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A LOUCA DA SENZALA

TIA NEIVA
PEÇA EM 3 ATOS
ATENÇÃO: TEXTO INCOMPLETO, AGUARDANDO COMPLEMENTAÇÃO.

Sala de um casarão. Época da escravidão. Preparação para a festa de


casamento da Sinhazinha daí a 3 dias.

VALE DO AMANHECER - BRASÍLIA • 30/OUTUBRO/1971


A LOUCA DA SENZALA
PERSONAGENS: 1º A T O
• Preto Velho (PAI JOÃO) Na sala de jantar, ZEFA, PAI JOÃO e SILVINA con-
• Preta Velha (NHA ZEFA) versam. ZEFA arrumando, preparando e colocando
tudo em ordem.
• Filho de Nha Zefa (NHÔ DICO), rapazinho apai-
xonado por mocinha escrava (NHA SILVINA) ZEFA (falando a Pai João)
que irá acompanhar Sinhazinha depois do Farta treis dia p’ro casamento ejá tá tudu prepa-
casamento rado. As sinhazinha já tá tudu chegando do Rio de
• Sinhazinha (MARIAZINHA) Janeiro p’ra assisti a festa. Óia qui tem cada moça
• Sinhazinha (DOROTÉIA), irmã de Mariazinha bunita!... Vai sê difici a gente vê outra coisa assim...

• Dono da casa (AMÂNCIO) PAI JOÃO


• Espírito Protetor (MÃE YARA), mentora de Pai É, Zefa, vai sê uma festança...
João, feitor dos escravos
• DENIZE – Encarnação anterior de Mariazinha ZEFA
Tô com muita dó do Nho Dico. Vai sofrê muito,
• Preto Velho (NHÔ ANASTÁCIO) longe da Silvina. Ocê sabe que ela vai acompanhá
• Preto Velho (NHÔ TOMAZ) Mariazinha. Já pensô nisso, João? Coitadinho do
• Escrava (NHA RITA) Nhô Dico! Sofre calado, sonhando com a Silvina...
(melancolia): Preto num tem direito de amá. Tem
• Menino escravo (CRIOULO) só que oiá de longe. Num sei que vai sê dele não...
• Espírito Protetor da Magia (O AFRICANO) (vira-se para Silvina): Vá se arrumá, menina. Daqui a
pôco ocê tem que prepará a Sinhazinha. (Silvina sai
• Espírito Guia da Magia (A MESTIÇA)
da sala. Zefa continua em tom confidencial): Sabe,
• Espírito afim (ALMA GÊMEA DE MARIAZINHA) João? Nhô Dico vai oiá Silvino prepará a Sinhazinha.
Ele tá arriscando o côro. Mais, também, coitado, far-
ta pôco tempo pra ele num vê a Silvina mais.. Tô pen-
sando como o coitadinho vai sofrê!... (Silvina entra
atabalhoada e tropeça num vaso. Senta-se, olhan-
do para Zefa, que continua falando): Coitadinha da
Mariazinha! Vai se casá a contragôsto. Tão boa, tem
tanto amô no coração!... Ela fala com nóis como se
a gente fosse branco. O home é rico, mais ela num
tem amô no coração... Num adianta, né, João? É...
branco também sofre! (continua em tom de revol-
ta): E, no entanto – cruiz credo! Tenho até medo de
falá... A Dorotéia qui divia tá sofrendo...

PAI JOÃO
É, Zefa, quanta coisa já se ouviu falá!... Quantos
caprichos qui valeu a vida de nossos irmão!...

ZEFA
Sabe, João? Dorotéia deve ter um espírito no
lombo.

PAI JOÃO
Cuidado com as palavras, Zefa!

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ZEFA (ainda revoltada) NHÔ DICO
Ela é muito perigosa! Voismicê viu como o Zico Num é nada não, Silvina. Já sinto a dor da soda-
apanhou só pruquê deixou o cavalo dela fugi? E só de! Deus vai apartá ocê de mim... (soluça) i eu num
por isso ele apanhô como o diabo... (entra Nhô Dico, vô dá conta de vivê longe d’ocê... (olham-se mutua-
sem dizer nada. Zefa dirige-se a ele): E ocê, Dico, mente por longo tempo)
cumu é que ainda tem corage de oiá a Silvina arru-
má a Sinhazinha? Toma conta do seu côro, nêgo da- ZEFA (olhando para o casal)
nado... Veja, João, pruquê tô revortada. Nêgo só tem é
qui sofrê, mais nada!
NHÔ DICO
É pruquê agora só Deus pode fazê nóis encontrá PAI JOÃO
de novo. Quero ficá mais perto dela enquanto ela Pobre Zefa!... Há quanto tempo eu insisto cum
num vai simbora. Eu acridito muito na bondade de voismicê. Já te incinei, e ocê nunca quis. Só viveu na
Sinhá Maria. gandaia... Quando chegava a hora boa de descan-
sá, ocê ia pras fulia da senzala, si misturá caqueles
ZEFA nêgo... Lembra quando eu disse a ocê qui ocê tinha
Óia, gente, pra mim branco nenhum vale nada!... uma cruz nas costa, numa missão di Nosso Sinhô
Jisuis Cristo? Sabe pruquê, Zefa? Pruquê tu já foi
PAI JOÃO branca!...
Pesa tuas palavras, Zefa, pra dispois tu dizê... O
branco custuma dizê qui nêgo num tem alma i qui ZEFA (desconfiada, dando um muchocho)
num é fio di Deus. No entanto, só dipois da morte Ah!... Deixa disso, João!...
é qui voismicê vai sabê pruquê. Deus tingiu nosso
côro pra modi nóis sirvi os brancos...O chicote... PAI JOÃO
Nada, num importa! Ah, Zefa, si tu subesse qui nêgo É, ocê era arvinha... Eu mi alembro d’ocê...
já foi branco... Si subesse as istripulias que nêgo já
fez... Si tu subesse qui muitas vêis Sinhá Dorotéia já ZEFA
foi preta como tu, ocê fazia as coisa direito i num fi- Tu é besta, nêgo! Vem sempre cum tuas inven-
cava aí provocando, escunjurando... Reza por ela. Só ção, i eu acridito!...
Deus jula as criaturas, mesmo a Sinhazinha Dorotéia
cum sua mardade... PAI JOÃO (com voz cansada e de maus presságios)
O teu fio – essi moleque Nhô Dico... Ah! Isso aí...
ZEFA (assustada)
num vô dizê pruque oceis num vão acreditá (faz um
Te desconjuro, nêgo!... Tu tem hora qui cunversa muchocho): Acriditi si quisé: a verdade é qui ele já
como si fosse branco. Inda vô sabê quem ti insinou foi um sinhô. Ele já seu chicotada em quem hoje tá
tanta coisa. É... Antes de morrê inda vou sabê si tu tá dano nele...
inventando... Cruiz credo! (faz o sinal da cruz)
ZEFA (com ar satisfeito, dirige-se a Nhô Dico)
PAI JOÃO (dá um riso cansado, balança a cabeça e
Cruiz credo! I tomara que ocê tenha dado muita
profetiza)
chicotada boa. E tenha inté matado... Cruiz credo!
Si tu subesse a dôr qui tu vai passá!... Agora eu sei Aquela amardiçuada da Sinhazinha Dorotéia...
pruquê tu guarda tanto ódio da Sinhazinha Dorotéia
(olha o horizonte como se guardasse um segredo) NHÔ DICO (indiferente a tudo, sorri, balançando
negativamente a cabeça)
NHÔ DICO
Mãe indoidô, e indoideceu também Pai João! (sai
Está como se estivessi fora de si (ele e Silvina dão da sala)
as mãos em silêncio)
PAI JOÃO
SILVINA (resmungando)
Óia, Nha Zefa, voismicê é mêmo uma muié in-
Tu tá diferente, Dico! Parece inté qui num compreensiva. Ti chamei muito a atenção. Ocê si
gosta mais de mim... lembra qui na senzala ocê bulia cum todo mundo,
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julgando e mardiznedo as pessoa? Ocê já feiz mui- João e Zefa saem. Zefa está preocupada. Entram as
to mal... E tenha cuidado, pruquê tudo qui ocê mais duas sinhazinhas. Dorotéia gesticula, esbaforida)
qué no mundo é seu fio... E a sorte dele num é boa...
Sim, num é boa, aqui entri nóis. Seu fio é um espri- DOROTÉIA (com ares de grandeza)
to de lúiz. Ele veio pra se sarvá. E, dispois, o esprito Imagina, Mariazinha! Dorotéia Alcântara
dele fica aqui, vagando, protegendo nóis tudo. Rodrigues de Abreu, sua irmã, vai se casar com o
ilustre representante e primo de Dom João VI, Carlos
ZEFA (gritando) Henrique de Albuquerque Azevedo. Já imaginou,
Meu fio vai morrê? queridinha, sua irmã fazendo parte da ilustre família
real? Já fez uma idéia do poder e do luxo? Sabe o
PAI JOÃO que é isso, querida irmã? Eu, vivendo no meio de
Tu sabe muito bem qui tâmo aqui pintado di pre- gente fina, da elite, com todos os requintes e praze-
to. Foi Deus qui pintô pra nossa salvação, pra nóis res? Olha, sua boba, você está triste porque não tem
pagá o qui fizemo. Já ti disse qui todos nóis fomo amor no coração.
branco. Me diga uma coisa: Prefere ficar aqui, no meio
desta negrada suja? Essa gente não presta. Só sa-
ZEFA (em gargalhadas) bem empestiar a casa da gente. Repare bem o mau
Tu também, cum todo esse nigrume, já foi bran- cheiro que eles têm. “Nêgo não vai pro céu, nem
co? Deixa de gaiofa... Até tua arma, eu tenho certeza que seja rezador/Nêgo catinga muito, incomo-
qui é preta. da Nosso Senhor!” Deixa de ser boba, irmãzinha.
Quando você estiver casada, gozando o luxo e a ri-
PAI JOÃO queza, verá como é bom viver livre deles!... E, olha,
Já ti disse qui só a Deus cabe o julgamento. E tu vou lhe contar um segredo: Você acha que gosto do
continua teimando. Zefa, teu fio é um esprito de lúis. Carlos Henrique? Bobagem, queridinha. Eu só quero
Num vê qui ele ama, cum tôda pureza, Nha Silvina, ter uma vida melhor!
qui também é uma enviada de Deus no meio dessa É bem verdade que nosso pai é muito rico, mas,
negrada suja qui tá por aí? e daí? Viver aqui junto com estas pestes? (aponta
Silvina que, abaixada, faz papelotes em Mariazinha.
ZEFA (galhofeira, mas insegura) A negrinha vê Dico num canto, olhando-a, e fica
Verdade, Pai João? Cruiz credo! Qui nos valha parada. As duas sinhazinhas olham para Dico, e
Nosso Sinhô Jisuis Cristo! (beija uma cruz pendura- Dorotéia grita)
da em seu pescoço). Ocê tá mi fazendo alembrá qui
Silvina foi escolhida pela Sinhazinha e vai imbora. I DOROTÉIA
o qui vai sê do meu pobre fio?... (já demonstrando Negro bisbilhoteiro! Imundo! Canalha! Vais ter
alarme) o castigo que mereces... Papai! Papai! (Amâncio, o
pai, chega raivoso e Dorotéia aponta para o Dico)
PAI JOÃO
Veja, pai, esse negro imundo ouvindo a nossa
Num ti preocupa, Zefa. Nhô Dico tá longe du al- conversa! Quero que o mate, pois se meu noivo
cance de tuas mão. Ele é responsável pelo teu espri- souber o que estávamos falando não se casará mais
to. Ocê é a única conta qui ele tem pra pagar neste comigo!...
chão.
MARIAZINHA (intervindo, nervosa)
ZEFA
Não ligue para isto, papai. Ele não fez por mal.
Mas, si a Silvina fô embora, meu fio se mata! Por favor, não faça mal a ele! (o pai, raivoso, arrasta
Tenho certeza disso. Ele num resisti a dor. (Ruídos Dico para fora. Mariazinha grita, pedindo piedade.
de pessoas chegando. Dois crioulos passam) Os três ficam na sala, parados. Ouve-se apenas o
barulho das chibatadas. Dorotéia vai até a janela e
PAI JOÃO volta gargalhando)
Vai, vai, num tenha medo qui seu fio num se suicida.
As mãos de Deus tão sobre ele neste instanti. (Pai

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DOROTÉIA da maldade!... Pai da vergonha, pai que só mostra o
Imagina, maninha, Dico já tem um palmo de lín- desprezo e a morte! Pai que espreita de tocaia, para
gua para fora! Nunca mais ele vai querer ouvir a sugar o sangue do negro. Pai, que me deu a vida,
conversa dos outros. Quando eu digo que negro não me envergonha... O senhor me envergonha, pai, me
enoja! Onde está a sua honra, pai? No dinheiro que
presta... (Entra Zefa correndo e se ajoelha aos pés de
Dorotéia, implorando piedade. Dorotéia se levanta, tem nos bolsos? Neste casarão bonito? Será, pai? Ou
empurra-a com o pé, jogando-a ao chão, e grita) ela está nas suas mãos sujas de sangue, no seu olhar
Tirem esta negra suja daqui! Tocou-me com estas que conspira traição, nessa sua horrenda máscara?
mãos imundas! Estou toda suja, vejam!... (Amâncio Vejam que horrenda máscara!... Ele se mascarou de
volta e procura acalmá-la) pai para ensinar a desgraça, somente a desgraça!...
(volta-se, e pára no meio da sala, erguendo os bra-
AMÂNCIO ços, já quase sem forças, e grita, mais loucamente
Vamos, filhinha, acalme-se. Ele já está receben- ainda:) E por que me deu a vida, pai? Por quê? O
do o merecido castigo. Esses cães imundos!... Não senhor me embruteceu a alma, a carne, a existência.
valem para nada. Só nos causam aborrecimentos! Mostrou-me a vergonha que é possuir um coração.
(Zefa se levanta e vai saindo, desesperada, e encon- Ele tem que bater, que vibrar, mas é com a desonra e
tra Pai João, que vai entrando. Ele sorri amargamen- com a desgraça dos outros, não é, meu pai? Foi isso
te para ela, balançando a cabeça. Lá de fora ouve-se que aprendi até agora... Vamos chicotear os negros,
um último gemido. A negrinha levanta a cabeça e faz sugar, como vampiros, o seu sangue, vamos, todos,
o Em Nome do Padre. fazer a desgraça! A desgraça... A desgraça!...
(Pai João vai chegando devagarinho, olhando
SILVINA como se entendesse a situação)
Que Deus abençoe a alma do pobre Nhô Dico!....
DOROTÉIA (gritando)
(Dorotéia se levanta e se lança contra Silvina,
jogando-a no chão. Mariazinha ergue-se como uma Meu Deus! Meu Pai! (e apontando os negros:)
louca, apanha um punhal sobre a mesa, tira-o da Enxote-os daqui. São os únicos culpados pelo que
bainha e, com um gesto alucinado, ergue os braços está acontecendo à minha pobre irmãzinha. São eles
e grita loucamente) os culpados, pai!
(Pai e filha se voltam para os negros e não perce-
MARIAZINHA bem Mariazinha indo na direção de Dorotéia, com
Não temes o castigo de Deus? (gargalha estriden- o punhal na mão. Todos se entreolham, em pânico,
temente, como se estivesse irada contra Deus) Deus enquanto Mariazinha sai em perseguição a Dorotéia,
é nosso pai? Pai... Ele não existe como pai e, sim, que corre.
como um tirano!... Ah, ah, ah... Um pai que tinge os
filhos de preto! Um pai que obriga os filhos a vive- MARIAZINHA (gritando e correndo pela sala)
rem como bichos, enxotados e humilhados por onde Vou te matar! Vou te matar! Vou fazer correr o
passam... Onde está você, pai? Venha até aqui e veja teu sangue para satisfazer nosso pai! Será para sua
o seu filho negro chicoteado! (anda loucamente, satisfação, meu pai!...
olhando sempre para a janela) Você quem permitiu (Dorotéia, assustada, não diz nada, só foge da
isso, não foi? Por que quis que ele viesse ao mundo? irmã. Todos estão estarrecidos. Amâncio começa a
Foi só pelo prazer desta hora, não foi, pai? Queria gritar:)
ver o seu filho rasgado pelas chibatas, pisoteado...
Falam de sua imensa bondade! Onde está ela? (ba- AMÂNCIO
rulho de chicotes) Na perversidade da irmã que me
deste? Ah, pai, a sua bondade está no sangue der- Minha filha, Mariazinha! Dê-me esse punhal!
ramado de Nhô Dico e dos outros? Não é isso, pai?
MARIAZINHA (segurando Dorotéia pelo braço e ar-
É ali , pai, é ali que está ela... Vejam a bondade de
mando o golpe)
nosso pai! (aponta para a janela, rindo loucamente.
Amâncio entra e ela continua, apontando para ele) Ninguém tente chegar perto de mim! Vou ma-
Por que vocês, os pais, são tão perversos? O senhor, tar Dorotéia e, depois, cada um de vocês. O senhor
meu pai! Pai da dor e da desgraça, da humilhação e também, meu pai. Matarei todos, todos... (e ri lou-
camente)
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A LOUCA DA SENZALA
AMÂNCIO (gritando, agitado) AMÂNCIO (tentando tranquilizá-la)
Pelo amor de Deus, minha filha, largue sua irmã Esqueça, filha! Não tratemos disso agora.
e esse punhal!... (Mariazinha solta Dorotéia, que se abraça com o
(enquanto o pai grita e Mariazinha está cheia de pai e os dois vão retornando à casa. Mariazinha olha
fúria, ouve-se a voz de Pai João, que se encaminha para Pai João e, num impulso, se abraça com ele e
para ela e fala com suavidade:) diz:)

PAI JOÃO MARIAZINHA


............................................................................. Viu, Nhô João? Não compreenderam mesmo o
(Mariazinha baixa o punhal e se joga nos ombros teu gesto. Eles gostam é de sangue! Só tu és como
de Pai João, caindo até o chão. Volta a si estonte- eu. Eles gostam, mesmo, é de sangue... Por que
ada, e começa a beijar as mãos de Pai João. Todos não me deixou matar Dorotéia? (virando-se para
ficam assombrados, e Amâncio se preocupa com Amâncio e Dorotéia:) Saiam daqui! Agora, só obede-
Mariazinha) cerei ao Pai João.

DOROTÉIA (com todo sarcasmo) PAI JOÃO


Até que enfim vejo um negro servir para alguma Não, fia, não pode fazê isso! João vai pra senzala,
coisa!... descansá com os seus. Voismicê deve di ir cum teu
pai e cum sinhazinha tua irmã, pra tua casa.
(Estão todos ainda muito assombrados, olhando
Mariazinha, que aceitou toda a doutrina, mas não se DOROTÉIA (gritando)
desfizera da arma. Mariazinha se levanta e Dorotéia Oh, meu pai! Deixa, deixa, pai. Dê ordens para
se encosta mais na parede. Mariazinha sai, e vai até João levar Mariazinha para a senzala. Ela gosta mais
o lugar onde estava o corpo de Nhô Dico. Ela apanha deles do que dos brancos.
uma bolsinha de couro, que estava caída no chão.
............................................................................. PAI JOÃO
Vai, minha fia! Vai, sinhazinha, vai cum teu pai
DOROTÉIA e tua irmã, e num te preocupe voismicê cum nada.
Socorro, pai! Defenda-me! Num deve preocupá cum nêgo véio. Obedece teu pai
e tem compaixão da sinhazinha Dorotéia. (enquanto
MARIAZINHA (gritando) Pai João fala, Mariazinha vai se recuperando) Siga
Ninguém defende as nossas maldades, ninguém! teu pai, sinhazinha. Onde tá a caridade do teu cora-
(gesticulando para Dorotéia, grita:) Vais pagar pela ção, sempre tão bom, que sempre foi manso? Segue
tua perversidade! teu pai e, dispôs, volta qui vô isclaricê pra voismicê
a passage de Nosso Sinhô Jisuis Cristo, que nos vale
(Amâncio procura se aproximar de Mariazinha,
aqui na Terra. Vai, minha sinhazinha!...
mas ela se afasta e leva Dorotéia pelo braço, não
deixando que ela se aproxime do pai. Amâncio cha- (Sem nada dizer, Mariazinha se aproxima do pai,
ma Mariazinha para entrarem em casa) que lhe pega nas pontas dos dedos, e vão para casa)
-0-0-0-0-0-0-0-
AMÂNCIO
Vamos, filha, vamos entrar e descansar um pou- F E C H A O P A N O
co, porque, depois de amanhã, é o casamento de (FIM DO 1º ATO)
sua irmã, e o noivo já vai chegar.
(Ouvindo falar no casamento, Mariazinha tem
novas reações)

MARIAZINHA (gargalhando histericamente)


Casamento??? Haverá que casamento???

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A LOUCA DA SENZALA
2º A T O
PAI JOÃO ESTÁ NA SALA, ESTUPEFATO COM TUDO
QUE ACONTECEU, QUANDO UMA LUZ RÓSEA – A
LUZ DE YARA – ILUMINA O CENÁRIO NITIDAMENTE.
OUVE-SE A VOZ DE MÃE YARA E PAI JOÃO, QUE É
MÉDIUM AUDITIVO, APENAS, FAZ GESTO DE QUEM
PROCURA A ORIGEM DA VOZ.

YARA
João, meu pobre João, chegou o teu dia. Tens,
como missão, essa tua jovem sinhazinha e o desven-
turado Nhô Dico.

JOÃO
.............................................................................

SALVE DEUS!

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