de suas ervas para se proteger.)

Dedela
Meus primos e minhas comadres. Eu fui Bruxa de deleites e apetites infernais. Tornei-me
bruxa desde o dia em que procurei conquistar o amor sexual de um padre muito bonito e
elegante que apareceu por lá no meu lugar para modo de ensinar religião. O danado do
homem ficou possesso de ódio contra mim e me excomungou. Daquele dia por diante, eu
fui procurada por uma mulher muito suja, feia , magra, de nariz arrebitado e zarolha, que
me convidou para modo de ser bruxa. Ela falou que o Tinhoso esteve na casa dela e explicou
para ela que o padre tinha me excomungado. Ele contou para velha bruxa chefe, que eu
tinha parente aqui em Santo Antônio e que na casa desses parente ia nascer as meninas.
Eu que já estava perdida pela boca do padre, aceitei o convite da velha, e , no dia e hora
marcada, compareci e passei a fazer parte do bando bruxólico aqui de Santo Antônio. Nesse
dia também, vim morar aqui na casa de meu primo Diolindo, com a determinação de cuidar
das meninas e garantir que nada fosse feito para tirar elas do caminho. Agora eu estou aqui

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na presença de vocês, feito gente de carne e osso, mas com as maldades de todos os outros
bichos dentro do coração.

Sinhá Chica
Olhe, menina Dedela, que ser amaldiçoada por padre é das piores coisas que pode acontecer
no mundo, por que precisa de muito remédio de reza e arrependimento verdadeiro no
coração. Isso, só se dedicando inteiramente as coisas do bem. E você preferiu os caminhos
do mal e sujou mais ainda seu coração. Mas tu me parece arrependida, e eu acho que sua
alma não está perdida totalmente. O melhor mesmo, é mandar ela falar com o padre.

Diolindo
Zenóbio, venha aqui. Leve Dedela na igreja e explique a situação para o padre. Veja o que
ele pode fazer. (para Dedela) Vá Dedela, que tem muita penitência para pagar.
(saem Zenóbio e Dedela)

Sinhá Chica
Uma coisa eu tenho coragem e certeza para modo de contar para vocês. Quando eu estava
vindo para cá, no caminho com o menino Zenóbio, eu vi com esses dois olhos que a terra
há de comer, uma galinha muito diferente das normais, e um sapo bem estufado perto dela.
Minha Santa, cruz credo, virgem Maria, Deus me perdoe! Para mim, a galinha era a Dedela,
e o sapo, o danado do Tinhoso que andava atrás dela. Se não me falha a memória a galinha
estava de tamanca e o sapo tinha pé de gente que nem nós e estava com as unhas muito
compridas. Mas, agora vamos ver as meninas que elas ainda precisam de muita proteção.
São esses anjinhos aqui?
Conceição
São, são as duas meninas.

Sinhá Chica
Então vamos as rezas...
(Sinhá Chica aplica uma série de rezas cirúrgicas, analisando as duas meninas. Ao final
dos trabalhos ela indica para Sinhá Conceição)

Sinhá Chica
(apanha um dos bebês)
Essa nasceu primeiro, é a sexta filha do compadre. Deve se chamar Santa, que é para
proteger a outra também. (apanha o outro bebê) Esta é a sétima filha do compadre Diolindo,
deve se chamar Benta. Para modo de causar proteção espiritual , a filha mais velha do
compadre que deve batizar a Benta. E, na caminha da Benta, precisa de alguém que reze
toda noite antes de dormir, e depois, ela mesma precisa fazer as orações. Ela deve
comparecer na igreja e na época do seu aniversário deve acender tantas velas quantos
forem os anos que ela completar. E para proteger mesmo a menina eu vou dar para ela
essa medalhinha, que ela não carece de tirar nem para tomar banho. Essa medalhinha é
benta, que nem ela, e por isso elas devem andar juntas.
Diolindo
Pode deixar, Sinhá Chica, que a gente cumpre todos os dizeres da senhora e cuida da
menina.

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Sinhá Chica
E qualquer coisa estranha, desconfia e manda o menino me chamar.

Diolindo
Pode deixar Sinhá Chica que qualquer coisa eu mesmo vou te buscar lá na Barra da Lagoa.
E a senhora não repare as faltas de honra, mas eu queria que a senhora aceitasse essa
garrafa de aguardente que a gente faz aqui mesmo em Santo Antônio.
Sinhá Chica
Eu sei bem quem vai ficar feliz com ela. Mas cumpadre, a bruxa já ta com o padre, as
meninas tão benzida, já que tá tudo ajeitadinho, eu vou me indo, que se eu me apressar,
eu ainda chego hoje na Barra da Lagoa.

Diolindo
Agora? Lá para a Barra da Lagoa? Mas, o Zenóbio não tá, a senhora não pode ir sozinha...
( olha para comadre Conceição e desiste. Começa a procurar desculpas.) É o vento ta forte,
né... Lá para Barra tem que subi o morro... e eu acho que agora... (Entra Zenóbio) Agora
é a hora do Zenóbio acompanhar a senhora, não é querido, ai que eu gosto de tu Zenóbio...
Acompanhe a Sinhá Chica. A senhora me desculpe, viu, mas se fosse para ir amanhã, com
certeza eu acompanhava a senhora, mas agora no meio da tarde, vai ser difícil de voltar
antes da noite alta, e alguém precisa cuidar da Cotinha e dos bebês. Vai, Zenóbio, cuida
bem da Sinhá Chica.

Zenóbio
Pode deixar meu tio, que agora eu conheço todos estes assuntos de bruxa e não vou mais
cair nas armadilhas delas.

Sinhá Chica
Cuidado, menino, que as bruxas sempre inventam jeito novo de enganar as pessoas de
bem. Vamos embora. Até mais ver compadre Diolindo, até mais ver Sinhá Conceição.

Sinhá Conceição
Até mais ver, comadre.

Diolindo
Até mais ver. (saem Zenóbio e Sinhá Chica) Será que eu que devia ter ido eu com a Sinha
Chica, comadre Conceição? Não sei... devia ter ido eu. (entram na casa conversando.)

FIM

ou

“nunca há um fim”

“E depois de tanta história o conselho que fica para dar, é:


Ouçam sempre as histórias dos que, histórias, têm para contar”

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