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Xanxerê, 02 de dezembro de 2022

notas lilases ou abrindo um coração de atriz


por lia

escrever é liberdade - sinto tantas coisas que não sei onde


começa nem onde vai dar. eu me sinto com pé mas sem
cabeça. eu me sinto escrevendo com o corpo forte e a voz leve.
Escrever é responsabilidade. eu quis escrever um tanto mais,
com mais especificidade, peito e sinceridade. eu, lia, Estive
imersa, por quase um ano inteiro, em um
processo+artístico+coletivo+independente e isso por si só já
diz tanto. processo artístico; fala sobre presença, sobre
tentativa, sobre sala de ensaio, sobre corpo, sobre
envolvimento, sobre confiança e sobre paciência. Uma das
maiores dificuldades é firmar os laços de envolvimento em
um processo que perdura no tempo e que demanda muita
energia física e mexe com tantos sentimentos em cada
participante: por mais esgotada que estivesse nunca desisti,
acho que tinha qualquer coisa na substância perolada desse
evento fenomenológico de purpurinas que transformava toda
a atmosfera boêmia do Didicos's que me viciava cada vez
mais. e isso implica no processo coletivo; nas parcerias as
vezes tímidas mas sempre de muito suporte e
companheirismo. ainda que as vezes me chateasse o fato de
ter colegas menos envolvidas, fosse com a performance
[com os solos de Geni, ou frases do discurso, ou os processo
imbuídos no bingo] ou
com a desmontagem [não a desmontagem individual, de
tirar a maquiagem e se trocar e ir embora, mas a de carregar
piano ou banco ou tábua de madeira e ficar tirando impressão
por impressão das pinturas de Dix coladas nas paredes
emboloradas de um bar universitário] muito embora entenda
que cada ume tenha suas questões, eram realmente mágicos
os momentos nos quais sentia que essas questões eram
temporariamente arquivadas para que todes pudessem
mergulhar em oceanos liláses, sem medo. o que alcança a
categoria do processo independente; como foram
importantes as pessoas agregadas visuais e musicais e sem
isso nada teria sido o que foi, apenas um grande sonho de
uma madrugada calorenta, apenas um delírio de uma mente
inquieta, apenas uma ideia com pé e sem cabeça.

queria escrever agora da Lia-atriz. Eu acredito e sou apaixonada


na beleza das coisas que vertem do corpo em estado artístico,
todas elas. A noite lilás me possibilitou mais do que um
ambiente confortável e divertido - que foi fundamental para
meu engajamento - me possibilitou um laboratório vivo de
pesquisa em áreas pouco exploradas mais muito desejadas,
principalmente a voz e a improvisação. Falando da
improvisação, era vivo o jogo que se estabeleceu a partir do
objetivo de vender cartelas do bingo. Nunca imaginei que faria
tanto dinheiro só falando bobagens, talvez eu deveria fazer isso
na internet... enfim, me distraí em devaneios. Era sempre
um ambiente de risco, mas me permiti brincar com muitas
pessoas, e se recebesse olhares carrancudos, tinha sempre uma
mesa ao lado para me receber com risadas e envolvimentos.
e para falar do cantar, que é esse lugar de mil inseguranças e
medos, posso falar que perdi, não totalmente, mas que agora
tenho me permitido mergulhar algumas vezes sem fechar o
nariz com a mão. Isso se deu de maneira relacional: era
olhando nos olhos das pessoas do público que me sentia sem
medo, amparada em olhares curiosos e bocas cantantes. Como
foi bonito conquistar isso, um público caloroso e carinhoso. Eu
sinto minha voz cada vez mais querendo sair, querendo ser
um som no mundo, independentemente de falta de altura
ou afinação. Minha voz não é uma montanha de fogo, mas
ela pode ser a chaminha acesa de um incenso sabor dama da
noite.
agora que consigo olhar pra esse processo com uma sensação
maior de distanciamento, percebo que o valor sentimental
estético artístico e cabarezístico que foi aplicado na minha veia
de atriz ainda pulsa, muito embora se tenham pequenas
inseguranças [vocais] e discordâncias [cênicas], eu me sinto
em um estado artístico engrandecedor, e por isso sempre serei
agradecida. Eu nunca desconfiei que conseguiríamos criar algo
tão alucinante, vibrante e catatônico juntas [....]

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